sábado, 27 de novembro de 2021

Acórdão da Relação de Évora de 11.11.2021

Processo n.º 1059/20.0T8FAR.E1

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Sumário:

O processo especial regulado nos artigos 1045.º a 1047.º do Código de Processo Civil é o adequado para exercer a pretensão de apresentação, por parte de uma sociedade que se dedica à promoção e intermediação da ocupação onerosa de imóveis por curtos períodos através de uma plataforma digital, de documentos que contenham informação detalhada acerca da identificação do proprietário ou entidade que a outro título explore economicamente um imóvel através da sua inserção na referida plataforma, tendo em vista reclamar o ressarcimento de danos causados por aquele imóvel.

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FF propôs, contra Sociedade 1, acção especial para apresentação de documentos, nos termos dos artigos 1045.º a 1047.º do Código de Processo Civil (CPC) e 574.º e 575.º do Código Civil (CC), tendo formulado o seguinte pedido: «Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. suprirá requer-se ao Tribunal que cite a Requerida nos termos e para os efeitos do artigo 1045.º do CPC, ordenando a apresentação das informações (e documentação de suporte) relativa à identificação do proprietário do apartamento Z, da Avenida (…), Albufeira, no dia, hora e local que o juiz designar.»

A ré não contestou.

Depois de dar o contraditório à autora para se pronunciar sobre a questão, o tribunal a quo proferiu decisão mediante a qual absolveu a ré da instância com fundamento em erro na forma do processo.

A autora interpôs recurso de apelação desta decisão, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) A aqui recorrente instaurou uma acção especial para apresentação de documentos contra a recorrente, com vista à obtenção de «informações (e documentação de suporte) relativa à identificação do proprietário do apartamento Z, da Avenida (…), Albufeira, no dia, hora e local que o juiz designar».

B) O tribunal a quo decidiu liminarmente julgar verificada a excepção dilatória de erro na forma de processo e, em consequência, absolveu a requerida da instância.

C) A recorrente discorda de tal conclusão, uma vez que esta revela uma errada ponderação dos pressupostos da acção especial e da sua aplicação ao caso concreto.

D) Embora a solicitação da recorrente se enquadre no direito à informação, a verdade é que essa informação está documentada nos registos da recorrida, uma vez estamos perante uma empresa mundialmente conhecida, com milhares de clientes e não perante uma empresa «de vão de escada».

E) Entendeu, no entanto, o tribunal a quo – a nosso ver mal – que a pretensão da recorrente se cinge à obtenção de uma informação e tal não se enquadra no espirito da norma.

F) É evidente que no caso sub judice encontram-se preenchidos todos os requisitos necessários para a procedência do pedido, a saber:

(i) Existência de direito à informação/documento, por forma a poder exercer um direito legítimo;

(ii) O possuidor da informação (i.e. a recorrente) recusou a prestação da informação.

G) Em primeiro lugar, a recorrente pretende obter uma informação, que naturalmente está vertida num documento, i.e., o registo do cliente (proprietário) no Booking.com.

H) Não se pode, pois, segregar os conceitos de «informação» e «documentos», como parece fazer o tribunal a quo, pois um e outro conceitos são, neste caso, indissociáveis: o que a recorrente solicita é uma informação/documento.

I) Mais: a existência de um documento que ateste a propriedade do imóvel em causa (e da pessoa responsável por ele) não é uma hipótese remota, como entende o tribunal a quo, mas sim uma certeza. Aqui está o erro do tribunal a quo. Pois, não existem dúvidas de que a recorrente possui os registos dos proprietários dos imóveis cuja promoção faz através da sua plataforma digital (www.booking.com).

J) Com efeito, entende a recorrente que fez uma correcta (e legítima) escolha da forma do processo, pois, embora o artigo 1045.º do CPC remeta apenas para os artigos 574.º e 575.º do CPC, a verdade é que, através de uma interpretação analógica – e teleológica – deverá tal remissão aplicar-se também aos casos em que se pretenda a obtenção de informações que se encontrem documentadas, o que é manifestamente o caso.

K) Em segundo lugar, a solução propugnada pelo tribunal a quo da necessidade de interposição de uma acção comum (por falta de disposição especial para o efeito) é, salvo o devido respeito, irrazoável, uma vez que a mesma teria necessariamente que ser interposta contra incertos.

L) Mais: neste caso, havendo esta conexão da recorrida ao proprietário do imóvel sito em Albufeira, e estando a recorrida legitimada para facultar a informação/documento solicitado, não faria sentido recorrer ao artigo 22.º do CPC, que não está pensado para casos como o presente, mas sim para aqueles casos em que os autores não têm qualquer forma de identificar os interessados directos em contradizer a demanda, como é o caso típico do falecimento do réu originário.

M) Não é também despiciendo referir que, não obstante ser admissível a instauração de uma acção comum, a presente forma de processo evita um desperdício de recursos, com a inerente violação da imprescindível economia de custos, e determina a obtenção, de forma mais célere, do interesse que se pretende acautelar.

N) Esta solução surge, assim, compaginada com os princípios processuais que dimanam do actual regime processual civil, que impõe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal.

O) É, assim, evidente que a recorrente tem direito obter o documento de registo do proprietário no Booking.com, do qual conste, designadamente, nome completo, morada, número de cartão de cidadão e número de contribuinte, para que possa legitimamente, e caso assim o entenda, demandá-lo em sede própria em virtude do acidente ocorrido em 21 de Setembro de 2017, razão pela qual não andou bem o tribunal a quo ao anular todo o processado, em virtude da declarada excepção dilatória de erro na forma de processo.

O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

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A única questão a resolver consiste em saber se se verifica erro na forma do processo.

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A formulação de um juízo sobre a adequação da forma processual escolhida pela autora terá de se basear nos termos em que a petição inicial se encontra formulada, maxime no teor do pedido formulado.

Aquilo que a autora pretende obter não é uma simples informação que seja do conhecimento pessoal da ré. Trata-se, sim, de informação institucional, fundada em documentos que a ré, que é uma sociedade que se dedica à promoção e intermediação da ocupação onerosa de imóveis por curtos períodos através de uma plataforma digital, terá certamente em seu poder. É expectável que tais documentos permitam uma identificação detalhada do proprietário ou da entidade que, a outro título, explore economicamente o imóvel onde ocorreu o evento que, alegadamente, causou danos à autora e de quem esta pretende o ressarcimento destes últimos, seja extrajudicialmente, seja com recurso à via judicial. Será através do exame dos documentos a que pretende ter acesso através desta acção que a autora poderá obter, de modo fiável, a informação de que necessita para a prossecução da finalidade pretendida.

Mais, visando a autora o ressarcimento dos danos que alega, se, para esse efeito, propuser uma acção judicial, necessitará, não só da informação resultante dos documentos cuja apresentação expressamente peticiona, mas também, provavelmente, de obter a reprodução dos mesmos, nos termos do artigo 576.º do CC, a fim de servirem como meio de prova.

Portanto, resulta da petição inicial que a autora pretende mais que a prestação de uma simples informação ao abrigo do disposto no artigo 573.º do CC. Pretende, na realidade, a apresentação de documentos nos termos do artigo 575.º do mesmo código, tal como invocou na petição inicial, pois, em termos práticos, é essa a forma que lhe permitirá atingir plenamente a finalidade por si visada através da propositura desta acção. Assim terá acesso a informação fidedigna e a meios de prova que poderão ser-lhe úteis em acção de indemnização que venha a propor.

Para essa finalidade, é adequado o processo especial regulado nos artigos 1045.º a 1047.º do CPC, inexistindo, portanto, erro na forma do processo.

Concluindo, o recurso deverá ser julgado procedente, devendo a decisão recorrida ser revogada.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se que o processo siga os seus ulteriores termos.

Custas a cargo da recorrida.

Notifique.

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Évora, 11.11.2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.ª adjunta


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