Processo n.º 2621/17.3T8ENT.E1
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Sumário:
Não
tem cabimento a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento
liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a possibilidade
de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como
podendo vir a constituir fundamento de um projectado indeferimento liminar.
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Caixa
de Previdência dos Advogados e Solicitadores instaurou a presente acção
executiva para pagamento de quantia certa contra IC, advogada, com vista à
cobrança da quantia de € 1.913,01, correspondente a contribuições em dívida e
juros de mora. Como título executivo, a exequente apresentou uma “certidão de
dívida de contribuições” emitida pelo seu órgão dirigente.
O
tribunal recorrido indeferiu liminarmente o requerimento executivo,
declarando-se materialmente incompetente para a presente execução.
A
exequente arguiu, então, a nulidade do despacho de indeferimento liminar com
fundamento na sua não audição prévia à prolação do mesmo.
O
tribunal recorrido indeferiu a arguição de nulidade, por entender que a
prolação de despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo por verificação
de uma qualquer excepção não carece de notificação prévia à parte para,
querendo, se pronunciar.
A
exequente recorreu deste último despacho, tendo formulado as seguintes
conclusões:
1 – A
CPAS arguiu “a nulidade do despacho/sentença proferido”, mas fê-lo com fundamento
no disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
2 – Uma
vez que não foi concedida, à ora recorrente, a possibilidade de se pronunciar, previamente
à decisão, sobre a competência do tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 3.º,
n.º 3, do CPC.
3 – E
por isso a nulidade da decisão seria uma mera consequência da nulidade pela omissão
de um acto processual essencial, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 2,
do CPC.
4 – Não
tendo a ora recorrente sido previamente ouvida sobre a competência do tribunal
para tramitar e julgar a presente acção, a decisão que julgou incompetente o tribunal
em razão da matéria, tem de ser considerada uma decisão-surpresa.
5 – Pois
essa questão da decisão-surpresa terá de ser vista em cada um dos processos de per si, como no presente caso.
6 – Não
sendo admissível a chamada decisão-surpresa, tem a CPAS, previamente à decisão,
de ser auscultada sobre a matéria (competência dos tribunais judiciais para cobrança
coerciva das contribuições em dívida pelos seus beneficiários).
7 – Além
disso, o princípio do contraditório visa, também, permitir que a parte possa carrear
para os autos os elementos que achar pertinentes por forma a que o tribunal, quando
decidir, o faça na posse do máximo de informação possível.
8 – Não
tendo a CPAS sido ouvida previamente à decisão, foi violado o princípio do contraditório
previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
9 – Nestes
termos deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça
à CPAS o direito de se pronunciar sobre a questão da competência dos tribunais
judiciais, para dirimir e julgar as execuções intentadas pela CPAS para cobrança
das contribuições em dívida pelos beneficiários.
O
recurso foi admitido.
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Tendo
em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o objecto deste e
delimitam o âmbito da intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das
questões cujo conhecimento oficioso se imponha, a única questão a resolver consiste
em saber se o juiz, antes de proferir despacho de indeferimento liminar, deve
dar o contraditório ao autor ou ao exequente para que este possa pronunciar-se
sobre o fundamento de tal indeferimento.
O
artigo 590.º do CPC estabelece que, nos casos em que, por determinação legal ou
do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o
pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente,
excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente,
aplicando-se o disposto no artigo 560.º.
O
artigo 726.º do CPC, relativo ao processo de execução, estabelece que o
processo é concluso ao juiz para despacho liminar (n.º 1) e que o juiz indefere
liminarmente o requerimento executivo quando ocorram excepções dilatórias, não
supríveis, de conhecimento oficioso (n.º 2, al. b)).
O
n.º 3 do artigo 3.º do CPC estabelece que o juiz deve observar e fazer cumprir,
ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo
lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou
de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a
possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
A
recorrente sustenta que o tribunal recorrido violou esta última norma porquanto
não lhe concedeu a possibilidade de se pronunciar sobre a questão da
competência do tribunal antes da prolação do despacho de indeferimento liminar
e, dessa forma, cometeu uma nulidade processual nos termos do artigo 195.º, n.º
1, do CPC, constituindo o referido despacho uma “decisão surpresa”.
Discordamos
deste entendimento.
Não
faz sentido a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento
liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a
possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho
prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um projectado indeferimento
liminar. Pela sua própria natureza e tal como a sua designação inculca, o
despacho de indeferimento liminar não é precedido por qualquer outro despacho,
nomeadamente com a função acima referida, sob pena de deixar de merecer o
qualificativo de liminar. Não faria sentido e constituiria uma verdadeira
contradição nos termos a prolação de despacho liminar depois de outro despacho.
Já não estaríamos, obviamente, perante um despacho liminar. Ora, se é a própria
lei a admitir a prolação de despacho de indeferimento liminar em determinadas
situações, nomeadamente quando ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de
conhecimento oficioso, é seguro que, nessas situações, não há lugar a
contraditório prévio. Se fosse outra a intenção do legislador, certamente este teria
cuidado de deixar de designar tal despacho de indeferimento como liminar.
Por
outro lado, não pode considerar-se que o despacho de indeferimento liminar
proferido neste processo constitua uma decisão surpresa, a menos que assim se
considerassem todos os despachos de indeferimento liminar. É evidente que, ao
propor a acção, o autor ou o exequente tem a expectativa de que a mesma tenha
melhor sorte que um indeferimento liminar, pelo que este último será, senão
sempre, pelo menos na generalidade dos casos, inesperado. Ainda assim, a nossa
lei processual continua a prever o indeferimento liminar, sinal evidente de que
se trata de uma figura processual compatível com o disposto no n.º 3 do artigo
3.º do CPC.
Note-se,
finalmente, que a lei compensa esta ausência de audição do autor ou do exequente
antes da prolação do despacho de indeferimento liminar através da
admissibilidade de recurso deste último independentemente do valor da causa e
da sucumbência, nos termos dos artigos 629.º, n.º 3, al. c), e 853.º, n.º 3, do
CPC, assim permitindo um contraditório diferido.
Em
conclusão, não se verifica a nulidade processual que o recorrente arguiu, pelo
que o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se o despacho
recorrido.
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Decisão:
Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação
de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando o despacho recorrido.
Custas
pela recorrente.
Notifique.
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Évora, 28 de Junho de 2018
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.ª
adjunta
2.º
adjunto