terça-feira, 31 de outubro de 2017

Acórdão da Relação de Évora de 12.10.2017

Processo n.º 1670/13.5TBCTX.E1

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Sumário:

1 – Resulta dos artigos 484.º, n.º 1, e 485.º, n.ºs 2 a 4, do CPC, que o relatório pericial deve dar resposta completa, clara e coerente a todas as questões que constituem objecto da perícia. Tais respostas devem, em particular, ser tecnicamente rigorosas, atentas a natureza e finalidade do meio de prova em causa.

2 – Resulta dos mesmos preceitos legais que a fundamentação do relatório pericial também não pode deixar de ser completa, clara e coerente, tendo especialmente em conta que os destinatários do relatório não possuem os especiais conhecimentos de quem o elaborou, assumindo, assim, fundamental importância a capacidade de comunicação dos peritos com aqueles.

3 – O incumprimento destes requisitos legais constitui fundamento de reclamação pelas partes, que o juiz não poderá deixar de atender. Caso as partes não reclamem, o juiz tem o dever de determinar oficiosamente a prestação, pelo(s) perito(s), dos esclarecimentos ou aditamentos que entenda serem necessários para a boa decisão da causa.

4 – O incumprimento dos mesmos requisitos não é suprível através da prestação de esclarecimentos, pelo(s) perito(s), na audiência final.

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Relatório

AJ e mulher, MP, propuseram a presente acção declarativa comum contra MC, AC e CC, pedindo a condenação destas últimas a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre uma parcela de terreno integrante do seu prédio que ilegitimamente ocupam com uma obra inacabada, a restituírem-lhes a mesma parcela livre e desimpedida de quaisquer construções e demais desperdícios destas decorrentes e a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização, por si, da mesma parcela.

As rés contestaram, sustentando que, com a construção do muro contra o qual os autores se insurgem, não invadiram o prédio destes, concluindo no sentido da improcedência da acção. As rés também deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos autores a pagarem-lhes uma indemnização de montante não inferior a € 5.000 e, ainda, da que vier a apurar-se e a liquidar-se em execução de sentença.

Os autores replicaram, impugnando a matéria do pedido reconvencional e concluindo no sentido da improcedência deste.

Foi proferido despacho saneador, com a identificação do objecto do litígio e o enunciado dos temas de prova.

Na data agendada para a realização da audiência final e após a abertura desta, foi proferido despacho ordenando a realização de uma perícia e, com esse fundamento, dando sem efeito a audiência, adiando a mesma sine die, até ao momento em que o relatório pericial fosse junto aos autos.

Foi recebido o relatório pericial, tendo os autores e as rés reclamado do mesmo.

Ambas as reclamações foram indeferidas.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença, que julgou improcedentes, quer a acção, quer a reconvenção.

Os autores recorreram, quer do despacho que indeferiu a sua reclamação contra o relatório pericial, quer da sentença. As suas alegações contêm as seguintes conclusões:

1 – Os apelantes insurgem-se contra o despacho que logrou indeferir a reclamação que apresentaram contra o relatório pericial, por este padecer dos vícios de deficiência, obscuridade e falta de fundamentação.

2 – Sendo certo que, a lei exige que no mesmo o perito ou peritos se pronunciem fundamentadamente sobre o seu objecto.

3 – Não bastando para tal efeito previsto na lei que o dito relatório pericial apenas contenha mapa com coordenadas e documentos fotográficos, sem qualquer fundamentação sobre o objecto da perícia.

4 – Omitindo-se no relatório a fundamentação, não cumpre o mesmo a citada disposição legal, pelo que incorre assim nos vícios assacados pelos apelantes.

5 – Por conseguinte, impunha-se à Mma. Juiz “a quo” que ordenasse aos peritos que nele incluíssem a fundamentação em falta.

6 – Outrossim, a decisão sobre a matéria de facto igualmente carece de ser alterada, julgando não provados os factos constantes dos pontos 12, 15, 16, 19 a 21 e provado o facto constante da matéria de facto não provada referido na al. i).

7 – Por um lado, a descrição registral do prédio das apeladas constante do registo, a qual influiu na parte de decisão de facto impugnada, não pode constituir prova das áreas, limites e confrontações, por não cobertas pela presunção derivada do registo, cfr. art. 7º, do CRP.

8 – Ademais, os referidos elementos da descrição física do prédio por resultarem de declarações das partes proferidas no título invocado, não vinculam terceiros, nem estão cobertas pela fé pública do notário titulador, cf. o disposto no art. 371.º, do CCiv.

9 – Outrossim, os depoimentos conjugados das testemunhas AS e ZS, cujas passagens se encontram transcritas no corpo desta alegação, configuram uma situação factual que impõe resposta diversa daquela a que se chegou na parte a decisão ora impugnada.

10 – Porquanto, do depoimento gravado respeitante à primeira testemunha - declarações iniciadas nos Mins. 4.46, 5.10 e 6.17 – esta refere qual a sua razão de ciência, contrariando a conclusão extraída pela Mma. Juiz “a quo”, vazada na fundamentação da decisão de facto, onde ai se julgou que a mesma “não teria conseguido esclarecer em que assenta tal afirmação.”

11 – Quando na verdade, a mesma declarou que: “Aquilo está dentro do terreno do AJ, dentro da tal passagenzinha que a gente ia para o poço, foi demolida para a casa ficar em esquadria, ouvi eu dizer aos pedreiros.”

12 – Com efeito, a testemunha ZS – gravado no ficheiro 20161123151802_1035544_2871750 – que, segundo a Mma. Juiz “a quo” esta teria peremptoriamente precisado que o muro se encontra construído no terreno das R. e porque o terreno dos A. estaria na parte de baixo do desnível (com cerca de 1 metro).

13 – Contudo, esta testemunha respondeu a instâncias da mandatária das recorridas sobre se a construção do prédio das R. teria introduzido alguma alteração, a qual respondeu que sim, depondo: “Sim houve alteração, a planta da casa foi feita um bocadinho grande demais e não havia espaço para implantar a casa. (…).”

14 – E sobre a situação do dito carreiro, disse: “Agora eu penso que ele está mesmo na extrema (…). Nunca lá fui medir se de facto tem um metro, acho um bocadinho estreito para um metro. Porque é o metro que está na escritura. (…) Tenho uma folha de partilhas da partilha da minha mãe e da mãe da minha prima (…) Eu tenho uma folha de partilhas que consta lá um carreiro, aquilo e a adega, ao lado da adega há um carreiro com um metro de largura. (…)”

15 – Sendo que o conhecimento da situação dele e respectiva dimensão/largura, mormente no que a extrema entre os dois prédios concerne, tal razão de ciência advém-lhe da escritura notarial, não que tivesse qualquer conhecimento pessoal e directo.

16 – Outrossim, no concernente à implantação da casa construída no prédio pela apelada mãe, a testemunha ZS foi enfática ao responder a instância da mandatária daquelas que: “A adega foi deitada abaixo. A casa teve de ser feita na recta onde o carreiro tinha o limite de um metro. (…)”

17 – Ora, coonestando o depoimento das testemunhas AS e ZS verifica-se que afinal a casa edificada em lugar da adega ocupou o leito do carreiro.

18 – O que significa que o muro foi edificado no terreno pertença dos apelantes, talqualmente, se extrai do depoimento da testemunha AS.

19 – Sendo aqui, imprestáveis as coordenadas geográficas a que se refere a Mma. Juiz “a quo”, bem como os depoimentos prestados em audiência pelos peritos e testemunha topografo indicada pelas apeladas, que apenas se referiram à perspectiva que extraíram da técnica que se socorreram.

20 – Mas, tal técnica não se compagina com o nosso sistema de registo predial, que não cobre com a presunção dele derivada as aéreas, limites e confrontações assim obtidos.

21 – Pelo que, deve assim ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, no sentido de não serem julgados provados os factos elencados na conclusão 6.ª e ser julgado provado o facto vertido na al. i), da parte da decisão respeitante aos factos não provados, como decorre do depoimento da testemunha AS conjugado com o da testemunha ZS.

22 – Alterando-se a decisão de facto no sentido que resulta das conclusões supra, deverão proceder os pedidos dos apelantes.

Houve lugar a resposta, sendo as seguintes as conclusões das recorridas:

1. A decisão recorrida não merece qualquer reparo, já que a mesma resultou de uma exaustiva produção de prova, tendo a Meritíssima Juiz a quo, feito uma valoração criteriosa e prudente das provas produzidas, incluindo as provas documentais trazidas pelas apeladas.

2. Os apelantes colocam em causa matéria de facto dada por provada, sem, contudo, respeitarem o teor da gravação, sendo dever dos recorrentes indicar com precisão (exactidão) as passagens da gravação em que se funda ou proceder à transcrição dos depoimentos – com a mesma precisão – que então e no seu entender, daria uma diferente decisão de facto.

3. A sentença recorrida não merece reparo, a qual resultou da livre apreciação e valoração da prova produzida segundo critérios práticos e realistas e lógico-intuitivos, colhidos quer da inquirição das testemunhas, como das declarações do Perito e do Topógrafo que realizaram a perícia no local e ainda da documentação junta.

4. Resulta, assim, que a Meritíssima Juiz a quo fez o julgamento em estrito cumprimento do artº. 607º. do C.P.C.

O recurso foi admitido.                                                         

Objecto do recurso

É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

Importa apreciar, em primeiro lugar, o recurso interposto do despacho que indeferiu a reclamação dos recorrentes contra o relatório pericial. Está em causa saber se este relatório padece dos vícios que os recorrentes lhe apontaram na reclamação que deu origem ao despacho de indeferimento de que agora recorrem e, na hipótese afirmativa, se tais vícios tiveram influência no sentido da sentença (cfr. artigo 660.º do CPC).                                                       

Factualidade apurada

Com interesse para a resolução da questão acima enunciada, resulta do processo o seguinte:

1 – Na sessão da audiência realizada em 23.09.2015, foi proferido o seguinte despacho:

“Compulsados os autos e após a tentativa de conciliação verifica-se não estar assente a posição dos marcos limitadores dos terrenos dos AA e dos RR patentes em levantamento topográfico apresentado pelas R. (que os A. não aceitam) o que se impõe com vista a aferir da exata localização dos mesmos e do muro em causa nestes autos.

Tal situação afigura-se a este Tribunal passível de esclarecimento apenas por perícia a ordenar nestes autos.

Termos em que, ao abrigo do Artº 467.º e seguintes do CPC, determino a realização de perícia com vista a determinar:

a) concreta localização da linha de estrema (e marcos) que delimita o terreno dos AA e dos RR;

b) localização do muro construído e em causa nestes autos, por referência àquela estrema;

c) medida da frente dos terrenos dos AA e dos RR face à Rua …

Determina-se que se solicite ao Instituto Geográfico Português, remetendo cópia de fls. 78, as coordenadas dos marcos assinalados com os nºs 2, 3 e 4 e bem assim os dois pontos adicionais que no mesmo vão marcados com os nºs 5 e 6, sendo a selecção de tais pontos obtida com a concordância dos mandatários das partes.

Obtidos tais elementos, remeta-os ao perito para efeitos da perícia ordenada, bem como as certidões prediais dos prédios em causa.

Indique a secção pessoa idónea para a perícia ordenada, a qual desde já se nomeia, devendo apresentar por escrito o compromisso de honra.

Fixa-se o prazo de trinta dias para a realização da perícia.

Por se afigurar que o relatório pericial deverá estar junto aos autos em momento anterior à inquirição das testemunhas, dou sem efeito a presente audiência, adiando a mesma sine die e até ao momento em que tal relatório se mostre junto aos autos.

Junto tal relatório, venham-me os autos conclusos.

Notifique.”

2 – Em 27.06.2016, foi recebido nos autos um documento, assinado pelo perito nomeado, com o seguinte teor:

“3. Relatório Pericial

- A perícia realizada esteve com base a localização da linha de estrema e marcos que delimita o terreno dos AA e dos RR.

- A localização do muro construído e em causa nos autos

- A medida da frente dos terrenos dos AA e dos RR face à rua …”

3 – O documento referido em 2 tem, em anexo, sete fotos e uma planta.

4 – Os ora recorrentes reclamaram do relatório pericial, sustentando que o mesmo padece de deficiência, obscuridade e ausência de fundamentação das conclusões, sendo, por isso, inidóneo para os fins visados pela perícia.

5 – O requerimento referido em 4 foi indeferido, através de despacho que, na parte que agora interessa, tem o seguinte teor:

“Nos termos do disposto no artigo 485.º do Código de Processo Civil as partes podem reclamar do relatório pericial quando entenderem que do mesmo resulta qualquer deficiência, obscuridade ou contrariedade, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, naturalmente por relação aos quesitos a que devem responder.

Compulsado o requerimento/reclamação apresentado pelas partes e o apresentado relatório pericial (no qual constam assinalados os marcos/pontos determinados e a posição do muro face à linha de estrema de tais pontos/marcos) verifica-se não existir no reclamado relatório pericial qualquer deficiência, obscuridade ou contrariedade, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas.

Com efeito, cabendo reclamação do relatório pericial quando o mesmo não responde a qualquer quesito que tenha sido formulado, responde de forma insuficiente deixando questões por responder, responde de forma obscura que não permite descortinar o seu sentido e alcance, responde de forma a que entre respostas exista contradição ou apresenta conclusões não devidamente fundamentadas, verifica-se que a existência de mapas com escalas diferentes (sendo que os apontados pontos/marcos omissos efetivamente constam indicados) e a mera discordância relativamente à posição do muro face à estrema não é fundamento suficiente para que possa ser admitida tal reclamação.

Em face do exposto, indefere-se o requerido.

Notifique.”

6 – Da sentença recorrida consta, nomeadamente, o seguinte:

Análise Crítica da Prova

O Tribunal alicerçou a sua convicção na ponderação e análise crítica do conjunto da prova produzida, designadamente, na prova testemunhal e documental, nos termos infra indicados.

As respostas dadas resultam da valoração do mapa cadastral remetido pelo Instituto Geográfico Português, com sinalização das coordenadas dos pontos e marcos, bem assim, das plantas, certidões prediais e cadernetas prediais, certidões notariais, do relatório pericial junto (fls.), dos esclarecimentos prestados pelos peritos em sede de audiência de julgamento.

Com efeito, considerando as fotografias juntas com o relatório pericial, pelas quais é visível que apenas no marco/ponto 2 parte do muro se encontra (em cerca de seis centímetros) para lá da linha delimitadora dos prédios (ou seja, no prédio dos A.) – todos os seguintes marcos/pontos o muro encontra-se muito (chegando aos 80 cm) para dentro do prédio das R.-, conjugado com o ofício do Instituto Geográfico Português de indicação das coordenadas e margem erro e esclarecimento quanto à medição da margem de erro, forçoso é concluir que o muro porque dentro da referida margem de erro não está construído no prédio dos A.

Acresce, no sentido supra, os esclarecimentos prestados pelo perito e topógrafos nomeados, NC e PG, que prestaram um depoimento isento, claro e revelador da sua razão de ciência. (…)”

Fundamentação

O artigo 388.º do Código Civil estabelece que a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial. Acerca deste meio de prova, salienta ANTUNES VARELA que “a nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspectiva de factos, mas pode trazer também a apreciação ou valoração de factos, ou apenas esta.”[1] Acrescenta o mesmo autor que “Essencial, em princípio, para que haja perícia, é que a percepção desses factos assente sobre conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, seja qual for a natureza (científica, técnica, artística, profissional ou de mera experiência) desses conhecimentos.”[2]

O regime adjectivo deste meio de prova encontra-se nos artigos 467.º a 489.º do Código de Processo Civil, diploma ao qual pertencem todas as disposições legais adiante referidas.

Quando se trate de perícia oficiosamente ordenada, o juiz indica, no despacho que determina a realização da diligência, o respectivo objecto, podendo as partes sugerir o alargamento a outra matéria (artigo 477.º). O resultado da perícia é expresso em relatório, no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respectivo objecto (artigo 484.º, n.º 1). Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações (artigo 485.º, n.º 2). Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado (artigo 485.º, n.º 3). Ainda que não haja reclamações, o juiz pode determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos que considerar necessários (artigo 485.º, n.º 4).

Resulta deste conjunto de normas que o relatório pericial deverá dar resposta completa, clara e coerente a todas as questões que constituem objecto da perícia. Tais respostas devem, em particular, ser tecnicamente rigorosas, atentas a natureza e finalidade do meio de prova em causa.

Além disso, a lei tem o cuidado de exigir que as tomadas de posição do ou dos peritos sejam fundamentadas. Tal fundamentação também não pode deixar de ser completa, clara e coerente, tendo especialmente em conta que os destinatários do relatório não possuem os especiais conhecimentos de quem o elaborou, assumindo, assim, fundamental importância a capacidade de comunicação dos peritos com aqueles.

Tratando-se de trazer ao processo, com vista à boa decisão da causa, o contributo de pessoas com especial qualificação em determinada área do saber, isto é, que possuam conhecimentos especiais que o juiz não possui, tal contributo não poderá deixar de ficar expresso num relatório que, em si mesmo, forneça, a este último – bem como às partes e seus advogados, para que possam exercer devidamente o contraditório –, informação completa, clara, coerente, tecnicamente rigorosa e fundamentada sobre todas as matérias que constituem objecto da perícia.

É, pois, com o descrito grau de exigência que o n.º 1 do artigo 484.º tem de ser interpretado. Sempre que o relatório pericial não logre satisfazê-lo, as partes poderão reclamar, nos termos do n.º 2 do artigo 485.º. O juiz, por seu turno, não poderá deixar de atender tais reclamações sempre que as mesmas tenham razão de ser. Se as partes não reclamarem, o próprio juiz tem, nos termos do n.º 4 do artigo 485.º, o poder, que na realidade é um dever, de determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos que julgar necessários para que todas as matérias que constituem objecto da perícia fiquem devidamente esclarecidas.

Analisemos o relatório da perícia realizada neste processo à luz daquilo que acabámos de afirmar. Recordemos o seu conteúdo: “A perícia realizada esteve com base a localização da linha de estrema e marcos que delimita o terreno dos AA e dos RR.”; “A localização do muro construído e em causa nos autos”; “A medida da frente dos terrenos dos AA e dos RR face à rua …”. Apenas isto. Seguem-se sete fotos e uma planta.

É patente que, em rigor, este escrito não cumpre, sequer, os requisitos mínimos para poder ser considerado um relatório pericial. Ficou por dizer tudo aquilo que interessava saber, tendo em conta o objecto definido para a perícia. Nomeadamente: Havia marcos no terreno? Na hipótese afirmativa, em que pontos do mesmo? É possível determinar a estrema entre os prédios dos autores e das rés com base nesses marcos? Foi dessa forma que a linha divisória dos dois prédios foi calculada? Ou, em vez disso, foi-o exclusivamente, ou também, com base nas coordenadas fornecidas pela Direcção-Geral do Território? Nesta última hipótese, qual foi o procedimento técnico adoptado pelo perito e quais são as margens de erro que se verificam na determinação de tais coordenadas no terreno? Tais margens de erro são as referidas na informação prestada em 29.10.2015 pela Direcção-Geral do Território? Sendo-o, é possível afirmar, com rigor, se o muro foi construído num ou noutro prédio, quando está em disputa uma faixa com 80 cm de largura, aparentemente inferior à margem de erro máxima e à própria margem de erro média (a resposta a esta questão é absolutamente fundamental)? Finalmente, qual é e como foi determinada a medida da frente dos prédios dos autores e das rés (não basta a remissão para planta anexa, antes tendo de constar, com toda a clareza, do próprio relatório, tal como acontece com a restante informação)?

Perante a evidente falta de toda esta informação, essencial para a boa decisão da causa, bem como de um mínimo de fundamentação, há que reconhecer razão aos recorrentes quando, na sua reclamação, afirmam que não resulta do relatório pericial qualquer elemento útil e que, consequentemente, o mesmo é inidóneo para os fins tidos em vista com a ordenada perícia. O relatório pericial é, em suma, deficiente, obscuro e, de todo, não fundamentado. Logo, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 485.º, a reclamação dos autores (apenas dessa tratamos) não podia deixar de ter sido deferida.

Deficiências do relatório pericial como as apontadas não são supríveis através da prestação de esclarecimentos, pelo perito, na audiência final. As partes têm o direito de, no momento processual próprio, isto é, aquando da notificação da apresentação do relatório pericial, ficarem a conhecer, com rigor, o resultado da perícia. Com efeito, desse conhecimento poderá depender, desde logo, a decisão das partes de requererem a realização de uma segunda perícia, para o que têm de alegar fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado (artigo 487.º, n.º 1). Do atempado conhecimento rigoroso do resultado da perícia também poderá depender a decisão de os advogados se fazerem assistir, durante a produção da prova e a discussão da causa, de assistentes técnicos, ou seja, de pessoas dotadas de competência especial para se ocuparem das questões de natureza técnica para as quais eles próprios não tenham a necessária preparação (artigo 50.º). Note-se que a parte que pretenda fazê-lo deverá, até 10 dias antes da audiência final, indicar, além da pessoa que escolheu, “as questões para que reputa conveniente a sua assistência” (n.º 2 deste último artigo), o que pressupõe que, nesse momento processual, todas as questões de natureza técnica que o objecto do processo envolva estejam devidamente analisadas, respondidas e fundamentadas no relatório pericial, sem prejuízo da sua ulterior discussão e esclarecimento na audiência final. De um modo geral, está em causa o direito de as partes delinearem as suas estratégias probatórias em devido tempo e na posse de todos os dados que, por lei, devem ter. É nesta ordem de ideias que o artigo 486.º fala em meros “esclarecimentos” dos peritos na audiência final. Esclarecer pontos concretos de um relatório pericial devidamente elaborado não é, obviamente, a mesma coisa que prestar declarações na sequência da apresentação de um relatório vazio de informação, ou incompleto. Logo, da permissão legal dos primeiros não pode resultar uma porta aberta para a violação do disposto nos artigos 484.º, n.º 1, e 485.º, n.ºs 2 a 4.

Não acompanhamos, pois, neste ponto, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO quando, embora afirmando, a propósito do artigo 588.º do anterior CPC, a que corresponde o actual artigo 486.º, que “Os esclarecimentos que aí (na audiência final) podem ser pedidos aos peritos transcendem a mera reclamação contra o relatório apresentado”, que “Não se trata agora de corrigir vícios do relatório” e que se trata, “fundamentalmente, de precisar as conclusões do relatório, justificá-las e compreender as eventuais divergências entre os peritos, de modo a proporcionar o máximo de elementos para a formação da convicção judicial”, acabam por admitir, parece-nos que contraditoriamente, que “esses vícios, se subsistirem (por as partes não terem reclamado, o juiz não ter deferido a reclamação ou os peritos não terem esclarecido ou completado devidamente o relatório), também possam ser eliminados no interrogatório dos peritos em audiência”[3]. Esta última tomada de posição, na medida em que abre a porta à possibilidade de, através do expediente da prestação de esclarecimentos pelos peritos na audiência final, suprir vícios do relatório pericial na sequência do injusto indeferimento de reclamação das partes contra o mesmo, é inaceitável, por prejudicar o exercício dos direitos processuais destas acima referidos e, no fundo, redundar no reconhecimento, ao juiz, em sede de decisão de reclamações contra o relatório pericial, de um poder discricionário (deferir a reclamação, ordenando imediatamente que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado, ou, em vez disso e apenas segundo o seu arbítrio, indeferir a reclamação apesar do bem-fundado desta, deixando a correcção dos vícios do relatório para a audiência final, em sede de esclarecimentos orais) que a lei não lhe atribui (cfr., a este propósito, o disposto no artigo 152.º, n.º 4, 2.ª parte).

Seja como for, no caso dos autos, as declarações que, a título de esclarecimentos, o perito e o topógrafo que o auxiliou na realização da perícia prestaram na audiência final não responderam, de forma alguma, a todas as questões acima formuladas. O perito declarou que achou a linha divisória entre os prédios tendo como ponto de referência as coordenadas fornecidas pelo cadastro e que há um único marco no terreno (não disse exactamente em que ponto), alinhado com as referidas coordenadas. Quanto ao aspecto fundamental da margem de erro do meio técnico através do qual efectuou a perícia, o perito admitiu o seu desconhecimento, remetendo a questão para o topógrafo. Este último, além de corroborar as declarações do perito, confirmou a existência das margens de erro referidas na informação prestada em 29.10.2015 pela Direcção-Geral do Território. No que toca às restantes questões relevantes, em especial à questão fundamental de saber se é possível afirmar, com rigor, se o muro foi construído num ou noutro prédio, quando está em disputa uma faixa com 80 cm de largura, inferior à margem de erro máxima e à própria margem de erro média das coordenadas fornecidas pela Direcção-Geral do Território, nada foi dito. Ou seja, a um relatório pericial extremamente deficiente, seguiram-se, não esclarecimentos, mas verdadeiras declarações do perito e do topógrafo que o auxiliou sobre matéria que não consta do referido relatório, e, mesmo essas declarações, não esclareceram os aspectos essenciais da perícia, tendo em conta o objecto desta. Logo, ainda que se entendesse que as deficiências do relatório pericial podem, em geral, ser supridas através da prestação de esclarecimentos, pelo perito, na audiência final, tal suprimento não se verificou no caso dos autos.

Por último, é evidente, através da leitura da fundamentação de facto da sentença recorrida, acima parcialmente transcrito, que o relatório pericial em questão, apesar das suas patentes deficiências, acabou por constituir um dos meios de prova fundamentais para a formação da convicção do tribunal recorrido sobre a matéria de facto controvertida.

Em conclusão, o despacho que indeferiu a reclamação dos recorrentes contra o relatório pericial terá de ser revogado nessa parte e substituído por outro que, deferindo o requerido, ordene, ao perito, que complete o relatório nos termos por aqueles requeridos.

Como consequência lógica da revogação do referido despacho, fica anulado o processado subsequente ao mesmo, incluindo, naturalmente, a audiência final e a sentença. Daí que fique prejudicado o conhecimento do recurso na parte em que tem esta última por objecto.

Decisão

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, na parte que tem por objecto o despacho que indeferiu a reclamação dos recorrentes contra o relatório pericial, revogando o mesmo despacho nessa parte e ordenando a sua substituição por outro que, deferindo o requerido pelos recorrentes, ordene, ao perito, que complete aquele relatório nos termos por estes requeridos. Em consequência, anula-se o processado subsequente ao mesmo, ficando prejudicado o conhecimento do recurso na parte que tem por objecto a sentença.

Custas a cargo da parte com elas onerada a final.

Notifique.

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Évora, 12.10.2017

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.ª adjunta

2.º adjunto



[1] Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, p. 576.

[2] Idem, p. 578.

[3] Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, p. 519.

Acórdão da Relação de Évora de 12.07.2017

Processo n.º 1382/14.2TBLLE-A.E1

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Sumário:

1 – A disponibilização, às partes, da gravação da audiência final de acções, incidentes e procedimentos cautelares, nos termos do artigo 155.º, n.º 3, do CPC, consiste na simples colocação, pela secretaria judicial, da referida gravação à disposição das partes para que estas possam obter cópia da mesma.

2 – Tal disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação, às partes, de que a gravação se encontra disponível na secretaria judicial, nem se confunde com a efectiva entrega de suporte digital da mesma gravação às partes. 

3 – A contagem do prazo fixado no n.º 4 do mesmo artigo para invocar a falta ou deficiência da gravação inicia-se após o decurso do prazo fixado no n.º 3.

4 – Porém, se a secretaria não cumprir o prazo fixado no n.º 3 para a disponibilização da gravação, a contagem do prazo fixado no n.º 4 apenas se iniciará quando tal disponibilização ocorrer.

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Relatório

SO propôs a presente acção declarativa comum contra COMPANHIA DE SEGUROS, SA, pedindo a condenação desta última a pagar-lhe determinadas quantias, que discriminou.

A ré contestou, concluindo no sentido da improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador, com a identificação do objecto do litígio e o enunciado dos temas de prova.

Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença julgando a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição da ré do pedido.

Após a prolação da sentença, o autor requereu a entrega, à sua advogada, da gravação da prova produzida nos autos.

A secretaria entregou cópia da gravação à advogada do autor.

O autor apresentou requerimento invocando a deficiência da gravação e arguindo a nulidade da prova produzida em julgamento.

O autor interpôs recurso da sentença.

O tribunal recorrido proferiu despacho mediante o qual indeferiu, por extemporaneidade, o requerimento em que o autor invocou a deficiência da gravação e arguiu a nulidade da prova produzida em julgamento.

Foi deste despacho que o autor interpôs o presente recurso, admitido, que subiu imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.

As alegações do recorrente contêm as seguintes conclusões:

A) Não pode o recorrente conformar-se com o douto despacho que indeferiu, por extemporâneo, o seu requerimento de arguição da nulidade da gravação dos depoimentos prestados na sessão de audiência de julgamento de 10/12/2015;

B) A disponibilização da gravação deve ser feita pela secretaria no prazo de dois dias a contar do respectivo acto;

C) Não depende de requerimento ou despacho;

D) O prazo para a arguição da nulidade da gravação conta-se da data da sua efectiva disponibilização;

E) A gravação dos depoimentos prestados foi disponibilizada ao autor, ora recorrente, em 30 de Setembro de 2016, na sequência de requerimento seu;

F) O requerimento de arguição da respectiva nulidade foi apresentado via plataforma Citius em 12/10/2016, ao abrigo do disposto nos artigos 155.º, n.º 4 e 195.º, n.º 1 e mediante o pagamento da multa prevista na alínea b) do n.º 5 do artigo 139.º, todos do CPC;

G) Pelo que foi tempestivamente apresentado;

H) Os depoimentos constantes das gravações inaudíveis/ imperceptíveis foram determinantes para a prolação da sentença de que se apresentou já recurso, tendo entre mais por fim a reapreciação da prova gravada, e são essenciais para a reapreciação da matéria de facto;

I) Apenas com recurso a notas recolhidas pelos presentes na sessão de julgamento é possível reconstituir minimamente os depoimentos cuja gravação se revela inaudível e/ou imperceptível;

J) A insuficiência/inaudibilidade da gravação impede uma justa reapreciação da matéria de facto e limita inadmissivelmente as garantas de defesa do autor, ora recorrente;

K) Decidindo pelo indeferimento do requerimento de arguição de nulidade da gravação, por extemporaneidade, fez o tribunal a quo errada interpretação das normas contidas nos artigos 115.º, n.ºs 3 e 4, 195.º, n.º 1, e 199.º, n.º 1, todos do CPC;

L) Pelo que deve o douto despacho recorrido ser revogado, ser declarada a nulidade da gravação dos depoimentos prestados na sessão de julgamento de 10/12/2015 e prosseguir a acção os seus ulteriores termos com a repetição dos referidos depoimentos e subsequente prolação de nova sentença.

A ré contra-alegou.

Foram observados os vistos legais.                                                

Objecto do recurso

É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

A questão a decidir resume-se a saber a partir de quando se conta o prazo de 10 dias que o artigo 155.º, n.º 4, do CPC, estabelece para a invocação da falta ou deficiência da gravação da audiência final.  

Factualidade relevante para a decisão do recurso

Com relevo para a decisão do recurso, resultam dos autos os seguintes factos:

1 – A audiência final desdobrou-se em três sessões, que tiveram lugar nos dias 10.12.2015, 08.01.2016 e 22.01.2016 (fls. 340-344 e 350-358);

2 – A sentença foi registada e notificada às partes no dia 01.09.2016 (fls. 371, 384 e 397);

3 – No dia 27.09.2016, o recorrente requereu a entrega, à sua advogada, da gravação da prova produzida nos autos, a fim de apresentar recurso da sentença; para o efeito, o recorrente requereu que a sua advogada fosse informada da data em que a cópia da gravação poderia ser levantada na secretaria judicial, com entrega do CD necessário para o efeito no acto de levantamento (fls. 410-412);

4 – No dia 29.09.2016, a secretaria judicial notificou a advogada do recorrente de que o CD se encontrava gravado e ficava à sua disposição para o poder levantar, sendo que, na altura, a segunda deveria levar CD virgem, após o que lhe seria entregue o CD gravado (fls. 413);

5 – No dia 30.09.2016, a secretaria judicial entregou cópia da gravação da prova à advogada do recorrente (fls. 414);

6 – No dia 12.10.2016, o recorrente apresentou requerimento no qual invocou a deficiência da gravação dos seus próprios depoimento de parte e declarações de parte, bem como dos depoimentos das testemunhas RO, JS e AG, prestados na sessão realizada em 10.12.2015, e arguiu a nulidade dessa prova, nos termos dos artigos 155.º, n.º 4, e 195.º, n.º 1, do CPC; tal requerimento foi acompanhado por documento comprovativo do pagamento da multa a que se refere a al. b) do n.º 5 do artigo 139.º do CPC (fls. 419-426);

7 – O requerimento referido em 6 foi indeferido, por extemporaneidade (fls. 480-483).

Fundamentação

O n.º 3 do artigo 155.º do CPC estabelece que a gravação da audiência final de acções, incidentes e procedimentos cautelares, obrigatória nos termos do n.º 1, deve ser disponibilizada às partes no prazo de 2 dias a contar do respectivo acto. Dispõe o n.º 4 do mesmo artigo que a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.

Importa saber a partir de quando se conta este último prazo, o que redunda em apurar o que significa “disponibilizar” para o efeito previsto nas duas citadas normas.

Na tese do recorrente, “decorre da Lei que a disponibilização da gravação deve ser notificada às partes pela secretaria independentemente de requerimento”. Ou seja, após a audiência, a secretaria judicial teria o dever de notificar as partes de que a gravação se encontra ao dispor destas. Na lógica desta tese, parece que o prazo de 10 dias previsto no n.º 4 do artigo 155.º se contaria a partir da referida notificação. Contudo, o recorrente vai mais longe, sustentando que “o prazo para a arguição da nulidade da gravação da prova só começa a contar da data da sua efectiva entrega”, a que, na alínea D) das suas conclusões, chama “efectiva disponibilização”. Ou seja, nas suas alegações, o recorrente acaba por propor duas teses diferentes sobre o que seja “disponibilizar”: na primeira tese, disponibilizar equivale à realização, pela secretaria judicial, da notificação das partes de que a gravação está ao dispor destas; na segunda tese, ainda mais exigente que a primeira, disponibilizar é sinónimo de entregar às partes o suporte digital da gravação.

Porém, nenhuma destas teses encontra sustentação nos n.ºs 3 e 4 do artigo 155.º do CPC.

Por um lado, em parte alguma a lei impõe que a secretaria realize a notificação referida pelo recorrente. Além de resolver as dúvidas que o regime anterior suscitava, foi intenção do legislador que o procedimento tendente à obtenção de cópia da gravação pelas partes seja o mais simples possível, sem necessidade de realização de qualquer notificação pela secretaria e tendo em vista garantir que algum problema que se verifique com a gravação seja resolvido com rapidez, no tribunal de primeira instância. Se fosse intenção do legislador que a secretaria notificasse as partes de que a gravação está disponível, certamente o teria estabelecido expressamente. Todavia, não é, manifestamente, isso que o n.º 3 do artigo 151.º faz.

Por outro lado, disponibilizar não é entregar o suporte digital da gravação às partes. Desde logo, porque, na língua portuguesa, estas duas palavras não são sinónimas. Disponibilizar é colocar algo à disposição de outrem, ainda que o terceiro assuma uma atitude de inércia e não aproveite tal disponibilidade. Entregar é mais que isso, é transferir algo para o poder, para as mãos de outrem. Na hermenêutica jurídica, tem de se partir do princípio de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (Código Civil, artigo 9.º, n.º 3, in fine), pelo que o verbo “disponibilizar” deve ser interpretado em sentido próprio e não como sinónimo de “entregar”. A tese do recorrente parte do princípio de que o legislador não se exprimiu adequadamente, utilizando o verbo “disponibilizar” quando queria dizer “entregar”. Ora, tal desconformidade entre a intenção do legislador e a forma como este se exprimiu não está demonstrada. Pelo contrário, a ponderação do resultado a que conduziria a interpretação proposta pelo recorrente confirma que o legislador se exprimiu correctamente ao utilizar o verbo “disponibilizar”. Como bem nota a decisão recorrida, se a contagem do prazo fixado no n.º 4 do artigo 155.º do CPC só se iniciasse a partir da entrega da gravação à parte, tal início ficaria na dependência do arbítrio desta. Bastaria que a parte não solicitasse a entrega da gravação ou, fazendo-o, não diligenciasse, depois, no sentido de ir recebê-la, para que aquela contagem não se iniciasse. Dessa forma, ficaria, na prática, a parte com a possibilidade de invocar a falta ou deficiência da gravação quando lhe aprouvesse, até à interposição de recurso da sentença. Ora, não foi, seguramente, isto que o legislador quis ao estabelecer os apertados prazos que as normas que vimos analisando estabelecem. Convém, a propósito, lembrar novamente o disposto no citado artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil: O intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas. Atento o resultado a que conduz, a segunda tese que o recorrente propõe é tudo menos acertada.

Não se objecte com o argumento de que, na hipótese de a secretaria não disponibilizar (em sentido próprio) a gravação no prazo de dois dias a contar do acto, as partes ficariam injustamente penalizadas por verem comprimido o prazo para a reclamação prevista no n.º 4. Nessa hipótese, a parte terá o ónus de, através de requerimento dirigido ao juiz, suscitar a questão. Caso se confirme o incumprimento do prazo do n.º 3, o prazo do n.º 4 só começará a contar-se a partir do momento em que a secretaria passe a ter a gravação ao dispor das partes. É isto que decorre do n.º 4, ao estabelecer que o prazo de 10 dias para a arguição da nulidade decorrente da falta ou deficiência da gravação começa a contar-se no “momento em que a gravação é disponibilizada”. Veja-se, neste sentido, por exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 05.02.2015 (processo n.º 8/13.6TCFUN.L1-2), o qual, além do mais, enfatiza, bem, o dever das partes de cooperarem com o tribunal no sentido de eventuais irregularidades da gravação que possam comprometer a desejável celeridade no andamento dos autos serem remediadas o mais cedo possível.

Estamos, portanto, perante um regime que, visando resolver eventuais situações de falta ou insuficiência da gravação com celeridade e de forma a evitar, em toda a medida do possível, a anulação de actos processuais subsequentes, é, ainda assim, equilibrado, na medida em que, através do n.º 4, salvaguarda as partes quando a secretaria não cumpra o prazo fixado no n.º 3.

No caso dos autos, a audiência final prolongou-se por três sessões, que decorreram nos dias 10.12.2015, 08.01.2016 e 22.01.2016. A alegada deficiência da gravação ocorreu na primeira sessão. Sendo assim, o prazo do n.º 3 terminou em 14.12.2015 (12 e 13.12 foram fim-de-semana) e o do n.º 4 em 06.01.2016.

Porém, apenas no dia 27.09.2016, após ser notificado da sentença, o recorrente requereu a entrega, à sua advogada, da gravação da prova produzida nos autos, e apenas no dia 12.10.2016 o recorrente apresentou o requerimento mediante o qual invocou a deficiência da gravação. É evidente que, em qualquer destas duas datas, o prazo previsto no n.º 4 do artigo 155.º do CPC já tinha decorrido, com a consequente sanação da eventual nulidade decorrente de uma deficiente gravação. Donde se conclui, à semelhança do que fez a decisão recorrida, que o requerimento apresentado pelo recorrente em 12.10.2016 é extemporâneo.

Consequentemente, o recurso não merece provimento, devendo manter-se a decisão recorrida.

Decisão

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Notifique.

*

Évora, 12.10.2017

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.ª adjunta

2.º adjunto

Acórdão da Relação de Évora de 12.10.2017

Processo n.º 290/16.7T8LAG.E1

*

Sumário:

1 – A defesa do direito de propriedade na sequência de penhora efectuada em execução em que não é parte quem se arroga tal direito não tem de ser judicialmente efectivada através da dedução de embargos de terceiro.

2 – Inexiste, pois, erro na forma de processo se quem se arroga o referido direito optar pela propositura de uma acção com processo comum de declaração tendo em vista o reconhecimento do mesmo direito.

*

SC propôs a presente acção declarativa comum contra JC, JP e Banco, S.A., pedindo a condenação destes últimos a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada na petição inicial e que seja ordenado o cancelamento de todos os registos que possam ofender o mesmo direito, nomeadamente o registo da penhora a que corresponde a inscrição AP.3171 de 2010/09/28, com todas as consequências legais.

Citado, o réu Banco, S.A., contestou, invocando, além do mais, a existência de erro na forma de processo, uma vez que, se queria fazer valer o seu direito de propriedade em face da penhora contra a qual agora reage, o autor deveria tê-lo feito através da dedução de embargos de terceiro no processo executivo, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do CPC.

Os dois restantes réus não chegaram a ser citados, o que determinou que o processo fosse concluso. Nessa altura, o tribunal recorrido proferiu sentença que, com fundamento em erro na forma de processo, anulou todo o processado, absolveu o réu Banco, S.A., da instância e indeferiu liminarmente a petição inicial quanto aos dois restantes réus, nos termos dos artigos 193.º, n.ºs 1 e 2, 196.º, 200.º, n.º 2, 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 590.º, n.º 1, do CPC.

O autor recorreu desta sentença. As suas alegações contêm as seguintes conclusões:

1 – Na presente acção, o autor pede que os réus sejam condenados a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada no artigo 1.º da petição inicial e que seja ordenado o cancelamento de todos os registos que possam ofender o mesmo direito de propriedade, nomeadamente o registo da penhora com a inscrição AP. 3171 de 2010/09/28;

2 – O autor fundamenta a acção no facto de ter adquirido a fracção autónoma por escritura de compra e venda outorgada em 20 de Outubro de 2005, de ter sido ele quem tem praticado os actos do proprietário e no facto de o registo de penhora ofender o seu direito de propriedade;

3 – A todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo;

4 – Porque a penhora constitui um direito de garantia sobre a fracção de que beneficia o exequente Banco, S.A., o seu registo afecta, limita e restringe o direito de propriedade do autor sobre a fracção;

5 – Os meios idóneos ao alcance do dono de um bem que queira reagir contra a penhora desse bem para garantia de dívida alheia, consistem no protesto de reivindicação, nos embargos de terceiro e ainda na acção de reivindicação;

6 – A forma de processo adequada para a acção de reivindicação consiste no processo declarativo comum;

7 – A acção de reivindicação é distinta dos embargos de terceiro, sendo certo que o autor configurou a presente acção como sendo uma acção de reivindicação, à qual corresponde o processo que o autor utilizou;

8 – Disposições violadas: artigos 2.º, n.º 2, do CPC, e 1311.º, n.º 1, e 1315.º do Código Civil.

O recorrido Banco, S.A., apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

1 – O recorrente não intentou, nem podia intentar, uma acção de reivindicação contra o recorrido, à luz do disposto no artigo 1311.º do Código Civil;

2 – A dedução de embargos de terceiro no processo executivo, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CPC, teria sido o meio processual adequado à tutela da pretensão do recorrente;

3 – Por conseguinte, o recorrente incorreu em erro na forma de processo e nessa medida, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 2, do CPC, a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo manter-se.

O recurso foi admitido.

*

É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do CPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

A questão a decidir resume-se a saber se é legalmente admissível a defesa do direito de propriedade, na sequência de penhora efectuada em execução em que não é parte quem se arroga tal direito, através da propositura de uma acção com processo comum, ou, se, ao invés, tal defesa apenas poderá ser judicialmente efectivada através da dedução de embargos de terceiro.

A sentença recorrida pronunciou-se neste último sentido. Entendeu-se, nela, que a pretensão deduzida pelo ora recorrente enferma de erro na forma de processo porquanto o exercício do direito por si invocado tem a sua sede adjectiva própria, não na instauração de uma acção declarativa autónoma, mas sim na dedução de embargos de terceiro, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do CPC, incidentalmente no âmbito da acção executiva em que tenha sido realizada a penhora.

Analisemos a questão, começando por convocar as normas do CPC mais relevantes:

Artigo 2.º, n.º 2: A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.

Artigo 342.º, n.º 1: Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.

Artigo 344.º, n.º 2: O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.

Artigo 346.º: A rejeição dos embargos, nos termos do disposto no artigo anterior, não obsta a que o embargante proponha acção em que peça a declaração da titularidade do direito que obsta à realização ou ao âmbito da diligência, ou reivindique a coisa apreendida.

Artigo 839.º, n.º 1: Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito: (…)

d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono.

Importa também ter em consideração o disposto nas seguintes normas do Código Civil:

Artigo 1311.º, n.º 1: O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.

Artigo 1313.º: Sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, a acção de reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo.

Com interesse para a resolução do problema que temos entre mãos, resulta deste conjunto de normas o seguinte:

O titular do direito de propriedade sobre uma coisa pode sempre recorrer aos tribunais com o objectivo de ver reconhecido esse seu direito. Se a coisa estiver em poder do demandado e o proprietário pretender a condenação deste na respectiva restituição, a acção será de reivindicação. Se o proprietário tiver a coisa em seu poder e, ainda assim, tiver interesse em obter o reconhecimento judicial do seu direito de propriedade contra determinada pessoa que, por forma diversa da detenção, ponha este último em causa, poderá, igualmente, fazê-lo. Esta acção não será de reivindicação, mas tal não impede a sua admissibilidade, atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 2, e 10.º, n.º 3, al. a), do CPC[1]. Tal como a acção de reivindicação, esta última acção não prescreve pelo decurso do tempo, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, pois o fundamento substantivo é o mesmo: a imprescritibilidade do direito de propriedade[2].

Se o direito de propriedade for posto em causa, por penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, em processo de que o respectivo titular não seja parte, poderá este último defendê-lo através da dedução de embargos de terceiro, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do CPC. Porém, em parte alguma a lei impõe que, sendo dessa natureza a ofensa ao direito de propriedade, o titular deste apenas possa requerer judicialmente a sua defesa através de embargos de terceiro, ficando, assim, inibido de propor uma acção de reivindicação ou uma acção declarativa de simples apreciação. Bem pelo contrário, o artigo 346.º do CPC pressupõe, precisamente, que tais acções são sempre admissíveis, esclarecendo que o serão mesmo na hipótese de rejeição dos embargos de terceiro. Ou seja, nem sequer a rejeição dos embargos de terceiro prejudica, de alguma forma, a admissibilidade das mesmas acções.

Nem podia deixar de ser assim, sob pena de sermos conduzidos a soluções absurdas. Suponhamos que, quando o proprietário tem conhecimento da ofensa ao seu direito, a coisa já foi judicialmente vendida ou adjudicada. Por força do disposto no artigo 344.º, n.º 2, do CPC, ele já não pode deduzir embargos de terceiro. Teria, então, perdido o seu direito de propriedade em consequência da referida venda ou adjudicação? Ou continuaria a ser titular do direito, mas sem poder recorrer à tutela jurisdicional do mesmo, por não ter deduzido embargos de terceiro tempestivamente? A resposta a qualquer destas questões é, obviamente, negativa, e, caso houvesse dúvidas, seria o próprio CPC, através do seu artigo 839.º, n.º 1, al. d), a desfazê-las, ao estabelecer que a venda fica sem efeito se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono. Ou seja, o proprietário não deixa de o ser e, consequentemente, continua a ter ao seu dispor todos os meios de defesa do seu direito. Como, aliás, nunca deixou de ter.

Sendo assim, até à venda ou adjudicação judicial da coisa, o proprietário tem ao seu dispor, em alternativa, a acção declarativa comum, de simples apreciação ou de reivindicação, e os embargos de terceiro. Depois daquela venda ou adjudicação, estão-lhe vedados estes últimos, restando-lhe a primeira[3].

No caso dos autos, o autor, ora recorrente, pediu, através da propositura de uma acção declarativa comum, a condenação dos réus a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre uma fracção autónoma e o cancelamento de todos os registos que possam ofender o mesmo direito, nomeadamente o registo de uma penhora. Como já vimos, até à venda do bem penhorado, o recorrente tinha a possibilidade de optar entre a propositura desta acção e a dedução de embargos de terceiro. Nada o impedia, pois, de tomar a primeira opção.

Mais, verifica-se, através do documento de fls. 63-64, junto pelo ora recorrido à sua contestação, que, na execução, o bem penhorado foi vendido em 24.09.2013, pelo que, nos termos do artigo 344.º, n.º 2, do CPC, o recorrente, na data em que esta acção foi proposta (20.05.2016), já nem sequer podia deduzir embargos de terceiro, restando-lhe a propositura desta acção para obter o reconhecimento do direito que invoca.

Inexiste, assim, erro na forma de processo. Questão diversa é, obviamente, a da procedência dos pedidos do recorrente, a apreciar pelo tribunal recorrido no momento processual próprio.

Deverá, assim, a sentença recorrida ser revogada e o processo seguir os seus termos para apreciação dos pedidos formulados pelo recorrente.

*

Decisão:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, revogando a sentença recorrida e ordenando que a acção prossiga os seus termos.

Custas pelo recorrido.

Notifique.

*

Évora, 12.10.2017

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.ª adjunta

2.º adjunto



[1] Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição revista e actualizada (reimpressão), p. 113, em anotação ao artigo 1311.º.

[2] Sobre a imprescritibilidade do direito de propriedade, cfr. a obra anteriormente citada, p. 117, em anotação ao artigo 1313.º.

[3] Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Acção Executiva Singular, p. 317-318.

Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2024

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