Processo n.º 792/23.9T8OLH.E1
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Sumário:
1 – Extinto o dever de
conservação dos processos individuais, pelo decurso do prazo estabelecido no
n.º 2 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, a instituição de
crédito apenas fica desonerada desse dever, continuando, nos termos gerais, a
estar onerada com o ónus da prova de que integrou o devedor em PERSI.
2 – A viabilidade da
regularização da situação de incumprimento, em função da gravidade da situação
financeira do devedor, não constitui um pressuposto da integração do devedor em
PERSI. A sua ponderação apenas tem lugar no decurso deste procedimento.
3 – Um mero juízo, formulado
pela instituição de crédito, de que será improvável que o devedor venha a
receber notificações no âmbito de um PERSI, não constitui fundamento de
dispensa da instauração deste procedimento.
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Autora/recorrente:
Sociedade 1.
Réu/recorrido:
BBB.
Pedido:
Declaração do requerido como insolvente.
Sentença recorrida:
Absolveu o requerido da instância, com
fundamento na verificação da excepção dilatória inominada decorrente do
incumprimento do dever de integração daquele em PERSI por parte do banco
mutuante.
Conclusões do recurso:
I. Vem o presente recurso interposto da
sentença que julgou procedente a excepção dilatória prevista no artigo 18°, n.º
1, alínea b), do Decreto-Lei 227/2012, de 25.10, que obsta ao conhecimento do
mérito da acção e, em consequência, absolveu o requerido da instância.
II. Entende a recorrente que as normas
que constituíram fundamento jurídico da aludida decisão, não foram
interpretadas e aplicadas da forma mais adequada ao caso concreto.
III. Pois que, com o devido respeito, é
uma subjugação injusta e desproporcional para com o credor que lançou mão das
faculdades de que dispunha, tendo apresentado as respectivas reclamações de
créditos nos processos em apreço e ainda assim lhe seja exigido a integração
num procedimento de recuperação completamente fadado ao insucesso.
IV. Ora, a aqui recorrente, peticionou a
decretação da insolvência do requerido, o qual não se pronunciou quanto a
mesma, como último recurso de recuperação da quantia em dívida.
V. Ora, conforme devidamente alegado, em
03.11.2009 foi celebrado mútuo com hipoteca através de escritura pública de
compra e venda e constituída hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela
letra “H” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado de (…),
sito em (…), composto por Bloco (…) - Porta (…) - destinado a habitação -
Rés-do-Chão (…) - T2, terraços e arrecadação na cave, descrito na Conservatória
do Registo Predial, de (…) sob o n.º (…) da freguesia de (…) e inscrito na
matriz predial respectiva sob o artigo (…).
VI. Todavia, os mutuários, em 03.12.2017,
interromperam o pagamento do empréstimo aqui em crise, nada mais tendo sido
pago por conta do mesmo.
VII. Sobre o aludido imóvel,
encontram-se ainda registados ónus advindos dos seguintes processos.
Processo de Execução Fiscal n.º (…) do
Serviço de Finanças de (…), com a quantia exequenda de Euros 74.141,47;
Processo de execução fiscal n.º (…) do
Serviço de Finanças de (…), com a quantia exequenda de Euros 596,79;
Processo n.º (…) do Tribunal Judicial da
Comarca de (…), com a quantia exequenda de Euros 151.930,36.
VIII. Posteriormente à citação do
requerido, foi a aqui recorrente notificada para comprovar a integração do
devedor em PERSI.
IX. Ora, quanto a esta temática versa o
presente recurso, pois que, entende a recorrente não se encontrar obrigada a
tal procedimento, pois que, o requerido já se encontrava perante uma clara
situação de incapacidade financeira, não tendo assim capacidade de fazer face
às obrigações.
X. Tendo, ele próprio, se apresentado a
plano especial de recuperação no sentido de obter a colaboração dos credores,
plano esse que não foi homologado.
XI. Ora, uma das causas de extinção do
PERSI é precisamente a nomeação de administrador judicial provisório, conforme
disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 17.º do diploma em apreço.
XII. Por outro lado, em 24.10.2016, o credor
Banco (…) deu entrada de requerimento executivo contra os mutuários, tendo a
aqui recorrente apresentado a respectiva reclamação de créditos.
XIII. Sendo a penhora a favor de
terceiros sobre os bens do devedor outra das causas de extinção do PERSI
conforme disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 17.º do diploma em apreço.
XIV. Ora, visando o PERSI promover a
prevenção do incumprimento e a regularização de situações de incumprimento dos
clientes bancários com as instituições de crédito e tendo como fundamento
último, evitar o recurso à execução pela instituição de crédito motivada pelo
incumprimento dos contratos e expectável venda judicial do imóvel garantia dos
contratos, a verdade é que, aquando do início do incumprimento, já se
encontravam registadas penhoras prévias sobre o imóvel, de processos ainda em
curso.
XV. Deste modo, ainda que o contrato de
mútuo fosse reestruturado ou regularizado, tal não constituiria impedimento à
venda judicial do imóvel na execução de terceiro.
XVI. Assim, reitera-se que, prevendo o DL
n.º 227/2012, de 25.10, a extinção do PERSI sempre que realizada penhora a
favor de terceiros sobre bem do devedor, não faria sentido impor ao recorrido a
integração dos recorrentes no PERSI, sabendo à partida que procedimento seria
extinto.
XVII. Acresce que, resulta do acervo
fáctico e documental dos autos que o imóvel hipotecado não constitui casa de
morada de família, tanto mais que, o requerido se encontra a residir na zona
metropolitana de Lisboa, sem que tivesse dado conhecimento desse facto ao banco,
pelo que, qualquer missiva enviada para ao devedor, naquela morada, não seria, certamente,
pelo mesmo conhecida.
XVIII. Na situação aqui em causa,
perante a facticidade descrita, pode, pois, afirmar-se, com um mínimo de
segurança, que não lhes foi retirado qualquer direito ou reduzido legitimas
expectativas.
XIX. Por fim, tendo ainda a recorrente
chamado à colação o art. 20.º, n.º 2, do DL n.º 227/2012, de 25.10, segundo o
qual «As instituições de crédito devem
conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes ao termo
da adoção dos procedimentos do PERSI», pelo que, com o devido respeito,
entende o credor já não se encontrar legalmente obrigado a conservar a
documentação em apreço, pois que, considerando a data de incumprimento e o ano
em de 2024, o prazo de conservação já se encontra ultrapassado, motivo pelo
qual não se encontram os aludidos documentos disponíveis para exibição.
XX. Entendeu o tribunal a quo que «a este respeito considera-se que o decurso do prazo previsto na norma
citada não dispensa o credor de fazer prova de que integrou o seu devedor,
qualificado como consumidor, no PERSI, no prazo máximo de 15 dias após o
vencimento da obrigação em mora (artigo 13.º, do DL 227/2012, de 25 de outubro)
pois a entender-se de outro modo estaria aberta a possibilidade das
instituições bancárias omitirem a integração mencionada, que é obrigatória,
bastando aguardar o decurso do mencionado prazo, o que certamente não terá sido
intenção do legislador».
XXI. Evidentemente, não pode o aqui
recorrente concordar com tal consideração, pois que, se o próprio diploma
prescreve que as instituições devem conservar a documentação por 5 anos,
decorrido esse prazo, não pode ser exigido ao credor que ainda disponha essa
documentação disponível para exibição.
XXII. E ainda que se alegue que, desta
forma, estaria aberta a possibilidade de as instituições bancárias omitirem a
integração mencionada, que é obrigatória, bastando aguardar o decurso do
mencionado prazo, a verdade é que as instituições bancárias não podem aguardar
por tal prazo, sob pena de se verem impedidos de exercer o seu direito, por
força do instituto da prescrição.
XXIII. Entende assim a recorrente terem
sido violado o artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do DL 227/2012.
XXIV. Nestes termos e atento tudo o
supra exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso,
revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra decisão que
ordene o normal prosseguimento da presente demanda.
Factos julgados provados
pelo tribunal a quo:
1 – No exercício da sua actividade
creditícia, o então Banco (…), posteriormente substituído pelo banco cedente,
denominado (…), por escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e
procuração outorgada em 03.11.2009, emprestou, ao requerido BBB e a CCC, a
quantia de Euros 285.000,00, pelo prazo de 360 meses, a reembolsar em
prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, e nas demais
condições constantes do referido título.
2 – A taxa de juro contratada foi a
Euribor a 3 meses, acrescida do spread
de 1,8%.
3 – Em caso de mora ou incumprimento,
tal taxa seria elevada de 2%.
4 – Para garantia do bom e pontual de
todas e quaisquer obrigações para si emergentes do contrato a que se vem
fazendo referência, nomeadamente capital em dívida, juros e respectivas
despesas, em acto simultâneo, o requerido BBB e CCC constituíram hipoteca, no
montante máximo assegurado de Euros 403.275,00, a favor do banco cedente, sobre
o seguinte imóvel: fracção autónoma designada pela letra “H” do prédio urbano
em regime de propriedade horizontal, denominado de (…), sito em (…), composto
por Bloco (…) - Porta (…) - destinado a habitação - Rés-do-Chão (…) - T2,
terraços e arrecadação na cave, descrito na Conservatória do Registo Predial,
de (…) sob o n.º (…) da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial
respectiva sob o artigo (…).
5 – A hipoteca encontra-se registada a
título definitivo a favor do banco cedente pela inscrição AP. 3393 de
2009/11/03 e o averbamento de transmissão de crédito a favor da requerente pela
inscrição AP. 2333 de 2019/07/02.
6 – A quantia emprestada referida no
aludido título foi efectivamente entregue ao requerido BBB e a CCC, mediante
créditos processados na sua conta de depósito à ordem n.º (…), domiciliada na
agência do banco cedente, que a movimentaram, utilizando em proveito próprio os
valores resultantes daquele crédito, e, confessando-se devedores das quantias
recebida.
7 – O requerido BBB e CCC interromperam
o pagamento das prestações do empréstimo acima referido em 03.12.2017.
8 – Mediante solicitação do requerido BBB
ao banco cedente, em 24.08.1999, foi celebrado, entre ambos, um contrato de
utilização de cartão de crédito, «cartão
BES PREMIER DUO Classic», associado à conta DO n.º (…).
9 – A forma de pagamento do valor
utilizado através do cartão de crédito seria mediante débito mensal, no valor
de 15%, na sobredita conta de depósitos à ordem.
10 – Em consequência das várias
operações efectuadas, a débito e a crédito, a referida conta passou a
apresentar um saldo devedor de Euros 474,16, vencido a 22.11.2017, que não foi
pago até à presente data.
11 – Nos autos do processo (…), do Juízo
de (…), Comarca de (…), o requerido BBB apresentou pedido de processo especial
de revitalização e na sequência desse pedido foi nomeado administrador judicial
provisório, decisão publicitada por edital datado de 03.07.2015.
12 – Nos autos do processo executivo n.º
(…), que corre termos do Juízo (…) da Comarca de (…), em 15.03.2017, foi
penhorado, por agente de execução, para pagamento da quantia executiva de € 151.930,36 e despesas prováveis de € 7.896,52, os
seguintes bens imóveis: fracção autónoma designada pela letra “H” do prédio
urbano em regime de propriedade horizontal, denominado de (…), sito em (…),
composto por Bloco (…) - Porta (…) - destinado a habitação - Rés-do-Chão (…) -
T2, terraços e arrecadação na cave, descrito na Conservatória do Registo
Predial, de (…) sob o n.º (…) da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial
respectiva sob o artigo (…), e fracção autónoma designada pela letra B,
composta de r/c, 1.º andar e logradouro com 223 m2 para habitação, do prédio
urbano situado na Rua (…) Lt (…), em (…), inscrito na matriz sob o n.º (…),
descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…), da União
de Freguesias de (…), concelho de (…) e distrito de (…), chave de acesso à
certidão permanente: (…).
13 – A presente acção deu entrada em 26.07.2023.
Questões a decidir:
1 – Se a circunstância de o tempo
decorrido entre a data do início do incumprimento e a da propositura da acção
de insolvência exceder o prazo em que as instituições de crédito têm o dever de
conservar os processos individuais, estabelecido pelo n.º 2 do artigo 20.º do
Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, dispensa aquelas instituições do ónus da
prova da integração do devedor em PERSI;
2 – Se o dever de integração do devedor
em PERSI cessa quando se verifique uma clara situação de incapacidade
financeira daquele para cumprir as suas obrigações;
3 – Se o dever de integração do devedor
em PERSI cessa quando se mostre improvável que aquele venha a receber
notificações no âmbito desse procedimento.
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1.ª questão:
O n.º 1 do artigo 20.º do
Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 (diploma ao qual pertencem todas as normas
legais doravante referenciadas), estabelece que as instituições de crédito
devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes
bancários abrangidos pelos procedimentos previstos no PERSI, os quais devem
conter todos os elementos relevantes, nomeadamente as comunicações entre as partes,
o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e, quando
aplicável, as propostas apresentadas aos mesmos, bem como o registo das razões
que conduziram à não apresentação de propostas, e ainda a avaliação relativa à
eficácia das soluções acordadas. O n.º 2 do mesmo artigo dispõe que as
instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os
cinco anos subsequentes ao termo da adopção dos procedimentos do PERSI.
Desta última norma não
decorre que, expirado o prazo nela previsto, a instituição de crédito fique
dispensada do ónus da prova de que integrou o devedor em PERSI. Tal
interpretação não tem qualquer apoio na letra da lei e parte de uma confusão
entre duas questões que devem manter-se distintas: a da duração do dever de
conservação dos processos individuais e a do ónus da prova da integração do
devedor em PERSI.
Findo o prazo legal da duração
do dever de conservação dos processos individuais, a instituição de crédito
fica desonerada desse dever e apenas dele. Continua, nos termos gerais, a estar
onerada com o ónus da prova de que integrou o devedor em PERSI. Ficar
desonerado do dever de conservação dos processos individuais não equivale a
ficar desonerado do ónus da prova da integração do devedor em PERSI. Trata-se
de realidades distintas. Daí que, independentemente do decurso do prazo
estabelecido no n.º 2 do artigo 20.º, a instituição de crédito deva (entenda-se:
tenha vantagem em) precaver-se, conservando os elementos de que necessite para,
na hipótese demandar judicialmente o devedor, estar em condições de cumprir
este ónus.
Não faria sentido que, por
efeito do decurso do prazo legal de conservação dos processos individuais, se
invertesse o ónus da prova da integração do devedor em PERSI. Ou seja, que,
decorrido aquele prazo, passasse a ser o devedor a estar onerado com o ónus da
prova de não ter sido integrado em PERSI caso arguisse essa excepção dilatória.
Não é esse, seguramente, o sentido do n.º 2 do artigo 20.º.
Concluímos, assim, que a
tese da recorrente carece de fundamento legal.
Por outro lado, a posição
assumida pela recorrente é incoerente, pois esta acaba por assumir que nunca
integrou o recorrido em PERSI. Uma coisa seria a recorrente alegar ter
integrado o recorrido em PERSI mas, em face do decurso do prazo estabelecido no
n.º 2 do artigo 20.º, não ter conservado meios de prova desse facto. Outra, é a
recorrente alegar, como efectivamente alegou, que não integrou o recorrido em
PERSI porque, em face da situação financeira deste, que claramente o
impossibilitava de cumprir as suas obrigações, isso não teria qualquer
utilidade.
Tendo a recorrente assumido
esta última posição, a invocação do decurso do prazo estabelecido no n.º 2 do
artigo 20.º carece de sentido. Independentemente de esse prazo ter, ou não,
decorrido, a recorrente nunca estaria em condições de provar ter integrado o
recorrido em PERSI porque, na realidade, nunca o fez.
2.ª questão:
A questão de saber se o
dever de a instituição de crédito integrar o devedor em PERSI cessa quando se
verifique uma evidente situação de incapacidade financeira daquele para cumprir
as suas obrigações merece uma frontal resposta negativa. Isso resulta, com toda
a clareza, das normas do Decreto-Lei n.º 227/2012 que passamos a analisar.
O n.º 1 do artigo 4.º
estabelece, como princípio geral do regime consagrado pelo Decreto-Lei n.º
227/2012, que, no cumprimento das suas disposições, as instituições de crédito
devem proceder com diligência e lealdade, adoptando as medidas adequadas à
prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se
registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando
os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em
causa. Não se distingue entre situações de maior e menor gravidade da
incapacidade financeira do devedor, nomeadamente para excluir as primeiras do
âmbito de aplicação do PERSI. Sempre que se registe uma situação de
incumprimento das obrigações decorrentes de contratos de crédito, as
instituições de crédito deverão envidar os esforços tendentes à sua
regularização, nomeadamente integrando o devedor em PERSI.
O n.º 2 do artigo 5.º
estabelece que, quando se verifique o incumprimento de obrigações decorrentes
de contratos de crédito, as instituições de crédito mutuantes devem
providenciar pelo célere andamento do procedimento previsto nos artigos 12.º a
21.º, de modo a promover, sempre que possível, a regularização, em sede
extrajudicial, das situações de incumprimento. Mais uma vez, associa-se o dever
de integração do devedor em PERSI a qualquer situação de incumprimento, independentemente
da gravidade das dificuldades financeiras daquele. O mesmo fazem os artigos
12.º e 13.º, que estabelecem, respectivamente, que as instituições de crédito
promovem as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente a
clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes
de contratos de crédito, e que, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da
obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do
atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve
diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento
registado.
São particularmente claros,
acerca da questão que analisamos, os artigos 14.º e 15.º.
O n.º 1 do artigo 14.º
estabelece que, se se mantiver o incumprimento das obrigações decorrentes do
contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI
entre o 31.º e o 60.º dias subsequentes à data de vencimento da obrigação em
causa. É obrigatoriamente integrado, sublinhamos. Não há lugar para a
ponderação da probabilidade de sucesso daquela integração. Tal ponderação só
terá lugar após aquela integração, nos termos que adiante analisaremos.
O n.º 2 do artigo 14.º
estabelece que, sem prejuízo do disposto no n.º 1, a instituição de crédito
está obrigada a iniciar o PERSI sempre que o cliente bancário se encontre em
mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de
crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua
integração naquele procedimento, devendo a instituição de crédito assegurar que
essa integração ocorre na data em que recebe a referida comunicação, ou que o cliente
bancário que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes
do contrato de crédito entre em mora, devendo, nessa hipótese, a instituição de
crédito assegurar que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do
referido incumprimento. Continua, pois, a existir uma obrigação de integração
do devedor em PERSI sem dependência da maior ou menor probabilidade de sucesso
dessa integração.
O n.º 1 do artigo 15.º
estabelece que a instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias
para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de
crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário,
esse incumprimento reflecte a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de
forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito.
Estabelece o n.º 2 que, para esse efeito, a instituição de crédito procede à
avaliação da capacidade financeira do cliente bancário, podendo solicitar-lhe
as informações e os documentos estritamente necessários e adequados, nos termos
a definir, mediante aviso, pelo Banco de Portugal. Dispõe, por seu turno, o n.º
3, que, salvo motivo atendível, o cliente bancário presta a informação e
disponibiliza os documentos solicitados pela instituição de crédito no prazo
máximo de 10 dias.
Resulta destes três números
do artigo 15.º que a ponderação da probabilidade de sucesso do PERSI, tendo em
conta a gravidade da situação financeira do devedor, apenas tem lugar no
decurso desse procedimento. A viabilidade da regularização da situação de
incumprimento não constitui um pressuposto da integração do devedor em PERSI.
Constitui, sim, um factor conformador do processado ulterior, nos termos do n.º
4 do mesmo artigo.
Assim, se, após proceder à
avaliação prevista nos n.ºs 1 a 3 do artigo 15.º, a instituição de crédito
concluir que o devedor não dispõe de capacidade financeira para retomar o
cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para
regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da
renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros
contratos de crédito, e que, em face disso, se mostra inviável a obtenção de um
acordo no âmbito do PERSI, deverá comunicá-lo, no prazo máximo de 30 dias após
a integração no PERSI. Se, ao invés, a avaliação prevista nos n.ºs 1 a 3 levar
a instituição de crédito a concluir que o devedor dispõe de capacidade
financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e
vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das
condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito,
apresentar-lhe-á, dentro do mesmo prazo, uma ou mais propostas de regularização
adequadas à sua situação financeira, objectivos e necessidades.
Em consonância com o
exposto, o artigo 17.º, n.º 2, al. c), prevê, como fundamento de extinção do
PERSI por iniciativa da instituição de crédito, a supra referida hipótese de
esta, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º,
concluir que o devedor não dispõe de capacidade financeira para regularizar a
situação de incumprimento, designadamente pela existência de acções executivas
ou processos de execução fiscal que afectem comprovada e significativamente a
sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção daquele
procedimento. A descrita situação de incapacidade financeira não constitui
fundamento para a não inclusão do devedor em PERSI, mas, meramente, para a
extinção de um PERSI instaurado.
Perante estes dados
legislativos, é fora de dúvida que, por muito negativa que seja a sua avaliação
da situação financeira do devedor, a instituição de crédito tem o dever de o
integrar em PERSI. Concretamente, a recorrente tinha, em qualquer hipótese, o
dever de integrar o recorrido em PERSI.
Na linha da argumentação que
vimos refutando, a recorrente afirma que não estava obrigada a integrar o
recorrido em PERSI porquanto, anteriormente ao incumprimento do seu direito de
crédito: 1) Correu termos um processo especial de revitalização do recorrido,
no âmbito do qual foi nomeado um administrador judicial provisório; 2) Numa
acção executiva instaurada contra o recorrido, foram penhorados dois imóveis,
sendo um deles a fracção onerada com a hipoteca constituída para garantia do
direito de crédito de que a recorrente é titular.
A recorrente não tem razão. Inexiste
fundamento legal para considerar que qualquer dos referidos factos a exonerasse
do dever de integrar o recorrido em PERSI na sequência de este ter entrado em
mora no pagamento das prestações do empréstimo. Refira-se, a este propósito,
que o decretamento de uma penhora, a favor de terceiros, sobre bens do devedor,
bem como a nomeação de administrador judicial provisório no âmbito de processo
de processo especial de revitalização, quando ocorram no decurso de um PERSI,
apenas poderão constituir fundamento de extinção deste por iniciativa da
instituição de crédito, nos termos do artigo 17.º, n.º 2, als. a) e b). Sobre a
distinção entre o dever de integração do devedor em PERSI e o direito de extinção
deste procedimento, já nos pronunciámos.
3.ª questão:
Também a resposta à questão
de saber se o dever de integração do devedor em PERSI cessa quando se mostre
improvável que aquele receba notificações no âmbito desse processo é claramente
negativa. Esta tese é absurda e não foi sustentada pela recorrente através da
indicação de qualquer norma legal. Manifestamente, a lei não prevê que um mero
juízo, formulado pela instituição de crédito, de que seja improvável que o
devedor venha a receber notificações no âmbito de um PERSI, constitua
fundamento de dispensa da instauração deste procedimento.
Conclusão:
A instituição de crédito
mutuante não cumpriu o seu dever de integração do recorrido em PERSI, pelo que
se verifica a excepção dilatória inominada prevista no artigo 18.º, n.º 1, al.
b), preceito que, por igualdade ou, mesmo, maioria de razão, deve ser
interpretado extensivamente, de modo a abranger as situações em que a
instituição de crédito nem sequer integrou o devedor em PERSI, como acontece no
caso dos autos. Sendo assim, a sentença recorrida deverá manter-se,
improcedendo o recurso.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto,
julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da
recorrente.
Notifique.
*
Évora,
16.01.2025
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
(1.ª adjunta)
(2.ª adjunta)