sábado, 13 de abril de 2019

Acórdão da Relação de Évora de 28.03.2029

Processo n.º 458/07.7TBSTR-C.E1

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Sumário:

1 – O princípio da proporcionalidade da penhora resulta do n.º 3 do artigo 735.º, aflora nos n.ºs 1 e 2 do artigo 751.º e constitui o ponto de referência do fundamento de oposição à penhora previsto na parte final da al. a) do n.º 1 do artigo 784.º, todos do CPC.

2 – A oposição à penhora, regulada nos artigos 784.º e 785.º do CPC, consiste num incidente declarativo da acção executiva, cabendo, por via do disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, ao executado opoente, o ónus de alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir.

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Relatório

Gracinda Vieira, executada no processo principal, deduziu incidente de oposição à penhora, nos termos dos artigos 784.º e 785.º do CPC, pedindo o levantamento da penhora que incide sobre a sua quota na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Paulo Vieira, seu pai. Subsidiariamente, pediu a substituição da penhora desse direito pela de um outro que, no seu entendimento, assegura igualmente os fins da execução. Como fundamento, a executada alegou, em síntese, que, não obstante não estarem determinados, nem o montante actual da dívida exequenda, nem o valor do direito penhorado, é seguro que este último é muito superior ao primeiro, ficando, pois, em causa o princípio da proporcionalidade da penhora; por outro lado, a executada e o seu marido são comproprietários de um armazém, na proporção de metade, direito esse cujo valor garante manifestamente o crédito exequendo e as custas da execução, não tendo a exequente motivo atendível para se opor à sua penhora em substituição daquela que incide sobre quota da executada na herança de seu pai.

A exequente opôs-se, afirmando que a desproporção de valores invocada pela executada não se verifica e pondo em causa a existência do direito que esta última pretende que seja penhorado em substituição da sua quota hereditária.

Realizou-se audiência prévia, após o que as partes ofereceram alegações escritas sobre a matéria de facto e de direito.

Foi proferida sentença, julgando a oposição improcedente.

A executada interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

A) Vem o presente recurso interposto da sentença que decidiu improcedente de mérito a oposição à penhora, em consequência absolveu a exequente Sociedade 1 dos respectivos pedidos.

B) Com o que a recorrente não se conforma, desde logo porque a sentença de que aqui se recorre padece de nulidades, por violação da alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do Código Processo Civil, devendo ser, pois, analisados alguns dos itens da matéria provada e não provada, que, conjuntamente com a apreciação da motivação de facto da sentença, nos levam a arguir nulidades nesta.

C) Na oposição foram levantadas questões relacionadas com o excesso de penhora a que a sentença recorrida responde e questões relacionadas com o real valor em divida e que estariam a ser cobrados juros de juros, (de mora), artigo 4.º da oposição e mais tarde pormenorizado nas alegações de facto e direito da oponente. Quanto a esta matéria a sentença foi omissa. Ao não se pronunciar sobre questões de facto de que devia ter tomado conhecimento a sentença é nula.

D) A sentença em apreciação, ao considerar que não se verifica nos autos demonstrada uma situação de desproporcionalidade entre os bens penhorados e o valor em dívida e que a oponente não alega nem concretiza, nem prova, o valor muito superior dos bens da herança e do seu quinhão, labora em erro.

E) A sentença ao considerar que o valor em divida é de 48.005,44 € já descontadas as quantias penhoradas de 1/3 do vencimento, (ponto 3 dos factos dados como provados), está claramente em contradição com o valor inicial indicado no requerimento executivo, ou seja 55.209,72 € já incluindo honorários e despesas previsíveis com o agente de execução.

F) Retirando a quantia de 13.299,19 € ao valor inicial de 55.209,72 € resulta a quantia de 41.910,53 € e não a de 48.005,44 € como a sentença erradamente refere.

G) Sendo ainda que a sentença ao considerar na sua fundamentação que o valor dos imóveis não tem de coincidir com o valor pelo qual serão efectivamente vendidos no processo de execução podendo ser vendidos por valor muito inferior, designadamente em sede de negociação particular caso não haja propostas superiores, labora em erro é que o inverso também é verdade o valor da venda pode ser superior ao valor indicado no doc. 1 da oposição para os vários imóveis e para as viaturas.

Nestes termos, nos melhores de direito aplicável e sempre com o mui douto suprimento de V.Exas., deverá ser dado integral provimento ao presente recurso de apelação e, em consonância, revogada a decisão recorrida, com as demais consequências legais.

A recorrida ofereceu contra-alegações, com as seguintes conclusões:

a) O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou improcedente a oposição à penhora apresentada pela executada/ recorrente;

b) O valor em dívida à data de 28-06-2012, ascendia ao montante em capital de 50.190,66 Euros, montante a que acrescem juros e encargos desde a referida data até efetivo e integral pagamento;

c) Nos autos de execução foi penhorado 1/3 do vencimento da executada, o que corresponde a descontos mensais da ordem dos 200 euros;

d) Um simples cálculo aritmético permite concluir que com base na penhora de vencimentos nem daqui a 20 anos a exequente terá o seu crédito recuperado;

e) Os valores recuperados por via da penhora de vencimento devem ser imputados em primeiro lugar a juros e despesas e só depois a capital, como decorre do art. 785.º do Código Cível;

f) Não há qualquer contabilização de juros de juros.

g) A recorrente labora no erro de defender a imputação dos valores recuperados primeiro a capital e só depois a juros, encargos e despesas.

h) O valor da quantia exequenda à data de 24-04-2017 ascendia a € 48.005,44, valor a que acrescem juros e demais encargos, como resulta de simples cálculos aritméticos constantes do documento junto ao processo pela agente de execução.

i) Na execução foi penhorado o direito e ação da executada na herança ilíquida e indivisa por óbito de Paulo Vieira, não estando em causa a penhora dos bens que integram a herança, o que é coisa bem diferente em termos de valor!

j) De acordo com a certidão junta ao processo pela Autoridade Tributária a relação de bens apresentada em 24-01-2011 integra 7 prédios rústicos, 3 prédios urbanos, 4 veículos automóveis (com valores declarados de 1.500,00, 750,00, 280,00 e 500,00 euros), e três contas bancárias.

k) Para além da executada, também é herdeira a sua mãe que tem direito à meação.

l) Ou seja, o direito de ação na herança detido pela executada reconduz-se a uma quota ideal de ¼ dos bens que constam da herança.

m) Não foram identificados outros bens à executada/recorrente que pudessem ser penhorados, o que afasta a possibilidade de formular qualquer juízo de desproporcionalidade da penhora.

n) Só o direito e ação na herança podia ser penhorado!

o) O valor do direito e ação na herança será manifestamente insuficiente para permitir a recuperação do crédito do exequente.

p) A executada/recorrente litiga com apoio judiciário o que não é compatível com direitos numa herança de elevado montante!

q) O valor de venda do direito e ação na herança em causa não se confunde com o valor de venda dos bens que possam integrar a herança, que tem outra herdeira e meeira!

r) A sentença de que foi apresentado recurso não padece de qualquer nulidade, nem erro de julgamento.

s) O valor da dívida encontra-se sobejamente demonstrado nos autos e corresponde a simples operações aritméticas, não se vendo onde está a cobrança de juros de juros.

t) Os valores recuperados na execução só podem ser imputados a capital depois de pagos os juros e despesas.

u) E não se percebe o alegado quanto ao invocado erro de julgamento. Os bens são vendidos em processo judicial pelo valor pelo qual o mercado está disponível a pagar e, no caso concreto, estamos a falar da venda de um direito e ação numa herança indivisa.

v) E, se porventura, for vendido por valor superior ao do crédito exequendo, despesas e custas, tal montante pertencerá à executada/ recorrente.

w) Não há qualquer desproporcionalidade da penhora, quando a Recorrente não tem outros bens penhoráveis, pelo que o direito penhorado, para além da penhora de vencimento, foi o único que foi identificado como penhorável e que corresponde a um direito e ação numa herança na qual apenas terá direito a uma quota ideal de ¼ dos bens que a integram.

Termos em que, e nos mais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá será ser mantida o douta sentença que julgou improcedente a oposição à penhora.

O recurso foi admitido.          

Objecto do recurso

As questões a resolver são as seguintes:

1 – Nulidade da sentença;

2 – Proporcionalidade da penhora.

Factualidade apurada

Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1 – No âmbito dos autos principais de execução, foi penhorado o direito e acção à herança de que a executada Gracinda Vieira é titular na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Paulo Vieira.

2 – No âmbito dos autos principais de execução, decorre penhora de 1/3 do vencimento auferido pela executada Gracinda Vieira, tendo sido penhorado, pelo menos, o montante de € 13.299,19 (treze mil duzentos e noventa e nove euros e dezanove cêntimos) a título de penhora de vencimento.

3 – Em 15/01/2018, a AE juntou aos autos nota discriminativa provisória, cujo teor e conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se conclui que ainda se encontra em dívida a quantia de 48.005,44€ (já descontando as quantias penhoradas de 1/3 do vencimento da oponente).

Fundamentação

1 – Nulidade da sentença:

A executada sustenta que a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas adiante referidas sem indicação da sua proveniência), por não ter conhecido da questão de estarem a ser indevidamente cobrados juros sobre juros.

Ao contrário daquilo que a executada afirma, esta questão não foi suscitada no requerimento inicial, nomeadamente no seu artigo 4.º. Apenas o foi posteriormente, em sede de alegações escritas sobre a matéria de facto e de direito, e como mero argumento para tentar demonstrar a falta de concretização do montante do crédito exequendo, esta sim invocada como um dos termos da verdadeira questão suscitada na primeira parte do requerimento inicial (artigos 1.º a 16.º) e retomada nas referidas alegações, que é a da alegada desproporcionalidade entre aquele montante e o valor do bem penhorado.

Constitui orientação pacificamente aceite pela jurisprudência e pela doutrina que a sentença tem de conhecer, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia, todos os pedidos, causas de pedir e excepções invocadas ou cujo conhecimento oficioso a lei lhe imponha, salvo se o seu conhecimento estiver prejudicado pelo conhecimento de outra questão, mas não cada um dos argumentos jurídicos invocados pelas partes em abono das suas teses. Ensinou, a este respeito, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, que não enferma da nulidade de omissão de pronúncia “o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”[1]

Portanto, a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia. O tribunal a quo pronunciou-se sobre a verdadeira questão que tinha de decidir, que era, repetimos, a da alegada desproporcionalidade entre o montante do crédito exequendo e o valor do bem penhorado. E fê-lo com uma fundamentação que tornava inútil discutir se foram contabilizados juros sobre juros, como veremos em seguida.

2 – Proporcionalidade da penhora:

Como acabamos de ver, é esta a verdadeira questão a decidir. Um dos dois fundamentos de oposição à penhora invocados inicialmente pela executada foi o de que, não obstante não estarem determinados, nem o montante actual da dívida exequenda, nem o valor do direito penhorado, é seguro que este último é muito superior ao primeiro, ficando, assim, em causa o princípio da proporcionalidade da penhora. O tribunal a quo entendeu que não ficou demonstrada qualquer violação deste princípio. Em sede de recurso, a executada insiste que tal violação se verifica.

O n.º 3 do artigo 735.º estabelece que a penhora se limita aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal de comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da relação, ou seja superior a este último valor. Resulta desta norma o princípio da proporcionalidade da penhora, invocado pela recorrente. O mesmo princípio aflora nos n.ºs 1 e 2 do artigo 751.º e constitui o ponto de referência do fundamento de oposição à penhora previsto na parte final da al. a) do n.º 1 do artigo 784.º.

A oposição à penhora, regulada nos artigos 784.º e 785.º, consiste num incidente declarativo da acção executiva, cabendo, por via do disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, ao executado opoente o ónus de alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, já que tais factos constituem uma excepção ao acto de penhora[2].

No caso sub judice, recaíam sobre a executada os ónus de alegação e prova dos factos que constituíam pressuposto da por si invocada violação do princípio da proporcionalidade. Esses factos eram, por um lado, o montante do crédito exequendo e, por outro, o valor do direito penhorado, pois apenas na hipótese de o segundo exceder o primeiro em medida não permitida pelo citado n.º 3 do artigo 735.º haveria fundamento para concluir que o princípio da proporcionalidade teria sido violado. Ora, a executada não cumpriu, desde logo, o ónus de alegação dos referidos factos, pois limitou-se a afirmar que, não obstante não estarem determinados, nem o montante actual do crédito exequendo, nem o valor do direito penhorado, é seguro que este último é muito superior ao primeiro. Basta isto para que a oposição à penhora careça de fundamento. Não é possível ajuizar se há proporcionalidade entre os valores do crédito exequendo e de um bem penhorado sem que os mesmos sejam conhecidos com precisão. No caso sub judice, tais valores não são conhecidos porque a própria executada não os alegou nem provou, como lhe competia.

Daí, também, a anteriormente apontada irrelevância da discussão sobre se o valor referido no ponto 3 dos factos provados foi obtido mediante a contabilização de juros sobre juros. Uma vez que o juízo de proporcionalidade tem de assentar na ponderação de dois valores, para que o mesmo seja inviável basta que não se conheça um deles.

Não obstante aquilo que acabámos de afirmar, ainda notaremos que, mesmo num juízo meramente aproximativo, como aquele que a executada propõe, não se afigura que o valor do direito penhorado exceda o do crédito exequendo acrescido das despesas referidas no n.º 3 do artigo 735.º. Como bem se salienta na sentença recorrida, a penhora incidiu, não sobre os bens da herança do pai da executada, mas sobre a quota hereditária desta, que corresponderá a uma quarta parte e cujo valor depende, não só do valor dos bens da herança (que não está determinado), mas também da existência e do valor das dívidas desta.

Em suma, a oposição à penhora carece de fundamento, pelo que o tribunal a quo andou bem ao julgá-la improcedente. Deverá, pois, o recurso improceder.

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Decisão:

Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

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Évora, 28 de Março de 2019

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.ª adjunta 



[1] Código de Processo Civil Anotado, volume V (Reimpressão), p. 143, em anotação ao artigo 668.º.

[2] RUI PINTO, A Acção Executiva, páginas 676 e 683.

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