Processo n.º 523/17.2T8EVR-A.E1
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Sumário:
Na acção pauliana, o valor da causa é
determinado segundo o critério estabelecido pelo artigo 301.º, n.ºs 1 e 2, do
CPC.
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Banco,
SA propôs, contra VC, CC e Imobiliária, S.A., acção declarativa comum em que
pediu que se lhe reconheça o direito de executar o património constituído pelos
imóveis alienados no património do obrigado à restituição (3.ª ré) na medida do
que se mostrar necessário para ressarcimento do seu crédito, conforme disposto
no n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil. O autor indicou, como valor da causa,
€ 30.000,01.
Foi
proferido despacho fixando o valor da causa em € 2.472.859,89, declarando o
Juízo Local Cível de Évora – Comarca de Évora incompetente em razão do valor e
determinando a remessa dos autos, após trânsito, para o Juízo Cível e Criminal
da Instância Central da Comarca de Évora.
O autor
recorreu deste despacho, formulando as seguintes conclusões:
I. Salvo o devido respeito por melhor opinião, crê-se
que a decisão do tribunal a quo advém
de uma incorrecta aplicação do artigo 297º, n.º 1 do CPC aos presentes autos,
porquanto o critério para determinar o valor da presente causa é o que se
encontra previsto no artigo 301º, n.º 1 do CPC.
II. O valor de uma causa corresponde à utilidade económica
imediata que através da mesma se pretende alcançar (cfr. artigo 296, n.º 1, do
CPC).
III. Numa acção de impugnação pauliana a pretensão
deduzida pelo autor consiste em tornar ineficaz o negócio que constitui o
objecto da impugnação.
IV. A satisfação do crédito do autor da acção de
impugnação pauliana é posterior a ter alcançado a procedência dessa acção e daí
que o valor da acção não deva ser o da utilidade económica do pedido formulado
em função do crédito alegado mas sim aquele que resulta do valor atribuído aos
direitos constantes do acto impugnado.
V. Pelo que o critério a aplicar para determinar o
valor da presente causa é o critério previsto no artigo 301.º, n.º 1 do CPC que
dispõe que «quando a acção tiver por objecto a apreciação da existência,
validade, cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico,
atender-se-á ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas
partes».
VI. No caso em apreço, o preço atribuído aos imóveis
no negócio de compra e venda objecto da presente impugnação pauliana foi de €
550.000,00, conforme resulta da escritura pública junta como doc. 1 da petição
inicial.
VII. Pelo que o valor da presente causa deve ser
fixado em € 550.000,00, o que se requer.
O recurso foi admitido.
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É entendimento uniforme que é pelas conclusões das
alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de
intervenção do tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do
CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo
608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º
2, do CPC). Acresce que os recursos não
visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo
conteúdo do acto recorrido.
A questão a resolver consiste em saber qual é o
critério a atender para a fixação do valor da causa numa acção pauliana.
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Como acima se referiu, o recorrente pediu que se lhe
reconheça o direito de executar o património constituído pelos imóveis
alienados no património do obrigado à restituição (3.ª ré) na medida do que se
mostrar necessário para ressarcimento do seu crédito, conforme disposto no n.º
1 do artigo 616.º do Código Civil. Estamos, portanto, perante uma acção
pauliana, regulada, nos seus aspectos substantivos, pelos artigos 610.º a 618.º
do Código Civil.
Através da acção pauliana, o credor impugna um acto praticado pelo
devedor que envolva uma diminuição da garantia patrimonial do seu crédito. O
credor ataca judicialmente determinado acto jurídico, visando destruir, pelo
menos, uma parte dos efeitos deste. A finalidade imediata da acção pauliana não
é o reconhecimento da existência do crédito, ou a condenação do devedor no
cumprimento deste, mas sim a conservação da garantia patrimonial do mesmo
crédito nos termos estabelecidos pelo artigo 616.º do Código Civil, cujo n.º 1 dispõe
que, julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos
bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado
à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial
autorizados por lei.
Sendo assim, não é correcto aplicar, como o despacho recorrido aplicou, o
critério estabelecido no artigo 297.º, n.º 1, do CPC, para fixar o valor da
causa. A primeira parte desta norma estabelece que, se pela acção se pretende obter
qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo
atendível impugnação nem acordo em contrário. É evidente que, através da acção
pauliana, não se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro. Nesta
última hipótese, não estaríamos perante uma acção pauliana, mas sim perante uma
acção de dívida. O despacho recorrido confunde indevidamente a cobrança de um
crédito com a impugnação de um acto jurídico que põe em causa a garantia
patrimonial deste. São coisas distintas.
Em vez disso, o critério de fixação do valor da causa deverá ser o
estatuído no artigo 301.º, n.º 1, do CPC. De acordo com esta norma, quando a
acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento,
modificação ou resolução de um acto jurídico, atende-se ao valor do acto
determinado pelo preço ou estipulado pelas partes. É o caso da acção pauliana,
através da qual, como se referiu, se impugna um concreto acto jurídico com
vista a destruir, pelo menos, uma parte dos efeitos deste.
A conclusão a que chegamos está em consonância com o princípio geral,
consagrado no artigo 296.º, n.º 1, do CPC, de que o valor da causa deverá
representar a utilidade económica imediata do pedido. Na acção pauliana, é o
valor do acto jurídico impugnado que exprime esta utilidade económica imediata
do pedido, não o do crédito cuja garantia patrimonial o autor pretende ver
conservada.
No caso dos autos, resulta da petição inicial e do documento n.º 10 anexo
à mesma que o preço estipulado para a venda impugnada pelo recorrente foi de €
550.000. Logo, nos termos do artigo 301.º, n.º 1, do CPC, é este o valor da
causa.
Deverá, assim, o despacho recorrido ser revogado, fixando-se em € 550.000
o valor da causa.
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Decisão:
Acordam os juízes do
Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, revogando o
despacho recorrido e fixando o valor da causa em € 550.000.
Sem
custas, atento o disposto no artigo 527.º do CPC.
Notifique.
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Évora, 26.10.2017
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.ª
adjunta
2.ª
adjunta