sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Acórdão da Relação de Évora de 15.09.2022

Processo n.º 249/21.2T8VVC.E1

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Sumário:

1 – A admissibilidade de reconvenção depende da verificação de um dos pressupostos de natureza substancial ou factores de conexão estabelecidos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 266.º do CPC.

2 – Apenas há lugar para a ponderação da verificação do pressuposto da compatibilidade processual entre o pedido do autor e o pedido reconvencional, nos termos do n.º 3 do artigo 266.º do CPC, se se verificar algum dos factores de conexão estabelecidos no n.º 2.

3 – O n.º 3 do artigo 266.º do CPC não constitui uma via alternativa ao n.º 2 para a admissão de reconvenção.

4 – Não se verifica o factor de conexão estabelecido no artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, se, em acção com processo especial de divisão de coisa comum, a ré deduz um pedido reconvencional de reconhecimento de um direito de crédito, contra o autor, correspondente a metade das quantias que alega ter pago para amortização do empréstimo contraído com vista à aquisição do prédio a dividir, nos seguintes termos: 1) Na hipótese de o prédio lhe ser adjudicado, o direito de crédito que invoca deve ser compensado com o direito de crédito que o autor vier a adquirir a título de tornas; 2) Na hipótese de o prédio ser adjudicado ao autor, aquele direito de crédito acrescerá às tornas que a ré tiver direito a receber; 3) Na hipótese de o prédio ser vendido a terceiro, aquele direito de crédito acrescerá ao valor que a ré tiver direito a receber.

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CP propôs a presente acção com processo especial de divisão de coisa comum contra ZR e Banco, S.A., alegando, em síntese, o seguinte:

- O autor e a ré ZR são comproprietários, na proporção de metade cada um, de determinado prédio urbano;

- Aquando da aquisição do prédio, o autor e a ré ZR viviam um com o outro em união de facto, tendo destinado aquele à habitação de ambos;

- O réu Banco, S.A., concedeu um crédito hipotecário com vista à aquisição do prédio, tendo-se o autor e a ré ZR confessado solidariamente devedores da quantia de € 116.000;

- O autor e a ré ZR viveram um com o outro no prédio até cerca de um mês antes da propositura da acção, altura em que se separaram;

- Enquanto viveram um com o outro, o autor e a ré ZR acordaram entre si que o primeiro suportaria as despesas inerentes ao sustento do agregado familiar, incluindo o pagamento dos consumos de electricidade, água e gás, e a segunda transferiria mensalmente o valor de € 250 para a conta onde era debitada a prestação destinada à amortização da dívida ao réu Banco, S.A.; se a prestação fosse de montante superior, esse valor seria suportado pelo autor;

- Aquando da aquisição do prédio, o autor e a ré ZR avançaram com algum valor monetário próprio, cifrando-se o do primeiro em € 5.000 e o da segunda em € 4.000; o autor entregou, ainda, para pagamento parcial do preço, um prédio urbano com o valor de € 10.000, e pagou todas as despesas inerentes à aquisição do prédio cuja divisão agora pretende, entre as quais a abertura de conta, as avaliações, a escritura, os registos e os impostos, no valor de € 4.047,79;

- O autor realizou benfeitorias no prédio no valor de cerca de € 5.000;

- O prédio é indivisível;

- O prédio deverá ser adjudicado, pelo valor de € 135.000, ao autor, assumindo este a dívida, actualmente no montante de € 96.900, ao réu Banco, S.A., e entregando-se a quantia de € 1.143 à ré ZR, correspondente a 3% da sua contribuição no pagamento do prédio.

O autor concluiu pedindo que seja determinada a natureza comum do prédio, que sejam reconhecidas as quotas de ½ para si e a ré ZR, que seja reconhecida a indivisibilidade do prédio e que lhe seja adjudicada a metade indivisa daquela ré, mediante a contrapartida de € 1.143.

A ré ZR contestou, alegando, em síntese, o seguinte:

- Admite-se a aquisição do prédio em comum pelo autor e pela ré contestante, ocorrida em Abril de 2015, o recurso ao crédito bancário, a situação de união de facto, a cessação desta e a indivisibilidade do prédio, tal como foi alegado pelo autor;

- As quantias com que o autor e a ré contestante contribuíram inicialmente para a aquisição do prédio foram idênticas;

- Após a aquisição do prédio, foi sempre a ré contestante quem suportou a totalidade da prestação mensal e das despesas conexas com a aquisição;

- Em Novembro de 2021, o autor procedeu ao levantamento da totalidade do valor depositado na conta conjunta que mantinha com a ré contestante, associada ao empréstimo, deixando-a com saldo negativo;

- Suportou, assim, a ré contestante, até à data da contestação, a quantia de € 20.089,65, referente a capital, juros, comissões e seguros associados ao empréstimo, o que tem como consequência que já tenham sido abatidos € 19.076,46 ao valor deste;

- Também era a ré contestante quem, com o seu cartão de refeição, suportava as despesas de supermercado do agregado familiar, bem como algumas despesas fixas relacionadas com a habitação;

- O autor suportava outras despesas, não havendo qualquer acordo sobre a divisão destas como aquele alega;

- Não é verdade que o autor tenha entregue um prédio seu para pagamento de parte do preço do prédio comum;

- O autor não fez nem suportou totalmente o custo de qualquer benfeitoria feita no prédio;

- Sempre foi a ré contestante, acompanhada pelos seus pais, quem fez a manutenção do prédio e, mesmo, algumas alterações no mesmo;

- No momento da concessão do empréstimo, o prédio foi avaliado em € 145.000;

- A ré contestante pretende que o prédio lhe seja adjudicado.

A ré deduziu ainda reconvenção, ao abrigo do disposto no artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, invocando um direito de crédito contra o autor, no montante de € 10.044,83, correspondente a metade das quantias por si alegadamente pagas para amortização do empréstimo contraído com vista à aquisição do prédio. Pretende a ré: 1) Na hipótese de o prédio lhe ser adjudicado, a compensação daquele direito de crédito com o direito de crédito que o autor venha a adquirir a título de tornas; 2) Na hipótese de o prédio ser adjudicado ao autor, que aquele direito de crédito acresça às tornas que a ré tiver direito a receber; 3) Na hipótese de o prédio ser vendido a terceiro, que aquele direito de crédito acresça ao valor que a ré tiver a receber.

Em seguida, o tribunal a quo proferiu decisão mediante a qual julgou a reconvenção inadmissível, absolveu da instância o réu Banco, S.A., com fundamento em ilegitimidade, e conheceu do mérito da causa, nos seguintes termos: 1) Declarou a indivisibilidade do prédio; 2) Fixou as quotas do autor e da ré ZR em 50% cada um; 3) Absolveu a ré ZR do demais peticionado.

A ré ZR interpôs recurso de apelação desta decisão, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – O tribunal a quo andou mal ao, na douta sentença de que se recorre, violando gravemente as normas legais aplicáveis ao caso sub judice.

2 – A sentença foi proferida, desde logo em violação das normas que estabelecem os requisitos da reconvenção o art.º 266.º n.º 2 c) e 266.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

3 – A ré reconvinte e aqui recorrente deduziu pedido reconvencional que fundamentou de facto e de direito.

4 – Pois ao ser credora das quantias pagas referentes ao mútuo hipotecário que também dizem respeito ao autor e conexos com o bem a dividir só assim ficariam resolvidas nos presentes autos todas as questões conexas com a divisão do prédio e satisfeitos os créditos que teria sobre a contraparte.

5 – Ainda que a apreciação deste pedido reconvencional possa implicar do ponto de vista processual a transmutação do processo especial em comum mal andou o tribunal a quo, pois tal é legalmente admissível nos termos do art.º 266 n.º 2 c) e art.º 37 n.º 2 e 3 do C.P.C.

6 – A existência de consenso quanto às demais questões trazidas aos autos, nomeadamente indivisibilidade, compropriedade, e quotas-partes, tal não obsta ao conhecimento da reconvenção nem conduz à sua inadmissibilidade.

7 – Neste sentido já se pronunciou diversa jurisprudência como o T.R.E no ac. de 17.01.2019 proferido no âmbito do proc. 764/18.5T8STB.E1, o T.R.L. no ac. de 13.07.2021 proferido no âmbito do proc. 967/20.2T8CSC.L1-7 disponíveis em www.dgsi.pt.

8. E inclusivamente o S.T.J. no seu acórdão de 26.01.2021, rel. Maria Vaz Tomé, proc. 1923/19, que conclui ser admissível a reconvenção quando suscitada a compensação do crédito de despesas suportadas além da quota respetiva, devendo a acção seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo.

9 – Na verdade, o poder/dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, sendo esta a única interpretação que se harmoniza com os princípios que regem a lei processual civil.

10 – Pesam aqui critérios de economia processual e justa composição do litígio que o douto tribunal recorrido descurou.

11 – Pois a possibilidade de reconvenção não se limitará como o tribunal a quo quis afirmar, de forma algo abstracta, às situações em que haja “maior complexidade” e não permita o demais alegado no processo uma decisão sumária.

12 – Com a visão preconizada na decisão recorrida, na conferência de interessados, caso exista adjudicação a um dos comproprietários, o valor a entregar de tornas ao outro, não terá em conta o verdadeiro cerne do litígio, tudo se passando como se ambos tivessem contribuído e beneficiado na proporção da quota respectiva.

13 – Nesta conformidade não foi com a douta sentença devidamente acautelado o direito da recorrente.

14 – A sentença deve vir a ser alterada no sentido de ser admitida a reconvenção deduzida pela ré/reconvinte e aqui recorrente e, em consequência, os presentes autos prosseguirem como processo comum com vista ser reconhecido o crédito sobre o autor/ reconvindo só após se passando ao objecto da acção especial de divisão de coisa comum.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido.

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A questão a resolver consiste em saber se a reconvenção deduzida pela recorrente é legalmente admissível.

Os factos relevantes para o conhecimento desta questão são aqueles que constam do relatório deste acórdão.

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Através da propositura desta acção com processo especial de divisão de coisa comum, o recorrido pretende, essencialmente, a declaração da indivisibilidade do prédio urbano de que é comproprietário em conjunto com a recorrente, a fixação de cada uma das quotas em 50% e a passagem à fase executiva, com a adjudicação de uma dessas quotas ao titular da outra ou a venda da totalidade do prédio a terceiro, dividindo-se o produto dessa venda, em partes iguais, entre si e a recorrente. O mais que o recorrido peticionou foi julgado improcedente, tendo-se ele conformado com tal decisão.

A recorrente sustenta que, em vez de proferir decisão sumária julgando procedente a descrita pretensão do recorrido, o tribunal a quo devia ter admitido a reconvenção e conhecido desta, reconhecendo a existência do direito de crédito por si invocado, no montante de € 10.044,83, correspondente a metade das quantias que alega ter pago para amortização do empréstimo contraído com vista à aquisição do prédio, para que tal direito de crédito: 1) Na hipótese de o prédio lhe ser adjudicado, seja compensado com o direito de crédito que o autor venha a adquirir a título de tornas; 2) Na hipótese de o prédio ser adjudicado ao autor, acresça às tornas que a recorrente tiver direito a receber; 3) Na hipótese de o prédio ser vendido a terceiro, acresça ao valor que a recorrente tiver a receber.

Os pressupostos da admissibilidade da dedução de reconvenção encontram-se previstos no artigo 266.º, n.ºs 2 e 3, do CPC.

O n.º 2 estabelece, em alternativa, vários pressupostos de natureza substancial, material ou objectiva, que garantem a existência de “uma certa conexão entre o pedido do autor e o pedido reconvencional[1], ou seja, entre as duas acções cruzadas que, por efeito da dedução da reconvenção, passam a existir no mesmo processo[2]. A admissibilidade irrestrita da dedução de reconvenção “poderia redundar em grave perturbação da regular e ordenada tramitação do processo”[3]. “Se ao exercício do poder reconvencional não fossem postos quaisquer entraves, resultariam graves inconvenientes para o autor, ocasionados sobretudo pelo retardamento da concessão da tutela judiciária por ele invocada. De facto, a reconvenção incondicionada abriria as portas a quaisquer pedidos formulados pelo réu contra o autor, pedidos de que o tribunal teria de conhecer concomitantemente com o formulado por este, que veria assim, o processo marchar morosamente, talvez com inevitáveis e irreparáveis repercussões sobre a sua esfera jurídica.”[4]

O n.º 3, por seu turno, estabelece que não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações. A aplicabilidade da restrição, de natureza processual, estabelecida no n.º 3, pressupõe que se verifica um dos pressupostos substanciais previstos nas diversas alíneas do n.º 2. Se nenhum destes pressupostos substanciais se verificar, a questão da compatibilidade processual entre os pedidos do autor e do réu nem sequer se coloca. “Para que a reconvenção seja admissível, terá de se verificar algum dos factores de conexão com o pedido do autor indicados no art. 266-2 e não poderá verificar-se nenhum dos requisitos negativos de compatibilidade processual a que se refere o art. 266-3, sem prejuízo do disposto no art. 37, n.ºs 2 e 3.”[5] (o sublinhado é da nossa autoria). O n.º 3 não constitui uma via alternativa ao n.º 2 para a admissão da reconvenção.

Comecemos, pois, por analisar se se verifica algum dos pressupostos substanciais, isto é, dos factores de conexão que o n.º 2 do artigo 266.º do CPC estabelece.

A não verificação dos factores de conexão estabelecidos nas alíneas a), b) e d) é evidente. A recorrente não os invoca, antes sustentando que a reconvenção é admissível ao abrigo do disposto na alínea c). Esta alínea admite a reconvenção quando o réu pretenda o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor. Todavia, facilmente se conclui que também este factor de conexão se não verifica.

A referida alínea c) tem em vista a hipótese de o direito invocado pelo autor ter natureza creditícia. A sua parte final não deixa dúvidas a esse respeito, ao prever a hipótese de o reconhecimento de um direito de crédito invocado por via reconvencional visar a obtenção do pagamento do valor “em que o crédito invocado excede o do autor”. Prevê-se, claramente, a hipótese de confronto entre dois direitos de crédito, invocados, um pelo autor e o outro pelo réu.

O regime substantivo da compensação, constante dos artigos 847.º a 856.º do Código Civil, confirma a exigência de que, para que a reconvenção seja admissível ao abrigo do disposto no artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, têm de estar em confronto direitos de crédito. O corpo do n.º 1 do artigo 847.º não podia ser mais claro a esse respeito: “Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor (…)”. Portanto, não há compensação se um ou ambos os direitos em confronto não tiverem natureza creditícia.

No caso dos autos, o autor/recorrido pretende, como anteriormente referimos, a declaração da indivisibilidade do prédio de que é comproprietário em conjunto com a ré/recorrente, a fixação de cada uma das quotas em 50% e a passagem à fase executiva, com a adjudicação de uma dessas quotas ao titular da outra ou a venda da totalidade do prédio a terceiro, dividindo-se o produto dessa venda, em partes iguais, entre si e a recorrente. O direito potestativo à divisão, concedido a qualquer dos comproprietários pelo n.º 1 do artigo 1412.º do Código Civil, tem natureza real, pois integra o conteúdo do direito de propriedade quando este tenha mais de um titular, e não creditícia, pelo que não é compensável com o direito de crédito invocado pela recorrente.

Não se objecte que a reconvenção é admissível, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, porquanto a recorrente pretende que o direito de crédito por si invocado seja reconhecido tendo em vista os resultados possíveis da fase executiva da presente acção, nos seguintes termos: 1) Na hipótese de o prédio lhe ser adjudicado, o direito de crédito que invoca deve ser compensado com o direito de crédito que o recorrido adquirir a título de tornas; 2) Na hipótese de o prédio ser adjudicado ao recorrido, aquele direito de crédito acrescerá às tornas que a recorrente tiver direito a receber; 3) Na hipótese de o prédio ser vendido a terceiro, aquele direito de crédito acrescerá ao valor que a recorrente tiver direito a receber. Nas segunda e terceira hipóteses, nada que se assemelhasse a uma compensação ocorreria, pois o direito cujo reconhecimento a recorrente pretende somar-se-ia a um novo direito de crédito que ela própria adquiriria por via da adjudicação ou da venda. Na primeira hipótese, estaríamos perante uma compensação entre um direito de crédito de que a recorrente já seria titular à data da dedução da reconvenção com um direito de crédito que, eventualmente, o recorrido poderia vir a adquirir futuramente, em função do resultado da fase executiva do processo. Ora, uma compensação nesses termos não é admitida pelos artigos 847.º a 856.º do Código Civil, que pressupõem que aquela opere entre créditos existentes e não entre um crédito existente e um crédito que eventualmente possa vir a constituir-se no futuro. Daí que o artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, também tenha em vista o confronto entre um direito de crédito invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão e o direito de crédito que o réu pretende invocar mediante reconvenção. Se o direito invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão não tiver natureza creditícia, ficará inexoravelmente afastada a aplicabilidade da referida alínea c) e, consequentemente, a reconvenção não poderá ser admitida ao abrigo de tal norma.

Resulta do exposto que não se verifica o factor de conexão entre o pedido do recorrido e o pedido reconvencional previsto no artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC. É quanto basta para concluir que o pedido reconvencional formulado pela recorrente é inadmissível.

Fica, assim prejudicada a questão da compatibilidade processual entre o pedido do recorrido e o pedido reconvencional, nos termos do artigo 266.º, n.º 3, do CPC. Ainda que essa compatibilidade processual se verifique, a não verificação de qualquer dos factores de conexão previstos no n.º 2 determina a inadmissibilidade da reconvenção.

Concluindo, o recurso não merece provimento, devendo a decisão recorrida ser confirmada.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

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Évora, 15.09.2022

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.ª adjunta



[1] FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª edição - Reimpressão, Edições Almedina, 2020, p. 174.

[2] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada de acordo com o Dec.-Lei 242/85, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 324.

[3] FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA, obra citada, p. 174.

[4] ARTUR ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Livraria Almedina, 1981, p. 172. 

[5] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4.ª edição, p. 144-145.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Acórdão da Relação de Évora de 15.09.2022

Processo n.º 4/22.2T8STR-G.E1

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Sumário:

Uma sociedade comercial considera-se citada se o recebimento da carta registada com aviso de recepção expedida com essa finalidade para a sua sede for recusado por um representante legal ou por um empregado daquela e essa recusa de recebimento for certificada pelo distribuidor postal.

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Alexandra Costa requereu a declaração de insolvência de Sociedade 1, Lda..

Foi proferida sentença julgando a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência, declarando a insolvência da requerida.

Posteriormente, a insolvente arguiu a falta de citação, nos termos do artigo 188.º, n.º 1, al. e), do CPC, e, simultaneamente, a nulidade desta, nos termos do artigo 191.º, n.º 1, do CPC.

Após a prática das diligências que julgou necessárias para apurar os factos para o efeito relevantes, o tribunal proferiu despacho mediante o qual indeferiu o referido requerimento do insolvente, julgando esta regularmente citada.

A insolvente interpôs recurso de apelação deste despacho, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – Em 29.03.2022, a recorrente apresentou um requerimento onde elencou factos demonstrativos da existência de nulidade da citação.

2 – A recorrente apenas teve conhecimento que tinha sido declarada a sua insolvência no dia 26.03.2022, às 9 horas, quando o representante legal foi contactado pessoalmente pelo senhor administrador da insolvência.

3 – A carta enviada em 17.01.2022, para citação da presente acção, foi devolvida com a indicação de “recusado”.

4 – Nada se diz relativamente à entidade que a terá recusado, porque o funcionário dos CTT não assinalou no devido local, ou seja, no campo “Nota de Incidente”, se a carta foi recusada pelo próprio ou por terceiro.

5 – No que diz respeito à carta enviada em 27.01.2022, refere-se que “Consta da informação dos CTT que tal carta, na impossibilidade de entrega, foi depositada no receptáculo postal em 1/2/2022, pelas 11h04”.

6 – Omitindo-se na decisão recorrida qualquer referência à demonstração cabal efectuada pela insolvente, com a junção de fotos, de que no local não existe receptáculo postal, facto que não foi desmentido.

7 – A recorrente não teve conhecimento do acto, por facto que não lhe é imputável – artigo 188, n.º 1, alínea e) do CPC.

8 – A citação é nula, já que não foram observadas as formalidades prescritas na lei – artigo 191, n.º 1, do CPC.

9 – Isto porque foram violados os artigos 246, n.ºs 3 e 4, do CPC, e 29.º do CIRE.

A recorrida e o Ministério Público apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido.

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Questão a decidir: se a recorrente foi citada com observância das formalidades legais.

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No despacho recorrido, foram julgados provados os seguintes factos:

1. Foi enviada para a morada da sede da requerida, carta registada com a.r., datada de 17.01.2022, para citação da presente acção.

2. A carta foi devolvida ao remetente com indicação de “recusado”.

3. Na sequência do referido em 2. foi enviada segunda carta datada de 27.01.2022.

4. Consta da informação dos CTT que tal carta, na impossibilidade de entrega, foi depositada no receptáculo postal em 01.02.2022, pelas 11h04.

5. Na morada da sede da insolvente, durante o horário de expediente, encontra-se sempre alguém para receber a correspondência, sendo que no caso dos registos, umas vezes são aceites e outras recusados.

6. Por vezes, é solicitado ao funcionário dos CTT que deixe aviso para se proceder ao levantamento das cartas na estação dos CTT e outras vezes é solicitada a sua devolução ou são recusadas.

7. A carta referida em 1. foi recusada pelo administrador da insolvente ou por funcionário que se encontrava no local a mando daquele.

8. Não obstante o referido em 4., a carta foi entregue ao administrador da insolvente ou a funcionário que se encontrava no local.

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Os números 2 e 3 do artigo 246.º do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas doravante referenciadas) estabelecem, respectivamente, o seguinte: a carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas; se for recusada a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efectuada face à certificação da ocorrência.

A recorrente não põe em causa que a carta registada com aviso de recepção, datada de 17.01.2022, destinada à sua citação, foi enviada para a sua sede. Ficou, assim, cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 246.º.

Aquilo que a recorrente questiona é o cumprimento do n.º 3 do mesmo artigo, porquanto, segundo ela, a referida carta foi devolvida com a indicação de “recusado” e o funcionário dos CTT não assinalou, no devido local, ou seja, no campo “nota de incidente”, se a carta foi recusada pelo próprio ou por terceiro.

Sem razão, porém.

Sendo o citando uma pessoa colectiva, é indiferente que seja o representante legal ou um empregado desta a recusar a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta. O n.º 3 do artigo 246.º equipara, para este efeito, o empregado ao representante legal da pessoa colectiva. Em qualquer hipótese, é a pessoa colectiva, e não um terceiro, a autora da referida recusa.

Este regime é paralelo ao estabelecido nos n.ºs 1 e 3 do artigo 223.º. Na parte que nos interessa, o n.º 1 estabelece que as pessoas colectivas e as sociedades são citadas na pessoa dos seus legais representantes. Porém, o n.º 3 dispõe que as pessoas colectivas e as sociedades se consideram ainda pessoalmente citadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração. A citação feita na pessoa do referido empregado considera-se feita à própria pessoa colectiva e não na pessoa de terceiro.

Daí que baste a certificação da recusa de recebimento da carta para que o disposto no n.º 3 do artigo 246.º se considere cumprido, sem necessidade de especificar se foi um representante legal ou um funcionário (e, havendo mais do que um, qual deles) da pessoa colectiva citanda quem recusou o recebimento da carta. Ora, a recusa de recebimento da carta datada de 17.01.2022 na sede da recorrente encontra-se certificada. Essa carta foi devolvida ao remetente com indicação de “recusado”.

Respondendo directamente à objecção feita pela recorrente na conclusão 4, é claro, pelo que acima afirmámos, que foi a recorrente, através do seu representante legal ou de um empregado, quem recusou o recebimento da carta datada de 17.01.2022, e não um terceiro.

Acrescente-se que o tribunal a quo teve o cuidado de discriminar, no despacho recorrido, vários factos relevantes para a compreensão das circunstâncias em que a recusa de recebimento da carta destinada à citação da recorrente ocorreu, que apurou através das diligências a que procedeu antes da sua prolação.

Assim, ficamos a saber, nomeadamente, que, durante o horário de expediente, se encontra sempre alguém na sede da insolvente para receber a correspondência, mas nem sempre o faz. Na hipótese de se tratar de correspondência registada, a mesma é aceite algumas vezes e recusada noutras, fazendo a carta datada de 17.01.2022 parte deste segundo grupo, pois foi recusada, ou pelo administrador da insolvente, ou por um empregado desta que se encontrava no local a mando daquele, o que, como vimos, é indiferente para o efeito previsto no n.º 3 do artigo 246.º.

Tendo sido cumprido o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 246.º, a citação ficou efectuada logo com o envio da carta datada de 17.01.2022, seguida da recusa, devidamente certificada, de recepção daquela por parte da recorrente. É o que decorre da parte final do n.º 3 daquele artigo.

Apesar disso, o tribunal a quo enviou, desnecessariamente, uma segunda carta, datada de 27.01.2022, a qual, na impossibilidade de entrega, foi depositada no receptáculo postal da recorrente em 01.02.2022, pelas 11h04.

A recorrente afirma, na conclusão 6.ª, que o despacho recorrido omite “qualquer referência à demonstração cabal efectuada pela insolvente, com a junção de fotos, de que no local não existe receptáculo postal, facto que não foi desmentido”.

Não obstante a inutilidade desta questão para a decisão do recurso, pois a recorrente já tinha sido citada aquando da expedição da carta datada de 27.01.2022, sempre diremos que as fotos apresentadas pela recorrente apenas demonstram que, nos locais fotografados, não é visível qualquer receptáculo postal. Não fica excluída a hipótese de tal receptáculo se encontrar noutro local da sede da recorrente. Mais, dificilmente se concebe que uma sociedade comercial consiga prosseguir o seu objecto, que pressupõe inúmeros contactos, nomeadamente com fornecedores e entidades públicas, como a administração fiscal ou a segurança social, sem que tenha um receptáculo postal na sua sede. Salvo em casos excepcionais, até as habitações têm receptáculos postais.

Concluindo, a recorrente carece, em absoluto, de razão. Tendo recusado – como se encontra certificado, repete-se – a carta destinada à sua citação, em execução da sua estratégia de receber uma parte da correspondência que era dirigida à sua sede e recusar a recepção da restante, se não tomou conhecimento atempado da petição inicial, sibi imputet. A sua citação foi regularmente efectuada, nos termos expostos, pelo que o despacho recorrido não merece censura.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pela recorrente.

Notifique.

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Évora, 15.09.2022

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunto)

(2.ª adjunta)


Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2024

Processo n.º 135/22.9T8BNV.E1 * Sumário: 1 – Um pedido de demarcação deve fundar-se na existência de uma situação de incerteza sobre a...