domingo, 12 de novembro de 2017

Acórdão da Relação de Évora de 26.10.2017

Processo n.º 523/17.2T8EVR-A.E1

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Sumário:

Na acção pauliana, o valor da causa é determinado segundo o critério estabelecido pelo artigo 301.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

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Banco, SA propôs, contra VC, CC e Imobiliária, S.A., acção declarativa comum em que pediu que se lhe reconheça o direito de executar o património constituído pelos imóveis alienados no património do obrigado à restituição (3.ª ré) na medida do que se mostrar necessário para ressarcimento do seu crédito, conforme disposto no n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil. O autor indicou, como valor da causa, € 30.000,01.

Foi proferido despacho fixando o valor da causa em € 2.472.859,89, declarando o Juízo Local Cível de Évora – Comarca de Évora incompetente em razão do valor e determinando a remessa dos autos, após trânsito, para o Juízo Cível e Criminal da Instância Central da Comarca de Évora.

O autor recorreu deste despacho, formulando as seguintes conclusões:

I. Salvo o devido respeito por melhor opinião, crê-se que a decisão do tribunal a quo advém de uma incorrecta aplicação do artigo 297º, n.º 1 do CPC aos presentes autos, porquanto o critério para determinar o valor da presente causa é o que se encontra previsto no artigo 301º, n.º 1 do CPC.

II. O valor de uma causa corresponde à utilidade económica imediata que através da mesma se pretende alcançar (cfr. artigo 296, n.º 1, do CPC).

III. Numa acção de impugnação pauliana a pretensão deduzida pelo autor consiste em tornar ineficaz o negócio que constitui o objecto da impugnação.

IV. A satisfação do crédito do autor da acção de impugnação pauliana é posterior a ter alcançado a procedência dessa acção e daí que o valor da acção não deva ser o da utilidade económica do pedido formulado em função do crédito alegado mas sim aquele que resulta do valor atribuído aos direitos constantes do acto impugnado.

V. Pelo que o critério a aplicar para determinar o valor da presente causa é o critério previsto no artigo 301.º, n.º 1 do CPC que dispõe que «quando a acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico, atender-se-á ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes».

VI. No caso em apreço, o preço atribuído aos imóveis no negócio de compra e venda objecto da presente impugnação pauliana foi de € 550.000,00, conforme resulta da escritura pública junta como doc. 1 da petição inicial.

VII. Pelo que o valor da presente causa deve ser fixado em € 550.000,00, o que se requer.

O recurso foi admitido.

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É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do CPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

A questão a resolver consiste em saber qual é o critério a atender para a fixação do valor da causa numa acção pauliana.

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Como acima se referiu, o recorrente pediu que se lhe reconheça o direito de executar o património constituído pelos imóveis alienados no património do obrigado à restituição (3.ª ré) na medida do que se mostrar necessário para ressarcimento do seu crédito, conforme disposto no n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil. Estamos, portanto, perante uma acção pauliana, regulada, nos seus aspectos substantivos, pelos artigos 610.º a 618.º do Código Civil.

Através da acção pauliana, o credor impugna um acto praticado pelo devedor que envolva uma diminuição da garantia patrimonial do seu crédito. O credor ataca judicialmente determinado acto jurídico, visando destruir, pelo menos, uma parte dos efeitos deste. A finalidade imediata da acção pauliana não é o reconhecimento da existência do crédito, ou a condenação do devedor no cumprimento deste, mas sim a conservação da garantia patrimonial do mesmo crédito nos termos estabelecidos pelo artigo 616.º do Código Civil, cujo n.º 1 dispõe que, julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

Sendo assim, não é correcto aplicar, como o despacho recorrido aplicou, o critério estabelecido no artigo 297.º, n.º 1, do CPC, para fixar o valor da causa. A primeira parte desta norma estabelece que, se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário. É evidente que, através da acção pauliana, não se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro. Nesta última hipótese, não estaríamos perante uma acção pauliana, mas sim perante uma acção de dívida. O despacho recorrido confunde indevidamente a cobrança de um crédito com a impugnação de um acto jurídico que põe em causa a garantia patrimonial deste. São coisas distintas.

Em vez disso, o critério de fixação do valor da causa deverá ser o estatuído no artigo 301.º, n.º 1, do CPC. De acordo com esta norma, quando a acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico, atende-se ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes. É o caso da acção pauliana, através da qual, como se referiu, se impugna um concreto acto jurídico com vista a destruir, pelo menos, uma parte dos efeitos deste.

A conclusão a que chegamos está em consonância com o princípio geral, consagrado no artigo 296.º, n.º 1, do CPC, de que o valor da causa deverá representar a utilidade económica imediata do pedido. Na acção pauliana, é o valor do acto jurídico impugnado que exprime esta utilidade económica imediata do pedido, não o do crédito cuja garantia patrimonial o autor pretende ver conservada.

No caso dos autos, resulta da petição inicial e do documento n.º 10 anexo à mesma que o preço estipulado para a venda impugnada pelo recorrente foi de € 550.000. Logo, nos termos do artigo 301.º, n.º 1, do CPC, é este o valor da causa.

Deverá, assim, o despacho recorrido ser revogado, fixando-se em € 550.000 o valor da causa.

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Decisão:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, revogando o despacho recorrido e fixando o valor da causa em € 550.000.

Sem custas, atento o disposto no artigo 527.º do CPC.

Notifique.

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Évora, 26.10.2017

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.ª adjunta

2.ª adjunta

 

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