Processo n.º 36/14.4T8RMR.E1
*
Sumário:
1 – A decisão de mérito, proferida em
embargos de terceiro deduzidos como incidente em processo de execução fiscal,
sobre a existência e a titularidade dos direitos invocados por embargante e
embargado, não produz efeito fora daquele processo.
2 – Tais questões podem, pois, voltar a
ser discutidas, na jurisdição comum, sem que ocorram as excepções de caso
julgado ou de litispendência.
*
Relatório
E. – Bebidas, S.A. propôs a
presente acção declarativa de simples apreciação negativa, com processo comum,
contra C&C, Lda., Instituto da Vinha e do Vinho, I.P., Banco, S.A.,
Autoridade Tributária e Aduaneira e Incertos, formulando os seguintes pedidos:
“A) Declarar-se que as obrigações emitidas pela sociedade CT nos anos de 1987,
1988 e 1989 e acima identificadas deixaram de ter validade e existência
jurídica e estão desprovidas de qualquer valor, por já não incorporarem
qualquer dívida; B) Declarar-se que a ora A. não é devedora à R. C&C, Lda. de
qualquer quantia por conta das medidas de recuperação de empresa aprovada no
âmbito dos autos que, sob o n.º 130/95, correu termos no 1.º Juízo do Tribunal
Judicial da Comarca de Rio Maior; C) Ordenar-se a destruição ou, caso assim não
se entenda, condenar-se os RR. a restituírem à ora A. as obrigações emitidas
pela sociedade CT nos anos de 1987, 1988 e 1989.
Os réus Instituto da Vinha e do
Vinho, I.P., Banco, S.A., Autoridade Tributária e Aduaneira e Incertos, estes
últimos representados por defensora para o efeito nomeada, contestaram,
pugnando, todos, pela improcedência da acção.
Realizou-se audiência prévia, na
qual foi proferido despacho saneador, com a identificação do
objecto do litígio e o enunciado dos temas de prova.
No
início da audiência final, o Ministério Público, em representação da ré Autoridade Tributária e
Aduaneira, invocou “o efeito preclusivo da autoridade do caso julgado”,
pugnando “pela procedência da excepção e consequente absolvição dos réus da
instância”. Na sequência deste requerimento, a audiência foi “dada sem efeito”.
O réu Instituto da Vinha e do
Vinho, I.P. pronunciou-se em sentido concordante com o Ministério Público. A
autora assumiu a posição oposta, pugnando pelo indeferimento do requerido por
este último e pelo prosseguimento da acção.
Em seguida, foi proferida
sentença julgando verificadas as excepções dilatórias de caso julgado e de litispendência
e absolvendo os réus da instância.
A autora recorreu da sentença,
formulando as seguintes conclusões:
1. A
teoria do caso julgado trazida aos autos pelo Ministério Público e abraçada
pela sentença recorrida não tem qualquer aplicação no caso concreto.
2.
Como bem admite a sentença recorrida, os processos em causa têm natureza
diferente, já que a sentença já transitada e aqui em causa, foi proferida no
âmbito de uns embargos de terceiro deduzidos num processo de execução fiscal.
3. E
os embargos de terceiro, após a reforma introduzida no C. P. Civil pelo DL
329-A/95, de 13/10, que eliminou do elenco dos processos especiais as acções
possessórias, passaram a ser considerados um incidente da instância enxertado
num processo pendente entre outras partes, visando a efectivação de um direito
incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial,
judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes da causa, e que terá
atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante.
4.
Esta sistematização não mudou ainda aquando da mais recente revisão do Código
do Processo Civil e que constitui sinal inequívoco da vontade do legislador de
manter tal entendimento.
5.
Acresce que o mesmo entendimento resulta incontornável da inserção sistemática
do regime dos embargos de executado no art.º 342.º e ss do Código do Processo
Civil, sob o “Título III – Dos incidentes da instância”.
6.
Assim como é sufragado pela jurisprudência, nomeadamente no Acórdão da Relação
de Coimbra de 14/10/2008 disponível em www.dgsi.pt.
7.
Consequentemente, não pode deixar-se de ter como aplicável no presente caso o
disposto no n.º 2 do art.º 91.º do Código do Processo Civil, que determina que
“a decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso
julgado fora do processo respetivo, excepto se alguma das partes requerer o
julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista
internacional e em razão da matéria e da hierarquia.”
8. A autora
não requereu o julgamento com essa amplitude e tal regime só seria aplicável se
estivéssemos no âmbito de embargos deduzidos em execução cível – considerando a
necessidade de coincidência em razão da matéria.
9. Por
estarmos no âmbito de embargos de terceiro deduzidos no âmbito do Código do
Procedimento e Processo Tributário, que a decisão proferida naquele incidente
não constitui caso julgado fora do respectivo processo.
10. A
figura processual dos embargos de terceiro vem sistematizada nos artigos 196.º
e 197.º, na Secção VI, com o título “Incidentes e Impugnações” do CPPT e o
art.º 196.º é claro ao elencar que “são admitidos no processo de execução
fiscal os seguintes incidentes: a) Embargos de terceiros; b) Habilitação de
herdeiros; e c) Apoio judiciário.
11.
Resulta assim completamente afastado o efeito preconizado pela sentença
recorrida, uma vez que não pode, neste caso, falar-se de repetição de uma causa
quando estamos no âmbito de uma que o é efectivamente, e um incidente
“enxertado” noutra acção ou causa, objetivamente e subjetivamente dispares
daquela, ou seja a execução onde os embargos foram deduzidos.
12.
Acresce que, entre a acção na qual foi proferida a decisão do tribunal administrativo
e fiscal ora em causa, e a presente acção, não existe qualquer semelhança de
pedidos, muito menos identidade dos mesmos.
13.
Naqueles embargos peticiona a embargante que sejam “os embargos recebidos,
julgados provados e procedentes e, em consequência, ser ordenado o levantamento
da penhora e a restituição à embargante das obrigações penhoradas, com todas as
legais consequências.”
14. Já
nos presentes autos, pede a autora que seja declarado que as obrigações
emitidas pela sociedade
CT nos anos de 1987, 1988 e 1989 e acima identificadas deixaram de ter
validade e existência jurídica e estão desprovidas de qualquer valor, por já
não incorporarem qualquer dívida; e que seja declarado que a autora não é
devedora à ré C&C,
Lda. de qualquer quantia por conta das medidas de recuperação de empresa
aprovada no âmbito dos autos que, sob o n.º 130/95, correu termos no 1.º Juízo
do Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior; bem como seja ordenada a
destruição ou, caso assim não se entenda, condenar-se os réus a restituírem à
ora autora as obrigações emitidas pela sociedade CT nos anos de 1987, 1988 e 1989.
15. E
em bom rigor, nunca poderíamos nunca falar de identidade de pedidos já que, nos
embargos, a embargante não deduz qualquer pedido contra a embargada cfr Acórdão
nº STJ_06B2342 de 11-07-2006.
16.
Motivo pelo qual também temos de concluir pela não coincidência de partes,
atendendo à posição que ocupam na lide, já que nos embargos a embargante pode
ser comparada ao autor, no entanto, a embargada não pode ter-se como sujeito
passivo, já que não é deduzido qualquer pedido quanto à mesma.
17.
Mesmo que perante duas acções estivéssemos, no que se não concede, sempre
faleceria o mesmo efeito pretendido pela sentença em crise, já que só constitui
caso julgado a decisão contida na sentença e a decisão proferida em sede de
embargos não é suscetível de ser repetida na presente acção.
18.
Decidiu a sentença nos embargos que “nos termos e com os fundamentos expostos
julga-se os embargos improcedentes por não provados e, em consequência,
mantém-se a penhora das obrigações emitidas pela embargante”.
19.
Considerando o pedido e causa de pedir na acção ora pendente, jamais poderia a
mesma vir a receber sentença com qualquer identidade com a já proferida.
20. Na
verdade, a força do caso julgado não incide sobre os fundamentos da sentença,
já que, como bem ensina o Professor Manuel de Andrade: “O caso julgado só se
destina a evitar uma contradição jurídica de decisões e já não a sua colisão
teórica”.
21. “O
que adquire força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz
quanto aos bens ou direitos litigados pelas partes e a concessão ou denegação
da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos e já não a motivação da
sentença, as motivações que determinaram o juiz, as soluções por ele dadas aos
vários problemas que teve de resolver para chegar àquela conclusão final” –
Esta é pois a posição defendida pelo Professor Alberto dos Reis in “Clássicos
Jurídicos, Código do Processo Civil Anotado, Volume III, 3.ª ED. 1950, da
Coimbra Editora, pág. 139.
22. No
caso vertente, não pode ter-se por verificada a excepção de caso julgado por
falta de identidade quanto à natureza das acções em causa, das partes e sua posição
nos autos, e quanto aos pedidos deduzidos nas mesmas.
23. As
decisões proferidas naqueles e nesta acção não são susceptíveis de abalar a
posição de certeza própria das decisões judiciais, que aquela secção pretende
evitar.
24
Todos os argumentos supra expendidos valem mutatis
mutandis para a litispendência também validada pela sentença recorrida.
25. As
assimetrias realçadas impedem que entre as acções fiscais e a presente acção
exista qualquer tipo de impossibilidade de pendência simultânea, não se
verificando os requisitos da litispendência.
26. E
a este respeito impõe-se alertar para o paradoxo a que nos levaria sufragar a
posição sustentada na sentença recorrida, já que levaria à inevitável conclusão
de que os recursos pendentes não poderiam vir a ser julgados por poderem vir a
merecer decisão revogatória da proferida em definitivo pela 1.ª instância,
ofendendo o respetivo efeito do caso julgado, e constituindo litispendência uns
em relação aos outros.
A
recorrida Autoridade
Tributária e Aduaneira contra-alegou, formulando as seguintes
conclusões:
1 – O
efeito preclusivo da autoridade do caso julgado, diferentemente do caso julgado,
não supõe identidade de partes, causa de pedir ou pedido, embora determine “a inadmissibilidade
de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida
em decisão anterior”. – cfr. Ac. Rel. Coimbra de 06.11.2011, proc. 816/09.2
TBAGD, in www.dgsi.pt.
2 – A
autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado
são efeitos distintos da mesma realidade jurídica.
3 – A
excepção de caso julgado constitui um obstáculo (efeito negativo) a nova decisão
de mérito, enquanto a autoridade do caso julgado tem o efeito (positivo) de impor
a primeira decisão como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito.
4 –
Esse efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira
decisão constitui questão prejudicial da segunda acção, como pressuposto necessário
da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida- vd. Ac. STJ de 17.12.2013,
proc. 3490/08.0 TBBCL, in www.dgsi.pt, em cujo âmbito foi proferida decisão, no
sentido de que se numa anterior decisão, transitada em julgado e proferida no
âmbito de uma oposição à execução na qual foram partes autores e réus, foi afirmada
a validade de uma determinada transacção, não pode voltar a discutir-se, noutra
ulterior acção a validade dessa mesma transacção, por força do efeito preclusivo
da autoridade do caso julgado que existe ainda que não se verifique a tríplice
identidade a este inerente.
5 – No
caso sub iudicie, a autora pretende
que seja declarado que as obrigações emitidas pela sociedade CT nos anos de 1987 a 1989
deixaram de ter validade e existência jurídica e estão desprovidas de qualquer
valor, por não incorporarem qualquer dívida, que a autora não é devedora à ré C&C, Lda. de
qualquer quantia por conta das medidas de recuperação de empresa aprovadas no processo
n.º 130/95, do 1º Juízo do tribunal de Rio Maior e que seja ordenada a sua
destruição ou restituição, ao autor, daquelas obrigações.
6 –
Sucede que no âmbito do processo 1509/07.0BEVIS a ora autora E. – Bebidas, S.A.
deduziu embargos de terceiro contra a penhora de obrigações por si emitidas, depositadas
na conta de valores mobiliários n.º 37958429 do Banco, S.A., titulada pela ora ré C&C, Lda.,
alegando, para além do mais, que os títulos obrigacionistas se encontram
desprovidos de valor, por não titularem qualquer crédito existente e exigível,
devendo, em consequência, serem restituídos à exequente, por esta os ter
liquidado e que a penhora efectuada ofende a sua posse e direito de propriedade
sobre os referidos títulos.
7 – Responderam
a executada e a fazenda pública, alegando esta que decorridos 8 anos o saldo
relativo aos valores mobiliários em causa ainda se mantinham na conta bancária
da C&C, Lda.,
que não se encontra devidamente provado nos autos que os referidos créditos se
encontrem totalmente liquidados. E ainda que o Banco, S.A. reconheceu a existência e a
penhora do crédito em causa (o que supõe a sua existência).
8 –
Nesta conformidade, dúvidas não existem que a matéria em apreciação no processo
1509/07.0 BEVIS é, necessariamente, a mesma que é objecto da presente acção,
agora vestida sob a forma de acção declarativa de simples apreciação negativa.
9 – E,
consequentemente, toda a matéria que cumpre apreciar nestes autos foi já apreciada
naquela acção, assim como foi objecto dos processos 1508/07.2 BEVIS, 1510/07.2
BEVIS, 1511/07.2 BEVIS e 1512/07.2 BEVIS, todos daquele tribunal.
10 –
Independentemente da existência ou não da tríplice identidade exigida pela excepção
do caso julgado – sujeitos, pedido e causa de pedir – existem razões de certeza
e segurança jurídica que, fazendo valer a autoridade do caso julgado, importam
a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior.
11 –
Isto porque os fundamentos de facto já foram apreciados e não podem ser reapreciados
em tribunal da mesma categoria, sob pena de se obter uma decisão diferente,
sendo-lhe, pois, extensiva a eficácia do caso julgado.- cfr. neste sentido, Ac.
STJ de 20.09.2005, Revista nº 2095/05- 6ª Secção; STJ de 15.01.2013, proc.
816/2009, STJ de 21.03.2013, Proc. 3210/07.6TCLRS, Rel. Coimbra de 30.06.2015,
proc. 89/14.5 TBLRA; Rel. Coimbra de 06.09.2011, proc. 816/09.2 TBAGD; Rel. Guimarães,
de 17.12.2013, proc. 3490/08.0 TBBCL, Apelação 1747/11.1 TBFIG, de 20.11.2012 e
nº 2560/10.9 TBPLB, de 11.10.2016, todos in www.dgsi.pt.
12 –
Na verdade, em prol dos “valores da segurança das decisões e da autoridade do
Estado, a anterior decisão que aprecie a mesma questão obsta a qualquer nova indagação
sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva.
13 –
Assim, ao contrário do caso julgado, que implica uma total identidade entre ambas
as causas, a autoridade do caso julgado “importa uma aceitação de uma decisão proferida
em acção anterior que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando
obstar a que a relação ou situação jurídica definida por uma sentença possa ser
validamente definida, e modo diverso, por outra sentença (razão de certeza ou
segurança jurídica) não se exigindo a tríplice identidade” – Ac. Rel. Coimbra
de 11.10.2016, proc. 2560/10.9 TBPBL.
14 –
Neste enquadramento, não pode a parte vencida em anterior processo cuja decisão
haja transitado em julgado vir obter, através de nova acção que para o efeito
seja proposta, um efeito útil que se traduza em decisão diversa da anterior – cfr.,
neste sentido e entre muitos outros, Ac. Rel Coimbra de 6.9.2011, proc.
816/09.2 TBAGD.C1.
15 –
Como bem se refere na douta sentença recorrida, pretende o autor, em ambos os
processos (neste e no 1509/07.0 BEVIS), o mesmo efeito jurídico: que se declare
que as obrigações emitidas pela sociedade CT (todas elas) deixaram de ter validade por já não
incorporarem qualquer divida, por não ser devedora da ré C&C, Lda., na
sequência da recuperação da empresa.
16 – E
bem se refere igualmente que “Apesar da diferente natureza dos dois processos,
mantem-se incólume a situação objecto de apreciação nos dois processos, que é a
mesma.”.- cfr. fls. 14 da sentença/ 583 dos autos.
17 –
Mais se dirá, neste propósito, na esteira do também decidido, que os embargos
de terceiro assumem a estrutura de uma acção declarativa de apreciação, sujeita
a processo comum, o que substancialmente pouco tem a ver com os incidentes da instância
pelo que, mesmo em termos de forma, nada obstaria a que fosse conhecido o caso
julgado- cfr, neste sentido, Ac. rel. Coimbra 5166/06.3TBLRA, de 01.04.2008, in
www.dgsi.pt.
18 –
Assim, visto o proc.º 1509/07.0 BEVIS, resulta claramente que a questão relativa
às obrigações da autora relativas ao ano de 1988, que se encontram depositadas
na conta de valores mobiliários nº 37958429, titulada pela sociedade C&C, Lda., já
foi definitivamente decidida nesse processo.
19 – E
a questão que foi apreciada não se restringe às obrigações relativas ao ano de
1988, antes as abrange todas na medida em que a apreciação da sua validade
jurídica constitui uma unidade não dissociável, nem a própria sentença
proferida no proc. 1509/07.0 BEVIS faz essa destrinça, apenas curando de
apreciar se tais obrigações são ou não penhoráveis, assim lhes reconhecendo,
globalmente, validade jurídica.
20 –
Ainda que, por mera hipótese e sem conceder, a autora lograsse agora provar o que
antes não provou (note-se que a prova documental ora junta neste processo é a mesma
que já se conhecia nos embargos) obteria, sobre o mesmo objecto, duas decisões de
sentido contrário, situação a que se opõe a certeza e segurança jurídicas e a
que se pretende obstar com o instituto do caso julgado) não estando ao seu
alcance fazer uso da que mais lhe aprouver.
O
recurso foi admitido.
Objecto
do recurso
Tendo em conta as conclusões das
alegações de recurso, que definem o objecto deste e delimitam o âmbito da
intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das questões cujo conhecimento
oficioso se imponha, a única questão a resolver consiste em saber se se
verificam as excepções
dilatórias do caso julgado e da litispendência.
Factualidade
apurada
Na sentença recorrida, foram julgados provados
os seguintes factos:
1 – No processo n.º 1508/07.2BEVIS, do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em que é embargada C&C, Lda.,
contra-interessado IVV e outros e embargante E.T. – Produção de Bebidas, S.A.,
a autora E. –
Bebidas, S.A. deduziu embargos de terceiro contra o acto de penhora de
obrigações por si emitidas em 1989, da conta de valores mobiliários n.º
37958429, depositadas numa conta do Banco, S.A. pela executada C&C, Lda.,
realizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2704200401002570, por os
créditos decorrentes das obrigações por si emitidas terem sido reclamados no
processo de recuperação de empresa, ficaram sujeitos às medidas de recuperação
homologadas judicialmente e que foram integralmente cumpridas, sem que lhe
tenham sido restituídos os títulos respectivos.
2 – Por sentença proferida em
31.07.2014, os embargos de terceiro foram julgados improcedentes, mantendo-se a
penhora das obrigações emitidas pela embargante em 1989, depositadas na conta
do Banco, S.A.
titulada pela executada C&C, Lda..
3 – No processo n.º 1508/07.2BEVIS, a
embargante E.T. – Produção de Bebidas, S.A. interpôs recurso, que se encontra
pendente.
4 – No processo n.º 1509/07.0BEVIS, do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em que é embargado C&C, Lda.,
contra-interessado IVV e outros e embargante E.T. – Produção de Bebidas, S.A.,
a autora E. –
Bebidas, S.A. deduziu embargos de terceiro contra o acto de penhora de
obrigações por si emitidas em 1988, da conta de valores mobiliários n.º
37958429, depositadas numa conta do Banco, S.A. pela executada C&C, Lda.,
realizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2704200601000950, por os
créditos decorrentes das obrigações por si emitidas terem sido reclamados no
processo de recuperação de empresa, ficaram sujeitos às medidas de recuperação
homologadas judicialmente e que foram integralmente cumpridas, sem que lhe
tenham sido restituídos os títulos respectivos.
5 – Por sentença proferida em
31.07.2014, os embargos de terceiro foram julgados improcedentes, mantendo-se a
penhora das obrigações emitidas pela embargante em 1988, depositadas na conta
do Banco, S.A.
titulada pela executada C&C, Lda..
6 – A sentença proferida no processo n.º
1509/07.0BEVIS transitou em julgado em 23.10.2014.
7 – No processo n.º 1510/07.4BEVIS, do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em que é embargado C&C, Lda.,
contra-interessado IVV e outros e embargante E.T. – Produção de Bebidas, S.A.,
a autora E. –
Bebidas, S.A. deduziu embargos de terceiro contra o acto de penhora de
obrigações por si emitidas em 1988, da conta de valores mobiliários n.º
37958429, depositadas numa conta do Banco, S.A. pela executada C&C, Lda.,
realizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2704200401016458, por os
créditos decorrentes das obrigações por si emitidas terem sido reclamados no
processo de recuperação de empresa, ficaram sujeitos às medidas de recuperação
homologadas judicialmente e que foram integralmente cumpridas, sem que lhe
tenham sido restituídos os títulos respectivos.
8 – Por sentença proferida em
15.07.2014, os embargos de terceiro foram julgados improcedentes, mantendo-se a
penhora das obrigações emitidas pela embargante em 1988, depositadas na conta
do Banco, S.A.
titulada pela executada C&C, Lda..
9 – No processo n.º 1510/07.4BEVIS, a embargante
E.T. – Produção de Bebidas, S.A. interpôs recurso, que se encontra pendente.
10 – No processo n.º 1511/07.2BEVIS, do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em que é embargado C&C, Lda., contra-interessado
IVV e outros e embargante E.T. – Produção de Bebidas, S.A., a autora E. – Bebidas, S.A.
deduziu embargos de terceiro contra o acto de penhora de obrigações por si
emitidas em 1987, da conta de valores mobiliários n.º 37958429, depositadas
numa conta do Banco,
S.A. pela executada C&C, Lda., realizada no âmbito do processo de execução fiscal
n.º 2704200401002597, por os créditos decorrentes das obrigações por si
emitidas terem sido reclamados no processo de recuperação de empresa, ficaram
sujeitos às medidas de recuperação homologadas judicialmente e que foram
integralmente cumpridas, sem que lhe tenham sido restituídos os títulos
respectivos.
11 – Por sentença proferida em
31.07.2014, os embargos de terceiro foram julgados improcedentes, mantendo-se a
penhora das obrigações emitidas pela embargante em 1987, depositadas na conta
do Banco, S.A.
titulada pela executada C&C, Lda..
12 – No processo n.º 1511/07.2BEVIS, a embargante
E.T. – Produção de Bebidas, S.A. interpôs recurso, que se encontra pendente.
13 – No processo n.º 1512/07.0BEVIS, do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em que é embargado C&C, Lda., contra-interessado
IVV e outros e embargante E.T. – Produção de Bebidas, S.A., a autora E. – Bebidas, S.A.
deduziu embargos de terceiro contra o acto de penhora de obrigações por si
emitidas em 1988, da conta de valores mobiliários n.º 37958429, depositadas
numa conta do Banco,
S.A. pela executada C&C, Lda., realizada no âmbito do processo de execução fiscal
n.º 2704200401004875, por os créditos decorrentes das obrigações por si
emitidas terem sido reclamados no processo de recuperação de empresa, ficaram
sujeitos às medidas de recuperação homologadas judicialmente e que foram
integralmente cumpridas, sem que lhe tenham sido restituídos os títulos
respectivos.
14 – Por sentença proferida em
13.07.2014, os embargos de terceiro foram julgados improcedentes, mantendo-se a
penhora das obrigações emitidas pela embargante em 1988, depositadas na conta
do Banco, S.A.
titulada pela executada C&C, Lda..
15 – No processo n.º 1512/07.0BEVIS, a embargante
E.T. – Produção de Bebidas, S.A. interpôs recurso, que se encontra pendente.
Fundamentação
A argumentação desenvolvida pela
recorrente em abono da sua tese resume-se da seguinte forma:
1 – Este processo e os embargos de
terceiro deduzidos em sede de execução fiscal têm natureza diferente, sendo
estes últimos considerados como um incidente pelos artigos 196.º e 197.º do
Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
2 – Consequentemente, a decisão
proferida nos embargos de terceiro deduzidos em sede de execução fiscal não
constitui caso julgado fora do respectivo processo; não pode, pois, falar-se de
repetição de uma causa;
3 – Mesmo os embargos de terceiro
regulados no CPC têm a natureza de um mero incidente da instância, pelo que,
ainda que fosse esse o caso dos autos, seria aplicável o disposto no n.º 2 do
artigo 91.º do referido código, sendo certo que a autora não requereu o
julgamento com essa amplitude;
4 – Inexiste identidade das partes e dos
pedidos;
5 – Como decorrência da falta de
identidade dos pedidos, a decisão proferida em sede de embargos não é
suscetível de ser repetida na presente acção, sendo certo que a força do caso
julgado não incide sobre os fundamentos da sentença, mas apenas sobre a parte
dispositiva da mesma;
6 – Todos estes argumentos valem, mutatis mutandis, para a litispendência.
Analisemos esta argumentação.
É exacto que, quer o CPC, quer o CPPT,
qualificam os embargos de terceiro como um incidente da instância. O CPC
regula-os no Título III do Livro II, título esse dedicado aos incidentes da
instância, e os artigos 97.º, n.º 1, al. o), 166.º, n.º 1, al. a), 167.º e
237.º (epígrafe) do CPPT assim os designam expressamente.
Todavia, ao contrário daquilo que a
recorrente sustenta, a qualificação legal[1] dos embargos de terceiro
como um incidente da instância, por si só, não impede que a decisão final neles
proferida produza efeitos fora do processo, por via da formação de caso julgado
material. Demonstra-o o disposto no artigo 349.º do CPC, ao estabelecer que a
sentença de mérito proferida nos embargos de terceiro constitui, nos termos
gerais, caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado
pelo embargante ou por algum dos embargados, nos termos do n.º 2 do artigo
anterior. Aquela qualificação é, pois, irrelevante para a resolução do problema
que temos entre mãos.
Interessa-nos, sim, o disposto no artigo
238.º do CPPT, de acordo com o qual “a decisão de mérito proferida nos embargos de terceiro constitui caso julgado
no processo de execução fiscal quanto à existência e titularidade dos direitos
invocados por embargante e embargado”. Entenda-se: constitui caso julgado exclusivamente
no processo de execução fiscal. A decisão de mérito, proferida em embargos de
terceiro deduzidos como incidente em processo de execução fiscal, sobre a
existência e a titularidade dos direitos invocados por embargante e embargado,
não produz efeitos fora daquele processo. A eficácia do caso julgado quanto à
existência e à titularidade desses direitos restringe-se ao processo de
execução fiscal, contrariamente ao que, como vimos anteriormente, acontece no processo
civil por força do disposto no artigo 349.º
do CPC. Daí que tais questões
possam voltar a ser discutidas na sua sede própria, que é a jurisdição comum,
sem que ocorram as excepções de caso julgado ou de litispendência e sem que
possa, sequer, ser invocada a autoridade de caso julgado.
Esta interpretação do artigo 238.º do CPPT,
que nos parece ser a única possível em face da sua redacção, harmoniza-se com a
natureza dos tribunais administrativos e fiscais e com a forma como o incidente
de embargos de terceiro é configurado por aquele código.
No que concerne ao primeiro aspecto, tenha-se em conta a forma como a
Constituição reparte competências entre os tribunais judiciais e os tribunais
administrativos e fiscais. O artigo 211.º, n.º 1, estabelece que os tribunais
judiciais são os tribunais comuns
em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não
atribuídas a outras ordens judiciais. O artigo 212.º, n.º 3, estabelece que compete aos tribunais administrativos e
fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto
dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais,
sendo concretizado, ao nível da lei ordinária, pelo artigo 4.º do Estatuto dos
Tribunais Administrativos e Fiscais. Daqui resulta, além do mais, que são os
tribunais judiciais que estão vocacionados para dirimir conflitos de natureza
cível, não os tribunais administrativos e fiscais. Por essa razão, quando a lei
atribui, aos tribunais administrativos e fiscais, competência para,
incidentalmente, em sede de embargos de terceiro, conhecer de questões de
natureza cível, fica salvaguardado, pelo artigo 238.º do CPPT, que tais decisões não produzem efeitos fora do
processo de execução fiscal, abrindo-se, assim, a possibilidade de as mesmas
questões virem a ser discutidas e julgadas, sem limitações, na sede própria,
que são os tribunais judiciais.
Por outro lado, enquanto o CPC, apesar de qualificar os embargos de
terceiro como um incidente da instância, configurou o seu regime processual
como se se tratasse de uma acção declarativa, o CPPT seguiu outro caminho. Com
efeito, resulta do artigo 167.º deste código que, na ausência de normas
específicas, o incidente dos embargos de terceiro se rege pelas normas
aplicáveis à oposição à execução, ou seja, pelos artigos 203.º e seguintes.
Também por isto, compreende-se o regime do artigo 238.º do CPPT[2].
Flui do exposto, por um lado, que a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de
Viseu nos embargos de terceiro com o n.º 1509/07.0BEVIS, já transitada em
julgado, não produz efeitos nos presentes autos, ou seja, não determina, nestes,
a verificação da excepção de caso julgado, e, por outro lado, que a pendência
dos restantes embargos de terceiro referidos na matéria de facto provada não
gera a excepção de litispendência. Sendo assim, o tribunal a quo não podia ter absolvido os recorridos da instância com
fundamento na ocorrência das referidas excepções dilatórias. Em vez disso, o
processo devia ter seguido os seus termos, nomeadamente com a realização da
audiência final.
Estando
assim demonstrada a não verificação das excepções de caso julgado e de
litispendência por força do disposto no artigo 238.º do CPPT,
fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso, o
qual deverá ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e
ordenando-se o prosseguimento dos autos.
*
Decisão:
Acordam os juízes da
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso
procedente, revogando a sentença recorrida e ordenando o prosseguimento dos autos.
Custas a cargo da parte
com elas onerada a final.
Notifique.
*
Évora, 6 de Dezembro de 2018
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.ª adjunta
[1] Independentemente da questão do
rigor científico dessa qualificação – cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA
e RUI PINTO, Código de Processo Civil
Anotado, volume 1.º, pp. 629-630, em anotação ao artigo 358.º do anterior
CPC.
[2] Sobre esta matéria, embora aí
referida a título incidental, tem interesse a leitura do acórdão do Tribunal
Central Administrativo do Sul de 16.04.2002, proferido no processo n.º 6301/02,
secundado, nomeadamente, pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo do
Norte de 07.10.2004, proferido no processo n.º 44/04.