sábado, 27 de abril de 2019

Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2019

Processo n.º 56/07.5TBSRP-A.E1

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Sumário:

1 – Nada impede que, numa acção de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais em que já foi proferido despacho a pôr termo à causa por se ter conseguido cobrar a pensão de alimentos através de descontos em rendimentos do requerido, se solicite informação sobre quem é o actual empregador e qual é o montante do salário deste último, tendo em vista a continuidade daqueles descontos.

2 – Não obsta à conclusão enunciada em 1 a circunstância de o despacho que pôs termo à causa ter transitado em julgado.

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Relatório

Em acção de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor GG, o Ministério Público interpôs recurso do despacho que indeferiu um requerimento, por si formulado, no sentido de ser solicitada informação sobre a identidade do empregador e o montante do salário do requerido, formulando as seguintes conclusões:

1 – O despacho recorrido determinou que os autos fossem arquivados com o argumento básico da inexistência de impulso processual e da ausência da alegação dos factos do direito que se pretende fazer valer, em violação do princípio do dispositivo;

2 – A decisão recorrida incorre em erro manifesto quando invoca o caso julgado do despacho que determinou o arquivamento do processo, ignorando que, nos processos de jurisdição voluntária, as decisões têm a particularidade de, apesar de cobertas pelo caso julgado, não possuírem o dom da irrevogabilidade, pois podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração, tal como o artigo 988.º do CPC expressamente admite e prevê;

3 – Para além de incorrer em contradição da fundamentação, ao reconhecer que sobre o tribunal recaem “poderes oficiosos” de actuação, mas que o “ónus de alegação e de impulso processual das partes” teria “primazia”, a decisão erra, pois o Ministério Público impulsionou o processo através de uma intervenção justamente denominada “promoção”, de 09.11.2018, ao abrigo dos poderes-deveres que lhe são conferidos pelos artigos 17.º e 41.º, n.º 1, do RGPTC e 3.º, n.º 1, al. a), e 5.º, n.º 1, al. c), do Estatuto do Ministério Público;

4 – O despacho impugnado determina um burocrático arquivamento do processo que frustra, à partida, a possibilidade de um menor obter o mínimo dos mínimos do que lhe é devido para assegurar a satisfação das suas necessidades vitais, numa jurisdição não contenciosa que se deve reger por princípios e critérios inversos dos subjacentes à sua prolação;

5 – O incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais configura uma hipótese legal (tatbestand ou fattispecie) que se preenche com um só facto concreto: a sua não observância, neste caso o não pagamento dos alimentos por parte do obrigado, que desde sempre constituiu fundamento do requerimento inicial – só ele constitui o facto essencial ou principal da referida hipótese;

6 – As circunstâncias do incumprimento são um mero facto complementar, concretizador, de aferição oficiosa, no limite (cfr. o artigo 5.º, n.º 2, al. b), do CPC);

7 – Nos processos de jurisdição voluntária, o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável, devendo antes debruçar-se sobre o caso concreto e procurar aquela solução que lhe parecer a mais adequada à justa composição dos interesses em presença;

8 – Como o Tribunal assim não procedeu, proferiu uma decisão incorrecta e materialmente injusta que, por incorrecta aplicação do disposto nos artigos 12.º, 17.º e 41.º do RGPTC e 986.º, n.º 2, 987.º e 988.º, n.º 2, do CPC, que violou, pode colocar em causa a subsistência do beneficiário de alimentos, pelo que se impõe a sua revogação.

O recurso foi admitido.

Objecto do recurso

A única questão a resolver consiste em saber se o Tribunal a quo devia ter solicitado informação sobre a identidade do empregador e o montante do salário do requerido, tal como promovido pelo Ministério Público, não obstante ter sido anteriormente proferido despacho que pôs termo à causa e ordenou o arquivamento do processo.

Factos relevantes para a decisão do recurso

Os factos relevantes para a decisão do recurso, evidenciados pelo processo, são os seguintes:

1 – Em 13.03.2008, SS, mãe do menor GG, deduziu a presente acção de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais relativas a este último, alegando, além do mais, que o pai nunca pagou a pensão de alimentos;

2 – Por decisão proferida em 02.09.2008, foi declarado o incumprimento da obrigação de alimentos;

3 – Devido à impossibilidade de cobrança coerciva da pensão de alimentos, foi, em 17.03.2009, proferida decisão no sentido de o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores passar a pagar ao menor o montante mensal de € 75 em substituição do devedor;

4 – O montante da prestação social paga pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores foi aumentado para € 100 mensais por decisão proferida em 05.12.2011;

5 – Em 13.11.2018, foi proferida decisão que, com fundamento no facto de a cobrança coerciva da pensão de alimentos se ter iniciado em Junho desse ano, declarou cessada a obrigação de pagamento pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores e ordenou o arquivamento do processo; esta decisão consta de fls. 370 do suporte físico do processo;

6 – Em 16.11.2018, o Ministério Público apresentou um requerimento com o seguinte teor: “O Ministério Público, ao ser notificado do despacho judicial proferido a fls. 370, vem renovar o que promoveu a fls. 365 a 368 (quanto à reformulação do valor dos descontos mensais a efectuar ao progenitor/requerido CC), na medida em que a decisão é omissa nessa parte.”;

7 – O requerimento descrito em 6 foi deferido;

8 – Em 23.11.2018, procedeu-se à elaboração da conta;

9 – Em 27.11.2018, foi recebida, no processo, uma comunicação do Instituto da Segurança Social, IP, que se transcreve na parte que interessa:

“O beneficiário CC encontra-se com a prestação de desemprego na situação – Suspensão Total por Exercício Actividade Profissional por Conta Outrem – desde 01.07.2018.

Apenas foi penhorado o valor de € 87,50, referente a 06/2018.

Deste modo não faz sentido cessar as prestações do FGADM, nem o registo da penhora enquanto subsistir esta situação.”;

10 – Em 29.11.2018, o Ministério Público apresentou um requerimento que se transcreve na parte que interessa:

“Atendendo a que o progenitor/requerido (…) está a trabalhar por conta de outrem, tendo sido este, aliás, o fundamento da cessação de atribuição do subsídio de desemprego[1] que o mesmo estava a auferir, será viável prosseguir os descontos, desta feita com base no salário que o mesmo estará a auferir mensalmente.

Assim sendo e porque o progenitor continua a não pagar, voluntariamente, a prestação de alimentos a que ficou obrigado relativamente ao filho menor desde que cessaram os descontos, o Ministério Público requer, com fundamento na ampla legitimidade e poder de iniciativa processuais que lhe são reconhecidos nesta jurisdição (cfr. arts. 3.º, n.º 1, al. a) e 5.º, n.º 1, al. c) do Estatuto do Ministério Público e art. 17.º do RGPTC), que o processo prossiga seus termos, solicitando-se ao Instituto da Segurança Social, IP – Núcleo Administrativo e Financeiro” que informe qual a actual entidade patronal por conta de quem o requerido está a trabalhar e o montante do salário que mensalmente está a auferir.”;

11 – Em seguida, o Tribunal a quo proferiu a decisão recorrida, que se transcreve:

1. Vistos os autos.

2. Após a realização de descontos no vencimento do progenitor, ao abrigo do disposto no artigo 48.º do RGPTC, foi proferida decisão a cessar a intervenção do FGADM e a ordenar o arquivamento dos autos, decisão essa que transitou em julgado.

Após surgiu nos autos informação de que a situação profissional do progenitor se alterou.

O Ministério Público teve vista nos autos e promoveu que fossem feitas diligências no sentido de apurar a entidade patronal do progenitor para efeitos de continuarem a ser feitos os descontos.

Apreciando e decidindo,

O RGPTC considerou os processos tutelares cíveis como de jurisdição voluntária cfr. artigo 12.º, e considerou ainda que lhes são aplicáveis subsidiariamente as regras do processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores, cfr. artigo 33.º, n.º 1, como é o caso das regras do ónus de prova e do impulso processual das partes.

Entendemos assim que não cabe ao tribunal ordenar por sua iniciativa a continuação dos descontos perante a inacção do credor de alimentos, tanto mais que a decisão de encerramento do processo já transitou em julgado, mostrando-se esgotado o poder jurisdicional relativamente a esta questão concreta.

Vejamos,

No caso presente estamos perante um processo de jurisdição voluntária, cfr. artigo 12.º do RGPTC.

Quanto às regras aplicáveis aos processos de jurisdição voluntária dispõe o artigo 986.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias.

A lei confere genericamente poderes oficiosos ao Tribunal quanto à indagação dos factos, e às provas. Contudo, não dispensa o interessado da alegação dos factos que integram o direito que pretende fazer valer. A verdade é que o princípio dispositivo atribui primazia aos ónus de alegação e de impulso processual das partes, nada se impondo ao tribunal, em termos de este se substituir à iniciativa do credor de alimentos em impulsionar os autos.

E nem se diga que bastará a promoção que antecede para efeitos de impulso processual.

Desde logo, porque não foi alegado que o requerido não pagou voluntariamente a prestação devida desde que cessaram os descontos, nem se conclui que se verifica uma situação actual de incumprimento, limitando-se o Ministério Público a partir desse princípio, e a assumir que uma vez que não cumpriu voluntariamente a obrigação, não mais o fará.

Não se desconhece que o cumprimento é um facto extintivo da obrigação, cuja prova compete ao devedor, conforme decorre do artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil, contudo é facto que carece de alegação, que não foi feita.

Nada obsta porém que o interessado ou o Ministério Público aleguem o incumprimento, narrando os factos respectivos, na sede própria e que permitirão sendo caso disso accionar o mecanismo pré-executivo previsto no artigo 48.º do RGPTC, ou accionar o FGADM, não se frustrando a possibilidade de a criança obter a prestação de alimentos devida para assegurar a satisfação das suas necessidades básicas.

Em face do exposto indefere-se o requerido, devendo os autos ser arquivados tal como se determinou na decisão proferida em 13/11/2018, até que seja, de facto, alegado o incumprimento das responsabilidades parentais.”

Fundamentação

Como acima referimos, a única questão a resolver consiste em saber se o Tribunal a quo devia ter solicitado informação sobre a identidade do empregador e o montante do salário do requerido não obstante ter sido anteriormente proferido despacho que pôs termo à causa, tal como requerido pelo Ministério Público.

Os argumentos com base nos quais o Tribunal a quo indeferiu o requerimento do Ministério Público foram, esquematicamente, os seguintes:

1 – Prévia prolação de despacho que pôs termo à causa e ordenou o arquivamento do processo, transitado em julgado;

2 – Falta de impulso processual e de alegação, pela requerente, dos factos geradores do direito que se pretende fazer valer, falta essa insuprível pelo Tribunal a quo;

3 – Inaptidão do requerimento do Ministério Público para substituir o referido impulso processual da requerente, por falta de alegação do não pagamento voluntário da pensão de alimentos desde que cessaram os descontos.

A isto, o Ministério Público opõe, em sede de recurso, os seguintes argumentos:

1 – Sendo este processo de jurisdição voluntária, o despacho que pôs termo à causa, apesar de transitado em julgado, pode ser modificado com fundamento em circunstâncias supervenientes, nos termos do artigo 988.º do CPC;

2 – Pela mesma razão, o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável, devendo antes debruçar-se sobre o caso concreto e procurar aquela solução que lhe parecer a mais adequada à justa composição dos interesses em presença;

3 – O Ministério Público impulsionou o processo no exercício das atribuições que a lei lhe confere e alegou a falta de cumprimento da obrigação de alimentos de forma suficiente;

4 – O arquivamento do processo frustra a possibilidade de o menor obter o mínimo dos mínimos do que lhe é devido para assegurar a satisfação das suas necessidades vitais.

Ressalvando o devido respeito por ambas as linhas de argumentação que tentámos resumir, parece-nos que a decisão a proferir não requer grande aprofundamento de qualquer dos tópicos invocados, dada a simplicidade da situação.

Apesar de não constituir objecto deste recurso, começamos por observar, tendo em vista a clareza da nossa própria argumentação, que o despacho que pôs termo à causa foi perfeitamente justificado. Uma vez que se conseguira cobrar coercivamente a pensão de alimentos, estava alcançada a finalidade do processo. Cessava o pagamento da prestação social pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores e a pendência do processo deixava de ter utilidade. Essa pendência não faria sentido com a mera finalidade de acompanhamento judicial dos descontos a efectuar nos rendimentos do requerido, eternizando-se assim o processo.

O despacho que pôs termo à causa transitou em julgado. Isso não significa, porém, que o Tribunal a quo tenha ficado impedido de proferir decisões subsequentes no processo. Para tanto, nem sequer é necessário invocar o disposto no n.º 1 do artigo 988.º do CPC, que estabelece que, nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração. Mesmo na jurisdição contenciosa, o trânsito em julgado da decisão que põe termo à causa não impede o juiz de proferir novas decisões no processo. A decisão que põe termo à causa não é necessariamente a última decisão proferida no processo. Frequentemente, não o é. Daí que o artigo 644.º, n.º 2, al. g), do CPC, preveja essa hipótese entre aquelas de que cabe recurso de apelação autónomo. Ponto é que tais decisões subsequentes não contendam com a decisão que põe termo à causa.

No caso sub judice, o Ministério Público nada requereu que contendesse com o despacho que pôs termo à causa. Nomeadamente, não alegou uma nova situação de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais tentando aproveitar indevidamente o presente processo. Nessa hipótese sim, caberia indeferir tal tentativa de renovar a instância extinta para ver apreciada uma situação nova, pois a forma correcta de suscitar tal apreciação seria a propositura de nova acção de incumprimento, cumprindo-se a tramitação estabelecida no artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

Aquilo que o Ministério Público requereu foi apenas que, em face da comunicação recebida do Instituto da Segurança Social, IP em 27.11.2018, se solicitasse, a este último, informação importante para assegurar a continuidade da cobrança coerciva da obrigação de alimentos, que, como vimos, constituiu pressuposto do despacho que pôs termo à causa. Este último não é minimamente posto em causa por aquele requerimento. Estava unicamente em questão averiguar a existência de rendimentos do requerido que pudessem ser objecto dos descontos necessários à satisfação do crédito de alimentos, com vista a garantir a continuidade dos mesmos descontos. Consequentemente, nada obstava a que tal informação fosse solicitada neste processo e, em função dela, se tomassem prontamente as providências necessárias à manutenção dos descontos que constituíram pressuposto do despacho que lhe pôs termo, com óbvias vantagens sob o ponto de vista do interesse fundamental em qualquer processo tutelar cível, que é o superior interesse da criança.

A legitimidade do Ministério Público para impulsionar o processo nos termos em que o fez não suscita qualquer dúvida, considerando o disposto no artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

Flui do exposto que o recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se que o Tribunal a quo proceda nos termos requeridos pelo Ministério Público.

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Decisão

Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, revogando o despacho recorrido e ordenando que o Tribunal a quo proceda nos termos requeridos pelo Ministério Público.

Sem custas.

Notifique.

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Évora, 11 de Abril de 2019

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.ª adjunta



[1] Corrigimos um lapso material evidente neste ponto do requerimento.

sábado, 13 de abril de 2019

Acórdão da Relação de Évora de 28.03.2029

Processo n.º 458/07.7TBSTR-C.E1

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Sumário:

1 – O princípio da proporcionalidade da penhora resulta do n.º 3 do artigo 735.º, aflora nos n.ºs 1 e 2 do artigo 751.º e constitui o ponto de referência do fundamento de oposição à penhora previsto na parte final da al. a) do n.º 1 do artigo 784.º, todos do CPC.

2 – A oposição à penhora, regulada nos artigos 784.º e 785.º do CPC, consiste num incidente declarativo da acção executiva, cabendo, por via do disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, ao executado opoente, o ónus de alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir.

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Relatório

Gracinda Vieira, executada no processo principal, deduziu incidente de oposição à penhora, nos termos dos artigos 784.º e 785.º do CPC, pedindo o levantamento da penhora que incide sobre a sua quota na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Paulo Vieira, seu pai. Subsidiariamente, pediu a substituição da penhora desse direito pela de um outro que, no seu entendimento, assegura igualmente os fins da execução. Como fundamento, a executada alegou, em síntese, que, não obstante não estarem determinados, nem o montante actual da dívida exequenda, nem o valor do direito penhorado, é seguro que este último é muito superior ao primeiro, ficando, pois, em causa o princípio da proporcionalidade da penhora; por outro lado, a executada e o seu marido são comproprietários de um armazém, na proporção de metade, direito esse cujo valor garante manifestamente o crédito exequendo e as custas da execução, não tendo a exequente motivo atendível para se opor à sua penhora em substituição daquela que incide sobre quota da executada na herança de seu pai.

A exequente opôs-se, afirmando que a desproporção de valores invocada pela executada não se verifica e pondo em causa a existência do direito que esta última pretende que seja penhorado em substituição da sua quota hereditária.

Realizou-se audiência prévia, após o que as partes ofereceram alegações escritas sobre a matéria de facto e de direito.

Foi proferida sentença, julgando a oposição improcedente.

A executada interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

A) Vem o presente recurso interposto da sentença que decidiu improcedente de mérito a oposição à penhora, em consequência absolveu a exequente Sociedade 1 dos respectivos pedidos.

B) Com o que a recorrente não se conforma, desde logo porque a sentença de que aqui se recorre padece de nulidades, por violação da alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do Código Processo Civil, devendo ser, pois, analisados alguns dos itens da matéria provada e não provada, que, conjuntamente com a apreciação da motivação de facto da sentença, nos levam a arguir nulidades nesta.

C) Na oposição foram levantadas questões relacionadas com o excesso de penhora a que a sentença recorrida responde e questões relacionadas com o real valor em divida e que estariam a ser cobrados juros de juros, (de mora), artigo 4.º da oposição e mais tarde pormenorizado nas alegações de facto e direito da oponente. Quanto a esta matéria a sentença foi omissa. Ao não se pronunciar sobre questões de facto de que devia ter tomado conhecimento a sentença é nula.

D) A sentença em apreciação, ao considerar que não se verifica nos autos demonstrada uma situação de desproporcionalidade entre os bens penhorados e o valor em dívida e que a oponente não alega nem concretiza, nem prova, o valor muito superior dos bens da herança e do seu quinhão, labora em erro.

E) A sentença ao considerar que o valor em divida é de 48.005,44 € já descontadas as quantias penhoradas de 1/3 do vencimento, (ponto 3 dos factos dados como provados), está claramente em contradição com o valor inicial indicado no requerimento executivo, ou seja 55.209,72 € já incluindo honorários e despesas previsíveis com o agente de execução.

F) Retirando a quantia de 13.299,19 € ao valor inicial de 55.209,72 € resulta a quantia de 41.910,53 € e não a de 48.005,44 € como a sentença erradamente refere.

G) Sendo ainda que a sentença ao considerar na sua fundamentação que o valor dos imóveis não tem de coincidir com o valor pelo qual serão efectivamente vendidos no processo de execução podendo ser vendidos por valor muito inferior, designadamente em sede de negociação particular caso não haja propostas superiores, labora em erro é que o inverso também é verdade o valor da venda pode ser superior ao valor indicado no doc. 1 da oposição para os vários imóveis e para as viaturas.

Nestes termos, nos melhores de direito aplicável e sempre com o mui douto suprimento de V.Exas., deverá ser dado integral provimento ao presente recurso de apelação e, em consonância, revogada a decisão recorrida, com as demais consequências legais.

A recorrida ofereceu contra-alegações, com as seguintes conclusões:

a) O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou improcedente a oposição à penhora apresentada pela executada/ recorrente;

b) O valor em dívida à data de 28-06-2012, ascendia ao montante em capital de 50.190,66 Euros, montante a que acrescem juros e encargos desde a referida data até efetivo e integral pagamento;

c) Nos autos de execução foi penhorado 1/3 do vencimento da executada, o que corresponde a descontos mensais da ordem dos 200 euros;

d) Um simples cálculo aritmético permite concluir que com base na penhora de vencimentos nem daqui a 20 anos a exequente terá o seu crédito recuperado;

e) Os valores recuperados por via da penhora de vencimento devem ser imputados em primeiro lugar a juros e despesas e só depois a capital, como decorre do art. 785.º do Código Cível;

f) Não há qualquer contabilização de juros de juros.

g) A recorrente labora no erro de defender a imputação dos valores recuperados primeiro a capital e só depois a juros, encargos e despesas.

h) O valor da quantia exequenda à data de 24-04-2017 ascendia a € 48.005,44, valor a que acrescem juros e demais encargos, como resulta de simples cálculos aritméticos constantes do documento junto ao processo pela agente de execução.

i) Na execução foi penhorado o direito e ação da executada na herança ilíquida e indivisa por óbito de Paulo Vieira, não estando em causa a penhora dos bens que integram a herança, o que é coisa bem diferente em termos de valor!

j) De acordo com a certidão junta ao processo pela Autoridade Tributária a relação de bens apresentada em 24-01-2011 integra 7 prédios rústicos, 3 prédios urbanos, 4 veículos automóveis (com valores declarados de 1.500,00, 750,00, 280,00 e 500,00 euros), e três contas bancárias.

k) Para além da executada, também é herdeira a sua mãe que tem direito à meação.

l) Ou seja, o direito de ação na herança detido pela executada reconduz-se a uma quota ideal de ¼ dos bens que constam da herança.

m) Não foram identificados outros bens à executada/recorrente que pudessem ser penhorados, o que afasta a possibilidade de formular qualquer juízo de desproporcionalidade da penhora.

n) Só o direito e ação na herança podia ser penhorado!

o) O valor do direito e ação na herança será manifestamente insuficiente para permitir a recuperação do crédito do exequente.

p) A executada/recorrente litiga com apoio judiciário o que não é compatível com direitos numa herança de elevado montante!

q) O valor de venda do direito e ação na herança em causa não se confunde com o valor de venda dos bens que possam integrar a herança, que tem outra herdeira e meeira!

r) A sentença de que foi apresentado recurso não padece de qualquer nulidade, nem erro de julgamento.

s) O valor da dívida encontra-se sobejamente demonstrado nos autos e corresponde a simples operações aritméticas, não se vendo onde está a cobrança de juros de juros.

t) Os valores recuperados na execução só podem ser imputados a capital depois de pagos os juros e despesas.

u) E não se percebe o alegado quanto ao invocado erro de julgamento. Os bens são vendidos em processo judicial pelo valor pelo qual o mercado está disponível a pagar e, no caso concreto, estamos a falar da venda de um direito e ação numa herança indivisa.

v) E, se porventura, for vendido por valor superior ao do crédito exequendo, despesas e custas, tal montante pertencerá à executada/ recorrente.

w) Não há qualquer desproporcionalidade da penhora, quando a Recorrente não tem outros bens penhoráveis, pelo que o direito penhorado, para além da penhora de vencimento, foi o único que foi identificado como penhorável e que corresponde a um direito e ação numa herança na qual apenas terá direito a uma quota ideal de ¼ dos bens que a integram.

Termos em que, e nos mais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá será ser mantida o douta sentença que julgou improcedente a oposição à penhora.

O recurso foi admitido.          

Objecto do recurso

As questões a resolver são as seguintes:

1 – Nulidade da sentença;

2 – Proporcionalidade da penhora.

Factualidade apurada

Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1 – No âmbito dos autos principais de execução, foi penhorado o direito e acção à herança de que a executada Gracinda Vieira é titular na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Paulo Vieira.

2 – No âmbito dos autos principais de execução, decorre penhora de 1/3 do vencimento auferido pela executada Gracinda Vieira, tendo sido penhorado, pelo menos, o montante de € 13.299,19 (treze mil duzentos e noventa e nove euros e dezanove cêntimos) a título de penhora de vencimento.

3 – Em 15/01/2018, a AE juntou aos autos nota discriminativa provisória, cujo teor e conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se conclui que ainda se encontra em dívida a quantia de 48.005,44€ (já descontando as quantias penhoradas de 1/3 do vencimento da oponente).

Fundamentação

1 – Nulidade da sentença:

A executada sustenta que a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas adiante referidas sem indicação da sua proveniência), por não ter conhecido da questão de estarem a ser indevidamente cobrados juros sobre juros.

Ao contrário daquilo que a executada afirma, esta questão não foi suscitada no requerimento inicial, nomeadamente no seu artigo 4.º. Apenas o foi posteriormente, em sede de alegações escritas sobre a matéria de facto e de direito, e como mero argumento para tentar demonstrar a falta de concretização do montante do crédito exequendo, esta sim invocada como um dos termos da verdadeira questão suscitada na primeira parte do requerimento inicial (artigos 1.º a 16.º) e retomada nas referidas alegações, que é a da alegada desproporcionalidade entre aquele montante e o valor do bem penhorado.

Constitui orientação pacificamente aceite pela jurisprudência e pela doutrina que a sentença tem de conhecer, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia, todos os pedidos, causas de pedir e excepções invocadas ou cujo conhecimento oficioso a lei lhe imponha, salvo se o seu conhecimento estiver prejudicado pelo conhecimento de outra questão, mas não cada um dos argumentos jurídicos invocados pelas partes em abono das suas teses. Ensinou, a este respeito, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, que não enferma da nulidade de omissão de pronúncia “o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”[1]

Portanto, a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia. O tribunal a quo pronunciou-se sobre a verdadeira questão que tinha de decidir, que era, repetimos, a da alegada desproporcionalidade entre o montante do crédito exequendo e o valor do bem penhorado. E fê-lo com uma fundamentação que tornava inútil discutir se foram contabilizados juros sobre juros, como veremos em seguida.

2 – Proporcionalidade da penhora:

Como acabamos de ver, é esta a verdadeira questão a decidir. Um dos dois fundamentos de oposição à penhora invocados inicialmente pela executada foi o de que, não obstante não estarem determinados, nem o montante actual da dívida exequenda, nem o valor do direito penhorado, é seguro que este último é muito superior ao primeiro, ficando, assim, em causa o princípio da proporcionalidade da penhora. O tribunal a quo entendeu que não ficou demonstrada qualquer violação deste princípio. Em sede de recurso, a executada insiste que tal violação se verifica.

O n.º 3 do artigo 735.º estabelece que a penhora se limita aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal de comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da relação, ou seja superior a este último valor. Resulta desta norma o princípio da proporcionalidade da penhora, invocado pela recorrente. O mesmo princípio aflora nos n.ºs 1 e 2 do artigo 751.º e constitui o ponto de referência do fundamento de oposição à penhora previsto na parte final da al. a) do n.º 1 do artigo 784.º.

A oposição à penhora, regulada nos artigos 784.º e 785.º, consiste num incidente declarativo da acção executiva, cabendo, por via do disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, ao executado opoente o ónus de alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, já que tais factos constituem uma excepção ao acto de penhora[2].

No caso sub judice, recaíam sobre a executada os ónus de alegação e prova dos factos que constituíam pressuposto da por si invocada violação do princípio da proporcionalidade. Esses factos eram, por um lado, o montante do crédito exequendo e, por outro, o valor do direito penhorado, pois apenas na hipótese de o segundo exceder o primeiro em medida não permitida pelo citado n.º 3 do artigo 735.º haveria fundamento para concluir que o princípio da proporcionalidade teria sido violado. Ora, a executada não cumpriu, desde logo, o ónus de alegação dos referidos factos, pois limitou-se a afirmar que, não obstante não estarem determinados, nem o montante actual do crédito exequendo, nem o valor do direito penhorado, é seguro que este último é muito superior ao primeiro. Basta isto para que a oposição à penhora careça de fundamento. Não é possível ajuizar se há proporcionalidade entre os valores do crédito exequendo e de um bem penhorado sem que os mesmos sejam conhecidos com precisão. No caso sub judice, tais valores não são conhecidos porque a própria executada não os alegou nem provou, como lhe competia.

Daí, também, a anteriormente apontada irrelevância da discussão sobre se o valor referido no ponto 3 dos factos provados foi obtido mediante a contabilização de juros sobre juros. Uma vez que o juízo de proporcionalidade tem de assentar na ponderação de dois valores, para que o mesmo seja inviável basta que não se conheça um deles.

Não obstante aquilo que acabámos de afirmar, ainda notaremos que, mesmo num juízo meramente aproximativo, como aquele que a executada propõe, não se afigura que o valor do direito penhorado exceda o do crédito exequendo acrescido das despesas referidas no n.º 3 do artigo 735.º. Como bem se salienta na sentença recorrida, a penhora incidiu, não sobre os bens da herança do pai da executada, mas sobre a quota hereditária desta, que corresponderá a uma quarta parte e cujo valor depende, não só do valor dos bens da herança (que não está determinado), mas também da existência e do valor das dívidas desta.

Em suma, a oposição à penhora carece de fundamento, pelo que o tribunal a quo andou bem ao julgá-la improcedente. Deverá, pois, o recurso improceder.

*

Decisão:

Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

*

Évora, 28 de Março de 2019

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.ª adjunta 



[1] Código de Processo Civil Anotado, volume V (Reimpressão), p. 143, em anotação ao artigo 668.º.

[2] RUI PINTO, A Acção Executiva, páginas 676 e 683.

Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2024

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