Processo n.º 458/07.7TBSTR-C.E1
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Sumário:
1 – O princípio da proporcionalidade da penhora resulta do n.º 3 do
artigo 735.º, aflora nos n.ºs 1 e 2 do artigo 751.º e constitui o ponto de
referência do fundamento de oposição à penhora previsto na parte final da al.
a) do n.º 1 do artigo 784.º, todos do CPC.
2 – A oposição à penhora, regulada nos artigos 784.º
e 785.º do CPC, consiste num incidente declarativo da acção executiva, cabendo,
por via do disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, ao executado
opoente, o ónus de alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir.
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Relatório
Gracinda Vieira, executada no
processo principal, deduziu incidente de oposição à penhora, nos termos dos
artigos 784.º e 785.º do CPC, pedindo o levantamento da penhora que incide
sobre a sua quota na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Paulo
Vieira, seu pai. Subsidiariamente, pediu a substituição da penhora desse direito
pela de um outro que, no seu entendimento, assegura igualmente os fins da
execução. Como fundamento, a executada alegou, em síntese, que, não obstante
não estarem determinados, nem o montante actual da dívida exequenda, nem o
valor do direito penhorado, é seguro que este último é muito superior ao
primeiro, ficando, pois, em causa o princípio da proporcionalidade da penhora;
por outro lado, a executada e o seu marido são comproprietários de um armazém,
na proporção de metade, direito esse cujo valor garante manifestamente o
crédito exequendo e as custas da execução, não tendo a exequente motivo
atendível para se opor à sua penhora em substituição daquela que incide sobre
quota da executada na herança de seu pai.
A exequente opôs-se, afirmando
que a desproporção de valores invocada pela executada não se verifica e pondo
em causa a existência do direito que esta última pretende que seja penhorado em
substituição da sua quota hereditária.
Realizou-se audiência prévia,
após o que as partes ofereceram alegações escritas sobre a matéria de facto e
de direito.
Foi proferida sentença, julgando
a oposição improcedente.
A executada interpôs recurso da sentença,
formulando as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso
interposto da sentença que decidiu improcedente de mérito a oposição à penhora,
em consequência absolveu a exequente Sociedade 1 dos respectivos pedidos.
B) Com o que a recorrente não se
conforma, desde logo porque a sentença de que aqui se recorre padece de
nulidades, por violação da alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do Código Processo
Civil, devendo ser, pois, analisados alguns dos itens da matéria provada e não provada,
que, conjuntamente com a apreciação da motivação de facto da sentença, nos levam
a arguir nulidades nesta.
C) Na oposição foram levantadas
questões relacionadas com o excesso de penhora a que a sentença recorrida
responde e questões relacionadas com o real valor em divida e que estariam a
ser cobrados juros de juros, (de mora), artigo 4.º da oposição e mais tarde
pormenorizado nas alegações de facto e direito da oponente. Quanto a esta
matéria a sentença foi omissa. Ao não se pronunciar sobre questões de facto de
que devia ter tomado conhecimento a sentença é nula.
D) A sentença em apreciação, ao
considerar que não se verifica nos autos demonstrada uma situação de
desproporcionalidade entre os bens penhorados e o valor em dívida e que a
oponente não alega nem concretiza, nem prova, o valor muito superior dos bens da
herança e do seu quinhão, labora em erro.
E) A sentença ao considerar que
o valor em divida é de 48.005,44 € já descontadas as quantias penhoradas de 1/3
do vencimento, (ponto 3 dos factos dados como provados), está claramente em
contradição com o valor inicial indicado no requerimento executivo, ou seja
55.209,72 € já incluindo honorários e despesas previsíveis com o agente de
execução.
F) Retirando a quantia de
13.299,19 € ao valor inicial de 55.209,72 € resulta a quantia de 41.910,53 € e
não a de 48.005,44 € como a sentença erradamente refere.
G) Sendo ainda que a sentença ao
considerar na sua fundamentação que o valor dos imóveis não tem de coincidir
com o valor pelo qual serão efectivamente vendidos no processo de execução
podendo ser vendidos por valor muito inferior, designadamente em sede de
negociação particular caso não haja propostas superiores, labora em erro é que
o inverso também é verdade o valor da venda pode ser superior ao valor indicado
no doc. 1 da oposição para os vários imóveis e para as viaturas.
Nestes termos, nos melhores de
direito aplicável e sempre com o mui douto suprimento de V.Exas., deverá ser
dado integral provimento ao presente recurso de apelação e, em consonância,
revogada a decisão recorrida, com as demais consequências legais.
A recorrida ofereceu
contra-alegações, com as seguintes conclusões:
a) O presente recurso vem
interposto da douta sentença que julgou improcedente a oposição à penhora
apresentada pela executada/ recorrente;
b) O valor em dívida à data de
28-06-2012, ascendia ao montante em capital de 50.190,66 Euros, montante a que
acrescem juros e encargos desde a referida data até efetivo e integral
pagamento;
c) Nos autos de execução foi
penhorado 1/3 do vencimento da executada, o que corresponde a descontos mensais
da ordem dos 200 euros;
d) Um simples cálculo aritmético
permite concluir que com base na penhora de vencimentos nem daqui a 20 anos a
exequente terá o seu crédito recuperado;
e) Os valores recuperados por
via da penhora de vencimento devem ser imputados em primeiro lugar a juros e
despesas e só depois a capital, como decorre do art. 785.º do Código Cível;
f) Não há qualquer
contabilização de juros de juros.
g) A recorrente labora no erro
de defender a imputação dos valores recuperados primeiro a capital e só depois
a juros, encargos e despesas.
h) O valor da quantia exequenda
à data de 24-04-2017 ascendia a € 48.005,44, valor a que acrescem juros e
demais encargos, como resulta de simples cálculos aritméticos constantes do
documento junto ao processo pela agente de execução.
i) Na execução foi penhorado o
direito e ação da executada na herança ilíquida e indivisa por óbito de Paulo
Vieira, não estando em causa a penhora dos bens que integram a herança, o que é
coisa bem diferente em termos de valor!
j) De acordo com a certidão
junta ao processo pela Autoridade Tributária a relação de bens apresentada em
24-01-2011 integra 7 prédios rústicos, 3 prédios urbanos, 4 veículos automóveis
(com valores declarados de 1.500,00, 750,00, 280,00 e 500,00 euros), e três contas
bancárias.
k) Para além da executada,
também é herdeira a sua mãe que tem direito à meação.
l) Ou seja, o direito de ação na
herança detido pela executada reconduz-se a uma quota ideal de ¼ dos bens que
constam da herança.
m) Não foram identificados outros
bens à executada/recorrente que pudessem ser penhorados, o que afasta a
possibilidade de formular qualquer juízo de desproporcionalidade da penhora.
n) Só o direito e ação na
herança podia ser penhorado!
o) O valor do direito e ação na
herança será manifestamente insuficiente para permitir a recuperação do crédito
do exequente.
p) A executada/recorrente litiga
com apoio judiciário o que não é compatível com direitos numa herança de
elevado montante!
q) O valor de venda do direito e
ação na herança em causa não se confunde com o valor de venda dos bens que
possam integrar a herança, que tem outra herdeira e meeira!
r) A sentença de que foi
apresentado recurso não padece de qualquer nulidade, nem erro de julgamento.
s) O valor da dívida encontra-se
sobejamente demonstrado nos autos e corresponde a simples operações
aritméticas, não se vendo onde está a cobrança de juros de juros.
t) Os valores recuperados na
execução só podem ser imputados a capital depois de pagos os juros e despesas.
u) E não se percebe o alegado
quanto ao invocado erro de julgamento. Os bens são vendidos em processo
judicial pelo valor pelo qual o mercado está disponível a pagar e, no caso
concreto, estamos a falar da venda de um direito e ação numa herança indivisa.
v) E, se porventura, for vendido
por valor superior ao do crédito exequendo, despesas e custas, tal montante
pertencerá à executada/ recorrente.
w) Não há qualquer
desproporcionalidade da penhora, quando a Recorrente não tem outros bens
penhoráveis, pelo que o direito penhorado, para além da penhora de vencimento,
foi o único que foi identificado como penhorável e que corresponde a um direito
e ação numa herança na qual apenas terá direito a uma quota ideal de ¼ dos bens
que a integram.
Termos em que, e nos mais de
direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá será ser mantida o
douta sentença que julgou improcedente a oposição à penhora.
O
recurso foi admitido.
Objecto
do recurso
As questões a resolver são as seguintes:
1 – Nulidade da sentença;
2 – Proporcionalidade da penhora.
Factualidade
apurada
Na sentença recorrida, foram julgados provados
os seguintes factos:
1 – No âmbito dos autos principais de
execução, foi penhorado o direito e acção à herança de que a executada Gracinda Vieira é
titular na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Paulo Vieira.
2 – No âmbito dos autos principais de
execução, decorre penhora de 1/3 do vencimento auferido pela executada Gracinda Vieira,
tendo sido penhorado, pelo menos, o montante de € 13.299,19 (treze mil duzentos
e noventa e nove euros e dezanove cêntimos) a título de penhora de vencimento.
3 – Em 15/01/2018, a AE juntou aos autos
nota discriminativa provisória, cujo teor e conteúdo aqui se dá por
integralmente reproduzido, onde se conclui que ainda se encontra em dívida a
quantia de 48.005,44€ (já descontando as quantias penhoradas de 1/3 do
vencimento da oponente).
Fundamentação
1 – Nulidade da sentença:
A executada sustenta que a
sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª
parte, do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas adiante referidas sem
indicação da sua proveniência), por não ter conhecido da questão de estarem a
ser indevidamente cobrados juros sobre juros.
Ao contrário daquilo que a
executada afirma, esta questão não foi suscitada no requerimento inicial,
nomeadamente no seu artigo 4.º. Apenas o foi posteriormente, em sede de
alegações escritas sobre a matéria de facto e de direito, e como mero argumento
para tentar demonstrar a falta de concretização do montante do crédito exequendo,
esta sim invocada como um dos termos da verdadeira questão suscitada na
primeira parte do requerimento inicial (artigos 1.º a 16.º) e retomada nas referidas
alegações, que é a da alegada desproporcionalidade entre aquele montante e o
valor do bem penhorado.
Constitui
orientação pacificamente aceite pela jurisprudência e pela doutrina que a
sentença tem de conhecer, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia, todos
os pedidos, causas de pedir e excepções invocadas ou cujo conhecimento oficioso
a lei lhe imponha, salvo se o seu conhecimento estiver prejudicado pelo
conhecimento de outra questão, mas não cada um dos argumentos jurídicos
invocados pelas partes em abono das suas teses. Ensinou, a este respeito, JOSÉ
ALBERTO DOS REIS, que não enferma da nulidade de omissão de pronúncia “o acórdão que não se ocupou de todas as
considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias
para a decisão do pleito (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de
conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração,
argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal
determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos
para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a
questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que
elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”[1]
Portanto,
a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia. O tribunal
a quo pronunciou-se sobre a
verdadeira questão que tinha de decidir, que era, repetimos, a da alegada desproporcionalidade
entre o montante do crédito exequendo e o valor do bem penhorado. E fê-lo com
uma fundamentação que tornava inútil discutir se foram contabilizados juros
sobre juros, como veremos em seguida.
2 – Proporcionalidade da penhora:
Como acabamos de ver, é esta a verdadeira questão a
decidir. Um dos dois fundamentos de oposição à penhora invocados inicialmente
pela executada foi o de que, não obstante não estarem determinados, nem o
montante actual da dívida exequenda, nem o valor do direito penhorado, é seguro
que este último é muito superior ao primeiro, ficando, assim, em causa o
princípio da proporcionalidade da penhora. O tribunal a quo entendeu que não ficou demonstrada qualquer violação deste
princípio. Em sede de recurso, a executada insiste que tal violação se
verifica.
O n.º 3 do artigo 735.º estabelece que a penhora se
limita aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas
previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da
penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do
valor da execução consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal
de comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal
da relação, ou seja superior a este último valor. Resulta desta norma o
princípio da proporcionalidade da penhora, invocado pela recorrente. O mesmo
princípio aflora nos n.ºs 1 e 2 do artigo 751.º e constitui o ponto de
referência do fundamento de oposição à penhora previsto na parte final da al.
a) do n.º 1 do artigo 784.º.
A oposição à penhora, regulada nos artigos 784.º e
785.º, consiste num incidente declarativo da acção executiva, cabendo, por via
do disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, ao executado opoente o
ónus de alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, já que tais
factos constituem uma excepção ao acto de penhora[2].
No caso sub
judice, recaíam sobre a executada os ónus de alegação e prova dos factos
que constituíam pressuposto da por si invocada violação do princípio da
proporcionalidade. Esses factos eram, por um lado, o montante do crédito
exequendo e, por outro, o valor do direito penhorado, pois apenas na hipótese de
o segundo exceder o primeiro em medida não permitida pelo citado n.º 3 do
artigo 735.º haveria fundamento para concluir que o princípio da
proporcionalidade teria sido violado. Ora, a executada não cumpriu, desde logo,
o ónus de alegação dos referidos factos, pois limitou-se a afirmar que, não
obstante não estarem determinados, nem o montante actual do crédito exequendo,
nem o valor do direito penhorado, é seguro que este último é muito superior ao
primeiro. Basta isto para que a oposição à penhora careça de fundamento. Não é
possível ajuizar se há proporcionalidade entre os valores do crédito exequendo
e de um bem penhorado sem que os mesmos sejam conhecidos com precisão. No caso sub judice, tais valores não são
conhecidos porque a própria executada não os alegou nem provou, como lhe
competia.
Daí, também, a anteriormente apontada irrelevância
da discussão sobre se o valor referido no ponto 3 dos factos provados foi
obtido mediante a contabilização de juros sobre juros. Uma vez que o juízo de
proporcionalidade tem de assentar na ponderação de dois valores, para que o
mesmo seja inviável basta que não se conheça um deles.
Não obstante aquilo que acabámos de afirmar, ainda notaremos
que, mesmo num juízo meramente aproximativo, como aquele que a executada
propõe, não se afigura que o valor do direito penhorado exceda o do crédito exequendo
acrescido das despesas referidas no n.º 3 do artigo 735.º. Como bem se salienta
na sentença recorrida, a penhora incidiu, não sobre os bens da herança do pai
da executada, mas sobre a quota hereditária desta, que corresponderá a uma
quarta parte e cujo valor depende, não só do valor dos bens da herança (que não
está determinado), mas também da existência e do valor das dívidas desta.
Em suma, a oposição à penhora carece de fundamento,
pelo que o tribunal a quo andou bem
ao julgá-la improcedente. Deverá, pois, o recurso improceder.
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Decisão:
Acordam os juízes da
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso
improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas
pela recorrente.
Notifique.
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Évora, 28 de Março de 2019
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.ª
adjunta