Processo n.º 1966/19.2T8PTM-A.E1
*
Sumário:
1 – Quando o depoimento de parte for requerido por alguma das partes, o
requerente deve indicar logo, de forma discriminada, os factos sobre os quais o
depoimento há-de recair.
2 – Se o requerente o não fizer, deverá o tribunal, em cumprimento dos
seus deveres de gestão processual e de cooperação, ordenar a sua notificação
para, no prazo de 10 dias, discriminar aqueles factos, sob pena de o depoimento
de parte não ser admitido.
*
AA interpôs recurso de apelação
do despacho saneador, proferido na acção com processo especial de prestação de
contas por si proposta contra BB, CC e DD, no segmento em que admitiu a
prestação, por si, de depoimento de parte.
As conclusões do recurso são as
seguintes:
1.ª - Foi decidido aceitar o
pedido de depoimento de parte da autora com fundamento no seu conhecimento
pessoal e directo dos factos.
2.ª - No processo em causa o
objecto do litígio é a pretensão da autora em obter a condenação dos réus na prestação
de contas relativas a imóveis de que é comproprietária com os réus.
3.ª - A autora peticionou contas
desde Outubro de 2017 até à presente data.
4.ª - Os réus apresentaram
contas, com saldo positivo a favor da autora, e apresentaram despesas realizadas
nas partes comuns do prédio e não nas fracções autónomas compropriedade de
autora e réus.
5.ª - Como prova das contas que
apresentaram, requereram, entre outras provas, o depoimento de parte da autora.
6.ª - Não procederam, nesse
requerimento, à indicação dos factos sobre os quais deveria recair o
depoimento.
7.ª - Tal facto foi alegado pela
autora quando respondeu às contas e respectivos documentos.
8.ª - Perante a deficiência do
requerimento de depoimento de parte o tribunal deveria ter convidado os réus a
virem proceder a essa indicação sob cominação de não o fazendo ser rejeitado o
depoimento de parte, o que não fez.
9.ª - O depoimento de parte só
pode ser pedido quando está em causa o reconhecimento pelo depoente de factos
cujas consequências jurídicas lhe sejam prejudiciais e cuja prova competiria à
parte contrária.
10.ª - A indicação pelo
requerente do depoimento de parte dos factos sobre que deve recair tem em vista
que o tribunal possa ajuizar se se trata de factos susceptíveis de confissão,
caso em que é admissível o depoimento de parte, ou se são factos insuscetíveis
de confissão, caso em que deve negar o depoimento.
11.ª - No caso dos autos não
foram indicados os factos a que a autora deveria ser ouvida pelo que o tribunal
não pode fazer aquela avaliação.
12.ª - Não pode o tribunal
dizer, genericamente, que se trata de factos do conhecimento da autora pois não
sabemos quais eles são.
13.ª - Não existem factos
alegados na prestação de contas dos réus, susceptíveis de confissão pelo autora.
14.ª - Pelo que deve ser negado
o depoimento de parte.
Não foram apresentadas
contra-alegações.
O recurso foi admitido, com
subida em separado e efeito meramente devolutivo.
*
A única questão a resolver consiste em
saber se, atenta a forma como foi requerido o depoimento de parte da
recorrente, o mesmo podia ter sido admitido pelo tribunal a quo.
*
Os factos relevantes para a decisão do
recurso, são os seguintes:
1 – Na sequência da sua citação, os
recorridos apresentaram as suas contas.
2 – No articulado mediante o qual
apresentaram as suas contas, os recorridos requereram a prestação de depoimento
de parte pela recorrente, nos seguintes termos: “De harmonia com o artigo 452, n.º 2 do CPC, requer-se o depoimento de
parte da Autora”.
3 – No articulado mediante o qual
contestou as contas apresentadas pelos recorridos, a recorrente invocou,
nomeadamente, o seguinte: “20º- Por
último, relativamente ao pedido de depoimento de parte o mesmo não se mostra
devidamente requerido pois não identifica os factos a que a Autora deve depor;
21º- Entende ainda a Autora que não existem quaisquer factos pessoais que
preencham os requisitos do art. 454º do CPC.”
4 – No despacho saneador, o tribunal a quo decidiu, nomeadamente, o seguinte:
“Por se tratarem de factos dos quais têm
conhecimento directo e pessoal, admite-se as declarações de parte/depoimentos
de parte – artº 466º/452º do C.P.C.”.
*
O artigo 452.º, n.º 2, do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas
adiante referenciadas), estabelece que, quando o depoimento de parte seja
requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada,
os factos sobre que há-de recair.
Os recorrentes não cumpriram este ónus, pois limitaram-se a requerer a
prestação de depoimento de parte pela recorrente, sem mais.
Não obstante a recorrente ter invocado o incumprimento de tal ónus, o
tribunal a quo admitiu, no despacho
saneador, a prestação de depoimento de parte pela recorrente. Ao fazê-lo,
violou o disposto no citado artigo 452.º, n.º 2.
Em vez de admitir a prestação de depoimento de parte requerido sem
observância do disposto no artigo 452.º, n.º 2, o tribunal a quo devia, em cumprimento dos seus deveres de gestão processual e
de cooperação (artigos 6.º e 7.º), ter ordenado a notificação dos recorridos
para, no prazo de 10 dias (artigo 149.º, n.º 1), discriminarem os factos sobre
os quais pretendiam que a recorrente prestasse depoimento de parte, sob pena de
este último não ser admitido.
Impõe-se, assim, a revogação do segmento do despacho saneador que admitiu
a prestação de depoimento de parte pela recorrente, devendo o tribunal a quo notificar os recorridos nos termos
acima descritos.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se o segmento do
despacho saneador que deferiu o requerimento de prestação de depoimento de
parte pela recorrente e ordenando-se que o tribunal a quo notifique os recorridos para, no prazo de 10 dias,
discriminarem os factos sobre os quais pretendem que a recorrente preste
depoimento de parte, sob pena de este último não ser admitido.
Custas
a cargo dos recorridos.
Notifique.
*
Évora, 14.10.2021
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.ª adjunta