quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Acórdão da Relação de Évora de 16.01.2025

Processo n.º 792/23.9T8OLH.E1

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Sumário:

1 – Extinto o dever de conservação dos processos individuais, pelo decurso do prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, a instituição de crédito apenas fica desonerada desse dever, continuando, nos termos gerais, a estar onerada com o ónus da prova de que integrou o devedor em PERSI.

2 – A viabilidade da regularização da situação de incumprimento, em função da gravidade da situação financeira do devedor, não constitui um pressuposto da integração do devedor em PERSI. A sua ponderação apenas tem lugar no decurso deste procedimento.

3 – Um mero juízo, formulado pela instituição de crédito, de que será improvável que o devedor venha a receber notificações no âmbito de um PERSI, não constitui fundamento de dispensa da instauração deste procedimento.

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Autora/recorrente:

Sociedade 1.

Réu/recorrido:

BBB.

Pedido:

Declaração do requerido como insolvente.

Sentença recorrida:

Absolveu o requerido da instância, com fundamento na verificação da excepção dilatória inominada decorrente do incumprimento do dever de integração daquele em PERSI por parte do banco mutuante.

Conclusões do recurso:

I. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a excepção dilatória prevista no artigo 18°, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 227/2012, de 25.10, que obsta ao conhecimento do mérito da acção e, em consequência, absolveu o requerido da instância.

II. Entende a recorrente que as normas que constituíram fundamento jurídico da aludida decisão, não foram interpretadas e aplicadas da forma mais adequada ao caso concreto.

III. Pois que, com o devido respeito, é uma subjugação injusta e desproporcional para com o credor que lançou mão das faculdades de que dispunha, tendo apresentado as respectivas reclamações de créditos nos processos em apreço e ainda assim lhe seja exigido a integração num procedimento de recuperação completamente fadado ao insucesso.

IV. Ora, a aqui recorrente, peticionou a decretação da insolvência do requerido, o qual não se pronunciou quanto a mesma, como último recurso de recuperação da quantia em dívida.

V. Ora, conforme devidamente alegado, em 03.11.2009 foi celebrado mútuo com hipoteca através de escritura pública de compra e venda e constituída hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “H” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado de (…), sito em (…), composto por Bloco (…) - Porta (…) - destinado a habitação - Rés-do-Chão (…) - T2, terraços e arrecadação na cave, descrito na Conservatória do Registo Predial, de (…) sob o n.º (…) da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo (…).

VI. Todavia, os mutuários, em 03.12.2017, interromperam o pagamento do empréstimo aqui em crise, nada mais tendo sido pago por conta do mesmo.

VII. Sobre o aludido imóvel, encontram-se ainda registados ónus advindos dos seguintes processos.

Processo de Execução Fiscal n.º (…) do Serviço de Finanças de (…), com a quantia exequenda de Euros 74.141,47;

Processo de execução fiscal n.º (…) do Serviço de Finanças de (…), com a quantia exequenda de Euros 596,79;

Processo n.º (…) do Tribunal Judicial da Comarca de (…), com a quantia exequenda de Euros 151.930,36.

VIII. Posteriormente à citação do requerido, foi a aqui recorrente notificada para comprovar a integração do devedor em PERSI.

IX. Ora, quanto a esta temática versa o presente recurso, pois que, entende a recorrente não se encontrar obrigada a tal procedimento, pois que, o requerido já se encontrava perante uma clara situação de incapacidade financeira, não tendo assim capacidade de fazer face às obrigações.

X. Tendo, ele próprio, se apresentado a plano especial de recuperação no sentido de obter a colaboração dos credores, plano esse que não foi homologado.

XI. Ora, uma das causas de extinção do PERSI é precisamente a nomeação de administrador judicial provisório, conforme disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 17.º do diploma em apreço.

XII. Por outro lado, em 24.10.2016, o credor Banco (…) deu entrada de requerimento executivo contra os mutuários, tendo a aqui recorrente apresentado a respectiva reclamação de créditos.

XIII. Sendo a penhora a favor de terceiros sobre os bens do devedor outra das causas de extinção do PERSI conforme disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 17.º do diploma em apreço.

XIV. Ora, visando o PERSI promover a prevenção do incumprimento e a regularização de situações de incumprimento dos clientes bancários com as instituições de crédito e tendo como fundamento último, evitar o recurso à execução pela instituição de crédito motivada pelo incumprimento dos contratos e expectável venda judicial do imóvel garantia dos contratos, a verdade é que, aquando do início do incumprimento, já se encontravam registadas penhoras prévias sobre o imóvel, de processos ainda em curso.

XV. Deste modo, ainda que o contrato de mútuo fosse reestruturado ou regularizado, tal não constituiria impedimento à venda judicial do imóvel na execução de terceiro.

XVI. Assim, reitera-se que, prevendo o DL n.º 227/2012, de 25.10, a extinção do PERSI sempre que realizada penhora a favor de terceiros sobre bem do devedor, não faria sentido impor ao recorrido a integração dos recorrentes no PERSI, sabendo à partida que procedimento seria extinto.

XVII. Acresce que, resulta do acervo fáctico e documental dos autos que o imóvel hipotecado não constitui casa de morada de família, tanto mais que, o requerido se encontra a residir na zona metropolitana de Lisboa, sem que tivesse dado conhecimento desse facto ao banco, pelo que, qualquer missiva enviada para ao devedor, naquela morada, não seria, certamente, pelo mesmo conhecida.

XVIII. Na situação aqui em causa, perante a facticidade descrita, pode, pois, afirmar-se, com um mínimo de segurança, que não lhes foi retirado qualquer direito ou reduzido legitimas expectativas.

XIX. Por fim, tendo ainda a recorrente chamado à colação o art. 20.º, n.º 2, do DL n.º 227/2012, de 25.10, segundo o qual «As instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes ao termo da adoção dos procedimentos do PERSI», pelo que, com o devido respeito, entende o credor já não se encontrar legalmente obrigado a conservar a documentação em apreço, pois que, considerando a data de incumprimento e o ano em de 2024, o prazo de conservação já se encontra ultrapassado, motivo pelo qual não se encontram os aludidos documentos disponíveis para exibição.

XX. Entendeu o tribunal a quo que «a este respeito considera-se que o decurso do prazo previsto na norma citada não dispensa o credor de fazer prova de que integrou o seu devedor, qualificado como consumidor, no PERSI, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora (artigo 13.º, do DL 227/2012, de 25 de outubro) pois a entender-se de outro modo estaria aberta a possibilidade das instituições bancárias omitirem a integração mencionada, que é obrigatória, bastando aguardar o decurso do mencionado prazo, o que certamente não terá sido intenção do legislador».

XXI. Evidentemente, não pode o aqui recorrente concordar com tal consideração, pois que, se o próprio diploma prescreve que as instituições devem conservar a documentação por 5 anos, decorrido esse prazo, não pode ser exigido ao credor que ainda disponha essa documentação disponível para exibição.

XXII. E ainda que se alegue que, desta forma, estaria aberta a possibilidade de as instituições bancárias omitirem a integração mencionada, que é obrigatória, bastando aguardar o decurso do mencionado prazo, a verdade é que as instituições bancárias não podem aguardar por tal prazo, sob pena de se verem impedidos de exercer o seu direito, por força do instituto da prescrição.

XXIII. Entende assim a recorrente terem sido violado o artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do DL 227/2012.

XXIV. Nestes termos e atento tudo o supra exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra decisão que ordene o normal prosseguimento da presente demanda.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1 – No exercício da sua actividade creditícia, o então Banco (…), posteriormente substituído pelo banco cedente, denominado (…), por escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e procuração outorgada em 03.11.2009, emprestou, ao requerido BBB e a CCC, a quantia de Euros 285.000,00, pelo prazo de 360 meses, a reembolsar em prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, e nas demais condições constantes do referido título.

2 – A taxa de juro contratada foi a Euribor a 3 meses, acrescida do spread de 1,8%.

3 – Em caso de mora ou incumprimento, tal taxa seria elevada de 2%.

4 – Para garantia do bom e pontual de todas e quaisquer obrigações para si emergentes do contrato a que se vem fazendo referência, nomeadamente capital em dívida, juros e respectivas despesas, em acto simultâneo, o requerido BBB e CCC constituíram hipoteca, no montante máximo assegurado de Euros 403.275,00, a favor do banco cedente, sobre o seguinte imóvel: fracção autónoma designada pela letra “H” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado de (…), sito em (…), composto por Bloco (…) - Porta (…) - destinado a habitação - Rés-do-Chão (…) - T2, terraços e arrecadação na cave, descrito na Conservatória do Registo Predial, de (…) sob o n.º (…) da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo (…).

5 – A hipoteca encontra-se registada a título definitivo a favor do banco cedente pela inscrição AP. 3393 de 2009/11/03 e o averbamento de transmissão de crédito a favor da requerente pela inscrição AP. 2333 de 2019/07/02.

6 – A quantia emprestada referida no aludido título foi efectivamente entregue ao requerido BBB e a CCC, mediante créditos processados na sua conta de depósito à ordem n.º (…), domiciliada na agência do banco cedente, que a movimentaram, utilizando em proveito próprio os valores resultantes daquele crédito, e, confessando-se devedores das quantias recebida.

7 – O requerido BBB e CCC interromperam o pagamento das prestações do empréstimo acima referido em 03.12.2017.

8 – Mediante solicitação do requerido BBB ao banco cedente, em 24.08.1999, foi celebrado, entre ambos, um contrato de utilização de cartão de crédito, «cartão BES PREMIER DUO Classic», associado à conta DO n.º (…).

9 – A forma de pagamento do valor utilizado através do cartão de crédito seria mediante débito mensal, no valor de 15%, na sobredita conta de depósitos à ordem.

10 – Em consequência das várias operações efectuadas, a débito e a crédito, a referida conta passou a apresentar um saldo devedor de Euros 474,16, vencido a 22.11.2017, que não foi pago até à presente data.

11 – Nos autos do processo (…), do Juízo de (…), Comarca de (…), o requerido BBB apresentou pedido de processo especial de revitalização e na sequência desse pedido foi nomeado administrador judicial provisório, decisão publicitada por edital datado de 03.07.2015.

12 – Nos autos do processo executivo n.º (…), que corre termos do Juízo (…) da Comarca de (…), em 15.03.2017, foi penhorado, por agente de execução, para pagamento da quantia executiva de € 151.930,36  e despesas prováveis de € 7.896,52, os seguintes bens imóveis: fracção autónoma designada pela letra “H” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado de (…), sito em (…), composto por Bloco (…) - Porta (…) - destinado a habitação - Rés-do-Chão (…) - T2, terraços e arrecadação na cave, descrito na Conservatória do Registo Predial, de (…) sob o n.º (…) da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo (…), e fracção autónoma designada pela letra B, composta de r/c, 1.º andar e logradouro com 223 m2 para habitação, do prédio urbano situado na Rua (…) Lt (…), em (…), inscrito na matriz sob o n.º (…), descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…), da União de Freguesias de (…), concelho de (…) e distrito de (…), chave de acesso à certidão permanente: (…).

13 – A presente acção deu entrada em 26.07.2023.

Questões a decidir:

1 – Se a circunstância de o tempo decorrido entre a data do início do incumprimento e a da propositura da acção de insolvência exceder o prazo em que as instituições de crédito têm o dever de conservar os processos individuais, estabelecido pelo n.º 2 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, dispensa aquelas instituições do ónus da prova da integração do devedor em PERSI;

2 – Se o dever de integração do devedor em PERSI cessa quando se verifique uma clara situação de incapacidade financeira daquele para cumprir as suas obrigações;

3 – Se o dever de integração do devedor em PERSI cessa quando se mostre improvável que aquele venha a receber notificações no âmbito desse procedimento.

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1.ª questão:

O n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 (diploma ao qual pertencem todas as normas legais doravante referenciadas), estabelece que as instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários abrangidos pelos procedimentos previstos no PERSI, os quais devem conter todos os elementos relevantes, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e, quando aplicável, as propostas apresentadas aos mesmos, bem como o registo das razões que conduziram à não apresentação de propostas, e ainda a avaliação relativa à eficácia das soluções acordadas. O n.º 2 do mesmo artigo dispõe que as instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes ao termo da adopção dos procedimentos do PERSI.

Desta última norma não decorre que, expirado o prazo nela previsto, a instituição de crédito fique dispensada do ónus da prova de que integrou o devedor em PERSI. Tal interpretação não tem qualquer apoio na letra da lei e parte de uma confusão entre duas questões que devem manter-se distintas: a da duração do dever de conservação dos processos individuais e a do ónus da prova da integração do devedor em PERSI.

Findo o prazo legal da duração do dever de conservação dos processos individuais, a instituição de crédito fica desonerada desse dever e apenas dele. Continua, nos termos gerais, a estar onerada com o ónus da prova de que integrou o devedor em PERSI. Ficar desonerado do dever de conservação dos processos individuais não equivale a ficar desonerado do ónus da prova da integração do devedor em PERSI. Trata-se de realidades distintas. Daí que, independentemente do decurso do prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 20.º, a instituição de crédito deva (entenda-se: tenha vantagem em) precaver-se, conservando os elementos de que necessite para, na hipótese demandar judicialmente o devedor, estar em condições de cumprir este ónus.

Não faria sentido que, por efeito do decurso do prazo legal de conservação dos processos individuais, se invertesse o ónus da prova da integração do devedor em PERSI. Ou seja, que, decorrido aquele prazo, passasse a ser o devedor a estar onerado com o ónus da prova de não ter sido integrado em PERSI caso arguisse essa excepção dilatória. Não é esse, seguramente, o sentido do n.º 2 do artigo 20.º.

Concluímos, assim, que a tese da recorrente carece de fundamento legal.

Por outro lado, a posição assumida pela recorrente é incoerente, pois esta acaba por assumir que nunca integrou o recorrido em PERSI. Uma coisa seria a recorrente alegar ter integrado o recorrido em PERSI mas, em face do decurso do prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 20.º, não ter conservado meios de prova desse facto. Outra, é a recorrente alegar, como efectivamente alegou, que não integrou o recorrido em PERSI porque, em face da situação financeira deste, que claramente o impossibilitava de cumprir as suas obrigações, isso não teria qualquer utilidade.

Tendo a recorrente assumido esta última posição, a invocação do decurso do prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 20.º carece de sentido. Independentemente de esse prazo ter, ou não, decorrido, a recorrente nunca estaria em condições de provar ter integrado o recorrido em PERSI porque, na realidade, nunca o fez.

2.ª questão:

A questão de saber se o dever de a instituição de crédito integrar o devedor em PERSI cessa quando se verifique uma evidente situação de incapacidade financeira daquele para cumprir as suas obrigações merece uma frontal resposta negativa. Isso resulta, com toda a clareza, das normas do Decreto-Lei n.º 227/2012 que passamos a analisar.

O n.º 1 do artigo 4.º estabelece, como princípio geral do regime consagrado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, que, no cumprimento das suas disposições, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adoptando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa. Não se distingue entre situações de maior e menor gravidade da incapacidade financeira do devedor, nomeadamente para excluir as primeiras do âmbito de aplicação do PERSI. Sempre que se registe uma situação de incumprimento das obrigações decorrentes de contratos de crédito, as instituições de crédito deverão envidar os esforços tendentes à sua regularização, nomeadamente integrando o devedor em PERSI.

O n.º 2 do artigo 5.º estabelece que, quando se verifique o incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, as instituições de crédito mutuantes devem providenciar pelo célere andamento do procedimento previsto nos artigos 12.º a 21.º, de modo a promover, sempre que possível, a regularização, em sede extrajudicial, das situações de incumprimento. Mais uma vez, associa-se o dever de integração do devedor em PERSI a qualquer situação de incumprimento, independentemente da gravidade das dificuldades financeiras daquele. O mesmo fazem os artigos 12.º e 13.º, que estabelecem, respectivamente, que as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, e que, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado.

São particularmente claros, acerca da questão que analisamos, os artigos 14.º e 15.º.

O n.º 1 do artigo 14.º estabelece que, se se mantiver o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º e o 60.º dias subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa. É obrigatoriamente integrado, sublinhamos. Não há lugar para a ponderação da probabilidade de sucesso daquela integração. Tal ponderação só terá lugar após aquela integração, nos termos que adiante analisaremos.

O n.º 2 do artigo 14.º estabelece que, sem prejuízo do disposto no n.º 1, a instituição de crédito está obrigada a iniciar o PERSI sempre que o cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração naquele procedimento, devendo a instituição de crédito assegurar que essa integração ocorre na data em que recebe a referida comunicação, ou que o cliente bancário que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito entre em mora, devendo, nessa hipótese, a instituição de crédito assegurar que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do referido incumprimento. Continua, pois, a existir uma obrigação de integração do devedor em PERSI sem dependência da maior ou menor probabilidade de sucesso dessa integração.

O n.º 1 do artigo 15.º estabelece que a instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflecte a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito. Estabelece o n.º 2 que, para esse efeito, a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário, podendo solicitar-lhe as informações e os documentos estritamente necessários e adequados, nos termos a definir, mediante aviso, pelo Banco de Portugal. Dispõe, por seu turno, o n.º 3, que, salvo motivo atendível, o cliente bancário presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados pela instituição de crédito no prazo máximo de 10 dias.

Resulta destes três números do artigo 15.º que a ponderação da probabilidade de sucesso do PERSI, tendo em conta a gravidade da situação financeira do devedor, apenas tem lugar no decurso desse procedimento. A viabilidade da regularização da situação de incumprimento não constitui um pressuposto da integração do devedor em PERSI. Constitui, sim, um factor conformador do processado ulterior, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.

Assim, se, após proceder à avaliação prevista nos n.ºs 1 a 3 do artigo 15.º, a instituição de crédito concluir que o devedor não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, e que, em face disso, se mostra inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI, deverá comunicá-lo, no prazo máximo de 30 dias após a integração no PERSI. Se, ao invés, a avaliação prevista nos n.ºs 1 a 3 levar a instituição de crédito a concluir que o devedor dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, apresentar-lhe-á, dentro do mesmo prazo, uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objectivos e necessidades.

Em consonância com o exposto, o artigo 17.º, n.º 2, al. c), prevê, como fundamento de extinção do PERSI por iniciativa da instituição de crédito, a supra referida hipótese de esta, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, concluir que o devedor não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de acções executivas ou processos de execução fiscal que afectem comprovada e significativamente a sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção daquele procedimento. A descrita situação de incapacidade financeira não constitui fundamento para a não inclusão do devedor em PERSI, mas, meramente, para a extinção de um PERSI instaurado.

Perante estes dados legislativos, é fora de dúvida que, por muito negativa que seja a sua avaliação da situação financeira do devedor, a instituição de crédito tem o dever de o integrar em PERSI. Concretamente, a recorrente tinha, em qualquer hipótese, o dever de integrar o recorrido em PERSI.

Na linha da argumentação que vimos refutando, a recorrente afirma que não estava obrigada a integrar o recorrido em PERSI porquanto, anteriormente ao incumprimento do seu direito de crédito: 1) Correu termos um processo especial de revitalização do recorrido, no âmbito do qual foi nomeado um administrador judicial provisório; 2) Numa acção executiva instaurada contra o recorrido, foram penhorados dois imóveis, sendo um deles a fracção onerada com a hipoteca constituída para garantia do direito de crédito de que a recorrente é titular.

A recorrente não tem razão. Inexiste fundamento legal para considerar que qualquer dos referidos factos a exonerasse do dever de integrar o recorrido em PERSI na sequência de este ter entrado em mora no pagamento das prestações do empréstimo. Refira-se, a este propósito, que o decretamento de uma penhora, a favor de terceiros, sobre bens do devedor, bem como a nomeação de administrador judicial provisório no âmbito de processo de processo especial de revitalização, quando ocorram no decurso de um PERSI, apenas poderão constituir fundamento de extinção deste por iniciativa da instituição de crédito, nos termos do artigo 17.º, n.º 2, als. a) e b). Sobre a distinção entre o dever de integração do devedor em PERSI e o direito de extinção deste procedimento, já nos pronunciámos.

3.ª questão:

Também a resposta à questão de saber se o dever de integração do devedor em PERSI cessa quando se mostre improvável que aquele receba notificações no âmbito desse processo é claramente negativa. Esta tese é absurda e não foi sustentada pela recorrente através da indicação de qualquer norma legal. Manifestamente, a lei não prevê que um mero juízo, formulado pela instituição de crédito, de que seja improvável que o devedor venha a receber notificações no âmbito de um PERSI, constitua fundamento de dispensa da instauração deste procedimento.

Conclusão:

A instituição de crédito mutuante não cumpriu o seu dever de integração do recorrido em PERSI, pelo que se verifica a excepção dilatória inominada prevista no artigo 18.º, n.º 1, al. b), preceito que, por igualdade ou, mesmo, maioria de razão, deve ser interpretado extensivamente, de modo a abranger as situações em que a instituição de crédito nem sequer integrou o devedor em PERSI, como acontece no caso dos autos. Sendo assim, a sentença recorrida deverá manter-se, improcedendo o recurso.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Notifique.

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Évora, 16.01.2025

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.ª adjunta)


Voto de vencido exarado em acórdão da Relação de Évora de 30.01.2025

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