Processo n.º 12191/20.0YIPRT.E1
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Sumário:
1
– Não é admissível o uso do procedimento de injunção para o exercício de
pretensão fundada em enriquecimento sem causa.
2
– Se o procedimento de injunção for usado fora
das hipóteses em que a lei o admite, verifica-se uma excepção dilatória
inominada, determinante da absolvição do réu da instância.
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H – Consultoria Unipessoal, Lda.,
instaurou procedimento de injunção contra E – Segurança Privada, S. A.,
requerendo a notificação desta para lhe pagar a quantia total de € 5.597,53.
A requerida deduziu oposição.
A requerente apresentou
articulado de resposta.
Em seguida, o tribunal proferiu
sentença julgando verificada a excepção dilatória de erro na forma de processo
e, em consequência, absolvendo a requerida da instância.
A requerente interpôs recurso de
apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:
A) Admitindo a necessidade de
aperfeiçoamento das peças processuais, nada impedia o tribunal de o ter
determinado (cfr. arts. 10.º, n.º 3, do DL n.º 62/2013, de 10.05, e art. 17.º,
n.º 3, do DL 269/98, de 01.05, e do princípio da adequação formal consagrado no
artigo 547.º do CPC) ainda que por mera hipótese de raciocínio se admitissem os
obstáculos invocados, designadamente, a não obediência aos requisitos da
petição inicial e a alegada diferença no prazo de defesa e tramitação posterior
do processo após a fase dos articulados.
B) Sem conceder, transformada a
injunção em processo comum, não se verifica no âmbito deste, a excepção
dilatória inominada relativa ao uso indevido do procedimento de injunção, por
ser pressuposto da injunção qua tale
e não obstar ao conhecimento de mérito da causa, no âmbito do processo comum em
que se transmutou aquele procedimento de injunção que não foi decretado, e,
…não tem influência, nem no mérito da causa (se o pedido de pagamento deve ou
não proceder) nem na tramitação da causa, a questão de saber se a transacção
comercial que originou o crédito reclamado se enquadra naquelas que permitem a
injunção.
C) Salvo melhor opinião, o
pagamento em excesso de uma determinada factura constitui uma vicissitude da
execução e cumprimento do contrato, e, encontra o seu enquadramento e razão de
ser, directamente, na relação contratual estabelecida, daí que verificado um
pagamento que não tem suporte contratual, designadamente em factura
oportunamente emitida ou no seu pagamento em duplicado, seja realizado um lançamento
a crédito na conta corrente contabilística estabelecida.
D) Por outras palavras, o
crédito reclamado pelo recorrente tem, necessariamente, causa no contrato, pois
se esse contrato não tivesse sido celebrado o pagamento em excesso nunca teria
ocorrido, sendo desajustada a necessidade de invocação do instituto do
enriquecimento sem causa.
Termos em que, nos melhores de
direito, doutamente supridos por V. Excias. e conforme conclusões supra,
requer-se a revogação da douta sentença e a sua substituição por outra que
determine o prosseguimento dos autos.
Não foram apresentadas
contra-alegações.
O recurso foi admitido, com
subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
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As questões a resolver são as
seguintes:
1 – Admissibilidade do
procedimento de injunção;
2 – Consequências do uso
indevido do procedimento de injunção.
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Os factos relevantes para a decisão do
recurso, evidenciados pelos autos, são os seguintes:
1 – A “exposição dos factos que
fundamentam a pretensão” que consta do requerimento de injunção tem o seguinte
teor:
“A
Requerente é uma Soc. Comercial que no âmbito da sua actividade comercial
procede à exploração comercial de Hotéis.
A
Requerida é uma Soc. Comercial que no âmbito da sua actividade dedica-se à
prestação de serviços de segurança e vigilância.
Requerente
e Requerida celebram o contrato de prestação de serviços de vigilância n.º
0068.2015, no dia 24.09.2015, tendo realizado uma Adenda no dia 01.02.2016 em
cujo âmbito reduziram o preço mensal para o valor de € 2.690,00 €, acrescido de
IVA.
No
âmbito da conta corrente estabelecida, a Requerente pagou em excesso à
Requerida o montante de 4.745,53 €.
A
Requerida através de email datado de 31.05.2019 reconheceu esse pagamento em
excesso e solicitou o NIB da Requerente para devolução.
Decorrido
quase 1 ano a requerida ainda não devolveu a quantia em causa à Requerente, daí
que não reste outro mecanismo senão o recurso à presente injunção, devendo a
Requerida ser notificada para pagar a quantia em dívida, acrescida de juros de
mora e demais despesas, nos termos do art. 406.º do Código Civil, que dispõe
que os contratos devem ser cumpridos pontualmente.”
2 – A requerida deduziu oposição, concluindo, além do mais,
que, atenta a causa de pedir invocada, o procedimento de injunção não é
legalmente admissível, pelo que se verifica uma excepção dilatória insuprível,
que impõe a anulação de todo o processado e a sua absolvição da instância.
3 – A requerente apresentou articulado de resposta, concluindo que o
procedimento de injunção constitui meio processual adequado.
4 – Na sentença recorrida, decidiu-se o seguinte:
“Dos fundamentos invocados para
a pretensão deduzida depreende-se que a requerente reconhece que os serviços
que foram prestados pela requerida mostram-se pagos e entende ter existido da
sua parte um pagamento em excesso.
Ora, o objecto do procedimento
de injunção é aplicável ao cumprimento de obrigações ou à aplicação estrita da
regra de responsabilidade contratual decorrente do art. 806º/1, do Código
Civil, ou seja, o requerente pode exigir o valor da obrigação pecuniária
acrescido de juros moratórios.
Ou seja, a utilização destes
procedimentos especiais pressupõe a existência de um contrato entre as partes e
que o mesmo não foi cumprido, ou pelo menos não o foi integralmente, resultando
desse incumprimento a obrigação para o contraente faltoso do pagamento de uma
determinada quantia.
Ora, o contrato celebrado entre
as partes foi o de prestação de serviços de vigilância.
Nesse âmbito, a requerente não
põe em causa que a requerida prestou os serviços contratados e alega, o que a
requerida não impugna, que os pagou.
Simplesmente a requerente alega
que pagou em excesso e pretende ser restituída da diferença.
Assim, a quantia paga em excesso
já não tem causa no contrato. Melhor dizendo, o contrato mostra-se
integralmente cumprido pelas partes. O pagamento em excesso já recai no âmbito
do enriquecimento sem causa.
Nessa medida, não pode a
requerente lançar mão deste procedimento especial que pressupõe que a obrigação
tenha por causa um contrato.
Verifica-se, pois, um erro na
forma do processo.
Na verdade, a requerente deveria
ter lançado mão de outra via processual.
O erro na forma do processo
importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados,
devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo
se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (art. 193º/1, do
CPC).
Contudo, no caso em análise,
entende-se não haver possibilidade de aproveitar os actos praticados e convolar
o presente procedimento em acção comum, porquanto o requerimento inicial não
obedece aos requisitos de uma petição inicial (art. 552º do CPC) e ainda se
verifica uma diferença no prazo de defesa e na própria tramitação do processo
posterior aos articulados que não se compadecem com tal convolação.
Nestes termos, impõe-se a
anulação de todo o processado, o que se determina, estando-se em presença de
uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição
do Réu da instância.
Termos em que, julgo verificada
a excepção dilatória de erro na forma de processo e, em consequência, absolvo a
requerida da instância.”
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1 – Admissibilidade do procedimento de injunção:
A lei admite o recurso ao procedimento de injunção quando o mesmo se
destine a exigir o cumprimento de:
- Obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a
€ 15.000 (Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, artigos 1.º do diploma preambular e
7.º do regime dos procedimentos naquele referido);
- Obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo
Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10.05, independentemente do seu valor (artigos 10.º
e 13.º, n.º 2, deste último; artigo 7.º do regime dos procedimentos a que se
refere o artigo 1.º do diploma preambular do Decreto-Lei n.º 269/98).
De acordo com o requerimento de injunção, recorrente e recorrida, ambas
sociedades comerciais, celebraram um contrato mediante o qual a segunda
prestava serviços de vigilância à primeira mediante o pagamento de uma
contrapartida pecuniária com periodicidade mensal; neste contexto, a recorrente
entregou à recorrida €
4.745,53 que considera não serem devidos; não obstante a recorrida ter
reconhecido que tal quantia não lhe era devida, nunca a restituiu; através do
requerimento de injunção, a recorrente pretende obter a restituição da mesma
quantia, acrescida de juros de mora e despesas.
Resulta, assim, do requerimento de
injunção que a quantia cujo pagamento a recorrente pretende não tem como causa
um contrato, nem uma transacção comercial tal como esta é definida pelo artigo
3.º, al. b), do Decreto-Lei n.º 62/2013. Não se verifica qualquer incumprimento
do contrato invocado pela recorrente.
Aquilo que a recorrente pretende obter
da recorrida é a restituição de uma quantia que lhe entregou supondo que a
tanto se encontrava obrigada por efeito do contrato que com aquela celebrara,
mas, posteriormente, concluiu que não era devida. O contrato não constitui a
causa jurídica da pretensão de restituição. Essa causa é, como acertadamente se
considerou na sentença recorrida, um alegado enriquecimento sem causa da
recorrida à custa da recorrente (artigos 473.º e 476.º, n.º 1, do Código
Civil). Está em discussão uma alegada obrigação, a cargo da recorrida, de
restituição de uma quantia que a recorrente indevidamente lhe terá entregue com
a intenção de cumprir uma obrigação que, afinal, não existia.
A restituição que a recorrente pretende
surge no contexto do contrato que celebrou com a recorrida, mas não constitui
um efeito desse contrato, não tem como fundamento um incumprimento do mesmo
contrato.
A circunstância, invocada nas alegações
de recurso, de existir uma conta-corrente contabilística associada ao contrato
celebrado entre recorrente e recorrida é indiferente para o enquadramento
jurídico dos factos dos autos. Os tribunais estão sujeitos a critérios de
decisão jurídicos, que não influenciáveis por regras de natureza
contabilística.
Concluindo, a pretensão da recorrente
não é compatível com o procedimento de injunção.
2 – Consequências do uso indevido do procedimento de injunção:
A recorrente sustenta, por outro lado, que,
ainda que a sua pretensão não pudesse ser exercida através do procedimento de
injunção, a partir do momento em que, por efeito da oposição deduzida, esse
procedimento se transformou numa acção com processo comum, nada obstava ao
conhecimento daquela pretensão. Para tanto, segundo a recorrente, o tribunal
deveria ter convidado as partes no sentido de aperfeiçoarem as suas peças
processuais caso o considerasse necessário.
A recorrente parte, desde logo, do
errado pressuposto de que, por efeito da dedução de oposição, o procedimento de
injunção se transformou numa acção declarativa com processo comum (artigo 548.º
do CPC). Não é assim. Atento o disposto nos artigos 16.º, n.º 1, e 17.º, n.º 1,
do regime dos
procedimentos a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular do Decreto-Lei
n.º 269/98, o procedimento de injunção transformou-se numa acção
especial regulada pelo mesmo diploma legal, ou seja, numa acção
especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de
valor não superior a € 15.000.
Ora, à semelhança do que acontecia com o procedimento de injunção, esta acção
especial também não é compatível com a causa de pedir alegada pela recorrente,
como decorre do artigo 1.º do diploma preambular do Decreto-Lei n.º 269/98. Apesar da transformação do
procedimento de injunção numa acção declarativa de condenação, o problema da
incompatibilidade da causa de pedir invocada pela recorrente com a forma de
processo utilizada subsiste.
Ainda que, por efeito
da dedução de oposição, o procedimento de injunção se tivesse transformado numa
acção declarativa com processo comum (o que acontece nas hipóteses previstas no artigo
10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 62/2013), a recorrente continuaria a não ter
razão. Mesmo na hipótese de o requerido deduzir oposição à injunção, a
instância mantém-se, ou seja, não se extingue o procedimento de injunção para
nascer uma acção declarativa de condenação. Em vez disso, o procedimento de
injunção transforma-se numa acção declarativa de condenação. A ideia de que,
operada aquela transformação, se deve fazer tábua rasa do que se passou na fase
anterior, não havendo, então, lugar a qualquer controlo judicial da verificação
dos pressupostos de admissibilidade do procedimento de injunção, não encontra
fundamento na lei. Ao invés, a exigência legal desses pressupostos tem a sua
efectividade garantida pela possibilidade de controlo judicial em caso de
oposição do requerido, oposição essa que pode basear-se, precisamente, na falta
de verificação daqueles pressupostos.
Em qualquer caso, o uso do procedimento
de injunção fora das hipóteses em que a lei o admite inquina insanavelmente o
processo desde o seu início, pelo que não é concebível que, na sequência de
oposição do requerido e após a distribuição do processo em tribunal, este feche
os olhos àquela violação da lei e deixe a acção seguir os seus termos até
final, ainda que convidando as partes para aperfeiçoarem as peças processuais
por si apresentadas, tal qual faria na hipótese de o procedimento de injunção ter
sido bem utilizado.
O uso do procedimento de injunção fora
das hipóteses em que a lei o admite tem de ter alguma consequência e esta só
pode ser a absolvição do réu da instância, por verificação de uma excepção
dilatória inominada, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, al. e), e 577.º,
proémio, do CPC.
Concluindo, o recurso deverá ser julgado
improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
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Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas
pela recorrente.
Notifique.
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Évora, 27 de Maio de 2021
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.º adjunto