Processo
n.º 23680/19.9YIPRT.E1
*
Sumário:
1 – Resulta do artigo 10.º, n.º 2, al. d),
do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações
pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000, aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, que, não obstante os objectivos de
simplificação e celeridade visados por esse regime jurídico, não se dispensou a
indicação, ainda que de forma sucinta, da causa de pedir no requerimento de
injunção.
2 – Não há falta de indicação da causa
de pedir no requerimento de injunção quando, neste, se alega, como fonte do
direito de crédito invocado, a celebração de um contrato de fornecimento de
bens ou serviços, a data dessa celebração, a identidade dos outorgantes, o
preço convencionado e o não pagamento deste último.
3 – Não faria sentido que, após a
convolação do procedimento de injunção numa acção declarativa com processo especial
destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de
contratos de valor não superior a € 15.000, o tribunal proferisse
despacho de aperfeiçoamento do requerimento de injunção, convidando a autora a “densificar a causa de pedir”, se esta
última não tivesse sido indicada no mesmo requerimento.
*
EGF, S.A., interpôs recurso de
apelação da sentença, proferida na acção declarativa com processo especial destinada
a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de
valor não superior a € 15.000, resultante da convolação de procedimento de
injunção, que julgou verificada a excepção dilatória de ineptidão do
requerimento de injunção, por falta de causa de pedir, e absolveu da instância
os réus, AB e JB.
As conclusões do recurso são as
seguintes:
A. Concluiu o tribunal a quo pela existência de excepção
dilatória de ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa de
pedir.
B. Sustentando que “O
requerimento injuntivo contém um enunciado fáctico deficiente, por
manifestamente insuficiente, impreciso, pois não expõe, designadamente, os
termos concretos do contrato celebrado entre a R e o Banco Cedente que dá
origem ao alegado crédito cedido”.
C. E que, “Como a pretensão do
requerente só é susceptível de derivar de um contrato a causa de pedir, embora
sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações
negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do seu
incumprimento por parte do requerido.”
D. Continuando, afirmando que
“In casu, a Requerente/Autora, não satisfaz o ónus de indicação da factualidade
concreta que deve integrar a pertinente causa de pedir, remetendo para
documentos/ facturas o que é manifestamente insuficiente.”
E. Pode-se concluir, assim, que
o tribunal a quo justifica que na
génese da ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa de pedir,
está a omissão dos termos concretos do contrato celebrado entre a Ré e o Banco Cedente.
F. Ora, pelos variados motivos
que a seguir se invocarão, não pode a Recorrente concordar com a decisão
proferida pelo tribunal a quo, de que
aqui se recorre.
G. Desde logo se invoca nos
termos e para os efeitos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do
CPC, a nulidade da sentença.
H. A Recorrente é uma sociedade
que se dedica à indústria de artes gráficas incluindo a preparação da
impressão; impressão, acabamento, encadernação e fabricação de embalagens de
papel e cartão; serviços de publicidade; comércio por grosso e a retalho de
produtos de papel e cartão.
I. O objecto da Recorrente, pelo
menos genericamente, resulta evidente não só da própria denominação da
Recorrente, como também das facturas juntas aos presentes autos, aquando do
envio do requerimento com a referência Citius 7072280 dando cumprimento ao
despacho do tribunal a quo, com a
referência Citius 84282159, de pronúncia sobre a excepção de ineptidão e de
prescrição.
J. Não restando dúvidas que a
Recorrente se dedica às artes gráficas.
K. Questiona-se então por que
motivo a sentença a quo faz expressa
referência a um alegado “contrato celebrado entre a R e o Banco Cedente que dá
origem ao alegado crédito cedido”.
L. Se não há qualquer sujeito
processual que seja uma entidade bancária, nem qualquer relação jurídica que
implique a cedência de créditos.
M. Consequentemente, toda a
fundamentação da sentença a quo
labora em erro, e nunca se poderia concluir, como se conclui na decisão recorrida,
que “a pretensão do requerente só é susceptível de derivar de um contrato.
N. Desaguando numa causa de
nulidade de sentença, que aqui se invoca expressamente, nos termos e para os
efeitos daquele normativo, conjugado com o seu n.º 4.
O. Sem prejuízo do que se disse,
e de toda a decisão recorrida estar assente em pressupostos errados, o que
inquina a conclusão da mesma e consequente absolvição das Rés, não se podem
aceitar também os fundamentos jurídicos e o modelo de argumentação da decisão
recorrida sobre a interpretação dos requisitos do requerimento de injunção.
P. Isto porque, não se pode
olvidar que o requerimento de injunção tem características muito próprias.
Q. Vejamos, é apresentado
através de um formulário disponibilizado na plataforma, com campos de
preenchimento previamente existentes e inalteráveis, bem como, na própria
exposição dos factos impõe um limite de caracteres.
R. Ou seja, facilmente se
percebe tratar-se de um meio simplificado e com limitações propositadamente inscritas
no próprio formulário.
S. Note-se que nem sequer é
possível juntar no procedimento de injunção qualquer documento.
T. E dúvidas não há que se trata
de um procedimento simplificado, com o qual se procurou na sua génese e se
procura a desjudicialização deste tipo de litígios.
U. Isso resulta inequivocamente
do preâmbulo do DL. N.º 269/98, de 1 de Setembro, para percebermos os elementos
histórico e teleológico e, consequentemente, o seu objectivo e podermos
interpretar correctamente as suas normas, que se cita parcialmente “(…) mas
generalizando-o ao conjunto dos tribunais judiciais, pelo que se avança, no
domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que
não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância, com medida legislativa
que, baseada no modelo da acção sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância
com a normal simplicidade desse tipo de acções, em que é frequente a não
oposição do demandado.”
V. E logo no artigo 1.º do DL
citado se concretiza o enunciado, quando se refere “(…) que o autor exporá
sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos (…)”.
W. Sendo que, como já se disse,
nem sequer é possível juntar documentos com o requerimento de injunção, sendo a
prova produzida em sede de audiência – cfr. n.º 4 do artigo 3.º do já citado
diploma legal.
X. Mais, no artigo 10.º
regula-se concretamente a forma e conteúdo do requerimento, mais uma vez se
estatuindo que os factos devem ser sucintamente expostos, ou seja, não
exaustivamente, e que o pedido deve ser formulado com a discriminação do valor
de capital, juros vencidos e outras quantias devidas, cfr. alíneas d) e e) do
n.º 2 do artigo 10.º.
Y. Portanto, dúvidas não restam
que foram cumpridos pela Recorrente todos os procedimentos e requisitos legalmente
exigíveis no requerimento de injunção apresentado com a referência Citius
6201370.
Z. A Recorrente identificou
correctamente as partes envolvidas, discriminou devidamente os valores devidos
a título de capital e juros, indicou expressamente o tipo de relação jurídica
em causa, data, e identificou ainda expressamente cada uma das facturas que
titulam a dívida, com indicação do n.º de identificação das mesmas, valor e
datas de vencimento e juros vencidos.
AA. Alegando a causa de pedir, o
incumprimento pela Recorrida das suas obrigações, por falta de pagamento
daquelas facturas, cfr. ponto 2 da injunção.
BB. Portanto, causa de pedir
(incumprimento da Recorrente por não pagamento das facturas identificadas pela
Recorrente) e pedido (quantia pecuniária, identificando-se capital e juros
vencidos e datas concretas de vencimento e cálculos dos juros), estão correctamente
formulados.
CC. E mesmo que assim não fosse,
o que não se concede e que apenas por mero dever de patrocínio se cogita,
poderia e deveria sempre o tribunal, ao abrigo dos mais diversos princípios
legais, designadamente do princípio da cooperação e do inquisitório, com o objectivo
de zelar pela descoberta da verdade material e pela realização de justiça,
convidar ao aperfeiçoamento das peças processuais, conforme resulta do n.º 3 do
artigo 17.º do citado DL, se necessário.
DD. O que não sucedeu.
EE. Se entendia que faltaria
concretizar algum facto, isto porque, já aqui demonstramos que nunca se poderia
interpretar no sentido da inexistência ou insuficiência insanável da causa de
pedir ou do pedido, deveria promover a apresentação de requerimento para
aperfeiçoamento do requerimento de injunção, visto que, quanto muito, poderia
ser necessário algum esclarecimento inerente a própria simplicidade da injunção
e da impossibilidade de junção de documentação.
FF. Mais, o que é certo é que a
Recorrente pôde mesmo juntar documentação antes da audiência de julgamento,
apesar do DL apenas prescrever a produção de prova naquela sede.
GG. Isto porque, convidada a
Recorrente pelo tribunal a quo para
se pronunciar sobre as excepções de ineptidão e prescrição invocadas pela Ré,
aquela assim o fez no requerimento com a referência Citius 7072280.
HH. Argumentando factualmente e
aplicando o direito, e juntando as facturas enunciadas no requerimento de
injunção e para as quais aqui remetemos.
II. Julgando-se que esse
requerimento apresentado teria sido suficientemente esclarecedor, ademais
porque a Requerente aproveitando o mesmo, juntou as facturas enunciadas no
requerimento de injunção, comprovando que aquele requerimento de injunção tinha
sido devidamente elaborado.
JJ. Visto que as facturas juntas
comprovam que a Recorrente indicou devidamente a causa de pedir, bem como, o
pedido, no procedimento de injunção.
KK. Ou seja, o incumprimento
pela Ré da sua obrigação de pagamento das facturas emitidas e enviadas pela
Recorrente, no valor total ali indicado e titulado pelas referidas facturas.
LL. Aliás note-se, a título de
comentário, que se o requerimento de injunção apresentado tivesse alguma
deficiência que implicasse a sua ineptidão, então a maioria dos requerimentos
de injunção apresentados seriam ineptos, pois a Recorrente detalha o número de
cada factura incumprida, a data de vencimento e os cálculos de juros
discriminado, preenchendo ainda todos os campos do formulário de injunção.
MM. O que não, se formos
analisar muitos dos requerimentos de injunção apresentados diariamente não
sucede.
NN. Não que estejam
indevidamente formulados nos termos das exigências legais, mas não são
certamente tão pormenorizados e exaustivos como aquele apresentado pela
Recorrente e que aqui se discute.
OO. E, voltando-se a utilizar os
argumentos constantes do requerimento ali apresentado pela Recorrente, datado
de 04.09.2020, com a referência Citius 7072280, o que é certo é que a falta de
causa de pedir prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC,
consubstancia uma inexistência absoluta de causa de pedir, o que no caso dos
autos não se verifica.
PP. Citando-se o Acórdão do
Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Proc. n.º
7034/15.9T8VIS.C1, disponível em www.dgsi.pt segundo o qual “A causa de pedir é
o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e
pretende fazer valer (legalmente idóneo para o condicionar ou produzir). A
petição inicial será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do
pedido ou da causa de pedir (art.º 186º, n.º 2, alínea a) do CPC). A figura da
ineptidão da petição inicial (que implica que, por ausência absoluta de
alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o
processo careça, em bom rigor, de um objecto inteligível) distingue-se e
contrapõe-se à mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de
algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão
deduzida.”
QQ. Reiterando-se que causa de
pedir nos presentes autos é o incumprimento da obrigação de pagamento de preço,
sendo facto essencial a invocação da existência de obrigação e o não pagamento
do preço, factos esses alegados na petição de injunção.
RR. Com o devido respeito, a
leitura da decisão do tribunal a quo
denuncia um conjunto de normas e jurisprudência das quais não pode resultar a
conclusão que a Recorrente não invocou devidamente a causa de pedir e
identificou o pedido.
SS. E isso torna-se óbvio quando
resulta da sentença recorrida a alegada insuficiência da causa de pedir e do
pedido e consequente decisão da ineptidão da injunção, ao afirmar que o “(…)
requerimento injuntivo contém um enunciado fáctico deficiente, por
manifestamente insuficiente, impreciso, pois não expõe, designadamente, os
termos concretos do contrato celebrado entre o R e o Banco Cedente que dá
origem ao alegado crédito cedido”.
TT. Novamente lembrando-se que
não são sujeitos processuais entidades bancárias nem o objecto qualquer
contrato, muito menos no âmbito da cessão de créditos!
UU. E continua concluindo
inevitavelmente de forma errada por usar as premissas erradas “Como a pretensão
do requerente só é susceptível de derivar de um contrato a causa de pedir,
embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas
declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do
seu incumprimento por parte do requerido. In casu, a Requerente/Autora, não
satisfaz o ónus de indicação da factualidade concreta que deve integrar a
pertinente causa de pedir, remetendo para documentos/ facturas o que é
manifestamente insuficiente.”
VV. Por tudo o exposto, e com o
devido respeito, a decisão recorrida deambula por um conjunto de argumentos
jurídicos dos quais não é possível concluir, uma vez mais se afirma, pela
ineptidão da injunção no caso em apreço.
WW. Sendo forçoso concluir que a
decisão recorrida é deficiente, juridicamente infundada e ininteligível.
Os recorridos contra-alegaram,
pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O
recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente
devolutivo.
*
A
única questão a resolver consiste em saber se se verifica a excepção dilatória
da nulidade de todo o processo devido a ineptidão do requerimento de injunção
por falta de indicação da causa de pedir.
*
Os
factos relevantes para a decisão do recurso são os seguintes:
1 – No
requerimento de injunção, a recorrente alegou o seguinte:
“Contrato de: Fornecimento de bens ou
serviços
Data do contrato: 03-05-2013
Exposição dos factos que fundamentam a
pretensão:
1. No âmbito e exercício da sua
actividade, a Requerente prestou serviços/venda de mercadorias à Requerida.
2. Nesses termos, foram emitidas pela
Requerente facturas que não foram regularizadas pela Requerida.
3. Pelo exposto, encontram-se em dívida os
seguintes montantes:
Factura n.º 130493 no valor de 6 749,73 €
+ juros entre 11/04/2013 e 06/03/2019 (116,09 € (81 dias a 7,75%) + 255,20 €
(184 dias a 7,50%) + 242,67 € (181 dias a 7,25%) + 243,29 € (184 dias a 7,15%)
+ 235,97 € (181 dias a 7,05%) + 239,88 € (184 dias a 7,05%) + 237,28 € (182
dias a 7,05%) + 238,18 € (184 dias a 7,00%) + 234,30 € (181 dias a 7,00%) +
238,18 € (184 dias a 7,00%) + 234,30 € (181 dias a 7,00%) + 238,18 € (184 dias
a 7,00%) + 84,14 € (65 dias a 7,00%))
Factura n.º 130488 no valor de 471,35 € +
juros entre 10/04/2013 e 06/03/2019 (8,21 € (82 dias a 7,75%) + 17,82 € (184
dias a 7,50%) + 16,95 € (181 dias a 7,25%) + 16,99 € (184 dias a 7,15%) + 16,48
€ (181 dias a 7,05%) + 16,75 € (184 dias a 7,05%) + 16,57 € (182 dias a 7,05%)
+ 16,63 € (184 dias a 7,00%) + 16,36 € (181 dias a 7,00%) + 16,63 € (184 dias a
7,00%) + 16,36 € (181 dias a 7,00%) + 16,63 € (184 dias a 7,00%) + 5,88 € (65
dias a 7,00%))
4. Perfazendo a quantia total em dívida de
10 256,99€ correspondendo 7.221,08€ a titulo de capital, 3.035,91€ a titulo de
juros, vencidos desde as respectivas datas de vencimento e até 6.03.2019.
5. Aos montantes indicados, acrescem ainda
juros vencidos e vincendos à taxa legal comercial aplicável para os períodos
correspondentes.”
2 –
Ambos os réus deduziram oposição, arguindo, além do mais, a nulidade processual
decorrente da ineptidão do requerimento de injunção por falta de indicação da
causa de pedir.
3 – Em
04.07.2020, o tribunal a quo proferiu
despacho ordenando a notificação da recorrente para, no prazo de 10 dias, se
pronunciar, além do mais, sobre a invocada ineptidão do requerimento de
injunção.
4 – Na
sua resposta, a recorrente disse, nomeadamente, o seguinte:
“(…) as facturas mencionadas na petição de
injunção foram emitidas e enviadas a MA, face à qual as Rés são habilitadas, resultando
as mesmas de orçamento aprovado por esta – Cfr. Documento n.º 1 que ora se
junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
3. E tal facto é do conhecimento das Rés –
ou devia ser – dado que, como legítimas herdeiras, encabeçam as relações
patrimoniais da falecida.
4. Nessas mesmas facturas, encontram-se
discriminados os concretos bens e quantidades vendidas, bem como a
identificação comercial da Autora, sendo do conhecimento público a sua
actividade, tanto mais que a sua firma identifica com clareza o objecto desta
sociedade comercial.
(…) a Autora vendeu o material constante
das facturas emitidas e enviadas a MA, na qualidade de directora financeira da
Revista (…), actualmente representada por JB – familiar das Rés. Foi nessa
circunstância que a Autora aceitou vender mercadoria àquela pois não enceta
relações comerciais com consumidores finais, mas tão-só com industriais e
comerciantes.
14. Era responsabilidade da dita MA
colocar no mercado a Revista (…), dai auferindo rendimento.
15. Tanto mais que todos os contactos
realizados com a falecida Ré foram por intermédio do dito JB que sempre se
intitulou “Director” da referida revista.
16. Com efeito, atente-se no pedido de
encomenda feito por JB em nome de MA, datado de 4 de Abril de 2013 às 17:00, relativo
ao orçamento n.º 23229 que deu origem às sobreditas facturas. Neste, a MA
intitula-se “A Diretora Financeira da Revista (…)” (sic). – Cfr. Documento n.º
2 que ora se junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
17. Às 15:49 do mesmo dia, o mesmo JB já
havia enviado comunicação de aprovação revelando que “Aprovamos o orçamento
apresentado para revista (…)” – Cfr. Doc. 2 já junto.
18. Resulta assim que estamos perante
mercadorias que foram destinadas à actividade comercial de MA (…).”
5 –
Com a peça processual descrita em 4, a recorrente juntou cópias das facturas
mencionadas no requerimento de injunção e dos restantes documentos naquela
referenciados.
6 – Em
08.10.2020, o tribunal a quo proferiu despacho com o seguinte teor:
“Notifique a A para, no prazo de 10 dias,
densificar a causa de pedir indicando a data de celebração do contrato, as
concretas prestações acordadas, o local, os prazos e a verificação do
incumprimento.”
7 – Na
sua resposta, a recorrente disse, nomeadamente, o seguinte:
“(…) a causa de pedir incide sobre as facturas
mencionadas na petição de injunção que foram emitidas e enviadas a MA,
resultando as mesmas de orçamento aprovado por esta conforme documento já
junto.
Na sequência dessa aprovação foi vendida e
aceite pela falecida MA, a mercadoria melhor discriminada na fatura nº 130493
no valor de 6.749,73 € e nº 130488 no valor de 471,35, emitidas pela Autora a
11.04.2013 e 10.04.2013, respectivamente.
Os bens facturados foram entregues pela
Autora à adquirente nas datas supra mencionadas.
As facturas tinham vencimento nessas
mesmas datas, ou seja, estavam a pagamento imediato.
O pagamento era exigido na íntegra e nas
datas de vencimento constantes nas facturas, pelo que é essa a data do
incumprimento.
O pagamento devia ser realizado na morada
constante das faturas emitidas, ou seja, na morada da sede da Autora.”
8 – Em
12.11.2020, o tribunal a quo proferiu
a sentença recorrida, da qual consta, nomeadamente, o seguinte:
“No caso concreto está em causa um
processo especial simplificado, de natureza declarativa: a acção especial para
cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais
[AECOPs] com origem em procedimento de injunção, regulada tanto pelas
disposições que lhe são próprias, como, subsidiariamente, pelas disposições
gerais e comuns do processo civil disciplinador do processo declarativo comum -
art.º 549.º, n.º 1, do CPC.
Dispõe o art.º 10.º, n.º 2, al. d), do
anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Set., que no requerimento injuntivo «deve
o requerente (...) expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão»,
factos esses que se reconduzem, naturalmente, à causa de pedir, tal como a
define o art.º 581.º, n.º 4, do CPC.
Por sua vez, no n.º 3 do artigo 10.º do
anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Set., estabelece-se que «Durante o
procedimento de injunção não é permitida a alteração dos elementos constantes
do requerimento, designadamente o pedido formulado».
O requerimento injuntivo contém um
enunciado fáctico deficiente, por manifestamente insuficiente, impreciso, pois
não expõe, designadamente, os termos concretos do contrato celebrado entre o R
e o Banco Cedente que dá origem ao alegado crédito cedido.
Dispõe o art.º 10.º, n.º 2, alínea d) do
anexo ao regime dos procedimentos a que se refere o art.º 1.º do Dec. Lei n.º
269/98, de 1 de Set., que no requerimento de injunção deve o requerente, além
do mais, “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”.
A exposição sucinta dos factos que à
pretensão processual do requerente servem de fundamento assume particular
relevância no contexto do normativo em análise, porque se trata, no fundo, da
causa de pedir prevista em geral nos art.ºs 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, al. d),
do C.P.C., susceptível de apreciação jurisdicional no caso de o procedimento de
injunção se transmutar em acção declarativa, como ocorreu no caso concreto.
O requerente da injunção não está
dispensado de invocar, no requerimento injuntivo, os factos jurídicos concretos
que integram a respectiva causa de pedir, pois que a lei só flexibiliza a sua
narração em termos sucintos, sintéticos e breves.
Como a pretensão do requerente só é
susceptível de derivar de um contrato a causa de pedir, embora sintética, não
pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações negociais e os
factos negativos ou positivos consubstanciadores do seu incumprimento por parte
do requerido.
In casu, a Requerente/Autora, não satisfaz
o ónus de indicação da factualidade concreta que deve integrar a pertinente
causa de pedir, remetendo para documentos/facturas o que é manifestamente
insuficiente.
Aplicando em sede de procedimento de
injunção os comandos contidos nos art.ºs 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, al. d), do
CPC., dúvidas não há de que o requerente deve expor no requerimento, no local a
tal destinado e por forma necessariamente sucinta, os factos que servem de
fundamento à sua pretensão, devendo considerar-se como tais os que, em regra,
se afiguram constitutivos do seu direito.
Seguido a orientação de Salvador da Costa,
a causa de pedir, segundo o princípio da substanciação, traduz-se, no fundo, no
facto jurídico constitutivo do direito, ou seja, em determinada factualidade
concreta vista à luz do direito (art.º 581.º, n.º 4, do C.P.C.). O seu âmbito é
delimitado pelos factos preenchentes das normas substantivas concedentes da
pretensão das partes, independentemente da sua valoração jurídica. As suas
características são a inteligibilidade, a facticidade, a concretização, a
veracidade, a compatibilidade, a juridicidade e a licitude.
A lei não exige a pormenorizada alegação
de facto, certo que se basta com a alegação sucinta dos factos, ou seja, em
termos de brevidade e concisão.
Todavia, a alegação fáctica breve e
concisa não significa a postergação dos princípios gerais da concretização
fáctica em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica
substantiva.
Não satisfaz, evidentemente, a exigência
legal de afirmação dos factos consubstanciadores da causa de pedir, a singela
alegação supra exposta pela A.
Em conclusão, consideram-se verificada a
excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa
de pedir, que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à
absolvição do Réu da instância, o que se determina [art.ºs 278.º, n.º 1, alínea
e) e n.º 3, 576.º, n.ºs 1 e 2, 279.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º,
do CPC].”
*
O
artigo 10.º, n.º 2, al. d), do regime dos procedimentos destinados a exigir o
cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não
superior a € 15.000, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, estabelece
que, no requerimento de injunção, o requerente deve “expor sucintamente os
factos que fundamentam a pretensão”. Não obstante os objectivos de
simplificação e celeridade visados por aquele regime jurídico, não se dispensou
a indicação, ainda que de forma sucinta, da causa de pedir no requerimento de
injunção, aliás em termos semelhantes aos estabelecidos no artigo 1.º, n.º 1,
do mesmo regime jurídico, segundo o qual, na petição inicial da acção
declarativa com
processo especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias
emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000, o autor “exporá
sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos”.
Por
via da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, a falta de indicação
da causa de pedir na petição inicial da acção declarativa com processo especial
destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de
contratos de valor não superior a € 15.000 ou no requerimento de
injunção que origine procedimento que, nos termos dos artigos 16.º, n.º 1, e
17.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, se convole numa
acção daquela natureza por efeito da dedução de oposição, determina a ineptidão
da petição inicial ou do requerimento de injunção, geradora da nulidade de todo
o processo, a qual, por seu turno, constitui uma excepção dilatória, que
determina a absolvição do réu da instância [artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, al. a),
576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, al. b), do Código de Processo Civil].
Na
sentença recorrida, entendeu-se que o requerimento de injunção é inepto, por
falta de indicação da causa de pedir, e, com base nesse entendimento, julgou-se
verificada a excepção dilatória da nulidade de todo o processo, absolvendo-se os
réus da instância.
A
recorrente insurge-se contra esta decisão, considerando que a causa de pedir
foi indicada no requerimento de injunção, o qual, consequentemente, não é
inepto.
No
requerimento de injunção, a recorrente indicou, como fonte do direito de
crédito invocado, um contrato de fornecimento de bens ou serviços alegadamente
celebrado, no dia 03.05.2013, entre ela própria, no exercício da sua actividade,
e MA, a quem os recorridos sucederam mortis
causa. Ainda de acordo com o requerimento de injunção, o preço dos bens e
serviços prestados consta de duas facturas emitidas pela recorrente e cujo pagamento
MA não efectuou, pelo que se encontram em dívida os montantes discriminados no
mesmo requerimento.
Isto
basta para inviabilizar a conclusão de que o requerimento de injunção é inepto
por falta de indicação da causa de pedir. Tenha-se em mente a distinção entre
petição inepta e petição meramente deficiente. “Claro que a deficiência pode
implicar ineptidão: é o caso de a petição ser omissa quanto ao pedido ou à
causa de pedir; mas aparte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a
ineptidão e a insuficiência da petição. Quando a petição, sendo clara e
suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias
necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de
inepta; o que então sucede é que a acção naufraga.”[1]
Ainda
que sucintamente, a recorrente expôs os factos que fundamentam a sua pretensão.
Esta última funda-se na celebração de um contrato em data e entre pessoas
identificadas, no fornecimento de bens pela recorrente em cumprimento desse
contrato conforme facturas que também se identificam e na falta de pagamento do
preço, que se especifica, pela contraparte. Ainda que exposta de forma sucinta
e a carecer de concretização no que concerne aos bens fornecidos, foi indicada
a causa de pedir.
Tal
concretização dos factos integrantes da causa de pedir que dela careciam foi
feita pela recorrente logo na peça processual mediante a qual respondeu às excepções
arguidas pelos réus, como resulta dos pontos 4 e 5 supra. Nesse momento
processual, a recorrente juntou aos autos, entre outros documentos, as facturas
em questão, que discriminam os bens por si fornecidos.
Não
obstante, o tribunal a quo ordenou a
notificação da recorrente para densificar a causa de pedir, indicando a data de
celebração do contrato, as concretas prestações acordadas, o local, os prazos e
a verificação do incumprimento.
Ora,
a prolação deste despacho pressupõe que o requerimento de injunção não é inepto
por falta de indicação da causa de pedir. Se a causa de pedir não tivesse sido,
de todo, indicada, seria logicamente impossível a sua densificação. Só é susceptível
de densificação aquilo que existe. Se se estivesse perante uma pura e simples
falta de indicação da causa de pedir, o tribunal a quo não poderia convidar a recorrente a aperfeiçoar o
requerimento de injunção, pois este seria inaproveitável. O disposto no artigo
17.º, n.º 3, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, segundo o
qual, recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças
processuais, tem de ser interpretado em conformidade com o disposto no artigo
590.º, nºs 2, al. b), 4, 5 e 6 do Código de Processo Civil. Perante uma petição
inicial inepta por falta de indicação da causa de pedir, é inadmissível a
prolação de despacho de aperfeiçoamento. A finalidade deste é o mero suprimento
das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de
facto alegada e não de um vício tão grave como o da ineptidão da petição
inicial.
Portanto,
a sentença recorrida acaba por ser contraditória com o despacho mediante o qual
o tribunal a quo ordenou a
notificação da recorrente para densificar a causa de pedir. Ao proferir este
último, o tribunal a quo já
reconhecera que, ainda que com insuficiências ou imprecisões, o requerimento de
injunção não era inepto por falta de indicação da causa de pedir.
Na
sequência da sua notificação para proceder à densificação da causa de pedir, a
recorrente pronunciou-se nos termos descritos no ponto 7 supra, alegando,
nomeadamente, o seguinte: na sequência da aprovação de orçamento apresentado,
foi vendida e aceite, pela falecida MA, a mercadoria discriminada nas facturas
nºs 130493, no valor de € 6.749,73, e 130488, no valor de € 471,35, por si
emitidas em 11.04.2013 e 10.04.2013; estas facturas foram enviadas à referida MA;
os bens facturados foram por si entregues à adquirente nas datas supra mencionadas;
as facturas tinham vencimento nessas mesmas datas, ou seja, estavam a pagamento
imediato; o pagamento era exigido na íntegra e nas datas de vencimento
constantes nas facturas, pelo que é essa a data do incumprimento; o pagamento
devia ser realizado na morada constante das facturas emitidas, ou seja, na
morada da sede da recorrente.
Após
tudo isto, é impossível concluir, como se concluiu na sentença recorrida, que
falte a indicação da causa de pedir. Ao contrário, é patente o fundamento da
pretensão da recorrente.
Consequentemente,
impõe-se revogar a sentença recorrida e ordenar o prosseguimento dos autos.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e
ordenando-se o prosseguimento dos autos.
Custas
a cargo dos recorridos.
Notifique.
*
Évora, 14 de Julho de 2021
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.º
adjunto