terça-feira, 18 de outubro de 2022

Acórdão da Relação de Évora de 29.09.2022

Processo n.º 1039/19.8T8SLV-C.E1-A

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Sumário:

1 – Decisiva para a atribuição do valor de título executivo a um documento não é a qualificação substantiva do contrato através dele celebrado, mas sim o cumprimento, por esse documento, por si só ou em conjunto com outros, dos requisitos para tanto estabelecidos na lei processual.

2 – Um título executivo é complexo quando for constituído por documentos que apenas em conjunto cumpram os requisitos necessários para a lei lhes reconhecer aquele valor.

3 – Se a interrupção da prescrição resultar de citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, salvo nas hipóteses previstas no n.º 2 do artigo 327.º do Código Civil, em que aquele prazo começa a correr logo após o acto interruptivo.

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Banco, S.A., instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa contra PF, Lda., a qual deduziu oposição mediante embargos de executado. A exequente/embargada contestou, tendo, em seguida, o tribunal a quo proferido despacho saneador em que, além do mais, julgou improcedentes os embargos na parte em que suscitavam as questões da falta de título executivo e da prescrição do crédito exequendo.

A embargante interpôs recurso de apelação do descrito segmento do despacho saneador, tendo formulado as seguintes conclusões:

NULIDADES DO DESPACHO

1.ª Nulidade

1.ª Estamos perante uma execução hipotecária dum bem imóvel de terceiro – conforme resulta da exposição da causa de pedir do requerimento executivo – em que a hipoteca delimita a presente execução.

2.ª A recorrente está de acordo neste ponto e, por isso, ponto 1 da matéria assente viola o art.º 3.º do CPC, o que constitui nulidade do despacho nos termos do art.º 615.º, 1, als. d) e e), do CPC, quando refere que se trata da execução coerciva duma dívida.

2.ª Nulidade

3.ª A recorrente invocou que o acordo ou contrato de 27/5/2003 não é um título executivo face ao art.º 46.º do CPC, porque aí «se prevê a constituição futura de obrigações pecuniárias, (art.ºs 4.º e 5.º da oposição).

4.ª O despacho ignora a causa de pedir dessa excepção – o facto do contrato de 27/5/2003 prever a constituição futura de obrigações pecuniárias – e qualifica logo o contrato como sendo de mútuo, fonte imediata de obrigações pecuniárias, na seguinte passagem, «Para tanto, é preciso apurar se o contrato em causa (de mútuo, nos termos do artigo 1142.º do Código Civil), previa a constituição de uma obrigação futura, ou não.».

5.ª Apesar do oponido ter percebido correctamente a excepção, respondendo-lhe (nos art.ºs 8º e 9º da contestação), o tribunal a quo deflectiu a questão, não dedicando qualquer trecho à interpretação do teor do acordo de 27/5/2003 e optando, ao invés, por analisar um acórdão sobre abertura de crédito e prestações futuras, i.e, coisa diversa da pedida. (art.º 615, 1, al. d) do CPC).

3.ª Nulidade

6.ª O acordo, ou contrato, datado de 27/5/2003, indicado como título executivo, é uma carta do Banco, S.A., datada de 27/5/2003, em que todas as declarações são do banco limitando-se VN, Lda. a assinar no final, sem apor qualquer data.

7.ª No requerimento executivo o exequente indicou que o documento era datado de 27/5/2003, a recorrente não impugnou tal facto e na contestação (art.ºs 12º e 13º), o exequente explicitou que o mesmo foi remetido à sociedade VN, Lda. e por ela aceite, e que o acordo não sucede “ter sido formalizado na presença física de ambas as partes”.

8.ª Face a esta posição das partes quanto à celebração do acordo, não dever ser dada como assente a sua data de celebração no seguinte trecho, na p. 3, parágrafo 4, em “Cumpre Decidir,” “Está assente que o contrato que previu a concessão de um empréstimo à sociedade VN, Lda. considera-se celebrado a 27 de Maio de 2003.”

9.ª Ao fixar a data da celebração, ou da perfeição do acordo, em 27/5/2003, o tribunal a quo está a conhecer de factos não alegados pelas partes, incompatíveis com aqueles foram apresentados pelo exequente e que não constam do teor do documento (doc.1 do requerimento executivo).

10.ª Os requerimentos executivos e os mútuos bancários estão sujeitos à forma escrita, não sendo admitida prova testemunhal (art.º 393.º, doc CC) pelo que não são possíveis as ilacções judiciais sobre a data em que a aceitação chegou ao proponente (art.º 351º, do CC), ocorrendo, pois, nulidade por excesso de pronúncia (art.º 615º, 1, al. d), do CPC).

4.ª Nulidade

11.ª O tribunal a quo funda a sua decisão de indeferimento da prescrição, em factos e causas de interrupção da prescrição que não foram invocadas pelas partes, todas respeitantes à acção executiva n.º 1099/05.9TBLGS. (cfr. desde p.12, último parágrafo, até 1.º parágrafo da pág. 14).

12.ª A MATÉRIA ASSENTE DOS PONTOS 8 e 9 – interpretações de requerimentos das partes nos autos desse processo judicial já findo – é da autoria exclusiva do tribunal, o que viola o princípio do pedido, o caso julgado formal e o princípio da extinção do poder jurisdicional.

13.ª É nula a alegação e apreciação dos factos, não alegados pelas partes, relativos à prescrição do processo 1099/05.9TBLGS, a saber, - quanto ao pedido de provisão do A.E. não ser um pedido inicial, - quanto ao requerimento de 26/9/2013 do processo 1099/05.9TBLGS (§ 5º da p. 13) e quanto ao requerimento de 29/10/2018 desse processo (parágrafo 7, da p.13), que resultaram nos pontos 8 e 9 da matéria assente, - quanto à tramitação dessa acção se alega que há um reconhecimento “mais do que tácito - expresso” (§8º, p. 13), - quanto à invocação que em 2018, se tramitava essa acção sem inércia do exequente.

14.ª A invocação de causas de interrupção da prescrição por iniciativa do tribunal, viola o art.º 5º, 1, 2 e 3 (a contrario) e o art.º 3.º, 2, do CPC e determina a nulidade do despacho por excesso de pronúncia, conforme art.º 615.º, 1, al. d), do CPC.

15.ª A interpretação de actos processuais internos a processo judicial já findo e inoponíveis à recorrente, que não foi parte, viola o caso julgado formal e o princípio da extinção do poder jurisdicional após o processo estar decidido e/ou findo.

16.ª Uma vez que a interpretação autêntica está reservada à lei (art.º 13.º, 1 do CC), nunca o juiz poderia fazer interpretação autêntica de despachos, como se arroga o tribunal a propósito da acção n.º 1099/05.9TBLGS - tal constituiria uma violação do princípio da extinção do poder jurisdicional e do trânsito em julgado.

17.ª Logo, também aqui ocorre nulidade por excesso de pronúncia, 615º, 1, al. d), do CPC.

5.ª Nulidade

18.ª A hipoteca dada à execução apenas cobre juros remuneratórios do capital das operações bancárias aí indicadas [cfr. doc. 8 do requerimento executivo, p. 4, al. b)], não cobre juros de mora.

19.ª No requerimento executivo, o exequente pediu 49.119,83€ de juros contratuais de 27.02.2004 a 27.02.2007 (v. liquidação do requerimento executivo, a final) e alegou que no dia 06.10.2004 rescindiu o contrato (parágrafo 6º, p. 1, do mesmo requerimento).

20.ª Sem prejuízo da restante impugnação e excepções deduzidas, a recorrente invocou a prescrição dos juros e do imposto de selo por decurso do prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º, als. d) e e) do CPC (cfr. art.º 76 e pedido final da oposição).

21.ª O tribunal não conheceu da prescrição dos juros, nem do imposto de selo, ocorrendo nulidade do despacho por omissão e simultaneamente, nulidade por excesso, ao decidir que autoriza o exequente a liquidar os juros de modo a abranger os últimos 3 anos (art.º 615, 1, al. d), do CPC).

22.ª Para efeito de tal conhecimento, foi alterado o PONTO 2 DA MATÉRIA ASSENTE, para nele conter o que foi efectivamente pedido nesta acção.

23.ª Ora se a alteração do alegado no requerimento executivo é vedada ao exequente, a menos que tenha a anuência do executado, nos termos do artºs 264º e 551º, nº1, do CPC10, muito menos será possível o tribunal, por sua iniciativa, autorizar, unilateralmente e sem ouvir o executado, a reformulação do pedido.

RESTANTES CONCLUSÕES

Alterações à Matéria de Facto Assente

24.ª No despacho recorrido, impõe-se corrigir o teor da matéria de facto assente dos pontos 1, 2, 3, 6, 7, 10 e 11, excluir os pontos 4, 5, 8 e 9 e a fixação de matéria a seguir a «Cumpre decidir».

25.ª Devem ser aditados os pontos 3A e 3B, relativos ao documento 1 do requerimento executivo, indicado como título executivo e considerado, a título subsidiário, o ponto 12 aditado.

26.ª Todas estas alterações nos seguintes termos,

PONTO 1 DA MATÉRIA ASSENTE CORRIGIDO

1. Banco, S.A. veio propor execução hipotecária para ser pago pela venda do imóvel descrito sob o n.º 631 da Freguesia de (…), registado na Conservatória do Registo Predial de (…), accionando a actual proprietária do imóvel, PF, Lda..

PONTO 2 DA MATÉRIA ASSENTE CORRIGIDO

2. Liquidou a obrigação nos seguintes termos:

a) Capital - € 146.675,00:

b) Juros Contratuais de 27.2.2004 a 27.2.2007- € 49.119,83;

c) Imposto de selo sobre juros- € 1.964,79.

PONTO 3 DA MATÉRIA ASSENTE CORRIGIDO

3. Para tanto, apresentou um contrato datado de 27 de Maio de 2003; um extracto bancário de 30 de Junho de 2003; uma escritura pública de constituição de hipoteca, datada de 03 de Abril de 2003 e certidão do registo predial do imóvel dado à execução - tudo anexado ao requerimento executivo e cujo teor ora se dá por reproduzido.

NOVO PONTO 3.A. DA MATÉRIA ASSENTE 3.A.

O contrato dado à execução consistia numa carta de Banco, S.A., datada de 27/5/2003, enviada a VN, Lda., onde lhe foi comunicado,

“Assunto: EMPRÉSTIMO DE EUROS 149.000,00 Na sequência de conversações havidas, vimos comunicar-lhe que vamos conceder-lhe o empréstimo supra nas seguintes condições,

1. PRAZO: 24 meses a contar da data da abertura do empréstimo.

2. UTILIZAÇÃO: (…) duma só vez através de transferência a solicitação de V. Excia (s),(…)

3.FINALIDADE: Para reestruturação de responsabilidades nomeadamente da livrança vencida em 05.12.2002.

4. JUROS E OUTROS ENCARGOS (…) 4.2 Os juros e encargos serão pagos mensal e postecipadamente, sendo o primeiro pagamento um mês após a data de concessão do empréstimo (…)

5. REEMBOLSO 5.1 Em 24 prestações mensais e sucessivas de capital (…) com início um mês após a data de concessão do empréstimo. (…)

6. GARANTIAS: 6.1 Aval do Sr. AS e cônjuge, que será aposto em livrança em branco subscrita por V. Excias. a nosso favor e acompanhada de carta nos termos usuais deste Banco, ambas em anexo. (…) Procederemos à concessão do empréstimo logo que V. Excia(s) nos dê(em), o acordo às estipulações acima indicadas, formalize(m) a(s) garantia(s) e nos entreguem declaração da segurança social nos termos da legislação em vigor. (…) ”,

aqui se dando por reproduzido o restante teor do doc. 1 junto ao requerimento executivo para todos os efeitos legais.

NOVO PONTO 3.B. DA MATÉRIA ASSENTE

3.B. A destinatária da carta de 27/5/2003 referida no ponto anterior, VN, Lda., recebeu-a e assinou-a, aceitando o que aí se propunha.

EXCLUSÃO DA MATÉRIA ASSENTE EM “Cumpre Decidir”

Deve excluir-se, na p. 3, parágrafo 4, do despacho, o seguinte, “Está assente que o contrato que previu a concessão de um empréstimo à sociedade VN, Lda. considera-se celebrado a 27 de Maio de 2003.”

EXCLUSÃO DOS PONTOS 4 e 5 DA MATÉRIA ASSENTE

PONTO 6 DA MATÉRIA ASSENTE CORRIGIDO

6. Em 06 de Outubro de 2004, a Exequente remeteu à VN, Lda. comunicação de rescisão do contrato, exigindo então o pagamento do valor global de € 155.360,25.

PONTO 7 DA MATÉRIA ASSENTE CORRIGIDO

7. Em 14 de Setembro de 2005, a Exequente propôs acção executiva contra VN, Lda. e outros, que deu origem ao processo n.º 1099/05.9TBLGS, com vista à cobrança coerciva de duas livranças - uma livrança em branco preenchida pelo valor de €167.441,04, invocando o incumprimento da carta/contrato de 27/5/2003 (o mesmo contrato que está em causa no presente processo) e uma outra livrança vencida de 21.000,00€.

EXCLUSÃO DOS PONTOS 8 e 9 DA MATÉRIA ASSENTE

PONTO 10 DA MATÉRIA ASSENTE CORRIGIDO

Em 17/12/2018 foi proferido o seguinte despacho de extinção no processo n.º1099/05.09TBLGS pela Agente de Execução, nos seguintes termos, “Considerando que a exequente foi notificada do pedido de provisão a fim de serem promovidas as diligências dos presentes autos e não tendo procedido ao pagamento nem tendo reclamado de tal pedido de provisão, determino a extinção da presente execução, nos termos do disposto no art.º 721º, 3, do CPC.”

PONTO 11 DA MATÉRIA ASSENTE CORRIGIDO

11. No processo n.º1099/05.09TBLGS, foi proferido o despacho final de 2/5/2019, transitado em julgado em 24/05/2019, que indeferiu a reclamação do Exequente Banco, S.A., relativa à decisão do Agente de Execução de 17/12/2018 que determinou a extinção da execução por falta de pagamento de provisão que lhe era devida, nos seguintes termos,

“Como exarado nos despachos anteriores, a Exequente bem sabe que a execução se arrasta pelo Tribunal há mais de 13 anos. Não foi penhorado um único bem, móvel ou imóvel.

A Sr.ª Agente de Execução extinguiu a acção, por falta de pagamento de provisão.

Se o não tivesse feito - e como consta expressamente do despacho anterior - teria sido o Tribunal a extinguir a accão por manifesta inutilidade da lide, nos termos do artigo 277.º alínea e) do Código de Processo Civil.

Os autos de execução não se compadecem com este tipo de actuação processual - 13 anos sem nada penhorar, com os exequentes assistir à alegada inacção dos Agentes de Execução, sem nada requerer, mormente, a sua substituição.

Improcede, por isso, a reclamação.”

Subsidiariamente,

PONTO 12 DA MATÉRIA ASSENTE

Terminaram por absolvição da instância os seguintes processos,

a) o processo 1949/13.6TYLSB, do 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, autuado em 8/11/2013, com citação efectuada por nota de citação de 14/11/2013, terminou com desistência da instância, por decisão transitada em julgado em 28/2/2014. (certidão junta com o 1º requerimento de 10/09/2021)

b) O processo n.º 610/11.0TYLSB, do 4º juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, autuado em 3/5/2011, com citação efectuada por nota de citação 11/5/2011, terminou com absolvição da instância, decisão transitada em julgado em 22/8/2011. (certidão junta com o 1º requerimento de 10/09/2021)

c) o processo n.º 842/14.0TBLGS intentado por “Banco, S.A.” contra PF, Lda., com nota de citação de 01/10/2014, tendo a acção terminado com a absolvição da instância por ineptidão do requerimento executivo, conforme sentença transitada em julgado em 01/10/2014 (certidão - doc.15 da oposição)

Título Executivo e Matéria Assente

27.ª Na oposição, a recorrente invocou a falta de título executivo, quer na versão do CPC anterior à Lei n.º 41/2013, de 26/6, quer na posterior, uma vez que o acórdão do T.C. invocado pelo exequente não conferiu a qualidade de título executivo aos documentos que não a detinham face à lei anterior.

28.ª Como se referiu, a presente acção é uma execução hipotecária sobre bem de terceiro - sobre o imóvel da agora recorrente PF, Lda., que não é quem figura como sujeito indicados nos títulos indicados pelo exequente.

29.ª Logo, cumpre alterar o ponto 1 da matéria assente, para aí fazer constar que a presente execução tem como fim accionar a hipoteca, o que tem relevância, uma vez que a hipoteca delimita a presente execução.

30.ª Assim, os títulos executivos da presente acção só poderiam ser, a escritura de hipoteca, conjugada com a prova de titularidade da propriedade do imóvel pela recorrente e com documentos, que, nos termos legais, sejam admitidos a complementar esses títulos e deles resulte o reconhecimento de dívidas, ou a constituição de dívidas.

31.ª O exequente indicou como títulos, a escritura de hipoteca, o documento particular datado de 27/5/2003, que designou como contrato de empréstimo e o extracto bancário de 30/6/2003 (ver docs. 1 e 2 do requerimento executivo e sob a epígrafe, “Quanto ao Título”- último parágrafo).

32.ª O exequente invoca que o documento datado de 27/5/2003 é um contrato de empréstimo e que o valor de 149,800,00 foi creditado na conta de depósitos à ordem de VN, Lda., nos termos desse contrato, e serviu para pagar uma livrança desse valor vencida em 3/12/2002, conforme extracto que constitui o doc. 2 (cfr. 1º, 3º e 4º parágrafos do requerimento executivo).

33.ª A recorrente defendeu que inexistia título executivo já que o acordo de 27/5/2003 não era contrato de empréstimo (cfr. art.ºs 4º, 5º e 97º da oposição), mas um acordo de constituição de obrigações futuras (v. art.ºs 4º e 5º da oposição) e impugnou a realização do empréstimo e a liquidação de livrança, conforme art.ºs 15º e 16º da oposição.

34.ª Sustentou que os demais documentos que o exequente juntou não tinham a virtualidade de constituir a obrigação pecuniária descrita como causa de pedir, ou reconhecer dívidas (art.ºs 11º a 14º e 17º a 24º - todos da oposição).

35.ª Assim, como foi impugnada que se tenha verificado a constituição da obrigação de mútuo por meio do contrato de 27/5/2003 e atento o teor do acordo, foram efectuadas as seguintes alterações à matéria de facto,

- Da MATÉRIA ASSENTE, PONTO 3, retirou-se, “contemplando o empréstimo à sociedade VN, Lda. do valor de € 149.800,00” - sob pena de violação dos art.ºs 571º, 2 e 574º, 2, do CPC e introduziu-se a referência à certidão predial por razões de legitimidade;

- Introduziram-se os PONTOS 3.A. e 3.B. na MATÉRIA ASSENTE, que correspondem ao teor do indicado título executivo - contrato datado de 27/5/2003;

36.ª Excluiu-se a MATÉRIA ASSENTE depois de “Cumpre Decidir”, na p. 3, parágrafo 4, do despacho em crise, onde se estatui, “Está assente que o contrato que previu a concessão de um empréstimo à sociedade VN, Lda. considera-se celebrado a 27 de Maio de 2003.”,

37.ª Os pontos alterados violavam o art.º 571º, 2 e o art.º 574º, 2, do CPC, por darem como assentes factos que não o estavam, bem como incorriam em erro de interpretação por não atentarem ao teor do contrato datado de 27/5/2003 e considerarem-no, sem escrutínio, como um contrato de mútuo (art.ºs 236º, 1 e 238º, 1, CC).

38.ª A recorrente impugnou a natureza de contrato datado de 27.5.2003, sustentando-se que apenas previa a não era fonte de reconhecimento, ou de constituição de obrigações futuras presentes, uma vez que, entre outros aspectos, supra indicados, terminava o banco dizendo, «Procederemos à concessão do empréstimo logo que V. Excia(s) nos dê(em), o acordo às estipulações acima indicadas, formalize(m) a(s) garantia(s) e nos entreguem declaração da segurança social nos termos da legislação em vigor» (penúltimo parágrafo do contrato datado de 27/5/2003).

39.ª Com efeito, o banco declara que só após o acordo às estipulações indicadas, formalização e entrega das garantias pretendidas pelo banco, bem como uma declaração da segurança social, concederá o empréstimo.

40.ª No acordo de 27/5/2003, o banco compromete-se a emprestar o valor, se e só se, vierem a ser reunidas as condições indicadas a final que consistem em, actos posteriores da contraparte VN, Lda., que estarão sujeitos a um juízo prévio de verificação de conformidade, pelo banco, antes que este conceda o empréstimo.

41.ª Relativamente, à fixação pelo tribunal de que o acordo datado de 27/5/2003 foi celebrado em 27/5/2003 é errónea e ilegal, ocorrendo violação dos arts.º 236º, 1 e 238º, 1 e art.º 351º, do CC, e do art.º 574º, 2, do CPC - atenta a posição das partes e o teor do documento.

42.ª No requerimento executivo apenas é referido que o acordo é datado de 27/5/2003, a opoente não se opôs ao facto, posteriormente na contestação o exequente alega que é uma proposta remetida à VN, Lda. e por ela aceite e que o acordo não sucede “ter sido formalizado na presença física de ambas as partes” (cfr. art.ºs 12º e 13º).

43.ª O documento 1 tem todos os sinais, e do seu teor resulta, ser uma carta-comunicação do Banco, S.A., dirigida à sociedade VN, Lda. que esta se limita a assinar em data que aí não consta.

44.ª Logo, não está assente, nem resulta de ilação que o julgador legalmente pudesse firmar, que o contrato foi assinado pela destinatária e que a aceitação chegou ao remetente no mesmo dia (art.º 224º, 1, do CC) de modo a ser celebrado na data posta na carta, claramente, por “Banco, S.A.”.

45.ª A MATÉRIA ASSENTE PONTOS 4 e 5, deveria ser excluída, pois é matéria impugnada por não verdadeira, e não decorre do teor dos documentos, mas apenas da alegação do exequente de que, através da carta que constitui o doc. 3 do requerimento executivo, o banco aceitou fazer uma reestruturação do mútuo do acordo de 27/5/2003 (parágrafo 5º, p. 1, do requerimento executivo), porém não foi junta qualquer anuência ao teor do doc. 3.

46.ª Alega o exequente no parágrafo 6.º, p. 1, que o doc. 4 é a aceitação às alterações constantes do doc. 3 por VN, Lda., no entanto, tal afirmação foi também posta em causa, por não ser verdadeira como se demonstrou.

47.ª Resumindo, esta exposição dos factos com duas aceitações e nenhuma proposta é confusa e foi impugnada pela opoente (cfr. art.ºs 17.º a 25.º, quanto ao doc. 3 e doc. 4 e art.ºs 95.º e ss. da oposição quanto à obrigação) e a sua inserção na matéria assente viola os arts.º, 236.º, 1, e 238.º, 1, do CC e do art.º 574º, do CPC.

48.ª A MATÉRIA ASSENTE DO PONTO 6 deveria ser alterada retirando-se a referência a «mutuária» e «em dívida», porque se trata de matéria impugnada e a sua inclusão viola o art.º 574º, 2, do CPC.

Prescrição e Matéria Assente

49.ª O PONTO 7 DA MATÉRIA ASSENTE funda-se na certidão (doc. 5 da oposição), um requerimento executivo - e deveria ser exacto quanto às partes, títulos executivos e valor da execução, daí que tenha sido corrigido.

50.ª A nova redacção coincide com o teor do documento e com a alegação da opoente (art.º 48.º) não impugnada na contestação e coincide com o teor do documento certificado, deixando assim de violar os art.ºs, 238º, 1, e 384º, do CC - cfr. artº 144º, 4, do CPC.

51.ª Quanto à MATÉRIA ASSENTE DOS PONTOS 8 e 9, tem de ser removida, pois, nem os factos, nem as qualificações jurídicas foram alegados pelas partes e o tribunal não pode substituir-se às partes na elaboração de pretensos factos interruptivos da prescrição.

52.ª O tribunal a quo ao estabelecer, por moto próprio, causas de interrupção da prescrição alicerçadas em interpretações de actos internos do proc. 1099/05.9TBLGS, viola os princípios do pedido, do contraditório, viola o caso julgado formal e a extinção do poder jurisdicional (art.ºs 3.º, 1, 4.º, 5.º, 1 e 2 e 613.º, 1, do CPC).

53.ª Assim disso, os actos internos do processamento do processo 1099/05.9TBLGS, da qual a recorrente não foi parte, são inoponíveis à recorrente.

54.ª Igualmente, a fundamentação do despacho desde “Compulsada a acção executiva…” , na p. 13, 3.º parágrafo até ao 1º parágrafo da p. 14, para esta matéria da prescrição, tem de ser considerada nula, por não ter havido alegação das partes.

55.ª A MATÉRIA ASSENTE DOS PONTOS 10 e 11 foi fixada para fundamentar a prescrição e funda-se no doc. 7 junto à oposição - certidão do despacho do agente de execução que extinguiu a instância e da respectiva decisão da reclamação (despacho judicial de 2/5/2019), no processo 1099/05.9TBLGS.

56.ª Uma vez que o tribunal a quo já não tem poderes jurisdicionais para reapreciação dos despachos proferidos no processo findo, deveria a matéria assente dos pontos 10 e 11 conter o teor dos despachos, ou para eles remeter.

57.ª Ambos os pontos da matéria assente, na versão do despacho recorrido, tal como a respectiva fundamentação, pretendem alterar o despacho judicial de 2/5/2019 e a decisão do agente de execução de 17/12/2018.

58.ª Na MATÉRIA ASSENTE DO PONTO 10, no despacho em crise foi acrescentado algo que não existe no despacho original do agente de execução, nem foi alegado pelas partes, que a provisão de honorários se destinava «à realização das demais diligências executivas».

59.ª Ora, o que resulta, da confissão do exequente nos autos e do despacho proferido em 2/5/2019, é que a provisão se destinava à realização de primeira penhora do processo, por sua vez o despacho apenas mencionava honorários para diligências executivas.

60.ª Na MATÉRIA ASSENTE DO PONTO 11, o despacho também se absteve de incluir o teor da decisão judicial de 2/5/2019, porquanto aí se censurava a inércia do exequente, sustentando que, em mais de 13 anos de pendência do processo, nada se penhorou e o exequente nada requereu, nem substituiu o Agente de Execução.

61.ª Ora, na fundamentação da prescrição, invoca, violando o caso julgado, que o exequente nenhuma inércia teve na pendência desse outro processo.

62.ª A MATÉRIA ASSENTE DO PONTO 12 é subsidiária, uma vez que a recorrente não cumpriu com o ónus de alegação e prova imposto pelo art.º , porém se assim não se considerar, a matéria resultante das certidões juntas à oposição e pelo 1º requerimento de 10/9/2021, refuta as alegações do exequente quanto a interrupção e suspensão de prazo prescricional.

QUID JURIS QUANTO A TÍTULO EXECUTIVO E PRESCRIÇÃO?

63.ª O exequente alega a constituição dum mútuo pelo contrato de 27/5/2003, sendo este contrato, a hipoteca e o extracto bancário de 30/06/2003, indicados como títulos executivos.

64.ª A hipoteca, um contrato de garantia, não é fonte constitutiva, ou de reconhecimento de dívida, não podendo ser título executivo por si só.

65.ª O acordo/contrato de 27/5/2003 – carta do banco – é um documento particular em que, a destinatária que o banco considera como devedora, se limita a assinar, no final, e em que apenas o banco faz declarações sobre um futuro empréstimo, terminando com várias condições à concessão futura do empréstimo, a saber, «Procederemos à concessão do empréstimo logo que V. Excia(s) nos dê(em), o acordo às estipulações acima indicadas, formalize(m) a(s) garantia(s) e nos entreguem declaração da segurança social nos termos da legislação em vigor. (cfr. penúltimo parágrafo do doc.1 do req. executivo)

66.ª À luz do art.º 46º, 1, al. c) do CPC, o acordo de 27/5/2003 não pode ser título executivo, porquanto não estão reunidos os requisitos:

a) apesar da assinatura da invocada devedora, não há no documento reconhecimento do mútuo indicado na execução, uma vez que não é certo, que por força desse documento, que o Banco vá proporcionar o empréstimo;

b) por via desse documento não se constitui a obrigação de mútuo entre as partes;

c) a quantia indicada pelo banco não é exigível, uma vez que não se indica quando o futuro contrato se iniciará, nem quando se vencerão as respectivas prestações.

67.ª Nos termos do art.º 50º do CPC, o acordo de 27/5/2003 se fosse um documento autêntico, ou autenticado, o que não sucede – teria de ser complementado com título executivo, que demonstrasse, no caso concreto, a constituição do mútuo que aí se previa contratar se ocorressem as condições – que não existe.

68.ª Ora, não há qualquer documento assinado por ambas as partes, posterior ao acordo de 27/5/2003, que demonstre que o mútuo previsto neste acordo foi constituído ou celebrado.

69.ª O extracto bancário de 30/6/2003 é um documento particular, criado pelo banco sem assinatura da imputada devedora, pelo que não é título executivo segundo o art.º 46º, 1, al. c), do CPC.

70.ª O extracto bancário não pode constituir prova complementar de que alguma coisa foi prestada em conformidade com as cláusulas dum título executivo - contrato de mútuo, pois, primeiro, cumpre provar a constituição do contrato de mútuo bancário, que, no caso presente, não foi celebrado e cuja prova exigiria um escrito particular assinado pelas partes;

71.ª Cumpria ainda provar documentalmente que o extracto bancário de 30/6/2003 é posterior à conclusão do acordo datado de 27/5/2003 e do mútuo constituído em sua conformidade, o que também não é possível.

72.ª Por fim, como se referiu, no acordo proposto em 27/5/2003, previa-se que, no futuro mútuo a constituir, o capital seria disponibilizado a solicitação da futura mutuária (cfr. ponto 2 do acordo de 27/5/2003).

73.ª Sucede que o banco, nestes autos, nada alega sobre o enquadramento do extracto bancário no preceito sobre disponibilização do capital do ponto 2, o que se impunha, se pretendia demonstrar que teria disponibilizado o valor nos termos desse acordo.

74.ª Relativamente à prescrição, alegou a recorrente que todas as obrigações pecuniárias, integrantes da causa de pedir, tal como foram apresentadas pelo exequente, estavam sujeitas ao prazo prescricional de 5 anos, previsto no art.º 310º do CC.

75.ª A sentença recorrida concordou com a opoente no que respeita ao prazo de prescrição de capital e juros, uma vez que se estava perante uma obrigação pagável em prestações simultâneas de capital e juros (art.º 310º, al.e) do CC).

76.ª Entende a sentença que a prescrição de capital e juros começou a correr em 7 de Outubro de 2004 (data a seguir à carta de resolução do contrato) e o prazo de 5 anos terminaria em 6 de Outubro de 2009 (cfr. 3º parágrafo da p. 12 e último parágrafo da p. 7, do despacho recorrido).

77.ª A opoente alegou que em 14/9/2015 (v. certidão - doc. 5 da oposição) deu entrada em juízo o processo n.º 1099/05.9TBLGS, e em que a citação ocorreu em 27/9/2005 (doc. 6 da oposição), porém, para efeitos de interrupção da prescrição, considera-se a citação em 20/09/2005 (após o decurso de 5 dias da entrada em juízo do processo - art.º 323º, 2, do CC cfr. art.º 47 da oposição).

78.ª A acção nº 1099/05.9TBLGS, foi proposta contra a alegada devedora VN, Lda. e visava executar uma livrança de garantia preenchida pelo banco, pelo alegado incumprimento do acordo de 27/5/2003 e outra livrança de 21.000,00€ (cfr. doc. 5 da oposição).

79.ª O processo executivo 1099/05.9TBLGS veio a terminar com a extinção da instância, que origina a absolvição da instância, por falta de pagamento de provisão ao agente de execução pelo exequente “Banco, S.A.”, conforme decisão do AE (de 17/12/2018), confirmada pelo juiz, em sede de reclamação do acto (despacho de 2/5/2019) que transitou em julgado em 20/05/2019 - cfr. docs. 7.

80.ª Ora, quando o processo termina com a absolvição da instância, mantem-se o efeito interruptivo da citação presumida para efeitos de interrupção da prescrição, mas cessa o seu efeito suspensivo, contando-se o novo prazo prescricional a partir do dia imediatamente seguinte à citação presumida. (art.º 327º, 2, do CC)

81.ª Deste modo, tendo a citação presumida ocorrido em 20/09/2005, o novo prazo de 5 anos começou a correr em 21/09/2005 e completou-se em 20/09/2010.

82.ª A sentença recorrida decidiu que a extinção da execução decorrente da decisão do agente de execução fundamentada na falta de pagamento de provisão dos honorários do agente de execução, não é uma absolvição da instância, mas não justifica a sua posição.

83.ª No despacho recorrido, a alusão de que seria muito mau que assim fosse, ou que a falta de pagamento é uma condição de prosseguimento da execução, conforme se prescreve no art.º 721º, 2 do CPC, não justifica porque é que o efeito que ocorre passados 30 dias da falta de pagamento, previsto no art.º 721º, 3, do CPC não é o da absolvição da instância.

84.ª Como se referiu, o legislador introduziu a extinção da execução por falta de pagamento de provisão ao agente de execução, na Portaria 1148/2010, de 4/11 que aditou a disposição do art.º 15º-A, 1, al.a) iii) à Portaria 331-B/2009, de 30/3 que regulava a tramitação das acções executivas.

85.ª Nesse art.º 15º-A, 1, al. a) iii), o legislador qualificou a falta de pagamento de provisão de honorários ao AE como «presunção de desistência da instância», nos termos do art.º 349.º e 350.º do CC.

86.ª Tal forma de extinção, quando foi criada, enquadrava-se no art.º 919.º, 1, al. d), do anterior CPC, em “outras causas de extinção da instância”, actualmente está enquadrada no 849º, 1, al. f) do CPC igualmente em “outras causas de extinção da execução”.

87.ª Ora, a ratio legis dessa forma de extinção da execução é actualmente a mesma, não é a sua inserção no art.º 721º, 3, do CPC que alterou a

88.ª Pelo que a extinção por falta de pagamento de provisão de honorários ao agente de execução, nos termos do art.º 721.º, equivale a uma desistência da instância e dela decorre a absolvição da instância nos termos do art.º 285.º, 2, do CC.

89.ª Se a desistência da instância quando apreciada por juiz dará lugar à absolvição da instância (cfr. art.º 290º, 2, do CPC), também a desistência da instância presumida e não ilidida, declarada por decisão do agente de execução nos termos do art.º 721.º, 3, do CPC, há-de dar lugar à absolvição da instância.

90.ª Relativamente à posição do exequente nesta matéria, nenhum facto foi alegado com relevância, impeditiva, modificativa, ou extintiva, da prescrição que a recorrente invocou ter ocorrido em 2010 - ou porque os factos invocados eram posteriores ao decurso do prazo na totalidade, ou porque não cumpriu o ónus de alegação de factos imposto pelo artº 342.º, 2, do CC. (cfr. alegações 101 a 121)

91.ª Quanto aos factos invocados no despacho recorrido eram todos posteriores ao ano 2010, quando já se verificou o decurso do prazo de prescrição na totalidade, eram inadmissíveis e também não são de atender.

92.ª Por último, referir, quanto à alusão de que a presente execução interromperia o prazo prescricional da dívida tal como sucedeu no processo 1099/05.9TBLGS, que tal não pode proceder, pois neste e nesse processo, as partes não são as mesmas, os direitos exercidos não são os mesmos e houve culpa do exequente na extinção desse outro processo, não podendo beneficiar do art.º 327.º, 3, do CC. (cfr. supra alegações 101 a 106 e 120 e 121)

Em suma, face aos factos assentes e às razões de Direito apresentadas, o despacho recorrido deveria concluir, que não existe título executivo que certifique a constituição e o reconhecimento da obrigação tal como é descrita pelo exequente, e/ou que a obrigação exequenda tal como é apresentada pelo exequente, se encontra prescrita, quanto a capital, juros e imposto de selo, absolvendo-se a recorrente em conformidade.

A recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido.

*

Questões a resolver:

- Nulidade da decisão recorrida;

- Existência de título executivo;

- Prescrição do crédito exequendo;

- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

*

Nulidade da decisão recorrida:

O conteúdo das conclusões 1 e 2 é o seguinte: 1) Estamos perante uma execução hipotecária dum bem imóvel de terceiro – conforme resulta da exposição da causa de pedir do requerimento executivo – em que a hipoteca delimita a presente execução; 2) A recorrente está de acordo neste ponto e, por isso, o ponto 1 da matéria assente viola o art.º 3.º do CPC, o que constitui nulidade do despacho nos termos do art.º 615.º, 1, als. d) e e), do CPC, quando refere que se trata da execução coerciva duma dívida.

O ponto 1 da matéria de facto julgada provada tem o seguinte teor: “Banco, S.A., veio propor acção executiva contra PF, Lda., com vista à cobrança coerciva da quantia de € 197.759,62.” O tribunal a quo limitou-se, pois, a descrever a espécie de acção, a identificar as partes e a quantificar o crédito exequendo, tendo-o feito em conformidade com o requerimento inicial. É evidente que, ao fazê-lo, não deixou de se pronunciar sobre uma questão que devesse apreciar, não conheceu de uma questão de que não pudesse conhecer, nem condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Daí que, sem necessidade de maior desenvolvimento, se conclua que a primeira das nulidades arguidas pela recorrente não se verifica.

A recorrente sustenta, em seguida, que a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, porquanto nela não foi analisado, em sede de fundamentação de direito, o argumento, por si aduzido, segundo o qual o acordo ou contrato de 27.05.2003 não constitui um título executivo face ao disposto no artigo 46.º do CPC vigente naquela data porque aí se prevê a constituição futura de obrigações pecuniárias.

A nulidade invocada pela recorrente não se verifica, por duas razões.

Em primeiro lugar, porque o tribunal a quo analisou o argumento suscitado pela recorrente na fundamentação de direito da decisão recorrida, não tendo, como esta afirma, qualificado logo o contrato como sendo de mútuo, fonte imediata de obrigações pecuniárias, sem mais. Transcrevemos aquela fundamentação na parte pertinente:

“Defende a Executada que tais documentos não podem servir de base à presente execução porque o referido contrato consubstancia um documento particular que prevê a constituição de uma obrigação futura sendo que, à luz do artigo 50.º do Código de Processo Civil, na sua anterior redacção, e no artigo 707.º do actual Código de Processo Civil, não era permitido sustentar, com base nele, uma acção executiva, restrita, nestes casos, a documentos autênticos ou autenticados.

Propugna a Exequente que o referido contrato não prevê a constituição de qualquer obrigação futura, não estando, por isso, sujeito à referida exclusão.

Cumpre decidir.

Está assente que o contrato que previu a concessão de um empréstimo à sociedade VN, Lda. considera-se celebrado a 27 de Maio de 2003. Está também assente que a Exequente fez chegar aos autos o documento correspondente ao extracto bancário de 30 de Junho de 2003 onde se fez consta a creditação da quantia emprestada.

Será que tais documentos, conjugados, em abstracto, podem sustentar uma execução?

Sobre tal matéria encontramos o recentíssimo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Maio de 2021, proc. 15465/16.0T8LSB-A.L1.S1, www.dgsi.pt, que reflectiu sobre o conceito de obrigação futura e bem assim, sobre a suficiência da apresentação de um extracto bancário para prova da entrega da quantia mutuada.

Em primeiro lugar, é necessário ter em conta se o complexo de documentos apresentados pelas Exequente era, ou não, título executivo, à luz do regime anterior, mais concretamente, nos termos do artigo 46.º n.º 1 alínea c), segundo o qual eram títulos executivos

“Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”.

Esta previsão, de facto, foi excluída da enunciação das espécies de títulos executivos no preceito equivalente, o artigo 703.º do actual Código de Processo Civil.

Só que o documento particular que servia de base a uma execução intentada ao abrigo do regime anterior continua a poder ser usado, ao abrigo do novo regime processual civil, para sustentar a acção executiva - na esteira do entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 408/2015, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 201, de 14 de Outubro de 2015, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, por violação do princípio da protecção da confiança (artigo 2.º da Constituição).

Em suma, se já era título, continua a ser título; se já não era, não pode passar a ser.

E era título? Para tanto, é preciso apurar se o contrato em causa (de mútuo, nos termos do artigo 1142.º do Código Civil), previa a constituição de uma obrigação futura, ou não. Ora, dos documentos juntos aos autos – e analisados abstractamente nesta fase – resulta um hiato temporal entre a data do contrato (27 de Maio de 2003) e a data da alegada disponibilização do valor à mutuária (27 de Junho de 2003). Isto é dizer, constata-se que tal transferência não foi concomitante com o momento da celebração do contrato.

Mas tal como se defendeu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a que temos vindo a fazer referência, “Em rigor, afigura-se estar em causa não a constituição de uma obrigação futura (em relação ao contrato) mas antes uma prestação futura para conclusão de negócio (sobre a distinção, cfr. Manuel Tomé Gomes, Apontamentos sobre Ação Executiva, policopiado, 2018, pág. 52)”.

Portanto, não está em causa na acção a constituição de uma obrigação futura, ao contrário do que defende a Executada.”

Perante isto, salta à vista a falta de razão da recorrente. O tribunal a quo analisou desenvolvidamente o argumento em causa.

A recorrente carece de razão, em segundo lugar, porque o artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, na parte que nos interessa, considera nula a decisão que deixe de se pronunciar sobre uma questão de que devesse conhecer e não a decisão que, em sede de fundamentação, deixe de analisar determinado argumento apresentado por uma parte. Eventuais deficiências ao nível da fundamentação poderão, em casos extremos, convocar a aplicação, não da al. d), mas sim da al. b). A recorrente confunde argumentos com questões. A questão a propósito da qual o argumento em causa foi apresentado é a da existência de título executivo. Os argumentos que a recorrente apresentou em abono da sua posição sobre esta questão não se transformaram em novas questões, para os efeitos previstos nos artigos 608.º e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. Continuaram a ser meros argumentos.

Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que a decisão recorrida é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, 1, al. d), do CPC, porquanto deu como assente um facto não alegado pelas partes, a saber, que o contrato datado de 27.05.2003 foi efectivamente celebrado nessa data. A sua falta de razão é evidente. Abreviando razões, lembramos que a própria recorrente, em numerosos artigos da petição de embargos, admitiu o facto de o contrato em questão ter sido celebrado em 27.05.2003, referindo-se-lhe, repetidamente, como “um contrato de 27/5/2003” (artigo 4.º), “o contrato de 27/5/2003” (artigos 5.º, 9.º, 16.º, 17.º, 38.º e 100.º), “do contrato de 27/5/2003” (artigos 14.º, 19.º, 21.º, 43.º e 103.º), “ao contrato de 27/5/2003” (artigo 20.º), “nesse contrato de 27/5/2003” (artigo 33.º), “no contrato de 27/5/2003” (artigo 34.º), ou, atribuindo-lhe inclusivamente uma qualificação jurídica que renega em sede de recurso, “um contrato de mútuo de 27/5/2003” (artigo 32.º) ou “no contrato de mútuo de 27/5/2003” (artigo 104.º). Todas estas expressões são sinónimas de “um contrato celebrado em 27/5/2003” e em parte alguma do referido articulado a recorrente ressalvou que não era isso que pretendia alegar e, na realidade, o referido contrato foi celebrado em data diversa. Desde logo por esta razão, é evidente que a nulidade da decisão arguida pela recorrente em terceiro lugar não se verifica.

A apreciação da nulidade da decisão recorrida invocada pela recorrente em quarto lugar é inútil porquanto, como veremos quando analisarmos a questão da prescrição do crédito exequendo, os factos vertidos nos pontos 8 e 9 daquela decisão são irrelevantes. Mesmo sem os ter em conta, deve concluir-se que tal prescrição não ocorreu. Consequentemente, a apreciação da referida arguição de nulidade da decisão recorrida traduzir-se-ia num exercício estéril, inútil, logo vedado pelo artigo 130.º do CPC.

Finalmente, a recorrente sustenta que a decisão recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, 1, al. d), do CPC, quer por omissão de pronúncia, ao não conhecer a questão da prescrição do crédito de juros e imposto de selo invocado pela recorrida, quer por excesso de pronúncia, ao autorizar o exequente a liquidar os juros de modo a abranger os últimos 3 anos.

Mais uma vez, a recorrente carece de razão. Por um lado, a decisão recorrida conheceu da questão da prescrição da totalidade do crédito que a recorrida pretende cobrar através da acção executiva e não apenas do capital. Não houve, pois, omissão de pronúncia. Por outro lado, na sequência de não ter julgado prescrito o crédito de juros, o tribunal a quo limitou-se a circunscrever os juros devidos, tendo em conta o título executivo, permitindo que a recorrida reformule o seu cálculo em conformidade. Não se verificou qualquer excesso de pronúncia, mas antes uma decisão no sentido de harmonizar o montante dos juros com o teor do título executivo.

Existência de título executivo:

A questão da existência de título executivo resolve-se sem grande dificuldade com base nos documentos que a recorrida apresentou, juntamente com o requerimento executivo, com essa finalidade.

Esses documentos são os seguintes:

1) Uma escritura pública, realizada em 03.04.2003, de constituição de hipoteca sobre um prédio rústico de que então era proprietária a sociedade denominada VN, Lda.. Outorgaram nessa escritura esta sociedade e Banco, S.A.. A hipoteca foi constituída para garantia do pagamento: a) De todas e quaisquer responsabilidades, contraídas em euros ou em qualquer outra moeda, assumidas e a assumir perante o banco, suas agências e sucursais no estrangeiro, pela sociedade VN, Lda., até ao limite, em capital, de € 221.950, provenientes de todas e quaisquer operações bancárias em direito permitidas, designadamente de aberturas de crédito, qualquer que seja a forma que revistam, mútuos, confissões de dívida, empréstimos de quantia certa, descoberto em conta, operações de desconto, letras e livranças de que o banco seja portador, aceites bancários, avales e/ou fianças, prestação de garantias bancárias, confirmação de créditos documentários e emissão de títulos de dívida; b) Dos juros remuneratórios, cuja taxa era de 10% ao ano à data da realização da escritura, juros esses eleváveis em caso de mora e a título de cláusula penal em 4%; c) Das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado e solicitador, que o banco haja de fazer para garantia e cobrança dos seus créditos, as quais, somente para efeitos de registo, se fixaram em € 8.878. Estipulou-se na mesma escritura que “os documentos, seja de que natureza for, em que a sociedade figure como responsável e que se encontrem em conexão com as obrigações caucionadas pela presente hipoteca, têm força executiva, nos termos do artigo 50.º do Código de Processo Civil”.

2) Um documento, escrito em papel timbrado do Banco, S.A., assinado pelos legais representantes deste último e da sociedade VN, Lda., do qual consta, nomeadamente, o seguinte: “Data: Lisboa, 27.05.2003”; “Assunto: Empréstimo de Euros 149.800,00”; “Na sequência das conversações havidas, vimos comunicar que vamos conceder-lhe o empréstimo supra nas seguintes condições: 1. Prazo: 24 meses a contar da data da abertura do empréstimo. 2. Utilização: O empréstimo será utilizado de uma só vez através de transferência, a solicitação de V. Exa(s), para crédito da vossa conta de depósitos à ordem n.º 1-2469759-000-001/0361. 3. Finalidade: Para reestruturação de responsabilidades nomeadamente da livrança vencida em 05.12.2002. 5. Reembolso: 5.1. Em 24 prestações mensais e sucessivas de capital sendo as 2 primeiras no montante de 3.125,00 € cada e as restantes 22 no montante de 6.525,00 € cada com início um mês após a data da concessão do empréstimo. 5.2. O pagamento do empréstimo, respectivos juros e encargos serão efectuados por débito na vossa referida conta de depósito à ordem, pelo que V. Exa(s). deverá(ão) tê-la provisionada, ficando o Banco desde já autorizado a debitá-la para o efeito. 5.3. O Banco poderá debitar, se necessário, para efectivar os pagamentos decorrentes deste empréstimo, quaisquer outras contas de depósito de que V. Exa(s). seja(m) titular(es) ou co-titular(es) solidário(s) junto do Banco. 6. Garantias: 6.2. Em garantia de todas e quaisquer responsabilidades já existentes ou que venham a existir no Banco em nome de V. Exas, onde se inserem as emergentes do presente contrato, encontra-se já constituída por escritura de 03.04.2003, lavrada no 3.º Cartório Notarial de Lisboa, hipoteca sobre o prédio rústico sito em (…), freguesia de (…), concelho de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 631, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 133 – secção E. 11. Extracto de conta: Os extractos de conta do empréstimo, emitidos pelo Banco, serão documento suficiente para determinação do montante em dívida, tendo em vista a exigência ou reclamação judicial ou extrajudicial dos créditos do Banco, considerando-se para todos os efeitos parte integrante deste contrato.” “Procederemos à concessão do empréstimo logo que V. Exa(s). nos dê(em) o acordo às estipulações acima indicadas, formalize(m) a(s) garantia(s) e nos entreguem declaração da segurança social nos termos da legislação em vigor”.

3) Um extracto da conta n.º 1-2469759000001, de que era titular a sociedade VN, Lda., emitido pelo Banco, S.A. em 30.06.2003, do qual consta, nomeadamente, o seguinte: “30/06 27/06 Utilização de capital OP830001 149800,00”.

Sublinhe-se que a existência e o conteúdo destes três documentos, constantes dos autos, não é alvo de controvérsia entre as partes. Tal controvérsia incide, antes, sobre a interpretação de alguns trechos dos documentos descritos sob os n.ºs 2 e 3 e a qualificação jurídica do documento descrito sob o n.º 2.

Também é isento de controvérsia que os três referidos documentos constituem, no seu conjunto, aquilo que a recorrida apresenta como sendo o título executivo. Atente-se, nomeadamente, no teor da 31.ª conclusão do recurso. Aliás, basta ler o requerimento inicial da execução, onde os mesmos documentos são indicados como constituindo o título executivo.

Atentemos, agora, no teor do artigo 707.º do CPC actual, coincidente com o do artigo 50.º do CPC anterior: “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.

A escritura pública de constituição da hipoteca constitui um documento exarado por notário. Através dela, não se constituiu o direito de crédito que a recorrida pretende cobrar. Apenas se constituiu uma garantia real de direitos de crédito da recorrida sobre a sociedade VN, Lda., quer já existentes, quer a constituir no futuro, até ao limite, em capital, de € 221.950, provenientes de todas e quaisquer operações bancárias em direito permitidas, incluindo juros remuneratórios e despesas judiciais e extrajudiciais. Estipulou-se ainda que “os documentos, seja de que natureza for, em que a sociedade figure como responsável e que se encontrem em conexão com as obrigações caucionadas pela presente hipoteca, têm força executiva, nos termos do artigo 50.º do Código de Processo Civil”.

Portanto, por si só, a escritura pública de constituição de hipoteca não tem o valor de título executivo, pois, através dela, não se constituiu o direito de crédito exequendo, nem a sociedade VN, Lda. reconheceu a pré-existência deste [cfr. o artigo 703.º, n.º 1, al. b), do CPC, correspondente ao artigo 46.º, n.º 1, al. b), do CPC anterior]. Não obstante, trata-se de um documento exarado por notário que prevê a constituição de obrigações futuras. A hipoteca foi constituída com a finalidade de garantia de obrigações, quer pré-existentes, quer a constituir no futuro, até determinado limite e desde que provenientes de operações bancárias permitidas em direito.

Posteriormente à constituição da hipoteca, foi surgiu o documento acima descrito sob o n.º 2.

Sobre este documento, a recorrente tece inúmeras e contraditórias considerações. Na petição de embargos, como vimos anteriormente, a recorrente denominou repetidamente o documento como um contrato, que, inclusivamente, qualificou como mútuo. Em sede de recurso, a recorrente refere-se ao mesmo documento como “acordo, ou contrato” (conclusão 6.ª), “acordo de constituição de obrigações futuras”, “carta-comunicação do Banco, S.A., dirigida à sociedade VN, Lda. que esta se limita a assinar” (conclusão 43.ª), e não um “contrato de empréstimo” (conclusão 33.ª). Afirma ainda que “foi impugnado que se tenha verificado a constituição da obrigação de mútuo por meio do contrato de 27/5/2003” (conclusão 35.ª) e critica o tribunal a quo por ter qualificado o mesmo contrato como mútuo (conclusões 37.ª e 48.ª).

Independentemente das oscilações da recorrente sobre a qualificação do documento em causa, analisemo-lo. Que se trata de um contrato, é fora de dúvida. Estamos perante um documento em que se estipularam direitos e obrigações para as partes, que o assinaram no final, assim manifestando, cada uma delas, a sua vontade de assumir tais direitos e obrigações.

As partes denominaram o contrato como “empréstimo”, o que é sinónimo de mútuo (cfr. os artigos 1142.º do Código Civil e 394.º do Código Comercial). É, contudo, pacífico que a qualificação jurídica dada pelas partes a um contrato não vincula o intérprete.

O contrato de mútuo clássico tem natureza real quanto à sua constituição. Tendo, no contrato celebrado entre a recorrida e a sociedade VN, Lda., sido estipulado que o dinheiro apenas seria entregue pela primeira no futuro, a solicitação da segunda, através de crédito na conta de depósitos à ordem de que esta era titular, aquela qualificação jurídica é de afastar.

Contudo, a par do referido contrato de mútuo clássico, existe um contrato de mútuo consensual, por oposição a real quanto à sua constituição, juridicamente inominado e atípico mas socialmente nominado e típico no comércio bancário. Trata-se de um contrato correntemente celebrado no domínio da actividade bancária e que é admissível ao abrigo do princípio da liberdade contratual (artigo 405.º do Código Civil). “(…) é nesse sentido que deverão ser interpretados os contratos de empréstimo celebrados entre o banco e o cliente. O que as partes pretendem é que, tendo sido alcançado o acordo, o banco fique desde logo vinculado à entrega da quantia, obrigação que ele cumpre por crédito em conta.”[1] É precisamente esta a configuração do contrato celebrado entre a recorrida e a sociedade VN, Lda., como resulta da descrição que dele fizemos. Trata-se, portanto, de um contrato juridicamente atípico e inominado, mediante o qual a recorrida se obrigou a creditar determinada quantia na conta de depósitos à ordem da sociedade VN, Lda. quando esta o solicitasse, com a finalidade de se proceder a uma “reestruturação de responsabilidades” da mesma. A sociedade VN, Lda. obrigou-se, por seu turno, além do mais, a proceder à restituição da quantia emprestada em 24 prestações mensais e a pagar juros remuneratórios.

Não obstante o esforço que fizemos no sentido de qualificar substantivamente o contrato que vimos analisando, tal qualificação não é o mais importante quando se trata de averiguar se determinado documento constitui, por si só ou em conjunto com outros, um título executivo. Interessa, sobretudo, averiguar se tal documento cumpre, por si só ou em conjunto com outros, os requisitos estabelecidos na lei processual para que esta lhe(s) atribua a força de título executivo. Foi nessa perspectiva que nos colocámos quando analisámos a escritura pública de hipoteca e a ela regressamos agora, após clarificar a questão da qualificação substantiva do contrato de 27.05.2003 e a do valor a atribuir a essa qualificação para a resolução da questão que temos entre mãos.

A recorrente tem razão quando afirma que, no contrato celebrado entre a recorrida e a sociedade VN, Lda., foram convencionadas prestações futuras. A quantia mutuada não foi entregue no momento da celebração do contrato. Em vez disso, a recorrida obrigou-se a depositar tal quantia na conta de depósitos à ordem da mutuária em data posterior, a solicitação desta, como efectivamente aconteceu. Logicamente, apenas com essa entrega nasceu a obrigação de restituição da mesma quantia por parte da mutuária e de pagamento de juros remuneratórios, em 24 prestações mensais.

Porém, daí não resulta a inexistência de título executivo. A recorrente argumenta como se a escritura pública de constituição da hipoteca não existisse. Nessa hipótese, então sim, dadas as exigências formais feitas pelo artigo 50.º do CPC anterior (vigente à data da constituição do título executivo) e mantidas pelo artigo 707.º do CPC actual, o contrato de mútuo, ainda que acompanhado por extracto de conta comprovativo da entrega da quantia mutuada, não seria título executivo por ter sido celebrado através de documento particular não autenticado.

A celebração, antes dos dois restantes documentos que constituem o título executivo, da escritura pública de hipoteca, determina um diferente enquadramento jurídico da questão. Aquela escritura constitui um documento exarado por notário em que se previu a constituição de obrigações futuras. Ora, essas obrigações futuras foram estipuladas no contrato de mútuo nos exactos termos previstos na escritura. Recorde-se que aí se estipulou que “os documentos, seja de que natureza for, em que a sociedade figure como responsável e que se encontrem em conexão com as obrigações caucionadas pela presente hipoteca, têm força executiva, nos termos do artigo 50.º do Código de Processo Civil”. O título executivo ficou completo com a emissão do extracto da conta de depósitos à ordem da mutuária em que se comprova a transferência da quantia mutuada para essa conta, nos exactos termos estipulados na cláusula 11 do contrato de mútuo, cuja redacção também recordamos: “11. Extracto de conta: Os extractos de conta do empréstimo, emitidos pelo Banco, serão documento suficiente para determinação do montante em dívida, tendo em vista a exigência ou reclamação judicial ou extrajudicial dos créditos do Banco, considerando-se para todos os efeitos parte integrante deste contrato.”

Estamos, portanto, perante um título executivo complexo. “O título executivo é complexo quando corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles só por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos asseguraram eficácia a todo o complexo documental como título executivo.”[2] Em conjunto, a escritura pública de constituição da hipoteca, o contrato de mútuo e o extracto de conta apresentados pela recorrida com o requerimento inicial da execução cumprem as exigências constantes dos artigos 50.º do CPC anterior e 707.º do CPC actual, pelo que constituem título executivo.

Prescrição do crédito exequendo:

Também a questão da prescrição do direito de crédito exequendo se resolve tendo em consideração factos documentados nos autos e que a recorrente não pôs em causa no tribunal a quo.

Na decisão recorrida, considerou-se que o prazo de prescrição é de 5 anos, tal como a recorrente sustentou. O Supremo Tribunal de Justiça proferiu, entretanto, o Acórdão para Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 22.09.2022, no referido sentido. Transcrevemos a parte destinada à uniformização de jurisprudência: “I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”

Portanto, não é aí que reside o problema a resolver. Está em causa, sim, saber se esse prazo de 5 anos foi interrompido e quando voltou a correr após essa interrupção.

Está documentalmente provado nos autos que, em 13.09.2005, a recorrida propôs, contra a sociedade VN, Lda., então proprietária do prédio hipotecado, AS e MS, uma acção executiva com o objectivo de cobrar o crédito exequendo e que essa acção foi julgada extinta, pelo agente de execução, em 17.12.2018, com fundamento no facto de a exequente, não obstante ter sido notificada de um pedido de provisão, não ter procedido ao pagamento desta. Tal acção executiva correu termos no tribunal a quo, sob o n.º 1099/05.9TBLGS (fls. 12 v.º-13, 40, 43 a 45 e 49 a 55 dos presentes autos de recurso).

O n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil estabelece que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. O n.º 2 do mesmo artigo dispõe que se a citação ou notificação não for feita dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os 5 dias.

Na petição de embargos, nunca a recorrente pôs em causa que, por efeito da citação dos executados para a acção executiva n.º 1099/05.9TBLGS, o prazo de prescrição em curso se interrompeu nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 323.º do Código Civil. Leiam-se, nomeadamente, os artigos 47.º, 48.º, 53.º, 54.º, 57.º e 75.º daquela petição. E assim foi, efectivamente.

Nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, aquela citação considera-se efectuada no dia 18.09.2005, como se consignou na decisão recorrida. Na petição de embargos (ponto 54), sustentou-se que a citação foi efectuada em 20.05.2005. Esta divergência é irrelevante. Em qualquer das hipóteses, o prazo de prescrição estava em curso e foi interrompido na data em que a citação se considera efectuada. Recuando 5 anos tendo como ponto de referência qualquer das referidas datas, ficamos em 18.09.2000 ou em 20.05.2000. O crédito exequendo apenas nasceu cerca de 3 anos depois e o seu vencimento e incumprimento ocorreram em datas ainda mais recentes.

O n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil estabelece que a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte. Por força desta disposição legal, a prescrição apenas ocorreria 5 anos após o momento em que a contagem desse prazo fosse retomada.

O n.º 1 do artigo 327.º estabelece que se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo. Esta norma é fundamental para a resolução da questão da prescrição. A acção executiva n.º 1099/05.9TBLGS esteve pendente, pelo menos, até ao dia em que o agente de execução a declarou extinta, ou seja, até 17.12.2018. Esteve-o até data posterior, mas, para não necessitarmos de pisar terreno menos firme em termos de suporte factual, fixemo-nos naquela data. É seguro que, entre a data em que os executados se consideram citados e o referido dia 17.12.2018, a referida acção executiva esteve pendente. A acção executiva a que os presentes embargos dizem respeito foi proposta em 22.05.2019, considerando-se a citação efectuada em 27.05.2019. É óbvio que não decorreram 5 anos entre 17.12.2018 e 27.05.2019. Mais, mesmo que esta segunda acção executiva não tivesse sido instaurada, o prazo de prescrição ainda estaria em curso, não expirando antes de 17.12.2023. Logo, é evidente que o crédito exequendo não prescreveu.

Fica, assim, demonstrada a anteriormente referida irrelevância dos factos descritos nos pontos 8 e 9 da decisão recorrida, não havendo, por isso, razão para uma menção especial dos mesmos. Interessa, sim, que a acção executiva de cuja tramitação tais actos processuais fazem parte esteve pendente, pelo menos, entre 13.09.2005 e 17.12.2018, e que a citação se considera efectuada em 18.09.2005 ou em 20.05.2005 (como anteriormente referimos, é indiferente a opção por uma destas datas). É quanto basta para se concluir que, atento o disposto no n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil, a prescrição não se verificou.

A recorrente objecta que a acção executiva n.º 1099/05.9TBLGS terminou com um fundamento – falta de pagamento de provisão ao agente de execução pelo exequente – que equivale a uma desistência da instância, pelo que não se aplica o regime do n.º 1, mas sim o do n.º 2 do artigo 327.º do Código Civil. Consequentemente, conclui a recorrida, um novo prazo de prescrição de 5 anos começou a correr logo após a data em que a citação se considera efectuada, tendo-se completado em 20.09.2010. Como fundamento da tese da equivalência da extinção da acção executiva devido a falta de pagamento de provisão ao agente de execução pelo exequente a uma desistência da instância, a recorrente invoca o disposto no artigo 15.º-A, 1, al. a), iii), da Portaria n.º 331-B/2009, de 30.03. Segundo a recorrente, nesta norma, o legislador qualificou a falta de pagamento de provisão de honorários ao AE como “presunção de desistência da instância”, nos termos dos artigos 349.º e 350.º do Código Civil.

O artigo 15.º-A, 1, al. a), da Portaria n.º 331-B/2009 estabelecia o seguinte:

1 – Sempre que o exequente seja obrigado a efectuar um pagamento ou a entregar uma provisão nos termos do n.º 2 do artigo anterior, ou sempre que o exequente deva provisionar honorários ou despesas do agente de execução, e não comprove o pagamento ou provisionamento no prazo estipulado, deve o agente de execução, caso não tenha recusado o recebimento do requerimento executivo nos termos do artigo 811.º do Código de Processo Civil:

a) Nos casos em que há mandatário constituído:

i) Notificar electronicamente o mandatário da falta de comprovativo do pagamento ou da entrega da provisão, solicitando entrega do comprovativo no prazo de 10 dias;

ii) Caso não obtenha resposta no prazo referido na subalínea anterior, notificar electronicamente o mandatário e o exequente, por carta registada com aviso de recepção, da falta de entrega do comprovativo do pagamento ou da provisão, solicitando a entrega do mesmo no prazo de 20 dias e informando o exequente e o mandatário de que, caso o comprovativo não seja entregue no referido prazo, irá efectuar as diligências necessárias para promover a extinção da instância por desistência, explicitando as consequências dessa extinção;

iii) Caso não obtenha resposta no prazo referido na subalínea anterior, enviar electronicamente ao juiz do processo os comprovativos da realização das notificações e as notificações referidas nas subalíneas anteriores, solicitando a apreciação por este da verificação dos pressupostos da presunção de desistência da instância nos termos dos artigos 349.º e 351.º do Código Civil.

Ora, a Portaria n.º 331-B/2009 foi revogada pelo artigo 60.º, al. c), da Portaria n.º 282/2013, de 29.08, pelo que já não estava em vigor na data em que a acção executiva n.º 1099/05.9TBLGS foi julgada extinta pelo agente de execução (17.12.2018). Daí que não fosse aplicável e, naturalmente, o agente de execução não tenha seguido a tramitação estabelecida no seu artigo 15.º-A, 1, al. a), iii), e o tribunal a quo não tenha, sequer, procedido à apreciação dos pressupostos da presunção de desistência da instância nos termos dos artigos 349.º e 351.º do Código Civil. Ao contrário daquilo que a recorrente sugere nas suas alegações, não há fundamento para considerar que, não obstante a revogação do regime estabelecido no artigo 15.º-A, 1, al. a), iii), da Portaria n.º 331-B/2009, ocorrida em 2013, o mesmo regime ainda vigorava 5 anos depois, em 2018. Tendo sido revogado em 2013, tal regime não vigorava em 2018, como é por demais óbvio.

Resulta do exposto que não é aplicável o regime do n.º 2 do artigo 327.º do Código Civil, mas sim o do n.º 1, como anteriormente afirmámos. Daí termos concluído, anteriormente, que a prescrição do crédito exequendo não se verificou.

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Decorre da exposição anterior que as alterações que a recorrente pretende ver introduzidas na matéria de facto julgada assente pelo tribunal a quo não têm fundamento e/ou são inúteis para a resolução das questões objecto do recurso.

Assim:

Quando analisámos a primeira arguição de nulidade da decisão recorrida, concluímos que, no ponto 1 da matéria de facto julgada provada, o tribunal a quo se limitou a descrever a espécie de acção, a identificar as partes e a quantificar o crédito exequendo, tendo-o feito em conformidade com o requerimento executivo. Não há, pois, razão para o alterar.

A recorrente não explicita em que medida a alteração que pretende ver introduzida no ponto 2 da matéria de facto julgada provada possa influir na decisão das duas questões que estão em causa neste recurso, que são, como vimos, se existe título executivo e se o crédito exequendo prescreveu. E, efectivamente, trata-se de matéria irrelevante para o conhecimento de qualquer daquelas questões, como resulta da exposição anterior.

Relativamente ao ponto 3 da matéria de facto julgada provada, a recorrente pretende, por um lado, discutir a qualificação jurídica do contrato celebrado em 27.05.2003. Essa discussão foi feita no lugar próprio e demonstrámos, então, que o seu resultado não influi na questão da existência de título executivo. Por outro lado, a recorrente pretende que seja introduzida uma menção à certidão do registo predial do imóvel hipotecado. Também não vemos qual possa ser a relevância dessa menção para a resolução da questão de saber se existe título executivo. É certo que tal certidão não integra este último, como resulta da exposição anterior.

O aditamento dos pontos 3-A e 3-B propostos pela recorrente é desnecessária. Na parte em que tais pontos têm por objecto factos, limitam-se a reproduzir documentos que como tal foram considerados no final do ponto 3 e que foram devidamente analisados neste acórdão. Nada trazem de novo que tenha interesse para a decisão do recurso.

Em seguida, a recorrente pretende que seja “removida” uma parte da fundamentação de direito da decisão recorrida. É evidente que nos encontramos fora do âmbito do artigo 640.º do CPC. Por outro lado, a matéria em causa já foi analisada neste acórdão.

Não há razão para alterar ou suprimir o ponto 4 da matéria de facto provada, pois, nele, a decisão recorrida limita-se a resumir um trecho de um dos três documentos que constituem o título executivo. Trata-se, aliás, de um ponto da matéria de facto redundante relativamente à parte final do ponto 3 e cuja inutilidade para a resolução da questão da prescrição ficou demonstrada quando a ela procedemos.

Também a inutilidade do conteúdo dos pontos 5, 6, 8 e 9 da matéria de facto provada para a análise da questão da prescrição ficou demonstrada quando a ela procedemos. As razões pelas quais concluímos que não ocorreu a prescrição do crédito exequendo não incluem tal matéria.

Os factos que constam do ponto 7 da matéria de facto provada, nomeadamente a data da propositura da acção (13.09.2005), resultam da cópia do requerimento inicial da execução n.º 1099/05.9TBLGS que consta de fls. 43 dos autos de recurso. A substituição da palavra “mutuária” por VN, Lda., pretendida pela recorrente, é inócua para a decisão deste recurso, como demonstrámos anteriormente. Não há, pois, razão para qualquer alteração.

No que concerne aos pontos 10 e 11 da matéria de facto provada, a recorrente não justifica, pura e simplesmente, a finalidade com que pede a sua alteração, que seria, aliás, inócua.

Finalmente, a matéria que a recorrente pretende ver aditada, sob um ponto 12, não tem qualquer relevo para a resolução da questão da prescrição. Aliás, também aqui, a recorrente não fundamenta, pura e simplesmente, a sua pretensão.

*

Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

*

Évora, 29.09.2022

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.ª adjunta



[1] L. MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, Direito Bancário, 2.ª edição, p. 187.

[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.05.2011 (GREGÓRIO SILVA JESUS).

Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2024

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