Processo n.º 1610/21.8T8EVR-A.E1
Recorrente: GVN, LDA.
Recorrida: ARJ, S.A.
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Sumário:
1 – A rectificação de um
acórdão pressupõe que este omita os nomes das partes, seja omisso quanto a custas ou a algum dos elementos previstos
no n.º 6 do artigo 607.º, ou contenha erros de escrita ou de cálculo ou
quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto.
2 – Apesar de os critérios indemnizatórios especiais
estabelecidos no artigo 1045.º do Código Civil terem como ponto de referência o
valor da renda ou do aluguer, não decorre daquele preceito legal que, até à
restituição da coisa arrendada, a pessoa obrigada a efectuá-la pague rendas ao
credor da entrega. O direito deste último é a uma indemnização, não ao pagamento
de rendas.
3 – Pela razão referida em 2 e porque a
responsabilidade civil estabelecida no artigo 1045.º do Código Civil tem
natureza contratual, o prazo de prescrição do direito a indemnização é de 20
anos, nos termos do artigo 309.º do Código Civil.
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Ao abrigo do disposto nos
artigos 614.º e 666.º, n.º 1, do CPC, a recorrente requereu a rectificação do
acórdão proferido por esta Relação em 28.09.2023, que julgou o recurso
improcedente, nos seguintes termos:
“1. A Recorrente interpôs recurso do
tribunal de primeira instância que julgou não aplicável o prazo de prescrição
de 3 anos regulado no artigo 498.º, por entender estarmos diante de uma
situação em que, a existir responsabilidade da Ré, «esta emerge da relação contratual que manteve [a Ré] com a autora até
25 de dezembro de 2018, devendo ter aplicação o disposto no artigo 1045.º do
Código Civil».
2. Com efeito, decide assim o tribunal
de primeira instância:
«Uma
vez que estamos em face de uma indemnização prevista no artigo 1045.º do Código
Civil, pelo atraso na restituição da coisa, não estamos perante um caso de
responsabilidade extracontratual, mas sim de natureza contratual e,
consequentemente, não lhe é aplicável o prazo de prescrição de 3 anos a que
alude o artigo 498.º do Código Civil».
3. Não conformada, a Ré Recorrente
apelou do referido despacho ao douto Tribunal da Relação de Évora, onde expôs
as razões pelas quais julgava que o pedido da Autora se encontra
irremediavelmente prescrito. O que fez à luz do artigo 498.º do Código Civil,
enquadrando a questão no âmbito da responsabilidade extracontratual.
4. Porém, entendeu este douto tribunal,
em acórdão (ora objecto do presente requerimento de retificação), que «porque originária num contrato, a obrigação
de indemnizar, a provar-se, tem um prazo prescricional de 5 anos e não de 3
anos como alega a recorrente (artº 310º/b) CC)», julgando a apelação
improcedente e mantendo o despacho recorrido.
Pelo que,
5. Este acórdão, ao confirmar o referido
despacho do tribunal a quo veio
resolver definitivamente, sem hipótese de recurso (à luz da dupla conforme) o
enquadramento da eventual responsabilidade civil da Ré, discutida nestes autos,
no âmbito do esquema e quadro jurídico da responsabilidade contratual.
Sem prejuízo,
6. Se é verdade que a Ré Recorrente se
encontra vencida em relação à alegada verificação do prazo prescricional do
artigo 498.º do Código Civil, certo é que a motivação oferecida com o Acórdão
abre a porta ao conhecimento da prescrição (parcial) do pedido da Recorrida.
7. Por outras palavras: pese embora o
conteúdo decisório do douto Acórdão seja o de julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida, na
sua motivação é possível encontrar argumentos e raciocínio jurídico que apontam
para um prazo prescricional de 5 anos (em vez dos 3 anos alegados pela
Recorrente) – o que, per se,
permitirá ao tribunal a quo julgar
verificada a prescrição do pedido da Autora, ainda que parcialmente.
8. É que a aplicação do prazo
prescricional de 5 anos, nos termos do supracitado artigo 310.º, alínea b) do
Código Civil, conduz à verificação da prescrição de uma parte substancial do
pedido da Recorrida.
9. Na medida em que, peticionando a
Recorrida nos presentes autos uma indemnização nos termos do 1045.º do Código
Civil referente a um contrato com início em 26/11/2011 e fim em 25/12/2018 e
tendo movido a respectiva acção judicial a 22 de Setembro de 2021 (com citação
a 30/09/2021), é forçoso constatar a prescrição parcial do pedido da Recorrida.
10. De tal modo que, apenas o período
compreendido entre 30/09/2016 e 25/12/2018 (26 meses) não se encontra prescrito
ao abrigo do artigo 310.º, alínea b)
do Código Civil.
Ora,
11. É indiscutível, com a certeza
cristalizada no artigo 303.º do Código Civil, que o tribunal não pode suprir, ex officio, a prescrição. Esta
necessita, para ser eficaz, de ser invocada, por aquele a quem aproveita.
12. No entanto, não é menos certo que a
Recorrente vem alegando a prescrição do pedido da Recorrida desde o momento em
que foi chamada a contestar a acção que esta lhe movera, ainda que até agora
com uma qualificação jurídica distinta do douto Acórdão.
Assim,
Porque omitido e necessariamente decorrente
da motivação e racionalidade jurídica apresentada por este douto tribunal no
Acórdão ora objecto de pedido de ratificação, vem a Recorrente pedir a
retificação do Acórdão no sentido de, para além da confirmação da decisão do
tribunal de primeira instância, incluir no conteúdo decisório do Acórdão a
estatuição de que o prazo prescricional do pedido de indemnização do artigo
1045.º do Código Civil é de 5 anos (cfr. art. 310.º/b) CC) e não de 3 anos
conforme alega a Recorrente.”
A recorrida respondeu,
pugnando pelo indeferimento do pedido de rectificação.
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A recorrente pretende, em síntese, que passe a constar
do dispositivo do acórdão que julgou o recurso improcedente, além da confirmação da decisão recorrida, “a estatuição de que o prazo prescricional
do pedido de indemnização do artigo 1045.º do Código Civil é de 5 anos (cfr.
art. 310.º/b) CC) e não de 3 anos conforme alega a Recorrente.” A
finalidade deste aditamento seria abrir a porta ao conhecimento da prescrição
parcial do pedido da recorrida pelo tribunal a quo.
Esta pretensão vai muito
além de uma mera rectificação do acórdão e é, a todos os títulos,
manifestamente infundada.
O artigo 614.º, n.º 1, do
CPC, estabelece que, se a sentença
omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos
previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo
ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser
corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por
iniciativa do juiz.
O artigo 666.º do CPC estabelece, na parte que nos
interessa, que é aplicável à 2.ª instância o que se acha disposto nos artigos
613.º a 617.º (n.º 1) e que a rectificação do acórdão é decidida em conferência
(n.º 2).
Resulta destas normas que a rectificação do acórdão
que julgou o recurso improcedente pressupõe a verificação de uma das seguintes
hipóteses:
1 – O acórdão omitir o nome das partes;
2 – O acórdão ser omisso quanto a custas ou a algum
dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º;
3 – O acórdão conter erros de escrita ou de cálculo;
4 – O acórdão conter quaisquer inexactidões devidas a
outra omissão ou lapso manifesto.
Nenhuma destas hipóteses se verifica no acórdão cuja
rectificação se pretende e não é com fundamento em qualquer delas que a
recorrente requer aquela rectificação. O colectivo concluiu pela improcedência
do recurso e foi essa a decisão que consignou no dispositivo do acórdão. Não
houve qualquer erro de escrita ou de cálculo, nem alguma inexactidão devida a
outra omissão ou lapso manifesto. Da leitura do acórdão não resulta qualquer
divergência entre o que foi decidido e o que foi escrito, que careça de
rectificação.
Aquilo que a recorrente pretende nada tem a ver com
uma rectificação do acórdão. Numa primeira abordagem, pareceria que a
recorrente pretende uma alteração da decisão, a qual, de improcedência do
recurso, passaria a ser de parcial procedência do recurso. Porém, na realidade,
aquilo que a recorrente pretende é que, mantendo-se a decisão de improcedência
do recurso, passe a constar do dispositivo do acórdão um trecho da
fundamentação deste que, no seu entendimento, determina a parcial prescrição do
direito invocado pela recorrida. Para quê? Para permitir, à recorrente, voltar
a suscitar a questão da prescrição no tribunal a quo, tendo como referência o prazo que, naquele trecho, se diz
ser aplicável.
A mera constatação de que estamos fora do âmbito de
aplicação do artigo 614.º,
n.º 1, do CPC, é suficiente para determinar o indeferimento do requerimento de
rectificação do acórdão. Não obstante, diremos ainda o que se segue.
Ainda que tivesse sido requerida a alteração do
dispositivo, no sentido de transformar a decisão de improcedência numa decisão
de parcial procedência do recurso, a pretensão da recorrente não poderia
proceder.
Não porque a lei vede a rectificação do dispositivo da
sentença ou do acórdão. Se o lapso tiver ocorrido no dispositivo, este poderá
ser rectificado, como qualquer outra parte da sentença ou do acórdão. Porém,
para que isso seja possível, terá de se concluir, com base na fundamentação, noutros segmentos do dispositivo (como o respeitante à
responsabilidade pelas custas) e/ou noutras peças processuais, que, na
redacção do dispositivo, o juiz cometeu um lapso material, escrevendo, por
exemplo, a palavra “procedente” quando tudo indica que queria escrever a
palavra “improcedente”. Numa hipótese desta natureza, é “lícito ao juiz
ajustar, mediante rectificação, a vontade declarada à vontade real.”[1]
Note-se que esta hipótese não se confunde com a nulidade da sentença prevista
no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC (oposição entre os
fundamentos e a decisão), que pressupõe a existência de um vício lógico e não
de um mero erro de escrita[2].
A pretensão da recorrente não poderia proceder porque
nada no acórdão permite concluir que o colectivo pretendesse decidir coisa
diversa da improcedência do recurso. Toda a fundamentação do acórdão antecipa
esse desfecho. No dispositivo, o relator escreveu aquilo que pretendia. Logo, a
alteração do dispositivo no sentido de julgar o recurso parcialmente procedente
constituiria, não uma rectificação de um lapso de escrita, mas sim uma
alteração do julgado. Tal alteração pressuporia uma reapreciação do aspecto
jurídico da causa, que o artigo 614.º, n.º 1, do CPC, não legitima.
Todavia, não é a transformação da decisão de
improcedência numa decisão de parcial procedência do recurso que a recorrente
pretende, mas sim a manutenção da decisão de improcedência com o aditamento de
que o prazo de prescrição do direito invocado pela recorrida é de 5 anos, nos
termos do artigo 310.º, al. b), do Código Civil, e não de 3 anos. Isto apesar
de a recorrente entender que, sendo o prazo de prescrição de 5 anos, parte do
direito invocado pela recorrida estaria prescrito.
Esta pretensão é absurda, pois, se fosse atendida e o
entendimento da recorrente sobre o efeito de um prazo de prescrição de 5 anos
sobre o direito invocado pela recorrida fosse correcto, o dispositivo do
acórdão tornar-se-ia contraditório. Estar-se-ia a decidir, em simultâneo, que o
recurso improcede e que o direito invocado pela recorrida se encontra
parcialmente prescrito. Ou seja, que o recurso improcede apesar de dever ser
julgado parcialmente procedente. É óbvio que isto não é possível. A ser
admissível uma reapreciação da questão da prescrição e acolhendo-se a tese da
recorrente sobre o efeito de um prazo de prescrição de 5 anos sobre o direito
invocado pela recorrida, a decisão de improcedência teria de se transformar
numa decisão de parcial procedência.
A finalidade indicada pela recorrente para a alteração
que pretende está na linha da pretensão que acabámos de analisar. Essa
finalidade seria abrir a
porta ao conhecimento da prescrição parcial do direito invocado pela recorrida
por parte do tribunal a quo. Ou seja,
o tribunal ad quem consignaria, no
dispositivo do acórdão, que o recurso improcedia e que o prazo de prescrição
era de 5 anos; em seguida, a recorrente suscitaria novamente a questão da
prescrição no tribunal a quo, tendo
em vista que este declarasse o direito invocado pela recorrida parcialmente
prescrito. É evidente a impossibilidade legal de isto acontecer. A questão da
prescrição ficou definitivamente decidida no acórdão que julgou o recurso
improcedente, nada mais podendo ser decidido sobre essa matéria.
Importa notar, por outro lado, que a recorrida pretende que a
recorrente a indemnize por danos que alega ter sofrido, não que lhe pague
rendas em atraso. O artigo 1045.º do Código Civil prevê a indemnização pelo
atraso na restituição da coisa locada e estabelece critérios indemnizatórios
especiais. Apesar de tais critérios terem como ponto de referência o valor da
renda ou do aluguer, não decorre daquele preceito legal que, até à restituição
da coisa arrendada, a pessoa obrigada a efectuá-la pague rendas ao credor da
entrega. O direito deste último é a uma indemnização, não ao pagamento de
rendas.
Daqui resultam dois
corolários.
O primeiro é o de que o
direito invocado pela recorrida é unitário. Consequentemente, a contagem do
prazo de prescrição só se iniciou no momento em que cessou a produção do dano
na esfera jurídica da recorrida que gerou esse direito. Daí que, ainda que o
prazo de prescrição fosse de 5 anos,
não se encontrasse expirado à data da citação da recorrida.
O segundo é o de que, a corrigir-se o acórdão que julgou o recurso
improcedente, seria na parte em que nele se afirma que o prazo de prescrição do
direito invocado pela recorrida é de 5 anos. O prazo de prescrição é de 20
anos, nos termos do artigo 309.º do Código Civil, e não de 5 anos. É a
fundamentação do acórdão que contém um erro de direito, que não se repercutiu
no acerto da decisão. Esta última está correcta.
Concluímos, assim, que o pedido de rectificação do
acórdão que decidiu o recurso é manifestamente improcedente, devendo ser indeferido.
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Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, indeferir o pedido de
rectificação do acórdão que julgou o recurso improcedente.
Custas do incidente a cargo da recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça
(Regulamento das Custas Processuais, artigo 7.º, n.º 4).
Notifique.
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Évora,
23.11.2023
Vítor Sequinho dos Santos
(relator, na sequência da redistribuição do processo
decorrente da jubilação do relator do acórdão que julgou o recurso
improcedente)
1.ª adjunta
2.ª adjunta