domingo, 31 de outubro de 2021

Acórdão da Relação de Évora de 14.10.2021

Processo n.º 1966/19.2T8PTM-A.E1

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Sumário:

1 – Quando o depoimento de parte for requerido por alguma das partes, o requerente deve indicar logo, de forma discriminada, os factos sobre os quais o depoimento há-de recair.

2 – Se o requerente o não fizer, deverá o tribunal, em cumprimento dos seus deveres de gestão processual e de cooperação, ordenar a sua notificação para, no prazo de 10 dias, discriminar aqueles factos, sob pena de o depoimento de parte não ser admitido.

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AA interpôs recurso de apelação do despacho saneador, proferido na acção com processo especial de prestação de contas por si proposta contra BB, CC e DD, no segmento em que admitiu a prestação, por si, de depoimento de parte.

As conclusões do recurso são as seguintes:

1.ª - Foi decidido aceitar o pedido de depoimento de parte da autora com fundamento no seu conhecimento pessoal e directo dos factos.

2.ª - No processo em causa o objecto do litígio é a pretensão da autora em obter a condenação dos réus na prestação de contas relativas a imóveis de que é comproprietária com os réus.

3.ª - A autora peticionou contas desde Outubro de 2017 até à presente data.

4.ª - Os réus apresentaram contas, com saldo positivo a favor da autora, e apresentaram despesas realizadas nas partes comuns do prédio e não nas fracções autónomas compropriedade de autora e réus.

5.ª - Como prova das contas que apresentaram, requereram, entre outras provas, o depoimento de parte da autora.

6.ª - Não procederam, nesse requerimento, à indicação dos factos sobre os quais deveria recair o depoimento.

7.ª - Tal facto foi alegado pela autora quando respondeu às contas e respectivos documentos.

8.ª - Perante a deficiência do requerimento de depoimento de parte o tribunal deveria ter convidado os réus a virem proceder a essa indicação sob cominação de não o fazendo ser rejeitado o depoimento de parte, o que não fez.

9.ª - O depoimento de parte só pode ser pedido quando está em causa o reconhecimento pelo depoente de factos cujas consequências jurídicas lhe sejam prejudiciais e cuja prova competiria à parte contrária.

10.ª - A indicação pelo requerente do depoimento de parte dos factos sobre que deve recair tem em vista que o tribunal possa ajuizar se se trata de factos susceptíveis de confissão, caso em que é admissível o depoimento de parte, ou se são factos insuscetíveis de confissão, caso em que deve negar o depoimento.

11.ª - No caso dos autos não foram indicados os factos a que a autora deveria ser ouvida pelo que o tribunal não pode fazer aquela avaliação.

12.ª - Não pode o tribunal dizer, genericamente, que se trata de factos do conhecimento da autora pois não sabemos quais eles são.

13.ª - Não existem factos alegados na prestação de contas dos réus, susceptíveis de confissão pelo autora.

14.ª - Pelo que deve ser negado o depoimento de parte.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

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A única questão a resolver consiste em saber se, atenta a forma como foi requerido o depoimento de parte da recorrente, o mesmo podia ter sido admitido pelo tribunal a quo.

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Os factos relevantes para a decisão do recurso, são os seguintes:

1 – Na sequência da sua citação, os recorridos apresentaram as suas contas.

2 – No articulado mediante o qual apresentaram as suas contas, os recorridos requereram a prestação de depoimento de parte pela recorrente, nos seguintes termos: “De harmonia com o artigo 452, n.º 2 do CPC, requer-se o depoimento de parte da Autora”.

3 – No articulado mediante o qual contestou as contas apresentadas pelos recorridos, a recorrente invocou, nomeadamente, o seguinte: “20º- Por último, relativamente ao pedido de depoimento de parte o mesmo não se mostra devidamente requerido pois não identifica os factos a que a Autora deve depor; 21º- Entende ainda a Autora que não existem quaisquer factos pessoais que preencham os requisitos do art. 454º do CPC.”

4 – No despacho saneador, o tribunal a quo decidiu, nomeadamente, o seguinte: “Por se tratarem de factos dos quais têm conhecimento directo e pessoal, admite-se as declarações de parte/depoimentos de parte – artº 466º/452º do C.P.C.”.

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O artigo 452.º, n.º 2, do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas adiante referenciadas), estabelece que, quando o depoimento de parte seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há-de recair.

Os recorrentes não cumpriram este ónus, pois limitaram-se a requerer a prestação de depoimento de parte pela recorrente, sem mais.

Não obstante a recorrente ter invocado o incumprimento de tal ónus, o tribunal a quo admitiu, no despacho saneador, a prestação de depoimento de parte pela recorrente. Ao fazê-lo, violou o disposto no citado artigo 452.º, n.º 2.

Em vez de admitir a prestação de depoimento de parte requerido sem observância do disposto no artigo 452.º, n.º 2, o tribunal a quo devia, em cumprimento dos seus deveres de gestão processual e de cooperação (artigos 6.º e 7.º), ter ordenado a notificação dos recorridos para, no prazo de 10 dias (artigo 149.º, n.º 1), discriminarem os factos sobre os quais pretendiam que a recorrente prestasse depoimento de parte, sob pena de este último não ser admitido.

Impõe-se, assim, a revogação do segmento do despacho saneador que admitiu a prestação de depoimento de parte pela recorrente, devendo o tribunal a quo notificar os recorridos nos termos acima descritos.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se o segmento do despacho saneador que deferiu o requerimento de prestação de depoimento de parte pela recorrente e ordenando-se que o tribunal a quo notifique os recorridos para, no prazo de 10 dias, discriminarem os factos sobre os quais pretendem que a recorrente preste depoimento de parte, sob pena de este último não ser admitido.

Custas a cargo dos recorridos.

Notifique.

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Évora, 14.10.2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.ª adjunta


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