quinta-feira, 18 de abril de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2024

Processo n.º 135/22.9T8BNV.E1

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Sumário:

1 – Um pedido de demarcação deve fundar-se na existência de uma situação de incerteza sobre a linha divisória entre dois prédios confinantes pertencentes a pessoas diversas.

2 – Para o efeito referido em 1, o conceito de incerteza abrange, nomeadamente, a hipótese de os proprietários dos prédios confinantes manifestarem vontades divergentes sobre a localização da linha que os divide, assim gerando um conflito sobre essa localização.

3 – Tal incerteza objectiva não desaparecerá se o proprietário de um dos prédios confinantes se antecipar ao outro e colocar, unilateralmente, marcos no terreno, em conformidade com aquela que é a sua vontade (fundada, ou não, numa genuína convicção) sobre a localização da estrema do seu prédio.

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Autor/recorrente:

AAA.

Réus/recorridos:

BBB;

CCC.

Pedido:

Demarcação da propriedade do autor de acordo com o respectivo título e demais documentos, corrigindo-se a colocação dos marcos 9, 10, 11, 21 e 22 em conformidade com o esclarecimento técnico junto como documento n.º 7, passando o furo e o PT a ficar na propriedade do autor.

Decisão recorrida:

Considerou a petição inicial inepta, por «contradição/ininteligibilidade do pedido» e por contradição entre o pedido e a causa de pedir. Com esse fundamento, anulou todo o processado e absolveu os réus da instância.

Conclusões do recurso:

A) O juiz a quo começa por fundar a sua decisão na invocação dos motivos do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08/03/2022, proferido no âmbito do processo n.º 1008/20.5T8PVZ.P1, segundo o qual a acção de demarcação não pode ser utilizada para obter o reconhecimento da propriedade sobre qualquer parcela de terreno que está na titularidade de outra pessoa com desrespeito dos respetivos títulos, o que significaria esconder o objecto de uma acção de reivindicação.

B) Contrariamente ao que afirma a sentença recorrida, o requerente centra toda a sua fundamentação, constante da petição inicial e dos requerimentos que lhe sucederam, justamente na circunstância de a linha divisória que se encontra no local não respeitar os respectivos títulos, pelo que não há desrespeito pelos títulos.

C) O tribunal a quo ignorou que o requerente tem título para pedir a demarcação, uma vez que consta da escritura de partilha através do qual o seu prédio rústico foi adquirido (cfr. doc. 3) que o mesmo é proprietário de 619.700 m2, muito embora no terreno se encontre demarcada a área de apenas 616.231m2, razão pela qual o acórdão citado não corresponde ao que sucede no caso como afirma o juiz a quo.

D) Na opinião do juiz a quo, as acções de demarcação servem para quando não há qualquer demarcação já assinalada no solo entre as estremas dos prédios contíguos em conflito, o que constitui outro importante erro de julgamento.

E) A acção de demarcação não tem cabimento apenas e só quando não há qualquer linha divisória entre os prédios contíguos conflituantes, sendo suficiente a existência de dúvida ou incorrecção quanto à localização dessa linha divisória para justificar a respetiva propositura.

F) Por absurdo, se o tribunal a quo tivesse razão, bastaria que o proprietário de um dos prédios procedesse à demarcação das estremas à revelia do outro, justamente para impedir a propositura deste tipo de acção, para que o outro proprietário ficasse com o seu direito de demarcação coartado, o que não tem cabimento.

G) O juiz a quo não podia ter convidado o requerente a definir muito claramente a orientação da linha divisória que propunha, numa clara manifestação de que se conformava com o facto de a acção ser uma acção de demarcação, para depois proferir uma sentença completamente contraditória com o seu despacho interlocutório onde vem dizer que a acção afinal é de reivindicação.

H) Ao ter tratado a acção como demarcação no despacho com a ref. 93766662, o juiz a quo constituiu caso julgado sobre o tipo de acção de que se tratava.

I) Nos termos do artigo 625.º do CPC, vale assim a primeira decisão, ou seja, aquela que convidou o requerente a propor muito claramente qual a orientação da linha divisória que propunha para a demarcação, sendo a sentença nula ao abrigo desta disposição.

J) O argumento do tribunal a quo, segundo o qual, o facto de o requerente definir muito concretamente a área de terreno que pretende, significar que a acção é de reivindicação não colhe porque a indicação do lugar da linha divisória foi feito a pedido do próprio tribunal e a título de mera proposta para a demarcação.

K) Seja de acordo com a petição inicial ou com todos os elementos processuais, a área que, por força da acção de demarcação, possa vir a ser restituída ao requerente, e bem assim as construções que lá se encontrem, são mera consequência da acção de demarcação e não objecto de reivindicação.

L) Se fosse verdade que o requerente quisesse reivindicar o furo ou o PT não colocaria a determinação da passagem da linha divisória no escrutínio de um juiz, pois nas acções de demarcação os traçados da linha divisória são obtidos oficiosamente.

M) A questão levada a juízo nunca foi a de reivindicar determinadas construções, tendo a circunstância de as mesmas deverem constar dentro dos limites do prédio do requerente apenas a ver com o facto de a delimitação da linha pelo vizinho ter sido desviada propositadamente para que essas construções fiquem do lado dos requeridos.

N) A correcção da distorção provocada pelo pai dos requeridos na linha divisória, feita de modo a que a mesma cumpra o título, implica que o furo e o PT fiquem dentro da propriedade do requerente, porque era lá que se encontravam se a linha não tivesse sido desviada.

O) A correcção da distorção faria com que o furo e o PT ficassem no terreno do requerente, mas apenas como efeito dessa correcção e do cumprimento da área do título, não por se entender que estas construções lhes pertencem, e a menos que o tribunal decida que a correcção deve ser feita noutro lado (o que não faria sentido porque o resto da estrema é recta).

P) O lugar da estrema onde, sob o ponto de vista técnico, deve ser feita a correcção, com a restituição dos metros quadrados a que o requerente tem direito em face do título, fica justamente na zona do furo e do PT, pelo que, mesmo que a linha divisória não tivesse sido desviada a favor dos requeridos, sempre deveria ser aí o lugar da correção.

Q) A melhor jurisprudência e doutrina citados, são claros ao afirmar que, se as partes discutem o título de aquisição, como se, por exemplo, o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa ou sobre uma parte dela, o que não sucede, a acção é de reivindicação, mas se, pelo contrário, como aqui sucede, se não discute o título, mas a relevância dele em relação ao prédio, vertido na respectiva extensão, então a acção é já de demarcação ou, como dizem alguns autores, de acertamento ou de declaração da extensão da propriedade.

R) A acção apresentada pelo requerente – acção de demarcação – não visa a declaração do direito real, mas apenas definir as estremas entre dois prédios contíguos, corrigindo a respectiva demarcação em face do título.

S) A concreta indicação do local onde deveria ser efectuada a demarcação dos prédios não passou de uma mera proposta do requerente de acordo (i) com a influência que bem sabe que o pai dos requeridos teve na colocação dos marcos, (ii) com os motivos de ordem técnica apresentados pelo topógrafo por si contratado e, posteriormente, (iii) com o convite efetuado pelo juiz a quo no despacho com a ref.ª 963766662.

T) Se o requerente desse entrada de uma acção de reivindicação, com base nos metros quadrados do título e do desvio e consequente má marcação da linha divisória, o mesmo seria reenviado para uma acção de demarcação para resolver o problema da definição da linha divisória.

U) O pedido não é contraditório nem ininteligível e o tribunal a quo não explica porque o afirma, especialmente depois do despacho com a ref.ª 963766662 onde revela saber perfeitamente que o requerente pretende sanar as dúvidas na demarcação da linha divisória do seu prédio.

V) O pedido e a causa de pedir não são contraditórios e o tribunal a quo não explica porque faz esta afirmação.

W) É verdade que se pede que o furo e o PT passem a ficar dentro da propriedade do requerente, mas como mera consequência e efeito da correcção dos marcos 9, 10, 11, 21 e 22 feita de acordo com o título, demais documentos em conformidade com o esclarecimento técnico, portanto nunca como reivindicação, mas como melhor modo de corrigir o erro.

X) A referência ao local da demarcação e ao modo como esta deve ser feita não coloca a acção em termos de a correção ter de ser feita desse modo ou de não ser feita de todo, nada afastando o arbítrio do Juiz sobre a posição da linha divisória como é próprio de uma acção de demarcação.

Y) A referência ao local da demarcação e ao modo como esta deve ser feita serve, em primeiro lugar, para localizar a dúvida, identificar o erro, explicar a sua origem e indicar o modo certo de proceder à demarcação do prédio.

Z) A sentença recorrida viola, por tudo o quanto foi exposto, o disposto nos artigos 1353.º e 1354.º do CC e os artigos 186.º e 625.º do CPC.

Questões a decidir:

1 – Contradição/ininteligibilidade do pedido;

2 – Contradição entre o pedido e a causa de pedir.

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1 – Contradição/ininteligibilidade do pedido:

Na decisão recorrida, afirma-se que o pedido é ininteligível, mas não se explica porquê. Seja como for, discordamos. O pedido é perfeitamente inteligível: o recorrente pretende que seja efectuada uma demarcação entre o seu prédio e o dos recorridos nos termos que propõe.

Também se afirma, na decisão recorrida, que o pedido contém uma contradição intrínseca, porquanto o recorrente não se limita a pedir a demarcação do seu prédio, como é próprio da acção de demarcação; em vez disso, pede também que determinadas construções passem a fazer parte do seu prédio, o que já seria próprio de uma acção de reivindicação.

Discordamos novamente.

O recorrente formulou um puro pedido de demarcação do seu prédio face ao dos recorridos. Ele pretende que o seu prédio seja demarcado de acordo com o respectivo título e demais documentos, corrigindo-se a colocação dos marcos 9, 10, 11, 21 e 22 em conformidade com o esclarecimento técnico junto à petição inicial como documento n.º 7. A referência final à passagem do furo e do posto de transformação para o prédio do recorrente nada acrescenta ao pedido de demarcação, pois, a verificar-se, constituiria um mero efeito desta. Com essa referência, que acaba por ser redundante, o recorrente limita-se a fornecer um esclarecimento adicional sobre os termos em que pretende que a demarcação seja feita, não formulando qualquer pedido típico de uma acção de reivindicação, a saber, a sua declaração como titular do direito de propriedade sobre o seu prédio e a condenação dos recorridos a restituírem-lhe determinada área deste.

Podíamos ficar por aqui na análise da questão em epígrafe. O pedido é inteligível e não contém qualquer contradição intrínseca. Não obstante, deixamos mais algumas notas acerca da argumentação expendida na decisão recorrida, tendo em vista um mais completo esclarecimento daquela questão.

Afirma-se, na decisão recorrida, que o recorrente pretende utilizar a presente acção para, a pretexto de demarcar o seu prédio, obter o seu reconhecimento como titular do direito de propriedade sobre o furo e o posto de transformação. Segundo o tribunal a quo, esta intenção do recorrente resulta de, na petição inicial, ele não alegar qualquer situação de incerteza quanto aos limites do seu prédio, uma vez que reconhece que há demarcações, só que imprecisas e incorrectas. Em vez disso, toda a alegação do recorrente se centra na defesa de uma concreta demarcação, que não é a existente. Tanto assim é, que o recorrente conclui pedindo a demarcação do seu prédio em conformidade com aquela que julga ser a demarcação correcta e, en passant, «passando o furo e o PT a ficar na propriedade do autor». Considera o tribunal a quo que a parte final do pedido revela bem que o propósito do recorrente não é a demarcação do seu prédio, mas sim o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre uma concreta área de terreno e as construções nela existentes.

Não acompanhamos esta argumentação.

É pacífico que um pedido de demarcação deve ter, como pressuposto, a existência de uma situação de incerteza sobre a linha divisória entre dois prédios confinantes pertencentes a pessoas diversas.

Porém, o conceito de incerteza, para este efeito, é mais amplo que aquele que o tribunal a quo perfilha, abrangendo, nomeadamente, a hipótese de os proprietários dos prédios confinantes manifestarem vontades divergentes sobre a localização da linha que os divide, assim gerando um conflito sobre essa localização.

Esta hipótese desdobra-se em duas sub-hipóteses: 1) Cada um dos proprietários dos prédios confinantes está convicto de que a linha divisória se localiza onde ele indica; 2) Um ou ambos os proprietários fazem essa indicação com reserva mental, sabendo que não é essa a localização da estrema do seu prédio. Em qualquer delas, verifica-se uma incerteza objectiva acerca desta localização, que justificará uma pretensão de demarcação ao abrigo do disposto no artigo 1353.º do CC.

Tal incerteza objectiva não desaparecerá se o proprietário de um dos prédios confinantes se antecipar ao outro e colocar, unilateralmente, marcos no terreno, em conformidade com aquela que é a sua vontade (fundada, ou não, numa genuína convicção) sobre a localização da estrema do seu prédio. A pretensão do proprietário do prédio contíguo a que a demarcação se faça de forma diversa não pode ser privada de tutela jurisdicional por efeito daquela actuação unilateral do seu opositor.

Por outras palavras, a posição do proprietário que foi colocado perante o facto consumado da demarcação feita pelo seu opositor não pode ficar reduzida à possibilidade de reivindicar a parte do seu prédio que, no seu entendimento, ficou indevidamente para lá dos marcos. Tem de se lhe reconhecer a possibilidade de exercer o seu direito de demarcação, determinando, se o tribunal lhe der razão, a correcção daquela que o seu opositor unilateralmente levou a cabo.

Entendimento diverso levaria, em situações de conflito sobre a localização da linha divisória entre prédios confinantes, a beneficiar o proprietário, eventualmente menos escrupuloso, que efectuasse uma demarcação do seu prédio de forma unilateral, em vez de tentar chegar a um acordo com o seu vizinho ou de solicitar a intervenção judicial. Em vez de inibir a tomada unilateral de posições de força por parte dos particulares, que constitui uma das suas funções principais, o Direito estaria a fazer precisamente o contrário, ou seja, a fomentar atitudes dessa natureza. Daí que consideremos tal entendimento inaceitável.

Na petição inicial, o recorrente alegou que o pai dos recorridos procedeu, unilateralmente, a uma demarcação que não coincide com os limites de cada um dos prédios. Mais precisamente, os marcos n.ºs 9, 10, 11, 21 e 22 teriam sido indevidamente colocados no interior do seu prédio e não na estrema. Os recorridos discordam, considerando que a demarcação efectuada por seu pai respeitou os limites dos prédios. Verifica-se, pois, uma situação de incerteza objectiva sobre a localização das estremas dos prédios, para cuja resolução o recorrente exerceu o seu direito, consagrado no artigo 1353.º do CC, de solicitar tutela jurisdicional, que não pode ser coarctado por uma actuação unilateral do pai dos recorridos pela qual considera ter sido lesado.

Portanto, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, o recorrente alega uma situação de incerteza objectiva quanto aos limites do seu prédio. Considerando o recorrente que a demarcação efectuada é imprecisa e incorrecta, como se reconhece na decisão recorrida, não pode concluir-se que ele não alegou aquela situação de incerteza.

Sendo assim, não existe fundamento para imputar, ao recorrente, uma tentativa de utilização disfuncional de um pedido formulado como sendo de demarcação para prosseguir a finalidade típica de uma acção de reivindicação, que teria por objecto o furo e o posto de transformação. Desde logo, porque essa ideia nem sequer é rigorosa quanto ao objecto: não são apenas o furo e o posto de transformação que passarão a integrar o prédio do recorrente na hipótese de a demarcação se fazer nos termos que ele pretende. Mas, sobretudo, porque o recorrente alegou a existência de uma situação de incerteza objectiva sobre a localização da linha divisória entre os prédios, que justifica a formulação de um genuíno pedido de demarcação, sem que haja fundamento para nele divisar uma sub-reptícia finalidade de reivindicação.

2 – Contradição entre o pedido e a causa de pedir:

O tribunal a quo entendeu que, tendo o recorrente fundamentado a sua pretensão numa alegada divergência, entre ele e os recorridos, sobre a propriedade de uma faixa de terreno, deveria ter formulado um pedido de reivindicação e não de demarcação.

Continuamos a discordar do tribunal a quo.

Vimos, no ponto anterior, que o recorrente formulou um puro pedido de demarcação do seu prédio face ao dos recorridos. O recorrente pediu a demarcação do prédio de que é proprietário de acordo com o respectivo título e demais documentos, corrigindo-se a colocação dos marcos 9, 10, 11, 21 e 22 em conformidade com o esclarecimento técnico junto à petição inicial como documento n.º 7, passando, assim, o furo e o posto de transformação a ficar no interior do seu prédio. Inexiste, aqui, qualquer elemento de uma pretensão de reivindicação.

Como também vimos no ponto anterior, a causa de pedir invocada é constituída pela existência de dois prédios confinantes, um deles propriedade do recorrente e o outro propriedade dos recorridos, relativamente a cujas estremas se verifica uma situação de incerteza objectiva. Ou seja, estamos perante a causa de pedir típica de um pedido de demarcação.

Inexiste, pois, qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir.

3 – Conclusão:

Pelas razões expostas, a petição inicial não é inepta, seja por «contradição/ ininteligibilidade do pedido», seja por contradição entre o pedido e a causa de pedir. Daí que a decisão recorrida deva ser revogada e os autos devam prosseguir os seus termos.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se que os autos prossigam os seus termos.

Custas a cargo dos recorridos.

Notifique.

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Évora, 11.04.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunta)

(2.ª adjunta)

quinta-feira, 28 de março de 2024

Processo n.º 1226/22.1T8FAR.E1

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Sumário:

1 – O tribunal ad quem deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão do tribunal a quo sobre determinado ponto da matéria de facto se a alteração pretendida pelo recorrente em nada o beneficiar.

(...)

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Texto integral: Link


terça-feira, 26 de março de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 07.03.2024

Processo n.º 1209/23.4T8SLV.E1 – Oposição a execução fiscal.

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Sumário:

Na oposição a execução fiscal, a falta de contestação não determina a confissão dos factos articulados pelo oponente.

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Exequente/Oponido/Recorrente:

- Município de Albufeira.

Executada/Oponente/Recorrida:

- Sociedade 1, Lda..

Sentença recorrida:

- Julgou procedente a oposição e, consequentemente, extinta a execução.

Conclusões do recurso:

1 – A oposição a execução fiscal rege-se pelas disposições do CPPT, como este prevê no seu art. 1.º, alínea c);

2 – A Oponente, aqui Recorrida, invocou a ilegalidade da liquidação da quantia exequenda, alegando que a mesma não corresponde a serviço que o Exequente, ora Recorrente, lhe haja prestado;

3 – A ilegalidade da liquidação é fundamento, não de oposição, mas sim de impugnação, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 99.º, alínea a), e 204.º, n.º 1 (a contrario), do CPPT;

4 – Significa isto que o meio processual próprio para atacar a suposta ilegalidade da liquidação é a impugnação (ou recurso) contra o acto de liquidação, forma especial de processo prevista para atacar a legalidade do acto em que se estriba a execução fiscal;

5 – A preterição do meio processual próprio determina a anulação do processado e convolação para os termos processuais adequados, quando possível;

6 – O Tribunal a quo, enquanto Tribunal Judicial, detém competência material para a apreciação da oposição à cobrança coerciva de fornecimento de serviços essenciais, mas já não para julgar a impugnação do acto de liquidação que informa o título executivo;

7 – Impugnação essa que seria o meio processual próprio a seguir, e para cuja apreciação o legislador reservou competência material à jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais;

8 – Tal incompetência absoluta constitui, pois, excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição da instância;

9 – Ao arrepio do imposto pelo art. 578.º do C.P.C., o Tribunal a quo não conheceu daquela excepção, incorrendo em omissão de pronúncia, nulidade prevista no n.º 1 do artigo 125.º do C.P.P.T. [e, não vá sem dizer-se, na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C.], que aqui expressamente se invoca;

10 – Ainda que assim não fosse, a sentença recorrida padece de outro vício de violação de lei, gerador de erro de julgamento, ao cominar a falta de contestação do Exequente com efeito cominatório pleno, e, julgando confessados os factos articulados pela Oponente, considerar operante a revelia do primeiro e postular que a mesma tem por inelutável consequência jurídica a procedência do pedido deduzido na oposição;

11 – A tanto se opõe, expressamente, a regra plasmada no n.º 6 do artigo 110.º, aplicável por remissão do artigo 211.º, n.º 1, ambos do CPPT;

12 – No caso dos autos, não existe amparo legal para a revelia operante, e, ainda que o Juiz disponha de liberdade para apreciar a falta de impugnação especificada dos factos, não decorre daí uma vinculação – dir-se-ia, tarifada, na esteira da tese da decisão recorrida – que imponha necessariamente a procedência da pretensão da Oponente;

13 – O que fica exposto clamará, então, na hipótese de sucumbir a matéria de excepção atrás suscitada, que se revogue a douta sentença sindicada, e se ordene a baixa dos autos para que, nada obstando, o Tribunal a quo conheça do mérito.

Questões a decidir:

- Nulidade da sentença recorrida;

- Consequências da falta de contestação.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

- Todos os alegados pela recorrida, por confissão do recorrente.

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Nulidade da sentença recorrida:

O recorrente sustenta que a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia (artigo 125.º, n.º 1, do CPPT), porquanto:

- Se verifica a nulidade processual de erro na forma de processo;

- O erro na forma de processo determina, em regra, a convolação no meio processual adequado;

- Porém, no caso dos autos, tal convolação tem repercussão ao nível da competência material do tribunal: o tribunal a quo, que é competente para a apreciação da oposição, deixa de o ser com a convolação desta para impugnação, passando essa competência a caber aos tribunais administrativos e fiscais;

- A incompetência absoluta constitui excepção dilatória, que determina a absolvição da instância;

- Sendo as excepções dilatórias de conhecimento oficioso, o tribunal a quo estava obrigado a conhecer da impropriedade do meio processual utilizado pela recorrida;

- Não o tendo feito, a sentença recorrida padece da referida nulidade.

O recorrente não tem razão.

Na sentença recorrida, o tribunal a quo decidiu, além do mais, que «O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. (…) Não há outras nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.» Portanto, ainda que de forma tabelar – o que é compreensível atendendo a que o recorrente não contestou e, por isso, não invocou as questões que suscita em sede de recurso –, o tribunal a quo pronunciou-se, quer sobre a competência em razão da matéria, quer sobre a existência de nulidades processuais. É quanto basta para impedir a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

Independentemente do que acabámos de referir, importa ponderar que o tribunal a quo, ao julgar que não se verificava qualquer nulidade de que lhe cumprisse conhecer, considerou – bem ou mal, é indiferente para a questão da nulidade da sentença recorrida – que o meio processual escolhido pela recorrida é o adequado. Daí que a questão da competência material do tribunal que decorreria da convolação da oposição em impugnação – também independentemente do acerto ou desacerto da tese que, a esse respeito, o recorrente sustenta – nem sequer se colocasse. A sua eventual repercussão em sede de competência do tribunal em razão da matéria não convola a questão do erro na forma de processo numa excepção dilatória de incompetência absoluta. Trata-se de questões distintas, logicamente ordenadas, pelo que, resolvida a primeira no sentido da inexistência de erro na forma de processo, a segunda não se coloca. Também por esta razão, a sentença recorrida não é nula por omissão de pronúncia sobre a excepção dilatória de incompetência absoluta.

Consequências da falta de contestação:

Com fundamento na falta de contestação por parte do recorrente, o tribunal a quo julgou provados os factos alegados pela recorrida.

O recorrente sustenta que, ao fazê-lo, o tribunal a quo cometeu um erro de julgamento, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 6, aplicável ex vi artigo 211.º, n.º 1, ambos do CPPT.

A recorrida, por seu turno, observa que a decisão mediante a qual o tribunal a quo julgou provados, por confissão, os factos alegados na petição inicial, não foi a sentença recorrida, mas sim o despacho que a precedeu, que ordenou a realização da notificação prevista no artigo 567.º, n.º 2, do CPC. Encontrando-se tal decisão transitada em julgado, não pode ser posta em causa, sob pena de ofensa de caso julgado.

Analisemos a questão.

O n.º 1 do artigo 211.º do CPPT, integrado na secção dedicada à oposição à execução fiscal e cuja epígrafe é «Processamento da oposição. Alegações. Sentença», estabelece que, cumprido o disposto no artigo 210.º (notificação da oposição ao representante da Fazenda Pública para contestar no prazo de 30 dias), seguir-se-á o que para o processo de impugnação se prescreve a seguir ao despacho liminar.

Um dos artigos abrangidos por esta remissão é o 110.º do CPPT, cujo n.º 6 estabelece que «A falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante.”

É, assim, evidente o erro em que o tribunal a quo laborou ao considerar que a falta de contestação determinou a confissão, pelo recorrente, dos factos alegados na petição inicial, julgando estes provados com tal fundamento. Em vez disso, o tribunal a quo devia ter apreciado a prova existente, eventualmente ordenado a prática das diligências probatórias que considerasse úteis e, por fim, proferido sentença, enunciando os factos provados e não provados e aplicando o direito.

A argumentação da recorrida que acima sintetizámos não colhe.

O n.º 1 do artigo 567.º do CPC, indevidamente aplicado pelo tribunal a quo, estabelece que, se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. O n.º 2 dispõe que, nessa hipótese, é concedido um prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito.

O sentido da declaração, no despacho que ordenou a realização da notificação prevista no artigo 567.º, n.º 2, do CPC, de que se consideravam confessados os factos alegados pela recorrida que se mostrassem susceptíveis de confissão, não pode ter deixado de ser o de fundamentar a ordem de realização daquela notificação. É esta ordem que constitui o verdadeiro dispositivo do despacho.

É na sentença que o tribunal decide quais são os factos provados e não provados, como dispõe o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC. E é da sentença que a parte que não se conformar com a decisão sobre a matéria de facto tem de recorrer, não do despacho proferido nos termos do n.º 2 do artigo 567.º, n.º 2, do CPC.

Sendo assim, a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto não se encontra transitada em julgado, podendo o recorrente impugná-la.

Tendo o tribunal a quo julgado erradamente confessados os factos alegados na petição inicial e nisso baseado a sua decisão, terá a sentença recorrida de ser revogada, para que aquele tribunal aprecie criticamente os meios de prova de que dispõe, ordene, se assim entender, as diligências probatórias que considerar necessárias e, em seguida, profira nova sentença, enunciando os factos provados e não provados e aplicando o direito.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se que o tribunal a quo aprecie criticamente os meios de prova de que dispõe, ordene, se assim entender, as diligências probatórias que considerar necessárias e, em seguida, profira nova sentença, enunciando os factos provados e não provados e aplicando o direito.

Custas a cargo da recorrida.

Notifique.

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Évora, 07.03.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.º adjunto)


terça-feira, 12 de março de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 07.03.2024

Processo n.º 82/20.9T8NIS.E1

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Sumário:

1 – Pedindo o senhorio a condenação do arrendatário a restituir-lhe o locado com fundamento na resolução do contrato de arrendamento florestal, está vedado, ao tribunal, julgar esse pedido procedente com fundamento no decurso do prazo de vigência do mesmo contrato, ainda que em momento anterior ao da resolução. Se o tribunal o fizer, a sentença padecerá da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do CPC.

2 – O tribunal ad quem deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão do tribunal a quo sobre determinado ponto da matéria de facto se a alteração pretendida pelo recorrente em nada o beneficiar.

3 – O ónus estabelecido no artigo 640.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. a), do CPC, não pode ser considerado cumprido se o recorrente indicar, em bloco, 48 minutos da gravação de determinado depoimento, sem mais.

4 – Nada obsta à cumulação das condenações do antigo arrendatário a pagar:

a) As rendas vencidas e não pagas até à data da resolução do contrato;

b) Juros de mora sobre a quantia referida em a);

c) Uma indemnização, correspondente ao dobro da renda estipulada, pelo tempo decorrido desde a data da resolução do contrato até à da restituição do locado;

d) Uma indemnização pelo corte de eucaliptos por si levada a cabo, no locado, após a resolução do contrato.

5 – A condenação em multa e indemnização à parte contrária por litigância de má-fé em determinado processo pressupõe que a conduta processual merecedora daquela qualificação ocorra nesse processo.

6 – Não faz sentido falar-se em litigância de má-fé numa notificação judicial avulsa. Quando muito, uma notificação judicial avulsa poderá ser utilizada como instrumento de uma litigância de má-fé em determinado processo.

*

Autor/Reconvindo/Recorrente:

- Mário Branco.

Réus/Reconvintes/Recorridos:

- Carlos Gomes;

- Bruno Gomes;

- Pedro Gomes.

Pedidos do autor:

A) Ser declarada nula ou anulada e sem nenhum efeito jurídico ou outro, a resolução do contrato de exploração florestal, efectuada ilícita e ilegalmente, através da notificação judicial avulsa identificada em C) infra, pelos aqui 1.º e 2.º RR e que os mesmos identificam in fine do seu escrito como: A.1.;

B) Serem declarados nulos ou anulados e sem nenhum efeito jurídico ou outro todos “os pedidos” efectuados pelos aqui 1.º e 2.º RR através da notificação judicial identificada em C) infra e que os mesmos identificaram in fine do seu escrito como: A.2. E A.3.;

Decorrentemente,

C) Ser declarada nula ou anulada e sem nenhum efeito jurídico ou outro, a notificação judicial avulsa de que o aqui A. foi objecto concretizada em 03/Setembro/2020 (aqui doc. 4);

D) Ser declarado que, o aqui A. não deve quaisquer montantes aos aqui 1.º, 2.º e 3.º RR, seja a que título ou natureza for; nomeadamente não deve quaisquer montantes a título de rendas, relativas aos acordos escritos/contrato de arrendamento florestal, constantes nos aqui docs. n.ºs 1 e 2;

E) Ser declarado que, as rendas relativas e decorrentes dos acordos escritos/contrato de arrendamento florestal, aqui docs. n.ºs 1 e 2, estão integralmente pagas até à renda que se vencer em 01/Julho/2021 (inclusivé);

F) Ser ainda declarado que, a renda que se vencer em 01/Julho/2022 está parcialmente paga, no valor de € 4.985,00, faltando apenas pagar €15,00, que devem ser pagos na data do vencimento da mesma (1/Julho/2022);

G) Condenação dos réus, por litigância de má-fé, em multa e indemnização.

Pedidos reconvencionais:

A) Deverão os acordos denominados “Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal”, subscrito pelo autor e pelo primeiro réu e sua mulher em 20 de Maio de 2015, e “Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal”, subscrito pelo autor e pelo primeiro réu e sua mulher em 1 de Março de 2016, ser anulados, declarando-se em consequência a aplicabilidade do contrato de arrendamento florestal de 1 de Dezembro de 2010 na sua versão original;

B) Mais deverá o acordo denominado “Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal”, subscrito pelo autor e pelo primeiro réu e sua mulher em 20 de Maio de 2015, ser declarado nulo, por simulação;

C) Caso não se entenda como peticionado em A e B, deverá pelo menos o acordo denominado “Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal”, subscrito pelo autor e pelo primeiro réu e sua mulher em 20 de maio de 2015 ser declarado revogado e substituído, com efeitos imediatos, pelo acordo denominado “Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal”, subscrito pelos mesmos em 1 de Março de 2016, nomeadamente no que se refere à renda contratualmente estipulada e ao prazo do arrendamento;

D) Deverá a reconvenção ser declarada procedente por provada e em consequência:

(i) Ser declarada a resolução válida e eficaz do contrato de arrendamento florestal celebrado entre o primeiro réu e sua mulher em 1 de Dezembro de 2010;

(ii) Ser declarado o dever de restituição do imóvel arrendado ao ora primeiro réu desde o dia 3 de Setembro de 2020, e ordenado o seu despejo, condenando-se o autor a devolvê-lo ao primeiro réu, representado pelo seu acompanhante ora segundo réu, totalmente devoluto e livre de pessoas e bens;

(iii) Ser declarado que o autor não podia praticar quaisquer actos permitidos pelo contrato de arrendamento florestal, em particular os previstos nas suas cláusulas 5.ª e 7.ª desde o dia 3 de Setembro de 2020, e ser condenado o autor a abster-se de praticar tais actos, nomeadamente qualquer corte de árvores;

(iv) Ser condenado o autor a pagar ao primeiro réu a quantia de € 68.572,00 – ou, caso se considere aplicável o acordo denominado “Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal” subscrito em 1 de Março de 2016, a quantia de € 68.000,00, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4% ao ano desde as datas de vencimento de cada uma das rendas anuais de 2017, 2018, 2019 e 2020, até integral pagamento;

(v) Ser condenado o autor a pagar ao primeiro réu o valor anual correspondente ao dobro da renda contratual, calculado em termos proporcionais ao tempo que decorrer desde 3 de Setembro de 2020 até à restituição efectiva do arrendado, e que actualmente se computa em € 14.090.14  (ou € 13.972,60  caso se considere aplicável o valor de renda anual de € 17.000,00  referido no acordo de alteração subscrito em 1 de Março de 2016).

E – Deverá o autor ser condenado como litigante de má fé, nos termos do art. 542.º, n.º 2, alínea b) do CPC, no pagamento de multa e no reembolso de todas as despesas dos réus com o presente processo, inclusivamente os honorários a mandatário, a liquidar em momento posterior, de acordo com o disposto no art. 543.º, n.º 1, do CPC;

F) Deverá o autor ser condenado, em acréscimo ao já peticionado pelos réus/reconvintes, a pagar-lhes o valor, com crescimento completo, de todos eucaliptos por si cortados na propriedade do réu Carlos Gomes após a resolução do contrato de arrendamento, a liquidar em momento posterior, nos temos do art. 556.º, n.º 1, alínea b), do CPC, e do art. 559.º do Código Civil;

G) Deverão ser declarados inválidos e anulados quaisquer acordos de pagamento de valores de manutenção e limpeza do terreno, tais como os referidos nos artigos 14º e 21º da petição inicial, para o caso de algum vir a considerar-se demonstrado.

Sentença recorrida:

A) Julgou totalmente improcedentes os pedidos formulados pelo autor e, em consequência, absolveu os réus dos mesmos;

B) Anulou os acordos denominados «Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal», datado de 20 de Maio de 2015, e «Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal», datado de 1 de Março de 2016;

C) Julgou totalmente procedentes os pedidos reconvencionais e, em consequência:

1) Declarou o dever de restituição do imóvel arrendado ao 1.º réu, verificado desde o dia 3 de Setembro de 2020, e condenou o reconvindo a entregar o imóvel arrendado ao 1.º réu, livre e devoluto de pessoas e bens;

2) Condenou o reconvindo a pagar aos reconvintes a quantia global de € 68.572,00, relativo ao valor das rendas respeitantes aos anos de 2017 a 2020, acrescido do valor dos juros de mora, contados desde a respectiva data de vencimento (1 de Julho de cada ano), à taxa de 4%;

3) Condenou o reconvindo a pagar aos reconvintes o valor anual correspondente ao dobro da renda contratual, que perfaz a quantia de 34.286,00, calculado em tempos proporcionais ao tempo que decorrer desde 3 de Setembro de 2020 até à restituição efectiva do imóvel arrendado;

4) Condenou o reconvindo a pagar aos reconvintes o valor correspondente aos eucaliptos por este cortados no imóvel em causa, após 3 de Setembro de 2020, a ser posteriormente liquidado em sede de liquidação de sentença, nos termos do disposto nos arts. 358.º e 609.º, n.º 2, do CPC;

d) Condenou o autor, como litigante de má-fé, ao pagamento de uma multa de 50 UC, a que corresponde a quantia de € 5.100,00, bem como ao pagamento aos réus de uma indemnização a fixar posteriormente, nos termos do disposto no art. 543.º, n.º 3, do CPC.

Conclusões do recurso:

(…)

Conclusões do requerimento de ampliação do objecto do recurso:

(…)

Questões a decidir:

1 – Nulidade da sentença recorrida;

2 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

3 – Tempestividade e fundamento da arguição da invalidade da adenda ao contrato de arrendamento celebrada em 20.05.2015;

4 – Valor jurídico da alteração ao contrato de arrendamento datada de 01.03.2016;

5 – Validade e eficácia da resolução do contrato de arrendamento;

6 – Condenação do recorrente no pagamento do valor dos eucaliptos cortados após 03.09.2020;

7 – Condenação do recorrente por litigância de má-fé;

8 – Condenação dos recorridos por litigância de má-fé.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1. Por via da AP. 2 de 05.02.1985, encontra-se registada a aquisição do direito de propriedade, por partilha da herança, do imóvel misto, denominado «Herdade da Tapada», descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…), e inscrito na matriz sob os artigos (…), (…) e (…), em nome de David Gomes e do 1.º réu.

2. No âmbito da acção de divisão de coisa comum n.º 93/04.1TBNIS, relativa ao imóvel identificado em 1), que correu termos no Tribunal Judicial de Nisa – Secção Única, foi homologada por sentença transitada em julgada a adjudicação da parcela A aos ali requerentes Carmen Gomes e 1.º réu, correspondente a uma área total de 120,671h e, por outro lado, a parcela B aos requeridos Maria João Gomes, Etelvina Gomes, Vânia Gomes e Albertina Gomes.

3. O 1.º réu e Carmen Gomes, falecida em 13 de Setembro de 2019, contraíram casamento católico em 06.02.1972, no regime de comunhão de adquiridos.

4. O 1.º réu e Carmen Gomes, na qualidade de senhorios, e o autor, na qualidade de arrendatário, subscreveram o documento escrito, denominado «Contrato de Arrendamento Florestal», datado de 01.12.2010.

5. O referido documento escrito apresenta a seguinte redacção:

«CONTRATO DE ARRENDAMENTO FLORESTAL CONTRAENTES

1ºs - CARLOS GOMES e mulher CARMEN GOMES, casados na comunhão de adquiridos, contribuintes fiscais números (…) e (…), respectivamente, residentes no (…), em Lisboa, como primeiros Outorgantes, adiante designados Senhorios

- MÁRIO BRANCO, casado, contribuinte fiscal n° (…), residente em Rua (…), Tolosa, como Arrendatário

O 1° Outorgante marido é proprietário do prédio rústico, denominado "Tapada", sito em Tolosa, inscrito na matriz sob o Art°. (…) da Freguesia de Tolosa, Concelho de Nisa.

O referido Prédio é composto por eucaliptal, pasto e sobreiros.

Os Senhorios pretendem ceder a exploração da zona de eucaliptal, de pasto bem como a exploração cinegética do mesmo, reservando a gestão do resto das valências do prédio.

As partes celebram, de forma livre e consciente, o presente CONTRATO DE ARRENDAMENTO FLORESTAL, que se rege nos termos das cláusulas seguintes:

1 . Pelo presente contrato os Senhorios dão ao Arrendatário em regime de arrendamento florestal, livre de quaisquer ónus ou encargos, 98,81 Hectares do Prédio Rústico identificado no preâmbulo, área identificada na Planta anexa coma a Letra A

2 . O arrendamento a constituir destina-se á exploração do eucaliptal, exploração cinegética e da zona de pasto, não abrangendo a exploração ou disposição da zona de sobreiros.

1 . O presente contrato tem início em 1 de Dezembro de 2010, com o prazo de sete anos, não renováveis, salvo acordo expresso das partes nesse sentido.

2 . O Arrendatário tomará posse do arrendado no dia da assinatura do presente contrato, podendo dar início ás iniciativas necessárias aos fins da exploração cedida pelo presente contrato.

3 . No final do sexto ano, o Arrendatário poderá fazer cessar o contrato por meio de carta registada, remetida com uma antecedência não inferior a seis meses sobra a data em que a cessação tenha efeitos.

1 . O Arrendatário não pode, sem prévio e expresso consentimento dos Senhorios, alterar a ocupação de eucaliptal que o prédio regista presentemente;

2 . O Arrendatário não pode alterar, sem prévio e expresso consentimento dos Senhorios, o tipo de ocupação que o prédio actualmente regista nas suas diversas zonas;

3 . Ficam expressamente excluídos do presente arrendamento quaisquer actos de disposição ou exploração relativos aos sobreiros existentes no prédio;

4 . O arrendatário obriga-se a autorizar e não obstruir ou dificultar de qualquer modo os actos que se revelem necessários á normal exploração, gestão e manutenção dos sobreiros existentes no prédio;

1 . A Renda anual é de 17.143,00€ (Dezassete mil cento e quarenta e três euros) e será paga, a primeira na data de assinatura do presente contrato e as seguintes no dia 01 de Julho de cada ano.

1 . O Arrendatário poderá efectuar o corte de eucaliptos durante e vigência do presente contrato.

O Arrendatário obriga-se a fazer um uso prudente do prédio em questão, comprometendo-se nomeadamente a:

a) – Conservar as características do terreno existentes à data de início do presente contrato.

b) – Proceder a uma utilização cuidada e coerente do solo, fazendo uso de «práticas adequadas de exploração, de forma a manter o mesmo em bom estado de conservação.

1 . São da exclusiva responsabilidade do Arrendatário, todas as obras de beneficiação e manutenção, sendo repartidas entre ambos as despesas inerentes ás mesmas, na proporção que vier a ser acordada.

2 . As benfeitorias efectuadas durante a vigência do presente contrato, serão consideradas parte integrante do prédio em questão, não tendo o Arrendatário qualquer direito a retenção ou indemnização, seja a que título for, incluindo o de diminuição da renda, pelas mesmas.

3. O Arrendatário pode apresentar propostas ou pedidos de atribuição de subsídios ou qualquer vantagem inerente á posse e exploração do prédio arrendado, sem prévia autorização dos Senhorios, fazendo suas todas as quantias e vantagens recebidas no âmbito dos mesmos.

1. Todas as questões existentes previamente á assinatura do presente contrato são da exclusiva responsabilidade dos Senhorios.

2 . Quando, no prédio arrendado, por causas imprevisíveis c anormais, nomeadamente intempéries, incêndios e inundações, resultarem danos. estes são da exclusiva responsabilidade do Arrendatário.

O Arrendatário obriga-se a, no termo do presente contrato, entregar o prédio em bom estado de conservação e limpeza.

10ª

O Arrendatário não pode subarrendar, sublocar. emprestar ou ceder por qualquer forma os direitos de arrendamento, no todo ou em parte, sem o consentimento expresso e por escrito dos Senhorios.

11ª

1. As partes convencionam como domicílios relevantes para todos os efeitos legais e contratuais os constantes no introito do presente contrato.

2 . Qualquer alteração dos domicílios deverá ser objecto de comunicação á outra parte com antecedência mínima de quinze dias, sob pena de não ser oponível a não recepção de qualquer comunicação com base na alteração de morada;

3 . Para dirimir qualquer litígio emergente da interpretação, discussão, aplicação ou incumprimento do presente contrato, será competente o Tribunal Judicial de Nisa;

4 . Qualquer alteração ao presente contrato deverá revestir a forma escrita e apenas será válida depois de assinadas pelas partes outorgantes.

12ª

Os Senhorios podem pedir a resolução do contrato no caso do Arrendatário:

a) Não pagar a renda no tempo e lugar próprio, nem fizer o pagamento nos termos previstos;

b) Faltar ao cumprimento de alguma obrigação legal ou contratual com prejuízo grave para a produtividade, substancia ou função económica e social do prédio;

c) Usar o prédio para fins diferentes do estipulado no contrato;

d) Não velar pela boa conservação dos bens ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objecto do presente contrato, existam no arrendado;

c) Sublocar ou comodatar, total ou parcialmente, o prédio arrendado, ou ceder a sua posição contratual.

13ª

Em tudo o que estiver omisso, regulam as disposições legais aplicáveis, nomeadamente Decreto Lei nº 294/2009 de 13 de Outubro.

14ª

Este contrato com a planta do prédio anexa, que dele faz parte integrante, é lavrado em três cópias, ficando cada uma das partes na posse de um exemplar, destinando-se o outro a ser entregue pelos Senhorios á Direcção Geral das Contribuições e Impostos - Serviço de Finanças de Nisa.

15ª

Todas as questões relacionadas com o presente contrato, posteriores á sua assinatura, só serão consideradas válidas se reduzidas a escrito e enviadas para as moradas constantes do contrato mediante carta registada.

16ª

A existência de quaisquer circunstâncias impeditivas do cumprimento do presente contrato, prévias á sua assinatura, obrigam a parte que lhe deu origem a indemnizar a outra parte pelos prejuízos sofridos e devidamente comprovados.

A Primeira Outorgante mulher dá a seu marido o necessário consentimento à celebração do presente contrato.

Tolosa, 1 de Dezembro de 2010»

6. O referido acordo foi apresentado junto da Repartição de Finanças de Nisa em 29.10.2010.

7. O 1.º réu e Carmen Gomes, na qualidade de senhorios, e o autor, na qualidade de arrendatário subscreveram o documento escrito, denominado «Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal», datado de 20.05.2015.

8. O documento a que se alude no número anterior apresenta a seguinte redacção:

«ADENDA A CONTRATO DE ARRENDAMENTO FLORESTAL CONTRAENTES

1ºs - CARLOS GOMES e mulher CARMEN GOMES, casados na comunhão de adquiridos, contribuintes fiscais números (…) e (…), respectivamente, residentes no (…), em Lisboa, como primeiros Outorgantes, adiante designados Senhorios

- MÁRIO BRANCO, casado, contribuinte fiscal n° (…), residente em Rua (…), nº (…), Tolosa, como Arrendatário

Os Outorgantes acordam na alteração do Contrato de Arrendamento Florestal celebrado em 01.12.2010. o qual passa a ter a seguinte redacção:

Os 1°s Outorgantes são proprietários do prédio rústico, denominado " Tapada ", sito em Tolosa, inscrito na matriz sob o Art°. (…) da Freguesia de Tolosa, Concelho de Nisa.

O referido Prédio é composto por eucaliptal, pasto e sobreiros.

Os senhorios pretendem ceder a exploração do referido prédio nomeadamente nas sua vertentes agrícola e florestal com a exploração de pastagem, eucaliptal, azinheiras e sobreiros.

1. Pelo presente contrato os Senhorios dão ao Arrendatário em regime de arrendamento rural, livre de quaisquer ónus ou encargos a parte da Herdade da Tapada que lhes pertence; área identificada na Planta anexa com a Letra A.

2. O arrendamento a constituir destina-se á exploração do eucaliptal, exploração cinegética e zona de pasto, bem como da zona de sobreiros e azinheiras.

1. O presente contrato tem início em 01 de Julho de 2010 com prazo de 35 anos, não renováveis, salvo acordo expresso das partes nesse sentido.

2. O Arrendatário tomará posse do arrendado no dia da assinatura do presente contrato, podendo dar início ás iniciativas necessárias aos fins da exploração cedida pelo presente contrato.

1. O Arrendatário pode alterar, sem prévio e expresso consentimento dos senhorios, a ocupação de eucaliptal que o prédio regista presentemente.

2. O Arrendatário pode alterar, sem prévio e expresso consentimento dos Senhorios o tipo de ocupação que o prédio actualmente regista nas suas diversas zonas;

3. O Arrendatário fica desde já autorizado á prática de todos os actos que se revelem necessários á normal exploração, gestão e manutenção dos sobreiros e azinheiras existentes no prédio.

1. A Renda anual é de 5.000,00€ (Cinco mil euros).

1. O Arrendatário poderá efectuar o corte de eucaliptos durante e vigência do presente Contrato.

O Arrendatário obriga-se a fazer um uso prudente do prédio em questão, comprometendo-se nomeadamente a proceder a uma utilização cuidada e coerente do solo, fazendo uso de «práticas adequadas de exploração» de forma a manter o mesmo em bom estado de conservação.

1 . São da exclusiva responsabilidade do Arrendatário, todas as obras de beneficiação e manutenção, incluindo as que venham a ser efectuadas nos prédios urbanos existentes no arrendado, sendo repartidas entre ambas as despesas inerentes ás mesmas, na proporção que vier a ser acordada.

2 . As benfeitorias efectuadas durante a vigência do presente contrato, serão consideradas parte integrante do prédio em questão, não tendo o Arrendatário qualquer direito a retenção ou indemnização, seja a que titulo for, incluindo o de diminuição da renda, pelas mesma, á excepção das realizadas nos prédios urbanos bem como nas referentes a cercas e vedações.

3. O Arrendatário pode apresentar propostas ou pedidos de atribuição de subsídios ou qualquer vantagem inerente á posse e exploração do prédio arrendado, sem prévia autorização dos Senhorios, fazendo suas todas as quantias e vantagens recebidas no âmbito dos mesmos.

1. Todas as questões existentes previamente à assinatura do presente contrato são da exclusiva responsabilidade dos Senhorios.

2 . Quando, no prédio arrendado, por causa imprevisíveis e anormais, nomeadamente intempéries, incêndios e inundações, resultarem danos, estes são da exclusiva responsabilidade do Arrendatário.

O Arrendatário obriga-se a, no termo do presente contrato, entregar o prédio em bom estado de conservação e limpeza.

10ª

1 . As partes convencionam como domicílios relevantes para todos os efeitos legais e contratuais os constantes no introito do presente contrato.

2. Qualquer alteração dos domicílios deverá ser objecto de comunicação á outra parte, com antecedência mínima de quinze dias, sob pena de não ser oponível a não recepção de qualquer comunicação com base na alteração de morada;

3. Para dirimir qualquer litígio emergente da interpretação discussão, aplicação ou incumprimento do presente contrato, será competente o Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre;

4. Qualquer alteração ao presente contrato deverá revestir a forma escrita e apenas será válida depois de assinadas pelas partes outorgantes.

11ª

Os Senhorios podem pedir a resolução do contrato no caso de Arrendatário:

a)Não pagar a renda no tempo e lugar próprio, nem fizer o pagamento nos termos previstos;

b) Faltar ao cumprimento de alguma obrigação legal ou contratual com prejuízo grave para a produtividade, substancia ou função económica e social do prédio.

c) Usar o prédio para fins diferentes do estipulado no contrato.

d) Não velar pela boa conservação dos bens ou causa de prejuízos graves nos que não sendo objecto do presente contrato, existam no arrendado.

12ª

Em tudo o que estiver omisso, regulam as disposições legais aplicáveis, nomeadamente Decreto Lei nº 294/2009 de 13 de Outubro.

13ª

Esta alteração ao contrato de arrendamento florestal celebrado em 01.12.20 com a planta do prédio anexa, que dele faz parte integrante, é lavrada em três cópias, ficando cada uma das partes na posse de um exemplar e a outra para entrega no Serviço de Finanças de Nisa.

14ª

Todas as questões relacionadas com o presente contrato, posteriores á sua assinatura, só serão consideradas válidas se reduzidas a escrito e enviadas para as moradas constantes do contrato mediante carta registada.

15ª

A existência de quaisquer circunstâncias impeditivas do cumprimento do presente contrato, prévias á sua assinatura, obrigam a parte que lhe deu origem a indemnizar a outra parte pelos prejuízos sofridos e devidamente comprovados.

Tolosa, 20 de Maio de 2015»

9. O acordo mencionado em 4) foi apresentado junto da Repartição de Finanças de Nisa em 26.05.2015.

10. Por via da notificação judicial avulsa, que correu ternos sob o n.º 55/20.1T8NIS, no Juízo de Competência Genérica de Nisa – Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, realizada em 03.09.2020, o 1.º réu, representado pelo 2.º réu, comunicou ao autor o seguinte:

«1º

O aqui requerente é maior acompanhado, processo que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Cível – 12, Processo 35814/15.8T8LSB, tendo sido designado acompanhante do mesmo o seu filho Bruno Gomes, conforme Sentença proferida nos aludidos autos, que se junta como Doc. 1.

Acompanhamento que se encontra já devidamente transcrito na certidão de nascimento que se junta como Doc. 2.

Em 01 de Dezembro de 2010 entre o requerente e o notificando foi celebrado o contrato de arrendamento florestal que aqui se junta como Doc. nº 3, tendo por objecto a parcela identificada na clausula 1ª do mesmo contrato.

Tendo a mãe do requerente, entretanto falecido, dado o seu conhecimento.

Entre outras cláusulas, foi acordada a renda anual de €17.143,00 (dezassete mil cento e quarenta e três Euros) a pagar no dia 01 de Julho de cada ano.

A partir de 2012 o estado de saúde do pai do acompanhado deteriorou-se, sobretudo nos seus aspetos psicológicos, vindo progressivamente a revelar-se incapaz de reger a sua pessoa e os seus bens, culminando com o decretar da providência de acompanhamento.

Tudo do conhecimento do notificando que, inclusivamente, foi indicado como testemunha no processo em causa.

O notificando não pagou as rendas contratuais vencidas em 01 de Julho de 2017, 01 de Julho de 2018, 01 de Julho de 2019 e 01 de Julho de 2020.

Nesta data é o notificando devedor ao requerente de €68.572,00 (sessenta e oito mil quinhentos e setenta e dois euros) sem prejuízo dos juros entretanto vencidos e vincendos desde a data do vencimento de cada uma das prestações até seu efetivo pagamento.

10º

Nos termos da alínea a) da cláusula 12ª do contrato, o senhorio pode fazer operar a resolução do contrato se o inquilino não pagar a renda no tempo e lugar próprio, nem fizer os pagamentos nos termos previstos.

11º

Pelo que, nos termos da referida cláusula e legislação aplicável o requerente dá por resolvido o contrato com fundamento no incumprimento do inquilino – não pagamento da renda no tempo e modo devidos- a partir da data da efectivação da presente notificação, devendo o notificando entregar, de imediato, livre e devoluto, o prédio objeto do arrendamento.

12º

Bem como, deve pagar ao requerente a importância a si devida de €68.572,00.

13º

Devendo, a partir da data de efetivação da aqui requerida notificação, abster-se da prática de qualquer ato consentido contratualmente, se o mesmo estivesse em vigor, e, designadamente, os previstos nos artigos 5º (corte de eucaliptos) e 7º (levantamento de qualquer benfeitoria realizada, que faz parte integrante do prédio), sob pena de o requerente vir a exigir-lhe a respectiva indemnização.

Nestes termos e nos mais de direito, que V.Exa doutamente suprirá se requer a V.Exa:

A – Se digne ordenar, a notificação judicial avulsa de MÁRIO BRANCO, casado, residente na Rua (…), TOLOSA, levando-se ao seu conhecimento, através da entrega da cópia do presente requerimento e documentos juntos.

A. 1. Que o senhorio, designadamente acompanhado pelo seu filho Bruno Gomes, dá por resolvido, com efeitos imediatos o contrato de exploração florestal celebrado entre as partes em 1 de Dezembro de 2010;

A. 2. Que deve o mesmo entregar o prédio objeto do contrato, livre e devoluto, ao seu proprietário, na pessoa do acompanhante seu filho, com efeitos imediatos, após efectuada a presente notificação.

A. 3. Devendo ainda abster-se da prática de qualquer ato consentido contratualmente, designadamente os previstos nos artigos 5º e 7º do contrato.»

11. Em Maio de 2010, o autor procedeu à limpeza do imóvel acima referido, uma vez que a vegetação lá existente atingia uma altura de 3 metros, o que gerava um elevado risco de incêndio e impossibilitava a circulação pela propriedade em causa.

12. O autor continuou a fazer a limpeza do prédio em causa até à presente data.

13. Aquando da realização do acordo mencionado em 5), estava para breve o corte de eucaliptos e consequente venda dos mesmos por parte do autor.

14. Em 2003, a propriedade em causa foi afectada por um incêndio.

15. O autor procedeu ao corte e venda de eucalipto durante os anos de 2013, 2014 e início de 2015.

16. A partir do início do ano de 2015, o autor apenas usava a propriedade em causa para pasto de animais.

17. De modo a evitar potenciais fogos na propriedade e manter o crescimento floresta adequado, respeitando as necessidades ambientais da propriedade e por forma a mesma estar sempre limpa e adequadamente tratada, a propriedade em causa necessita de trabalho maquinal e humano (durante um período de tempo não concretamente apurado), com máquinas apropriadas, designadamente para limpeza de matos, selecção de rebentos, lavrar aceiros, manter caminhos limpos e sem mato, bem como proceder a adubação.

18. O exposto em 17) acarreta custos com aquisição de combustível, adubo e pagamento de mão de obra em valor não concretamente apurado.

19. O eucaliptal existente na propriedade em causa tem mais de 50 anos de idade e está apto a produzir rendimento decorrente do corte e venda de madeira sensivelmente 10/12 anos em 10/12 anos.

20. O autor emitiu em nome do 1.º réu e de Carmen Gomes as facturas n.º 77 (datada de 19-12-2010) e n.º 83 (datada de 18-12-2011).

21. O 1.º réu e Carmen Gomes assinaram as referidas facturas.

22. O acordado em 5) não abrangia uma área de 14h, conhecida como a «Horta», na qual a família dos réus sempre cultivou produtos para consumo próprio familiar, composta, além do mais, por pomares de árvores de fruto.

23. Por sentença de 20 de Novembro de 2019, proferida pelo Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 2, no âmbito do processo n.º 35814/15.8T8LSB, transitada em julgado, o 1.º réu foi declarado maior acompanhado, em regime de representação geral pelo seu acompanhante, com início da respectiva incapacidade em data não apurada de 2012/2013, momento do agravamento do seu estado de saúde.

24. Ainda no âmbito daquele processo, o 2.º réu foi nomeado como acompanhante do 1.º réu, e o 3.º réu foi nomeado como acompanhante substituto.

25. Através da decisão judicial supra referida foram atribuídos ao acompanhante os deveres, relativos ao 1.º réu, de «velar pelo seu bem-estar pessoal e patrimonial e cuidados de saúde, mantendo as consultas regulares e tratamento medicamentoso e ou psicológico ao mesmo medicamente prescrito e ou que o venha a ser, no futuro, não podendo o requerido, em sede de direitos pessoais, decidir sobre quanto a aceitar ou não tratamentos médicos/psicológicos ao mesmo propostos/prescritos, quanto à fixação da sua residência/domicílio, nem quanto à decisão de viajar, em Portugal ou no estrangeiro».

26. Até ao Verão de 2017, o 1.º réu viveu com o seu cônjuge numa moradia sita em Lisboa, no (…).

27. A Sra. Dra. (…) emitiu um relatório médico, datado de 5 de Janeiro de 2001, relativo ao 1.º réu, com o seguinte teor:

«(…), médica psiquiatra e Professora de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Lisboa, portadora da CP nº (…), atesta o seguinte sobre a situação clínica do Sr. Dr. Carlos Gomes, de 61 anos de idade:

1) Este senhor tem uma história psiquiátrica iniciada em Maio de 1998, sendo por mim assistido desde 19/09/00 e anteriormente pelo colega Dr. (…).

Em Maio de 1988 ocorre um episódio clinicamente típico e intenso de mania, tendo então sido internado no Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria; veio a recuperar mas em Novembro de 1999, há novo episódio maníaco, seguindo-se uma fase de instabilidade, com períodos abertamente depressivos (configurando verdadeiros episódios depressivos major, “com “melancolia) e outros com sintomatologia residual, tanto depressiva como maniforme; face a esta história psiquiátrica, o diagnóstico de “perturbação bipolar tipo I” (F31), segundo o ICD-10, afigura-se inequívoco.

Entretanto foram clinicamente notados sinais de declínio cognitivo e, em Maio de 2000, uma RM cerebral evidenciou uma atrofia cortical difusa de grau moderado; além do tratamento psicofarmacológico para a doença afectiva (cf. Adiante), o doente viria ser medicado com donezepil (“Aricpet”).

2) Quando consultei o doente pela primeira vez, em Setembro de 2000, o quadro psicopatológico era predominantemente depressivo, com sintomas endogenomorfos ou melancólicos, incluindo tristeza vitalizada, inibição psicomotora, ideias e sentimentos de autoculpabilidade e anedonia marcada; eram também aparentes sinais clínicos de organicidade cerebral, sendo problemática a sua exacta valorização dado o contexto depressivo. Foi dada continuidade ao tratamento com sais de lítio e “Aricept”, associando-se amitriptilina e olanzapina.

Foi entretanto requisitado um exame neuropsicológico, que veio a ser realizado pela Profª (…) em 9.11.2000; esse exame confirmou objectivamente um processo de declínio mnésico, compatível com o início de uma doença demencial; em concreto, escreve a Profª (…): “apesar de no momento não existir um quadro de demência estabelecido, parece-me não ser de colocar de parte a hipótese de ma evolução no sentido de demência de tipo frontal “; foi sugerido “ follow up “neuropsicológico”.

3) O doente tem continuado em tratamento (com ajustamentos pontuais do esquema terapêutico) sem que seja reconhecível uma melhoria clínica significativa; terá eventualmente ocorrido algum alívio das queixas da linha depressiva, mas o estado psicopatológico (tanto afectivo como provavelmente de demencial) compromete drasticamente a capacidade de desempenho, mesmo no que diz respeito a actividades instrumentais do dia-a-dia.

4) Face aos elementos clínicos apurados, entendemos que tanto a doença bipolar, que se tem revelado pouco acessível aos tratamentos e com evolução no sentido da cronicidade, como a comorbilidade neurológica por provável processo demencial, incapacitam o doente, de forma definitiva e completa, para o exercício de qualquer actividade profissional.»

28. Entre Maio de 2004 e Fevereiro de 2005, o 1.º réu foi submetido, após episódio maníaco, a acompanhamento clínico no Instituto de Invstigaziones Neuropsiquiatricas Dr. Lopes-Ibor, em Madrid, sendo referido no relatório de alta, a existência de consumo de álcool, irritabilidade e agressividade verbal em casa, comportamentos desconexos e gastos excessivos, tendo-lhe sida prescrita terapêutica com: tiapride, carbonato de lítio, clometiazol, ziprasidona e bromacepam.

29. No início do ano de 2005, o 1.º réu sofreu um enfarte de miocárdio, tendo sido tratado, inicialmente, no Hospital Fernando Fonseca e, após, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.

30. Em 10.12.2013, a propósito de uma viagem realizada ao Brasil pelo 1.º réu e Carmen Gomes, Jair Tadeu enviou uma mensagem de correio electrónico aos 2.º e 3.º réus, seus primos, no âmbito da qual lhes comunicava o seguinte:

«Bem, estamos aqui a cuidar deles, mas percebemos que realmente a coisa é muito séria, principalmente com sua mãe, pois ela não ouve ninguém, bebe o tempo todo, na frente dos outros (ou escondido) e se alguém a repreende pelo fato de ter pedido ou comprado mais alguma bebida ou estar fumando ela já fica brava e começa a discussão e não conseguimos convencê-la de que está passando dos limites.»

31. De igual modo, em 10-12-2013, a propósito da aludida viagem, Jair Tadeu enviou uma mensagem de correio electrónico aos 2.º e 3.º réus, seus primos, no âmbito da qual lhes comunicava o seguinte:

«Já tínhamos visto a tia com problemas outras vezes, mas essa vez tem sido especialmente chocante…e trabalhoso.

A tia e o tio simplesmente não tem mais condições de estarem sozinho. Além de tratamento (internamento ou seja o que for), CLARAMENTE não conseguem mais gerir as próprias vidas de maneira minimamente satisfatória (…)

Mas..aqui no Brasil eles se demonstram inaptos a gerir uma simples viagem. (perceba que eles perderam um voo em Portugal…e no voo seguinte, se perderam aqui 2 vezes).

Não pensam em mais nada que não seja a bebida.

Eles chegam a se esconder para beber…a tia se esconde…e o tio serve de escudo.»

32. A Sra. Dra. (…), Professora da Faculdade de Medicina de Lisboa e Especialista em Psiquiatria, emitiu um relatório médico, relativo ao 1.º réu, datado de 14.05.2014, com o seguinte teor:

«Carlos Gomes está em tratamento psiquiátrico desde há mais de 18 anos com uma doença Bipolar. Tem evoluído para um quadro de défice cognitivo (nomeadamente na memória de fixação e de evocação), com períodos (?) confusionais (durante os quais se desorienta no espaço e no tempo). Somos de parecer que a sua capacidade de testemunho está muito reduzida.»

33. Em 2015 o Primeiro Réu tomava a seguinte medicação, prescrita pela psiquiatra Drª (…): Risperidona; Lítio; Pentoxifilina e Escitalopram.

34. O 1.º réu exerceu as funções de director comercial e encontrava-se reformado por invalidez.

35. Em 2015, o 1.º réu fumava mais de um maço de tabaco por dia.

36. Também durante o ano de 2015, o 1.º réu consumia diariamente e muitas vezes em grande quantidade, bebidas alcoólicas e, concretamente, whisky, sempre tendo tido hábitos de consumo excessivo de tal tipo de bebidas, sendo tal consumo concomitante com a toma da medicação ao mesmo prescrita.

37. A partir de, pelo menos, o ano de 2013, o 1.º réu começou a não cuidar da sua higiene nem imagem, andando sempre com roupas velhas e não tomando banho com frequência.

38. O 1.º réu adormecia, com frequência e com o cigarro aceso na mão, no sofá da sala da casa onde habitava com a sua mulher.

39. Por vezes, o 1.º réu fazia as suas necessidades fisiológicas no chão da sala.

40. O 1.º réu e sua mulher tinham uma empregada doméstica na sua habitação em Lisboa, a qual tinha de insistir para que os mesmos se alimentassem e se lavassem.

41. Enquanto o 1.º réu e a sua esposa Carmen Gomes habitaram a aludida residência em Lisboa, a mesma era sistematicamente frequentada por pessoas que o 1.º réu e mulher tinham conhecido ocasionalmente e, muitas vezes, no café.

42. O 1.º réu e Carmen Gomes não se preocupavam com o pagamento dos serviços essenciais prestados à sua residência, sendo parte dos mesmos pagos por débito directo.

43. O pagamento do fornecimento de água à habitação do 1.º réu e sua mulher Carmen Gomes não era, inicialmente, feito por débito em conta e, por isso, o mesmo chegou a ser cortado, por falta de pagamento.

44. O 1.º réu e sua mulher, enquanto viveram na sua habitação em Lisboa, entregavam, por vezes, o cartão de débito a empregadas domésticas e ou em cafés, com o referido código pin para efectuar pagamento e compras.

45. O 1.º réu chegou a entregar à empregada doméstica, para comprar fruta, € 40,00 e € 60,00 e não se preocupava com a restituição ou não do troco.

46. O 1.º réu e a sua mulher perderam por diversas vezes – pelo menos três – e até ao Verão de 2017, os cartões bancários dos mesmos.

47. Carmen Gomes era médica, e mesmo depois de ter deixado de exercer e ter adquirido hábitos de consumo excessivo de álcool, e já tendo perdido as faculdades mentais e a consciência necessária para qualquer exercício da medicina, automedicava-se, bem como ao seu marido, recusando muitas vezes, por ter sido médica, que qualquer deles fosse a um médico, ou protelando as necessárias idas ao médico.

48. Com data de 25.07.2016, a Prof. Dra. (…), Professora Catedrática de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Medicina de Lisboa, emitiu relatório médico-psicológico relativo ao ora Primeiro Réu, do qual fez constar o seguinte:

«Carlos Gomes, de 77 anos de idade, director comercial aposentado, sofre duma “Pertubação Afectiva Bipolar” (F 30 – CID10), com o sub-tipo “Bipolar Tipo 1”. A sua doença caracteriza-se pela alternância de episódios de depressão do humor com episódios de exaltação e de euforia. Está a ser acompanhado em tratamento psiquiátrico, desde há mais de vinte anos tendo iniciado tratamento na minha consulta de ambulatório a 3/11/2005. Anteriormente a esta data tinha tido dois internamentos psiquiátricos – no Hospital de Santa Maria por episódio depressivo (tristeza, irritabilidade e perda de gosto pela vida) e na Clínica Lopes Ibor em Madrid por episódio maníaco (insónia, verborreia, gastos e compras excessivas). Durante os episódios maníacos tinha um consumo excessivo de álcool e comportamento de risco.

Tem uma história familiar de depressão. A evolução foi marcada por grande instabilidade.

Pelo facto de ter baixa adesão à medicação (com uma consequente intoxicação pelo Lítio fármaco que tomava para profilaxia dos episódios maníacos) e por marcada perturbação nas relações interpessoais, no momento em que veio pela primeira vez à minha consulta estava internado num Lar – Domus Vida – onde a regularidade dos hábitos alimentares, de sono e a toma da medicação estavam asseguradas. Por outro lado o consumo de álcool, a irritabilidade, a desorganização do comportamento e os gastos excessivos tornavam o ambiente familiar muito perturbado. No relatório da Clinica Lopez Ibor de 22 de Fevereiro de 2005, é mencionado que dois anos antes tinha tido um “acidente cérebro-vascular que como sequelas apresentava disartria, parésia do membro inferior direito, com perda de força e reflexos patológicos” – situação que produzia uma marcha instável e dificuldades de equilíbrio. Faz um teste euro-cognitivo nesta mesma clínica que revela um défice de memória e de função executiva.

Exames complementares de diagnóstico:

- 24/05/2004 – RMN (ressonância magnética) que revela uma atrofia corticosubcortical global de predomínio parietal e menos acentuada nas regiões prefrontal e temporal anterolateral em ambos os hemisférios; 22/04/2005 – PET scaning que revela um grave hipometabolismo cortical global com acentuações parietal bilateral, prefrontal e temporal anterior, de provável origem multifactorial (vascular, tóxica e neurodegenerativa) mas sem evidência de evolução progressiva.

Inicia em 2005 uma terapêutica de estabilização do humor com associação de Lítio a um antipsicótico e antidepressivo, tendo lentamente melhorado. Em 2007 pode voltar para a sua residência. Apesar de mais estabilizado por não ter voltado a ter episódios graves mantinha um estado sub-depressivo com ansiedade, abatimento, perde de gosto pela vida, hábitos alcoólicos excessivos e dificuldades cognitivas com défices na memória de trabalho, problemas de orientação, episódios sub-confusionais e ligeiras dispraxias.

A situação do ponto de vista clínico configurava um défice cognitivo moderado. Este estado com algumas flutuações manteve-se resistente à terapêutica até há cerca de ano e meio. Nessa altura suspende mos hábitos de abuso do álcool e fica mais estabilizado e com um estado de humor mais eutímico.

Podemos concluir que a sua doença bipolar, de natureza crónica e que exige um acompanhamento psiquiátrico regular e mantido, está actualmente num período de estabilidade, mantendo-se os défices de base descritos.»

49. No dia 07.07.2017, o 3.º réu efectuou, junto da 3.ª Divisão Policial de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, auto de denúncia contra desconhecidos, em virtude da realização de 8 levantamentos com o cartão de débito emitido em nome do 1.º réu, pelo Novo Banco, com n.º 4261500058970091, no valor total de € 1.600,00, entre o dia 6 e 14 de Maio de 2017.

50. Em Março/Abril de 2017, o 1.º réu auferia uma pensão de reforma no valor de € 1.153,17.

51. Em Julho de 2017, Carmen Gomes tinha em débito para com a Farmácia Pátria, a quantia de € 1.037,63.

52. Em 11.05.2017, o 1.º réu tinha em débito, a título de dívida de fornecimento de electricidade, a quantia de € 1.824,21, além do valor da factura corrente mensal, no valor de € 168,70.

53. Em 27.06.2017, o 1.º réu tinha em débito a renda correspondente ao mês de Junho da habitação onde o mesmo e Carmen Gomes habitavam, acrescido do valor correspondente a 50% da mesma renda, tudo no valor de € 567,00.

54. Em Março de 2017, o 1.º réu e Carmen Gomes deviam uma quantia não concretamente apurada a uma empregada doméstica dos mesmos.

55. Em 27.02.2017, a conta bancária n.º 0374.0020003612, aberta no Banco Santander Totta, titulada por Carmen Gomes, apresentava um saldo total de € 22.742,72.

56. Em 31.03.2017, a referida conta apresentava um saldo total de € 19.611,80.

57. Em 05.04.2016, a conta bancária n.º 230205753206, aberta no Banco Bankinter, titulada por Carmen Gomes, apresentava um saldo total de € 18.061,84.

58. Na sequência do determinado pelo Ministério Público em sede do processo n.º 257/17.8PVLSB, que correu termos na 7.ª secção do DIAP, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa elaborou um relatório, datado de 23 de Junho de 2017, referente à situação do 1.º réu e de Carmen Gomes, do qual consta o seguinte:

«No dia 26 de Maio, a EAI regressou ao local, com o apoio da Polícia de Proximidade, da 21.ª Esquadra, pertencente a Campolide. Foi possível observar a falta de higiene na casa, bem como o estado físico e psicológico actual da Sra. Carmen Gomes e do marido, o Sr. Carlos Gomes. Esta visita foi efectuada no período da manhã, em que já era visível o estado de embriaguez em que se encontrava o Sr. Carlos, bem como os hábitos de consumo excessivos, sobretudo tabágicos, por parte da Sra. Carmen. (…)

Foi a Cuidadora Luísa que descreveu as rotinas deste casal e que têm contribuído para o agravamento do seu estado de saúde física e mental, colocando não em risco o seu bem-estar, mas também o bem-estar dos outros.

Das situações descritas pela Sra. Luísa, salientamos as seguintes: o consumo excessivo de álcool, por parte dos dois idosos, tendo a EAI observado a quantidade de álcool existente na casa, em detrimento de outros produtos essenciais, como os alimentares; os hábitos tabágicos, sobretudo por parte da Sra. Carmen, que colocam em risco a sua saúde, uma vez que a mesma já apresenta graves problemas de saúde; a administração de bebidas alcoólicas com medicamentos; a administração de medicamentos, sem controlo externo, sendo a Sra. Carmen que prescreve as receitas médicas a si própria e ao marido, derivado do facto de a mesma ter sido Médica e de manter ainda a respectiva cédula profissional; a falta de condições de higiene e segurança (odor nauseabundo; baratas espalhadas pela casa; sofá com nódoas de fezes; quarto com mesa de cabeceira de madeira repleta de beatas), entre outros aspectos que condicionam a qualidade de vida e a saúde destes idosos.»

59. No Verão de 2017, o 1.º réu, juntamente com a sua esposa Carmen Gomes foi internado pelos 2.º e 3.º réus na Casa da Senhora da Penha, em Portalegre.

60. Aquando do seu internamento na instituição referida no ponto anterior, o 1.º réu demonstrava não ter horários para nada e dependência nas actividades da vida diária, além dos hábitos tabágicos compulsivos e, de noite, saída do seu quarto e ia aos quartos dos outros utentes.

61. No âmbito do supra aludido processo de maior acompanhado, foi elaborado relatório do exame médico-legal respeitante ao 1.º réu, pelo Centro Hospitalar Lisboa Norte. EPE, com base em entrevista clínica realizada a 11 de Agosto de 2017, do qual consta o seguinte:

«Doente com contacto fácil, orientado tempero-espacialmente, colaborante na entrevista, aspecto cuidado, mas envelhecido. Apresenta dificuldade em fornecer elementos da sua história clínica, sendo evidentes os deficits na memória de evocação.

A memória recente não se encontra à observação tão alterada, falando sobre assuntos recentes e política.

O humor é eutímico.

Capacidade de cálculo razoavelmente mantida.

Pensamento abstracto aparentemente mantido.

Algum deficit de juízo crítico. Ausência de consciência mórbida.

MMS-28/30.

Relativamente aos seus bens materiais/rendimentos e propriedades do doente: refere serem proprietários de uma Clínica de Fisioterapia, actualmente gerida pelo filho mais velho, revelando estar satisfeito com a sua forma de trabalho “está bem entregue para ele, acho que ele é de confiança”).

Quanto à Casa/herdade no Alentejo aforma “quero gerir eu, o meu filho pode gerir a clínica que eu já não preciso”.

Refere viver com reforma do casal, que paga a casa de repouso onde habitam actualmente e têm as suas necessidades diárias asseguradas e de parte de rendimentos da clínica.

Em síntese, o doente sofre de Perturbação Bipolar tipo I, (F31-ICD-10) patologia com carácter crónico, encontrando-se medicado, e estabilizado aparentemente apenas há cerca de um ano, após interrupção dos consumos de álcool. Este quadro psiquiátrico, os consumos de álcool e as co-morbilidades orgânicas, onde se destacam os acidentes vasculares cerebrais sofridos, concorreram para a instalação de um quadro de defeito cognitivo ligeiro a moderado, onde sobressaem defeitos mnésicos de evocação e algum deficit de juízo crítico e de consciência mórbida.»

62. Em sede de interrogatório judicial realizado no âmbito do aludido processo de maior acompanhado foi possível ao Tribunal apurar que «o mesmo não soube precisar há quanto tempo se encontrava a viver na casa de repouso em Portalegre, pensando que assim sucedia talvez há nove ou dez anos, não ver o cônjuge há cerca de nove ou dez anos e que ali conversa com outros utentes, vê televisão, lê o jornal e tem amizades, não tendo sabido precisar a data em que o interrogatório se efectuou e que já não bebe.»

63. O estado físico e psíquico do 1.º réu, bem como da sua esposa Carmen Gomes, que ditou a medida de acompanhamento acima referida era notado por quem convivesse com estes, sendo também do conhecimento do autor, pelo menos, em Maio de 2015.

64. A subscrição do documento mencionado em 5) foi precedida de uma negociação levada a cabo pelo 2.º réu, directamente ou por intermédio de advogado.

65. Tal se deveu porque, à data, já existia a preocupação, por parte do 2.º réu em salvaguardar o 1.º réu e sua esposa Carmen Gomes contra quaisquer abusos ou enganos.

66. Desde a subscrição do documento mencionado em 5), o autor visitava o 1.º réu e Carmen Gomes, na sua casa de Tolosa, quando o casal aí se encontrava a passar temporadas.

67. Em data não concretamente apurada, mas durante o ano de 2014, Eduardo Gomes, sobrinho do 1.º réu, que reside ao lado da casa deste em Tolosa, viu o autor e o 1.º réu chegarem a casa de madrugada, sendo que o 1.º réu vinha embriagado e com dificuldade de andar pelo seu próprio pé.

68. Em data não concretamente apurada, mas durante o ano de 2014, depois de ter tomado conhecimento da aproximação do autor à casa dos seus pais, e das visitas frequentes que este tinha passado a fazer-lhes, o 2.º réu tomou a iniciativa de combinar um acordo com aquele, o que efectivamente veio a acontecer junto ao cemitério de Tolosa.

69. Nessa ocasião, o 2.º réu confrontou o autor com a supra descrita aproximação aos seus pais, advertindo-o que, devido ao estado de doença psíquica dos pais, todas as questões relacionadas com quaisquer negócios dos seus pais deveriam ser tratadas consigo e com o 3.º réu.

70. No âmbito dessa conversa, o autor confirmou perante o 1.º réu que havia constatado que o 1.º réu e sua esposa Carmen Gomes não se encontravam bem.

71. Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de Janeiro de 2015, num almoço ocorrido em Gáfete, o assunto relacionado com o estado psíquico do 1.º réu e de Carmen Gomes, foi falado entre o autor, o 2.º réu e as Sras. Dras. Natália Silva e Sónia Pereira.

72. Também nessa ocasião, o autor voltou a manifestar a sua preocupação pelo estado da saúde psíquica do referido casal.

73. Nessa altura, ficou bem entendido entre os participantes no dito almoço que qualquer assunto relacionado com o acordado no âmbito do documento mencionado em 5) teria de passar sempre pelos 2.º e 3.º réus.

74. O autor não deu conhecimento aos 2.º e 3.º réus da negociação e subscrição do acordo mencionado em 8), denominado «Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal».

75. Depois de ter tomado conhecimento da subscrição do acordo denominado «Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal», em Julho de 2015, o 2.º réu telefonou ao autor, que não atendeu.

76. Logo de seguida, o 2.º réu encetou nova tentativa de contacto, usando o telefone da sua esposa, havendo o autor, que não conhecia aquele número, atendido a chamada.

77. Após a sua subscrição, o autor ficou em seu poder com todos os exemplares do acordo denominado «Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal».

78. O 2.º réu remeteu ao autor uma carta datada de 21 de Junho de 2016, no âmbito do qual lhe comunicou que «Ora, a sua posterior actuação, sita o contacto directo com o meu progenitor para que este se deslocasse a Tolosa, com vista a promoverem uma adenda ao contrato de arrendamento, foi de uma manifesta má-fé.»

79. O 3.º réu remeteu ao autor uma carta datada de 21 de Junho de 2016.

80. O 1.º réu e a sua mulher Carmen Gomes, na qualidade de senhorios, e o autor, na qualidade de arrendatário, subscreveram o documento escrito denominado «Alteração ao Contrato de Arrendamento Florestal», datado de 01 de Março de 2016, do qual consta a seguinte redacção:

«Na qualidade de outorgantes do Contrato de Arrendamento Florestal celebrado em 01-12-2010 procedem à alteração do n.º 1 da cláusula 2.ª e à cláusula 4.ª as quais passam a ter a seguinte redacção:

2.ª

1.O presente contrato tem início em 01 de Julho de 2010 e terminará em 31 de Dezembro de 2033, não renovável, salvo acordo expresso das partes nesse sentido.

4.ª

1. A Renda anual é de 17.000,00€ (dezassete mil euros) e será paga entre 1 de Julho e 31 de Agosto do ano respectivo.»

81. Através de cheque datado de 15.09.2015, por ele emitido à ordem do 1.º réu, o autor entregou àquele a quantia de € 8.500,00.

82. Através de cheque datado de 31.08.2015, por ele emitido à ordem de Carmen Gomes, o autor entregou àquela a quantia de € 8.500,00, creditada na respectiva conta bancária em 11.09.2015.

83. Através de cheque datado de 31.07.2016, por ele emitido à ordem do 1.º réu, o autor entregou àquele a quantia de € 8.500,00, creditada respectiva conta bancária em 29.07.2016.

84. Através de cheque datado de 15.07.2016, por ele emitido à ordem de Carmen Gomes, o autor entregou àquela a quantia de € 8.500,00, creditada na respectiva conta bancária em 22.07.2016.

85. Os artigos 63.º e 64.º da contestação, apresentada pelo 1.º réu e Carmen Gomes no âmbito do processo de maior acompanhado acima mencionado, apresenta a seguinte redacção:

«63.º

Os Requeridos assinaram o documento 9 (documento denominado «Aditamento ao Contrato de Arrendamento Florestal») com a contestação, a pedido do arrendatário por razões de natureza fiscal, mas já foi regularizado a situação conforme documento 1 (documento denominado «Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal», datado de 1 de Março de 2016) que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (sublinhado em aditamento nosso).

64.º

Contudo os Requeridos continuam a receber a quantia constante no contrato de arrendamento florestal.»

86. Em 31 de Janeiro de 2018, Carmen Gomes tinha 333,034 unidades de participação, no valor unitário de € 27,01862, disponibilizadas pela Liberty Seguros.

87. Em 23 de Maio de 2013, Carmen Gomes tinha 325,497 unidades de participação, no valor unitário de € 22,95864, relativos ao produto financeiro Europeia PPR, disponibilizado pela Liberty Seguros.

88. Em 12.11.2013, Carmen Gomes dispunha da quantia de € 67.084,22, a título de depósitos e investimentos no Banco Barclays.

89. Em Maio de 2015, Carmen Gomes dispunha da quantia de € 52.968,99, a título de depósitos e investimentos no Banco Barclays.

90. Em 22.07.2013, Carmen Gomes, o 2.º réu e António Rodrigues dispunham de um total em activos no valor de € 100.640,13 depositados/investidos no Banco Best.

91. Em 31.03.2014, Carmen Gomes dispunha de um património total de € 13.851,93 investido na SGF – Sociedade de Gestora de Fundos, SA.

92. Através de carta datada de 14.11.2013, o Banco Barclays comunicou a Carmen Gomes o seguinte:

«Temos o prazer de lhe apresentar o Barclays Premier Universe, uma nova filosofia de fazer banca que tem um propósito muito claro: ajudá-la a realizar as suas ambições, os seus desejos, os seus objectivos pessoais e profissionais. (…)

O Barclays Premier Universe é um serviço acessível a Clientes que detenham no Barclays (…) património financeiro igual ou superior a €100.000,00 em produtos de depósito ou poupança à ordem ou a prazo e/ou produtos de investimento contratados ou depositados no Banco, ou que reúnam, em base mensal, um montante mínimo de 5.000,00€, a título de domiciliação de vencimento, pensão e /ou entregas regulares, durante três meses, num período consecutivo de quatro meses.»

93. No final de 2014 e nos primeiros meses de 2015, até pelo menos ao mês de Maio, o referido casal deslocava-se a esse escritório, para conversar com a Dra. Natália Silva, quase todas as semanas, havendo ao longo desse período semanas em que ali se deslocavam mais de uma vez.

94. Em todas essas ocasiões, o réu Carlos Gomes apresentava-se visivelmente embriagado, e mesmo cambaleante.

95. E muitas vezes acabava por não permanecer no escritório da Dra. Natália Silva por ir consumir bebidas alcoólicas para um restaurante nas proximidades.

96. Tudo isto em pleno período diurno.

97. Nas conversas que a Dra. Natália Silva tinha com o casal, o réu Carlos Gomes raramente falava, por não estar capaz de manter uma conversa, e quando o fazia manifestava alheamento e incompreensão sobre o que estava a ser falado.

98. Chegava a fazer perguntas que manifestavam um total desconhecimento sobre o assunto da conversa, quando se tratava de assuntos que lhe diziam respeito, e de factos sucedidos com o próprio.

99. Carmen Gomes começou a apresentar-se, também, visivelmente embriagada.

100. Por esse motivo, entre outros, a Dra. Natália Silva chegou a dizer ao autor que, tendo em conta a incapacidade do réu Carlos Gomes e da sua esposa, estava proibido de celebrar com este casal quaisquer acordos.

101. O réu Carlos Gomes e a sua esposa Carmen Gomes nunca pediram à Dra. Natália Silva a colaboração técnica ou qualquer conselho relativamente à celebração do acordo mencionado em 8).

102. Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de Março de 2015, a Dra. Natália Silva e o réu Bruno Gomes deslocaram-se a casa do autor e, nessa ocasião, o 2.º réu disse-lhe que não deveria negociar com os seus pais, uma vez que estes não se encontravam em condições psíquicas para tal.

103. Também nessa ocasião, o autor lamentou ao réu Bruno Gomes o estado de saúde do réu Carlos Gomes, bem como os problemas de alcoolismo do casal Oliveira.

104. Em data não concretamente determinada, mas durante os meses de Outubro e Novembro de 2015, o Réu José Alberto e a sua mulher Carmen Gomes deslocaram-se ao escritório da Dra. Natália Silva para lhe entregar uma citação que haviam recebido meses antes, encontrando-se já ultrapassado o prazo de contestação.

105. Nessa mesma ocasião, a Dra. Natália Silva, já sabendo da existência do acordo assinado em Maio de 2015, mas sem conhecer o seu teor, perguntou ao réu Carlos Gomes porque é que tinha assinado uma alteração ao contrato de arrendamento sem lhe dizer nada, ao que este respondeu que era uma coisa simples, e que não valia incomodar a sua advogada, dizendo também que o contrato tinha ficado muito melhor.

106. Durante essa conversa, Carmen Gomes questionou o réu Carlos Gomes sobre a existência daquele contrato.

107. Em data não concretamente apurada, mas depois do ano de 2017, o réu Pedro Gomes comunicou ao autor que quaisquer pagamentos de rendas deviam ser feitos a si ou ao réu Bruno Gomes.

108. Em datas não concretamente apuradas, mas durante o período compreendido entre 3 de Setembro de 2020 e Junho de 2022, o autor procedeu ao corte de eucaliptos existentes no imóvel objecto do acordo mencionado em 5), em quantidade não concretamente apurada.

109. Através de carta datada de 15-12-2020, a «Navigator Forest Portugal, S.A.» comunicou à «Reachvalue-Imobiliária Unipessoal, Lda o seguinte:

«Informamos, ainda, que o preço actualmente em vigor engloba uma bonificação de 4,00 por metro cúbico no caso da madeira certificada, dado que, por este arrendamento ter sido gerido pela Navigator Forest Portugal, a madeira tem a sua gestão florestal certificada. Esta bonificação foi tomada em consideração para o preço que de seguida se indica.

Assim, face às condições contratuais acordadas e atentos os preços em vigor para a madeira de eucalipto a entregar em fábrica, vimos comunicar que será paga a V. Exas., na data estabelecida para o efeito, uma renda variável de valor igual ao valor de 77,5% do volume total líquido da madeira entrada na fábrica, sendo o valor actual da madeira em pé a utilizar para aquele cálculo, de 27,6 euros por metro cúbico de Madeira com Casca para Celulose, valor que inclui já o prémio de certificação a que atrás se faz referência.»

Factos julgados não provados pelo tribunal a quo:

a) Por conta das facturas mencionadas em 20) o 1.º Réu e Carmen Gomes liquidaram € 841,50 (relativamente à factura n.º 77) e € 957,60 (respeitante à factura n.º 83).

b) Perante os consecutivos e reiterados pedidos do autor, o 1.º réu e Carmen Gomes invocaram dificuldades financeiras para não procederem ao pagamento atempado dos montantes em débito no valor de € 29.985,00, relativos às facturas em causa.

c) O 1.º réu e Carmen Gomes acordaram com o autor que a dívida de € 29.985,00 seria liquidada através de amortizações parciais anuais sucessivas no valor de € 5.000,00 até integral e efectivo pagamento, sendo a primeira amortização a realizar em 01.07.2017.

d) O autor entregou ao 1.º réu e a Carmen Gomes as quantias mencionadas nos pontos 81) a 84) a título de uma concessão de empréstimo acordada com estes.

e) O aumento dos custos associados às actividades mencionadas em 17) e 18) motivaram a subscrição do documento mencionado em 8).

f) Os 2.º e 3.º réus tiveram conhecimento do acordo mencionado no ponto 8) em Maio de 2015.

g) A parcela de terreno identificada em 22) constitui uma área particularmente valiosa para a agricultura pelo facto de o solo ser de maior qualidade e fertilidade e ter muita água.

h) No dia 04.11.2016, o 1.º réu foi internado no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, por suspeita de AVC, tendo tido alta no dia 08.11.2016, por recusa do 1.º réu em manter soro.

i) No dia 04-06-2017 e por problemas circulatórios e dificuldades respiratórias, o 1.º réu foi à Urgência do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde ficou internado até 23.06.2017.

j) A factualidade atinente ao desinteresse com que o 1.º réu e Carmen Gomes emprestavam dinheiro a pessoas recém conhecidas, ou facilidade com que entregavam o seu cartão de multibanco (com código) a diversas pessoas ou com que entregavam somas de dinheiro desproporcionadas para compras de valores muito reduzidas, sem aparentemente terem noção dos preços e sem depois se interessarem por pedir o correspondente troco, era comentada pela população de Tolosa.

k) O autor ficava horas com o 1.º réu e sua esposa Carmen Gomes durante as visitas que realizava à casa destes em Tolosa.

l) O autor colaborava também com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas pelo 1.º réu.

m) A partir de 2015, deixaram de existir eucaliptos na propriedade.

n) Também a partir do ano de 2015, o autor apenas utilizou a propriedade nos termos referidos em 16).

*

1 – Nulidade da sentença recorrida:

O recorrente sustenta que, tendo a notificação judicial avulsa descrita no n.º 10 da matéria de facto provada visado a resolução do contrato de arrendamento florestal por falta de pagamento de rendas, a sentença recorrida, ao declarar esse contrato extinto com fundamento no decurso do prazo de vigência estipulado, padece das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, als. c), d) e e), do CPC, porquanto é ininteligível, pronunciou-se sobre uma questão cujo conhecimento lhe estava vedado e condenou em objecto diverso do pedido.

A sentença recorrida não é ininteligível. A compreensão daquilo que o tribunal a quo decidiu e das razões por que o fez não suscita qualquer dificuldade. Tanto assim é que, da leitura das alegações de recurso, resulta que o recorrente percebeu perfeitamente a decisão tomada pelo tribunal a quo e os seus fundamentos. O recorrente discorda dessa decisão, mas isso constitui questão diversa da inteligibilidade desta. Portanto, a nulidade prevista na al. c) não se verifica.

Os pedidos reconvencionais que relevam para a apreciação da arguição da nulidade prevista na al. e) são os seguintes: 1) Declaração, como válida e eficaz, da resolução do contrato de arrendamento florestal; 2) Declaração da existência do dever de restituição do imóvel arrendado desde 03.09.2020; 3) Condenação do recorrente a restituir o imóvel.

A sentença recorrida não excedeu, quantitativa ou qualitativamente, qualquer destes pedidos, porquanto: 1) Não se pronunciou sobre a validade e a eficácia da resolução do contrato, por ter considerado que a causa de extinção deste foi o decurso do prazo estipulado; 2) Declarou a existência do dever de restituição do imóvel arrendado desde 03.09.2020; 3) Condenou o recorrente a restituir o imóvel.

É ao nível da causa de pedir que se suscitam problemas. Está em causa a nulidade prevista na al. d).

Tendo em conta a forma como o recorrente fundamenta a sua arguição de nulidade da sentença, esclareça-se que, para a sua apreciação, releva a relação, não entre o conteúdo da notificação judicial avulsa e o da sentença, mas sim entre o conteúdo da contestação/reconvenção e o da sentença, como decorre do artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC.

A causa de pedir dos pedidos reconvencionais acima referidos é complexa, sendo constituída: 1) Pelos factos que, na tese dos reconvintes, determinam a invalidade das alterações ao contrato celebradas em 20.05.2015 e 01.03.2016; 2) Pela falta de pagamento das rendas, no montante resultante da primeira (e, sendo assim, única) versão do contrato, relativas aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020; 3) Pela existência de uma resolução válida e eficaz do contrato, efectuada em 03.09.2020.   

O tribunal a quo julgou procedentes os pedidos de declaração da existência, desde 03.09.2020, do dever de restituição do imóvel arrendado, e de condenação do recorrente a proceder a esta restituição, com fundamento na invalidade das alterações ao contrato celebradas em 20.05.2015 e 01.03.2016 e no decurso do prazo de duração do contrato que foi estipulado na primeira e única versão deste. Ou seja, julgou o contrato extinto por efeito, não da resolução invocada pelos recorridos, mas sim do decurso do prazo estipulado nesse contrato, que estes não invocaram como causa de pedir.

A apontada discrepância entre o fundamento da reconvenção e o da sentença traduz-se numa violação do disposto no artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC. A questão do decurso do prazo de vigência do contrato de arrendamento florestal não foi invocada, pelos recorridos, como fundamento dos pedidos que formularam, e também não é de conhecimento oficioso, pelo que estava vedado, ao tribunal a quo, pronunciar-se sobre ela. Tendo-o feito, incorreu em excesso de pronúncia, padecendo a sentença da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do CPC.

Os recorridos sustentam que não se verifica esta nulidade porquanto um dos fundamentos da acção é o de que o contrato de arrendamento, transcrito na petição inicial, se prolongou por efeito da «adenda» datada de 20.05.2015. Ou seja, o recorrente pretendia que esta «adenda» fosse declarada válida e aplicável em todos os seus aspectos, incluindo o do aumento do prazo de duração do arrendamento, e não apenas no que se referia à redução do valor da renda anual. Foi precisamente esta pretensão do recorrente que foi julgada improcedente pelo tribunal a quo por efeito da anulação da «adenda», peticionada pelos recorridos, pelo que não há excesso de pronúncia: o tribunal a quo pronunciou-se sobre uma pretensão que expressamente lhe foi colocada pelo Autor e julgou-a improcedente. Só isso.

Porém, não foi «só isso» que o tribunal a quo fez. Fez muito mais que isso. Declarou o contrato extinto, o que foi pedido, não pelo recorrente, que pretendia a sua manutenção, mas pelos recorridos. E fê-lo com fundamento não coincidente com aquele que estes invocaram: o decurso do prazo estipulado para a duração do contrato e não a resolução deste. Daí ter existido excesso de pronúncia.

Os recorridos sustentam também que o tribunal a quo não transpôs o limite decorrente dos factos essenciais alegados pelas partes, pelo que a sua opção por julgar o contrato extinto devido ao decurso do prazo estipulado para a sua duração se traduziu, meramente, numa aplicação do princípio jura novit curia.

Não é assim. O decurso do prazo de vigência do contrato não foi invocado por qualquer das partes. Não o foi pelo recorrente, o que seria contraditório com a sua pretensão de manutenção do contrato. E também não o foi pelos recorridos, que fundamentaram a sua pretensão de extinção do contrato num acto de resolução por eles praticado e não no decurso do tempo. Sintomaticamente, os recorridos pediram que o contrato fosse julgado extinto com efeitos a partir de 03.09.2020, data da resolução, e não de 01.12.2017, data em que o prazo de vigência do contrato expirou.

Noutra linha de argumentação, os recorridos sustentam que a pretensão de que o contrato fosse julgado extinto com fundamento no decurso do seu prazo de vigência está «implícita», supomos que na de extinção por resolução.

Também esta argumentação não procede, pois reporta-se a questão diversa daquela que nos ocupa. Esta última respeita à causa de pedir e não ao pedido.

A origem do problema com que nos defrontamos não é a mera falta de formulação de um pedido de declaração da extinção do contrato devido ao decurso do seu prazo de vigência como pressuposto do pedido de restituição do imóvel. Então sim, se os factos consubstanciadores da causa de pedir tivessem sido alegados pela parte onerada com o correspondente ónus, o pedido meramente declarativo cuja procedência constitui pressuposto da do pedido de determinação da concreta providência pretendida (restituição do imóvel) poderia considerar-se implícito neste último.

Todavia, não é disso que tratamos.

Os recorridos pediram a restituição do imóvel e formularam expressamente, como pressuposto deste, o pedido de declaração da resolução do contrato como válida e eficaz. É neste ponto que a questão agora suscitada pelos recorridos se situa. Se não tivessem formulado expressamente este último pedido, poderia considerar-se o mesmo implícito no primeiro, uma vez que alegaram a respectiva causa de pedir. Mas isso não é necessário, pelo que a questão da admissibilidade dos pedidos implícitos não é pertinente.

O nosso problema é outro. Os recorridos, nem formularam um pedido de declaração de extinção do contrato devido ao decurso do seu prazo de vigência (pedido esse que, como vimos anteriormente, teria de se reportar à data de 01.12.2017), nem alegaram esse decurso do prazo de vigência do contrato como causa de pedir do pedido de restituição do imóvel. A causa de pedir deste pedido consubstanciou-se, além do mais, no acto de resolução do contrato, único fundamento de extinção deste que os recorridos invocaram. E, pelo que anteriormente afirmámos, a falta de invocação, pelos recorridos, do decurso do prazo de vigência do contrato como fundamento da extinção deste é inultrapassável, vedando o conhecimento desta questão pelo tribunal a quo.

Argumentam os recorridos, por último, que, sendo o decurso do prazo (não renovável) estipulado para a vigência de um contrato uma causa de cessação deste que opera ipso iure, tal cessação produz-se sem necessidade de qualquer declaração, das partes ou do tribunal, nesse sentido. Pelo que, ao julgar verificada a referida causa de extinção do contrato, o tribunal a quo limitou-se a constatar uma ocorrência que se deu sem a sua intervenção, e cujo automatismo suscita, pela sua própria natureza, o seu conhecimento oficioso.

Discordamos.

A abordagem proposta pelos recorridos não distingue o plano processual do plano substantivo. Tendo a questão da delimitação da causa de pedir natureza processual, é exclusivamente neste plano que terá de ser resolvida, sem se deixar contaminar por considerandos de natureza substantiva.

Concretizando:

Para poderem ser considerados no processo, os factos ocorridos na ordem substantiva têm de ser validamente trazidos àquele. Tais factos não se repercutem automaticamente no processo, antes tendo de ser a ele levados nos termos previstos na lei processual. Em regra, isso faz-se através dos ónus de alegação e de prova que a lei coloca a cargo das partes. Não é por produzir efeitos automáticos no plano substantivo que um facto produz efeitos automáticos no plano processual, ou seja, é automaticamente adquirido no processo. Sendo assim, é insustentável a pretensão de que o decurso do prazo de vigência de um contrato se repercuta automaticamente no processo pelo simples facto de se verificar. Para que tal facto possa ser considerado no processo, terá de ser invocado como fundamento de um pedido de extinção do contrato pela parte que nisso tenha interesse. Não o sendo, o mesmo facto não pode ser conhecido pelo tribunal. Se este o fizer, incorrerá em excesso de pronúncia.

Poder-se-ia contra-argumentar nos seguintes termos: Se o tribunal a quo não pudesse conhecer da questão do decurso do prazo de validade do contrato apesar de este facto não integrar a causa de pedir dos pedidos reconvencionais a que nos vimos reportando, ficaria na situação de não poder julgar o contrato extinto, tendo de julgar aqueles pedidos improcedentes. Não poderia julgar o contrato extinto com fundamento no decurso do seu prazo de vigência porque incorreria em excesso de pronúncia. E não poderia julgar o contrato extinto por resolução porque a eficácia desta pressupõe a subsistência desse contrato à data em que ocorre, não sendo possível resolver um contrato que já não existe.

Tal argumentação traduzir-se-ia em nova confusão entre os planos adjectivo e substantivo. Se o decurso do prazo de vigência do contrato não puder ser atendido pelo tribunal, por razões de natureza processual, para fundamentar uma decisão de procedência, também o não poderá ser para fundamentar uma decisão de improcedência. O tribunal proferirá decisão com base nos factos de que puder conhecer.

Sendo assim, o tribunal a quo devia ter-se abstido de declarar o contrato extinto com fundamento no decurso do seu prazo de vigência e, em vez disso, devia ter apreciado se o fundamento de extinção invocado pelos recorridos (resolução) procedia.

A nulidade da sentença recorrida, nos termos expostos, não determina a descida dos autos ao tribunal a quo para que profira nova sentença. Em vez disso, nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do CPC, o tribunal ad quem conhecerá da questão da validade e eficácia da resolução do contrato, questão essa amplamente discutida no tribunal a quo.

2 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

2.1. O recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado dos factos provados, o seguinte:

- «Desde, pelo menos, Julho de 2015 todos os R.R.R. têm inteiro e perfeito conhecimento de todo o teor da Adenda dada por provada em 7. e 8. Dos factos provados datada de 20/Maio/2015.»

- «Nenhum dos R.R.R., nem ninguém impugnou judicialmente tal Acordo Escrito, nunca tendo proposto qualquer Acção contra o Autor, já lá vão mais de 5 anos. Tudo isto, apesar de terem inteiro e perfeito conhecimento do seu teor e da sua realização.»

Como fundamento para esta pretensão, invoca o teor do artigo 38.º da petição inicial, do artigo 24.º da réplica e do n.º 75 do enunciado dos factos provados.

Esta fundamentação é ininteligível.

Os artigos 38.º da petição inicial e 24.º da réplica contêm a alegação da matéria acima transcrita. Carecem, obviamente, de valor probatório.

O n.º 75.º do enunciado dos factos provados tem a seguinte redacção: «Depois de ter tomado conhecimento da subscrição do acordo denominado “Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal”, em Julho de 2015, o 2.º réu telefonou ao autor, que não atendeu.» Pretenderá o recorrente que, deste facto, se infiram aqueles que ele quer ver introduzidos no enunciado da matéria provada? Na hipótese afirmativa, com que fundamento? O recorrente não indica. Certo é que o facto de se encontrar provado que o recorrente Bruno Gomes tomou conhecimento da subscrição da «Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal» não equivale a ele conhecer o conteúdo desta. Tanto mais que se provou que, após a sua subscrição, o recorrente ficou com todos os exemplares da referida adenda em seu poder (n.º 77).

2.2. O recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado dos factos provados, o seguinte:

- O primeiro réu e o seu cônjuge «já estavam em condições para realizarem vendas de imóveis e/ou partes dos mesmos, que lhe pertenciam e receberem os respectivos preços, tendo outorgado escrituras em cartórios notariais em 27/Janeiro/2017 e 18/Novembro/2016.»

- «Que se saiba nenhum dos aqui R.R.R. pôs em crise tais negócios.»

O recorrente sustenta que esta matéria decorre de documentos autênticos juntos com a réplica (docs. aí 1 e 2), cujo teor aí foi dado por integralmente reproduzido e não foi impugnado pelos réus. Mais, segundo o recorrente, tal matéria foi confessada pelo recorrido Bruno Gomes em sede de depoimento de parte, «gravado no sistema Citius, entre as 14:15 e as 17:58 horas».

Relativamente à alegada confissão, verificamos que a mesma não consta da acta da sessão da audiência final em que o depoimento de parte foi prestado. Pelo contrário, aí se fez constar que, daquele depoimento, «não resultou matéria confessória». Por outro lado, o recorrente não indica, com exactidão, as passagens da gravação daquele depoimento em que se funda a sua pretensão, incumprindo, assim, o ónus estabelecido no artigo 640.º, n.º 2, do CPC. 

Os documentos referidos pelo recorrente são duas escrituras públicas mediante as quais foram celebrados contratos de compra e venda em que intervieram, entre várias outras pessoas, aparentemente seus familiares, o recorrido Carlos Gomes e o seu cônjuge. Desses documentos apenas resulta a celebração daqueles contratos e os respectivos conteúdos, contratos esses que nada têm a ver com a situação dos autos. No que concerne às «condições» em que o recorrido Carlos Gomes e o seu cônjuge estariam quando tais contratos foram celebrados, os documentos em causa nada dizem.

Poderá argumentar-se que o facto de o recorrido Carlos Gomes e o seu cônjuge terem outorgado nas referidas escrituras demonstra que qualquer deles se encontrava na plena posse das suas faculdades mentais. Sem razão, porém. Os documentos em questão não demonstram que o recorrido Carlos Gomes e o seu cônjuge se encontrassem na plena posse das suas faculdades mentais, mas apenas que a notária perante o qual as declarações negociais foram emitidas não se apercebeu de que eles o não estivessem. A ausência de tal percepção por parte da notária não tem qualquer relevo probatório, para mais em escrituras com tantos outorgantes como as referidas.

A frase «Que se saiba nenhum dos aqui R.R.R. pôs em crise tais negócios» constitui um mero comentário feito pelo recorrente na réplica, não um facto que mereça ser incluído no enunciado da matéria de facto provada, até porque, naquela formulação, é irrelevante para a decisão da causa.

2.3. O recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado dos factos provados, o seguinte: «A mãe do 2º R. (Vera Lúcia) em 2017 estava em condições cognitivas para assegurar a direcção técnica de uma clínica em que o seu filho, aqui 2º R., era gerente da sociedade que explorava a clínica e recebia o competente ordenado, sempre “às cavalitas” da mãe claro.»

Para fundamentar esta pretensão, o recorrente invoca o teor dos artigos 67.º a 75.º da contestação apresentada pelo recorrido Carlos Gomes e seu cônjuge noutro processo e, genericamente, os «documentos (emitidos pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa) constantes da Certidão junta pelos Réus, datada de 22/12/2021 (emitida pelo Juízo Local Cível Lisboa, Juiz 2) e junta a estes autos com a Contestação/Reconvenção dos R.R.R./Reconvintes.»

O conteúdo de um articulado apresentado num processo judicial não tem qualquer valor probatório, antes carecendo de prova. Logo, a invocação do teor dos artigos 67.º a 75.º daquela contestação como meio de prova não faz sentido.

Relativamente aos documentos que refere (em bloco), o recorrente não justifica, pura e simplesmente, por que razão considera que dos mesmos resultam os factos que pretende ver levados à matéria provada. Não divisamos a relevância que tais documentos possam ter para a prova destes factos.

Diga-se, por último, que seria desejável um mínimo de rigor na formulação da matéria de facto que se pretende ver inserida no respectivo enunciado pelo tribunal ad quem. Pretender que seja julgado provado que o «aqui 2º R., era gerente da sociedade que explorava a clínica e recebia o competente ordenado, sempre “às cavalitas” da mãe claro» não constitui uma forma admissível de litigar em tribunal.

2.4. O recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado dos factos provados, o seguinte:

- «O A. é arrendatário não só da totalidade da parte do Prédio Rústico designado por “Tapada” que coube ao aqui 1º R. (e sua mulher, Vera Lúcia), decorrente de processo de Inventário / Partilhas; mas também arrendatário da totalidade da parte do susodito Prédio Rústico que coube aos sobrinhos do 1º R., e que estes são proprietários, decorrente do sobredito processo de Inventário / Partilhas. Não há marcos no Prédio Rústico em questão a delimitar os pontos de estrema de cada uma das susoditas partes.»

- «Em suma: não há nem um centímetro de área que pertença ao aqui 1º R. (e mulher, Carmen Gomes), relativo ao Prédio Rústico designado por “Boavista”, que não seja objecto do contrato de arrendamento Docs. 1 e 2 juntos com a P.I.. Aliás,»

- «Ao longo destes anos todos, desde 2010 a esta parte, nunca ninguém pôs em causa que o A. é arrendatário da totalidade da parte que coube ao 1º R. (e mulher Carmen Gomes) decorrente do processo de Inventário/Partilhas supra referido. Donde, …»

A questão que se suscita relativamente a esta pretensão do recorrente é a da utilidade da matéria que ele pretende ver aditada ao enunciado dos factos provados para a decisão do recurso. O recorrente nada diz a este respeito. Pela nossa parte, não vemos qual possa ser.

Tratando-se de matéria irrelevante para a decisão do recurso, a apreciação crítica da prova sobre ela produzida traduz-se na prática de um acto inútil, proibido pelo artigo 130.º do CPC, que consagra o princípio da limitação dos actos.

Ainda assim, diga-se que o único meio de prova invocado pelo recorrente, que é um curto excerto do depoimento da testemunha Graça Maria, nunca permitiria concluir, com o grau de segurança necessária para a formulação de um juízo de prova, que a matéria em questão corresponda à realidade.

2.5. O recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado dos factos provados, o seguinte: «A Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal realizada em 20/Maio/2015 entre o aqui A. Mário Branco e o R. Carlos Gomes e sua mulher, Carmen Gomes, corresponde e sempre correspondeu à vontade real e efectiva dos Outorgantes de tal documento.»

Afirma o recorrente que tal facto «decorre do depoimento/confissão do próprio Réu Bruno Gomes, Depoimento de Bruno Gomes, as suas declarações encontram-se gravados no sistema Citius, entre as 16:42 e as 17:30 horas de 05/07/2022.»

Como referimos em 2.2, aquela alegada confissão não consta da acta da sessão da audiência final em que o depoimento de parte do recorrido Bruno Gomes foi prestado. Pelo contrário, consignou-se nessa acta que, daquele depoimento, «não resultou matéria confessória». Por outro lado, o recorrente não indica, com exactidão, as passagens da gravação daquele depoimento em que se funda a sua pretensão. Em vez disso, indica, em bloco, 48 minutos da gravação. Incumpriu, assim, o ónus estabelecido no artigo 640.º, n.º 2, do CPC. 

2.6. O recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado dos factos provados, o seguinte:

- «A parte dos Réus é constituída maioritariamente por solos inférteis e com pedras gigantes, sendo um solo maioritariamente pedroso e de difícil acesso para maquinaria e para se trabalhar. Acresce ainda que,»

- «No tipo de Contratos e exploração em questão (Contratos de arrendamento florestal) a substância dos mesmos e decorrentes rendimentos (de exploração), advém, no essencial, e em substância, da quantidade e qualidade da área ocupada pela exploração (e corte) de eucaliptos e decorrentes rendimentos obtidos aquando da sua “colheita” / corte, para venda às Fábricas processadoras de madeiras. Ora,»

- «“In casu” a propriedade do(s) Réu(s) produz (em cerca de dez anos) a quantidade de cerca de 3.000 metros cúbicos de madeira de Eucalipto. Porém,»

- «Já a propriedade(s) dos demais comproprietários (referidos em art.º 14º da peça/Articulado superveniente dos Réus) produz (em cerca de dez anos) a quantidade de cerca de 13.000 metros cúbicos de madeira de Eucalipto. Aliás,»

- «A área ocupada pela exploração de Eucaliptos na parte da propriedade do(s) comproprietários (referidos no art.º 14º da peça/ Articulado superveniente dos Réus) é de cerca de 140ha. Porém, já no que diz respeito à parte dos Réus a área ocupada pela exploração de Eucaliptos é de cerca de 30ha. Donde,»

- «Óbvio é que se o A. paga de renda anual Euros: 5.000,00, na propriedade do(s) Réu(s) e Euros: 20.000,00, anuais, na propriedade dos demais comproprietários (referidos no art.º 14º da peça/ Articulado superveniente dos Réus), e, uma vez que o rendimento obtido nesta (decorrente da exploração florestal de Eucaliptos) é cerca de 4,5 vezes maior do que naquela (na propriedade do(s) Réu(s)), óbvio é que, a renda anual da propriedade do(s) Réu(s) (Euros: 5.000,00) é mais cara (proporcionalmente) do que da propriedade dos demais comproprietários (Euros: 20.000,00 anuais), uma vez que esta apesar de ter renda de Euros: 20.000,00 anuais produz cerca de 4,5 vezes mais de madeira de Eucalipto (em cerca de 10 anos) do que a propriedade do(s) Réu(s) (em cerca de 10 anos).»

Suscita-se a questão da utilidade desta matéria para a decisão do recurso. Noutros termos: se esta matéria fosse introduzida no enunciado dos factos provados, em que medida constituiria fundamento para alterar a sentença recorrida? Em vão procuraremos resposta para esta questão nas alegações de recurso. Neste, como noutros pontos, o recorrente parece querer que o tribunal ad quem introduza longos excertos dos seus articulados, tal qual os redigiu, no enunciado da matéria de facto provada, só porque sim. Não pode ser. O recurso da decisão sobre a matéria de facto destina-se a corrigir concretos erros de julgamento desta que tenham influído na decisão da causa em prejuízo do recorrente. Ou seja, destina-se a corrigir na medida em que tal produza determinado efeito útil. Só em tal hipótese deverá o tribunal ad quem desenvolver a actividade necessária ao conhecimento desse alegado erro de julgamento. O processo serve para atingir determinadas finalidades práticas e não para servir de arena para disputas inconsequentes. De novo lembramos o princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do CPC.

Se, com a introdução da matéria em causa no enunciado dos factos provados, o recorrente pretende demonstrar a razoabilidade da renda anual de € 5.000, estipulada na «Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal» de 20.05.2015, e que essa alteração contratual teve uma justificação racional, diremos que tal pretensão é irrealista. A comparação que sempre foi feita ao longo do processo é entre a renda estipulada no contrato celebrado em 01.12.2010 (€ 17.143/ano) e aquela que o foi na adenda de 20.05.2015 (€ 5.000/ano). E é essa comparação que faz sentido fazer-se, pois trata-se de valores estipulados entre as mesmas partes e respeitantes ao mesmo prédio. A comparação com a renda paga pelo recorrente pela exploração de um prédio distinto, pertencente a outras pessoas, nada demonstra com interesse para o juízo a fazer sobre a racionalidade de uma redução da renda de € 17.143/ano para € 5.000,00/ano.

Por tudo isto, a matéria em causa não deverá ser acrescentada ao enunciado dos factos provados.

2.7. O recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado dos factos provados, o seguinte: «O A. sabe que os Pais dos Réus Bruno e Pedro, o aqui 1.º R. Carlos e sua mulher, Carmen, na Acção que aqueles moveram contra estes (Proc. n.º 35814/15.8T8LSB); estes disseram na sua Contestação (em 18/05/2016):

- “Art.º 71º: Estranha-se que os Requerentes venham invocar a incapacidade da Requerida quando esta só renunciou à gerência muito recentemente.”

- “Art.º 72º: Contudo, a Requerida continua como Directora Técnica da Clínica.”

- “Art.º 73º: Estranha-se também que o Requerente Bruno tenha como Directora Técnica da Clínica que gere, alguém que diz ser incapaz de gerir a sua pessoa e os seus bens.”

- “Art.º 74º: Estranha-se ainda que os filhos só venham pedir agora a inabilitação dos pais, quando, segundo eles, já estavam incapazes em 2013.”

- “Art.º 75º: Os Requeridos não necessitam de mais uma empregada, nem necessitam dos filhos para gerir as suas vidas ou os seus bens.”

- “Art.º 76º: A presente acção resulta do facto dos Requerentes pretenderem apoderar-se do património dos pais.”

- “Art.º 77º: Os Requerentes com a presente acção não visam qualquer preocupação com o modo de vida dos pais, ora Requeridos.”

- “Art.º 78º: Os Requerentes visam tão só apoderar-se do dinheiro e dos bens dos pais e colocaram-nos numa Casa de Repouso de qualidade duvidosa.”

- “Art.º 79º: Os Requeridos estão em condições de negociar, concluir ou executar quaisquer Contratos.”

- “Art.º 80º: Os Requeridos sempre geriram com critério e ponderação as suas contas bancárias.”

- “Art.º 81º: Caso não gerissem criteriosamente as contas, já não tinham dinheiro na sua conta.”

- “Art.º 82º: Os Requerentes invocam alguns factos abstratos e sem especificar casos concretos porque não existem situações que justifiquem o pedido da presente acção.”

- “Art.º 83º: Os Requerentes alegam situações abstratas com o único intuito, repete-se, de se apoderarem do dinheiro e dos bens dos Requeridos.”

- “Art.º 50º: A Requerida continua a conduzir, mas jamais o faz embriagada.”

- “Art.º 48º: A Requerida apenas facultou o cartão multibanco à sua empregada, pessoa de total confiança, por uma vez, para lhe comprar bens alimentares.”

- “Art.º 51º: Se a Requerida conduzisse embriagada, já tinha sido apanhada pela Polícia ou já tinha provocado acidentes, ou seja, mais uma mentira dos Requerentes.”

- “Art.º 66º: Os Requeridos estão a ponderar vender o terreno florestal que arrendaram ao arrendatário.”

- “Art.º 67º: Nunca ninguém se aproveitou dos Requeridos nem estes deixavam.”

- “Art.º 68º: A requerida foi sempre gerente da Clínica Médica.” (Vidé Certidão de fls. dos autos emitida em 22/12/2021, Proc. n.º 35814/15.8T8LSB, juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 2).»

Para sustentar esta pretensão, o recorrente limita-se a afirmar o seguinte: «A matéria carreada no artº 21º da supra identificada RESPOSTA (acima transcrita) (Refª Citius: 41351110) de 16/02/2022, deveria ter sido dada por provada “In Totum” (e não foi), uma vez que corresponde, “Ipsis Verbi”, ao conteúdo da Contestação apresentada pelo R. Carlos e mulher, Carmen no âmbito do Proc. n.º 35814/15.8T8LSB, cuja Certidão emitida em 22/12/2021 está junta aos autos.»

Mais uma vez, nem uma palavra acerca da utilidade da inserção da referida matéria no enunciado dos factos provados. Em que medida o facto de o recorrido Carlos Gomes e o seu cônjuge terem alegado a matéria acima descrita na contestação que apresentaram noutro processo poderia influir na decisão do recurso? As alegações de recurso não respondem a esta questão. Pela nossa parte, não divisamos qualquer utilidade na referida inserção. Mais, esta seria, a todos os títulos, descabida.

2.8. O recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado dos factos provados, o seguinte: «Os R.R. Bruno e Pedro pelos vistos preocupavam-se muito com as rendas que os seus pais recebiam e com os Contratos que faziam. Porém, nunca se preocuparam com o facto de os seus pais nunca terem declarado à Autoridade Tributária/ Fisco os montantes que recebiam de rendas (neste sentido vidé informação de fls. dada pela Autoridade Tributária/ Serviço de Finanças de Nisa, que informa que, o Réu Carlos não apresentou declaração de rendimentos que recebia de rendas relativo aos anos de 2010; 2011; 2012; 2013; 2014; 2015 e 2016).»

O recorrente afirma que esta matéria devia ter sido julgada provada porque «corresponde à informação dada nos autos pela Autoridade Tributária/ Serviço de Finanças de Nisa, decorrente de notificação de que foi objecto por parte do Tribunal para o sobredito efeito.»

Esta pretensão do recorrente merece apenas duas observações.

Por um lado, não estamos perante uma alegação de factos propriamente dita, mas sim perante um comentário, em tom jocoso, feito pelo recorrente num articulado, que não tem lugar numa decisão sobre matéria de facto, seja como facto provado, seja como facto não provado.

Por outro lado, a matéria de facto mencionada nesse comentário (falta de apresentação de declaração dos rendimentos provenientes das rendas à Autoridade Tributária) é irrelevante para a decisão do recurso, pelo que não tem lugar no enunciado dos factos provados.

2.9. O recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado dos factos provados, o seguinte:

- «Resulta também do Depoimento da Testemunha Natália Silva que a mesma representou o casal Gomes – Carlos aqui R. e mulher, Carmen – em processos Judiciais até ao ano 2019, tendo os mesmos passado para o efeito Procuração a seu favor sem nunca ninguém ter posto em causa a sua falta de legitimidade por os mandantes não terem lucidez e/ou estarem bêbados quando emitiram Procuração a favor da Advogada Dra. Natália Silva para intervir nos processos Judiciais, acrescentando a referida Testemunha que tinha autoridade sob os seus clientes (Carlos e Carmen) senão não os patrocinava. Mais afirmou a referida Testemunha que não deixava entrar os seus clientes (Carlos e Carmen) nas Audiências (marcadas nos Processos) e que confrontou o aqui R. Carlos Gomes com a alteração ao Contrato (Adenda Doc. 2 junto com a P.I.) e este lhe disse: “estar muito melhor”. “É tudo muito melhor”. Mais afirmou a referida Testemunha que procedeu à realização do Contrato de 2010 (Doc. 1 junto com a P.I.) mas: … “a parte do Senhor Carlos Gomes, com supervisão do filho Bruno embora os Pais não se apercebessem muito disso”. E que: …“não fosse o Bruno nunca me pagaram porque não lhes passava pela cabeça pagarem.me, não era por mal, não pagavam às Finanças, não pagavam à Empregada, oh Senhor Doutor se não fosse o Bruno, se não fosse o Bruno era um descalabro autêntico… Quem me pagou foi sempre o Bruno”. Disse ainda a referida Testemunha Natália Silva (interrogada pelo M. Juiz) que: “M.J.: Estes dois últimos Senhores (R.R. Bruno e Pedro) foram seus clientes? Natália Silva: “Não Senhor Doutor, só o Carlos e a falecida esposa é que foram”. Depoimento de Natália Silva gravado em 13/05/2022 no sistema Citius entre as 14:36 horas e as 16:03 horas.»

- «Dos presentes autos resulta a fls. que a Notificação Judicial Avulsa (Doc. 4 junto com a P.I.) foi subscrita pela Sra. Advogada Natália Silva no dia 10/07/2020; Notificação Judicial Avulsa esta que despoletou os presentes autos e em que a Sra. Advogada supra identificada foi mandatada pelo aqui R. Bruno para o sobredito efeito.»

- «Da sobredita Notificação Judicial Avulsa (Doc. 4 junto com a P.I.) não consta em parte alguma, nem se faz menção por qualquer forma e/ou meio da Adenda (Doc. 2 junto com a P.I.) realizada em 20/Maio/2015 entre Carlos Gomes, Carmen Gomes e Mário Branco (aqui A.), e que estava e está em vigor e é válida. Tudo isto apesar de,»

- «Desde, pelo menos, Julho/2015, os R.R. Bruno e Pedro saberem da sua existência (e teor) e até de terem “discutido/ debatido” com a Testemunha Natália Silva da existência da mesma, segundo o depoimento da própria Natália Silva. Porém,»

- «Nem o R. Bruno, nem a subscritora da susodita Notificação Judicial Avulsa, (que deu entrada em juízo em 10/07/2020) Dra. Natália Silva fizeram menção por qualquer forma e/ou meio a tal Adenda (Doc. 2 junto com a P.I.), na Notificação Judicial Avulsa que efectuaram (Doc. 4 junto com a P.I.). Bem sabendo que tal Adenda estava e está em vigor e era e é válida e que nunca a “atacaram” por qualquer forma e/ou meio, nomeadamente judicial, até à data de 28/05/2021 (quando apresentaram a sua Contestação/ Reconvenção).»

- «Tal comportamento processual por parte dos Réus consubstância manifesta má-fé. Ademais,»

- «Estribando-se na susodita Notificação Judicial Avulsa (Doc. 4 junto com a P.I.) os Réus moveram contra o aqui A. as acções seguintes: A) Execução proc. n.º 1323/21.0T8PTG; B) Embargo Extrajudicial de Obra Nova/ Procedimento Cautelar Apenso A do Proc. 82/20.9T8NIS.»

- «O processo referido em A) supra apesar de já ter sido decretada a sua Extinção está a ser objecto de Recurso e o A. continua a ter montantes penhorados nas suas contas Bancárias; a sua casa está penhorada.»

- «As acções referidas/ identificadas no art.º 12.º supra, causaram, na vida do A., transtornos enormes e avultados prejuízos, impossível, de momento, de contabilizar, até porque como se disse atrás o A. Ainda tem as suas contas Bancárias penhoradas (sabe-se lá por mais quanto tempo? Quid júris?) e a sua casa penhorada, sendo certo que, os transtornos e prejuízos continuam a existir e a causar prejuízos na vida do A. decorrentes das referidas acções judiciais. Portanto, de momento, impossíveis de contabilizar, até porque os prejuízos continuam.»

- «O “Modus Operandi” dos Réus, acima descrito, além de consubstanciar manifesta má-fé.»

- «Do depoimento da Testemunha Natália Silva tendo esta dito que Representou/ foi Mandatária Forense do Sr. Carlos Gomes e da mulher, Carmen até ao ano de 2019, pelos vistos não houve qualquer problema sobre a validade da Procuração que aqueles emitiram a seu favor. Aí já ninguém pôs em causa o estado de saúde e lucidez do R. Carlos e sua mulher, Carmen. Ou seja, no entender da Testemunha e uma vez que os representou até 2019 não houve qualquer obstáculo de falta de lucidez ou bebedeira quando os referidos Carlos e Carmen emitiram Procurações a seu favor e para os representar. Ademais,»

- «O A. sabe que os Pais dos Réus Bruno e Pedro, o aqui 1.º R. Carlos e sua mulher, Carmen, na Acção que aqueles moveram contra estes (Proc. n.º 35814/15.8T8LSB); estes disseram na sua Contestação (em 18/05/2016):

- “Art.º 71º: Estranha-se que os Requerentes venham invocar a incapacidade da Requerida quando esta só renunciou à gerência muito recentemente.”

- “Art.º 72º: Contudo, a Requerida continua como Directora Técnica da Clínica.”

- “Art.º 73º: Estranha-se também que o Requerente Bruno tenha como Directora Técnica da Clínica que gere, alguém que diz ser incapaz de gerir a sua pessoa e os seus bens.”

- “Art.º 74º: Estranha-se ainda que os filhos só venham pedir agora a inabilitação dos pais, quando, segundo eles, já estavam incapazes em 2013.”

- “Art.º 75º: Os Requeridos não necessitam de mais uma empregada, nem necessitam dos filhos para gerir as suas vidas ou os seus bens.”

- “Art.º 76º: A presente acção resulta do facto dos Requerentes pretenderem apoderar-se do património dos pais.”

- “Art.º 77º: Os Requerentes com a presente acção não visam qualquer preocupação com o modo de vida dos pais, ora Requeridos.”

- “Art.º 78º: Os Requerentes visam tão só apoderar-se do dinheiro e dos bens dos pais e colocaram-nos numa Casa de Repouso de qualidade duvidosa.”

- “Art.º 79º: Os Requeridos estão em condições de negociar, concluir ou executar quaisquer Contratos.”

- “Art.º 80º: Os Requeridos sempre geriram com critério e ponderação as suas contas bancárias.”

- “Art.º 81º: Caso não gerissem criteriosamente as contas, já não tinham dinheiro na sua conta.”

- “Art.º 82º: Os Requerentes invocam alguns factos abstratos e sem especificar casos concretos porque não existem situações que justifiquem o pedido da presente acção.”

- “Art.º 83º: Os Requerentes alegam situações abstratas com o único intuito, repete-se, de se apoderarem do dinheiro e dos bens dos Requeridos.”

- “Art.º 50º: A Requerida continua a conduzir, mas jamais o faz embriagada.”

- “Art.º 48º: A Requerida apenas facultou o cartão multibanco à sua empregada, pessoa de total confiança, por uma vez, para lhe comprar bens alimentares.”

- “Art.º 51º: Se a Requerida conduzisse embriagada, já tinha sido apanhada pela Polícia ou já tinha provocado acidentes, ou seja, mais uma mentira dos Requerentes.”

- “Art.º 66º: Os Requeridos estão a ponderar vender o terreno florestal que arrendaram ao arrendatário.”

- “Art.º 67º: Nunca ninguém se aproveitou dos Requeridos nem estes deixavam.”

- “Art.º 68º: A requerida foi sempre gerente da Clínica Médica.” (Vidé Certidão de fls. dos autos emitida em 22/12/2021, Proc. n.º 35814/15.8T8LSB, juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 2).”»

De novo, o recorrente pretende que o tribunal ad quem introduza longos excertos dos seus articulados, tal qual os redigiu, no enunciado da matéria de facto provada, independentemente da sua utilidade para a decisão do recurso e de tais excertos conterem matéria de facto, matéria conclusiva, matéria de direito, mera reprodução de depoimentos prestados ou comentários da sua autoria.

Esta actuação do recorrente não obedece ao disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. c), do CPC. Para cumprir o ónus estabelecido nesta norma, o recorrente teria de selecionar, de entre o conteúdo da sua alegação, factos propriamente ditos, propondo a sua inserção na matéria provada. Não basta transcrever parcialmente os seus articulados, nos termos expostos, e manifestar a pretensão de tudo isso ser inserido no enunciado dos factos provados, além do mais de forma tecnicamente inadmissível.

Note-se, por outro lado, que a escassa matéria de facto constante dos excertos acima reproduzidos é irrelevante para a decisão do recurso. Aliás, também aqui, o recorrente não se deu ao trabalho de justificar em que medida tal matéria influiria nessa decisão.

2.10. O recorrente pretende que o conteúdo das alíneas a), b), c) e g) do enunciado dos factos não provados seja julgado provado.

Está em causa a seguinte matéria de facto:

a) Por conta das facturas mencionadas em 20) o 1.º Réu e Carmen Gomes liquidaram € 841,50 (relativamente à factura n.º 77) e € 957,60 (respeitante à factura n.º 83).

b) Perante os consecutivos e reiterados pedidos do autor, o 1.º réu e Carmen Gomes invocaram dificuldades financeiras para não procederem ao pagamento atempado dos montantes em débito no valor de € 29.985,00, relativos às facturas em causa.

c) O 1.º réu e Carmen Gomes acordaram com o autor que a dívida de € 29.985,00 seria liquidada através de amortizações parciais anuais sucessivas no valor de € 5.000,00 até integral e efectivo pagamento, sendo a primeira amortização a realizar em 01.07.2017.

g) A parcela de terreno identificada em 22) constitui uma área particularmente valiosa para a agricultura pelo facto de o solo ser de maior qualidade e fertilidade e ter muita água.

Para sustentar a sua pretensão, o recorrente invoca:

- Relativamente à matéria constante das als a), b) e c), os depoimentos das testemunhas Graça Maria e António Joaquim, dos quais transcreveu os excertos que considerou relevantes; afirma ainda que as facturas em causa contêm as assinaturas do recorrido Carlos Gomes e do cônjuge deste e não foram impugnadas pelos recorridos;

- Relativamente à matéria constante da al. g), o «Relatório de Avaliação do Potencial Produtivo da Herdade da Tapada», apresentado em 07/10/2022 (Refª Citius: 43483410).

O recorrente alegou a matéria constante das als. a), b) e c) nos artigos 12.º a 22.º da petição inicial. Os recorridos, por seu turno, impugnaram tal alegação nos artigos 133.º e 139.º a 145.º da contestação. Relativamente às facturas em questão, afirmaram, no artigo 143.º, o seguinte: «Nem se diga que as facturas que o Autor acabou por juntar após apresentação da Petição Inicial como Documentos 5 e 6 demonstrariam fosse o que fosse: trata-se de documentos elaborados e emitidos pelo próprio Autor, e cada um declara o que entende.» Portanto, não corresponde à verdade que os recorridos não tenham impugnado a alegação do recorrente sobre as facturas em causa.

Do facto de o recorrido Carlos Gomes e o cônjuge deste terem, em data que se desconhece, aposto as suas assinaturas nas facturas, sem qualquer outra declaração, não é legítimo inferir que eles se assumiram como devedores das quantias nelas mencionadas. Para mais tendo em conta os graves problemas mentais e de consumo excessivo de bebidas alcoólicas que ambos apresentavam, com inevitável e notório reflexo no seu comportamento. Problemas esses que o recorrente conhecia, até porque foi para eles alertado, conforme se provou.

Do excerto do depoimento da testemunha Graça Maria transcrito nas alegações de recurso não resulta que esta tenha presenciado qualquer dos factos constantes das als. a), b) e c). Resulta, sim, que apenas sabe aquilo que o recorrente lhe disse.

Relativamente ao depoimento da testemunha António Joaquim, acompanhamos as reservas feitas pelo tribunal a quo à sua credibilidade. Ouvida a gravação, ficámos com a convicção de que tal depoimento é falso, do princípio ao fim, pelas seguintes razões:

- O recorrente reside em Tolosa, próximo de Portalegre, e António Joaquim em Benfica do Ribatejo, pelo que o primeiro, para ter a sua companhia até Lisboa, teria sido obrigado a fazer um significativo desvio para passar por esta última localidade, quer à ida, quer à vinda.

- O pretexto invocado para o facto de ter acompanhado o recorrente à residência do recorrente Carlos Gomes e do cônjuge deste em Lisboa, não é credível. Segundo António Joaquim, o recorrente precisou da sua companhia para conduzir a viatura até Lisboa por não se sentir à vontade a conduzir nesta cidade. Não especificou que tipo de dificuldade teria o recorrente em conduzir dentro de Lisboa, ou seja, se se manifestava ao nível da condução ou da orientação. Porém, qualquer delas é inverosímil. Conforme António Joaquim referiu, o recorrente é um condutor habitual de veículos pesados, pelo que dificilmente se imagina que tenha dificuldade em conduzir um veículo ligeiro, ainda que dentro de Lisboa. Se o problema do recorrente era orientar-se, tinha GPS, como António Joaquim referiu por duas vezes.

- A alegada dificuldade do recorrente em conduzir em Lisboa parece não ser permanente, porquanto, segundo António Joaquim afirmou, tratou-se da única vez em que o acompanhou a Lisboa. A menos que o recorrente quase nunca se desloque de automóvel a Lisboa ou vá pedindo a companhia de uma multiplicidade de pessoas para esse efeito.

- António Joaquim referiu que o recorrente nem sequer sabia se o recorrido Carlos Gomes e a sua esposa se encontravam em casa. Daí, segundo ele, ter ficado à espera, dentro da viatura, enquanto o recorrente ia ver se estava alguém em casa. Ora, não é crível que o recorrente se deslocasse, de propósito, a Lisboa, com passagem por Benfica do Ribatejo para levar quem pudesse conduzir o veículo dentro desta cidade, com a finalidade de falar com pessoas que nem sequer sabia se iria encontrar.

- Não é normal, à luz das regras da experiência comum e da própria cortesia, aparecer, sem pré-aviso, em casa de pessoas com quem não se tem uma relação próxima, às 10.30 horas da manhã. Para mais, acompanhado por um estranho, que nem sequer depois da suposta ida a casa do recorrido Carlos Gomes e esposa ficou a saber os nomes destes. Pior ainda, para interpelar os donos da casa no sentido de lhe pagarem uma suposta dívida. E, depois, ficar a almoçar com estes.

- Segundo António Joaquim, a casa do recorrido Carlos Gomes e sua esposa não apresentava qualquer problema ao nível da higiene, estando apenas, eventualmente, um pouco desarrumada. Ora, a restante prova contraria frontalmente esta descrição. A falta de higiene daquela casa era dramática. Atentemos no relatório da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa transcrito no n.º 58 da matéria de facto provada, elaborado na sequência de uma visita àquela casa na época da suposta visita do recorrente e de António Joaquim: «falta de condições de higiene e segurança (odor nauseabundo; baratas espalhadas pela casa; sofá com nódoas de fezes; quarto com mesa de cabeceira de madeira repleta de beatas), entre outros aspectos que condicionam a qualidade de vida e a saúde destes idosos.» António Joaquim não se apercebeu disto, não obstante, segundo afirmou, ter sido recebido na sala? Ou nunca esteve nesta casa? Contrapõe o recorrente, nas suas alegações, que a ausência de deficiências aparentes ao nível da higiene da casa é explicável pela presença da empregada doméstica, que teria, obviamente, estado a fazer limpezas e não «a jogar dominó» ou «a jogar damas com os patrões». Acreditamos que a empregada do recorrido Carlos Gomes e da esposa deste tenha estado a fazer limpezas, mas não que, às 10.30 horas de uma manhã aparentemente igual a tantas outras (recordemos que a visita do recorrente e de António Joaquim não foi anunciada), já tivesse conseguido pôr uma casa com um odor nauseabundo, com baratas e com um sofá com nódoas de fezes, no estado em que António Joaquim a descreveu. Mais, segundo António Joaquim, o recorrente esteve sentado no sofá da sala ao longo da conversa que descreveu, tendo-se ele instalado numa cadeira próxima. Ninguém sentiu um cheiro, no mínimo, anormal? Não é possível. Só pode concluir-se que António Joaquim nunca esteve na casa do recorrido Carlos Gomes e da esposa.

- Estranha-se a tão prodigiosa quanto selectiva memória de António Joaquim. Disse, em 13.05.2022, recordar-se perfeitamente de que a suposta ida à residência do recorrido Carlos Gomes e da esposa em Lisboa ocorrera em Janeiro ou Fevereiro de 2017. Descreveu pormenorizadamente a suposta conversa entre os donos da casa e o recorrente sobre o pagamento das despesas relativas à limpeza do prédio, nomeadamente o que eles teriam acordado sobre a forma como tal pagamento seria feito: compensação com o valor das rendas, cujo montante anual conseguiu especificar (€ 5.000). Disse recordar-se da conversa sobre as facturas emitidas pelo recorrente, nomeadamente que o recorrido Carlos Gomes concordava com os valores nelas mencionados. A certa altura do seu depoimento, afirmou que lhe pareceu que o recorrente e os donos da casa estavam a negociar a compra e venda do prédio. Instado a fornecer pormenores sobre essa conversa, António Joaquim escusou-se a responder, alegando que não estava com atenção, pois o negócio não era seu. Nesta ordem de ideias, não se percebe o que levou António Joaquim a estar tão atento à suposta conversa sobre o pagamento das despesas relativas à limpeza do prédio, já que também não era assunto seu. Foi patente o contraste entre a memória de António Joaquim sobre uma e outra conversas, apesar de as mesmas terem tido lugar mais ou menos em simultâneo, como frisou quando lhe foi perguntado quanto tempo aquela que versou sobre o pagamento das despesas relativas à limpeza do prédio teria durado.

Por tudo isto, o tribunal a quo andou bem ao desconsiderar o depoimento da testemunha António Joaquim. A qual, note-se, nada disse sobre os factos referidos nas als. a) e b).

Finalmente, acompanhamos a observação feita pelos recorridos no artigo 140.º da contestação: o recorrente nada de concreto alega acerca da celebração do suposto acordo de divisão de despesas com a limpeza do prédio, meramente prevista na cláusula 7.ª da «Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal» celebrada em 20.05.2015. Onde, quando e por que forma foi celebrado? Qual foi a proporção acordada? Não se compreende esta lacuna da alegação do recorrente, a qual torna ainda mais difícil acreditar que aquele suposto acordo tenha existido.

A matéria constante da al. g) não tem qualquer relevância para a decisão do recurso. Relevância essa que o recorrente, mais uma vez, não diz qual seja. Mais, trata-se de um facto alegado pelos recorridos (artigo 21.º da contestação) que, a ter alguma relevância, seria em benefício destes. Daí que, também em relação a ele, não possa o tribunal ad quem reapreciar a prova, sob pena de violação do artigo 130.º do CPC.

2.11. Segundo o recorrente, «A matéria referida em 58. Dos factos provados deve ser retirada dos factos provados uma vez que o Tribunal “a quo” “subtraiu” a informação relativa à Sra. Carmen Gomes, mulher do Réu Carlos Gomes, também ela subscritora do Contrato e Adenda “sub judice”.»

O n.º 58 do enunciado dos factos provados tem a seguinte redacção:

«Na sequência do determinado pelo Ministério Público em sede do processo n.º 257/17.8PVLSB, que correu termos na 7.ª secção do DIAP, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa elaborou um relatório, datado de 23 de Junho de 2017, referente à situação do 1.º réu e de Carmen Gomes, do qual consta o seguinte:

No dia 26 de Maio, a EAI regressou ao local, com o apoio da Polícia de Proximidade, da 21.ª Esquadra, pertencente a Campolide. Foi possível observar a falta de higiene na casa, bem como o estado físico e psicológico actual da Sra. Carmen Gomes e do marido, o Sr. Carlos Gomes. Esta visita foi efectuada no período da manhã, em que já era visível o estado de embriaguez em que se encontrava o Sr. Carlos, bem como os hábitos de consumo excessivos, sobretudo tabágicos, por parte da Sra. Carmen. (…)

Foi a Cuidadora Luísa que descreveu as rotinas deste casal e que têm contribuído para o agravamento do seu estado de saúde física e mental, colocando não em risco o seu bem-estar, mas também o bem-estar dos outros.

Das situações descritas pela Sra. Luísa, salientamos as seguintes: o consumo excessivo de álcool, por parte dos dois idosos, tendo a EAI observado a quantidade de álcool existente na casa, em detrimento de outros produtos essenciais, como os alimentares; os hábitos tabágicos, sobretudo por parte da Sra. Carmen, que colocam em risco a sua saúde, uma vez que a mesma já apresenta graves problemas de saúde; a administração de bebidas alcoólicas com medicamentos; a administração de medicamentos, sem controlo externo, sendo a Sra. Carmen que prescreve as receitas médicas a si própria e ao marido, derivado do facto de a mesma ter sido Médica e de manter ainda a respectiva cédula profissional; a falta de condições de higiene e segurança (odor nauseabundo; baratas espalhadas pela casa; sofá com nódoas de fezes; quarto com mesa de cabeceira de madeira repleta de beatas), entre outros aspectos que condicionam a qualidade de vida e a saúde destes idosos.»

Aparentemente, o recorrente insurge-se contra a não transcrição de uma parte do relatório respeitante à falecida esposa do recorrido Carlos Gomes.

O recorrente não esclarece em que medida a parte do relatório não transcrita pelo tribunal a quo seria útil para a decisão da causa, pelo que não é possível concluir que a sua inclusão no n.º 58 seja necessária.

Acresce que não é a ampliação da matéria constante do n.º 58 que o recorrente pretende, mas precisamente o oposto: a eliminação deste número. Isto não faz sentido. Se a matéria constante do n.º 58 fosse insuficiente, deveria ser ampliada, por forma a ficar completa. Não eliminada, aumentando assim a hipotética insuficiência da matéria de facto sobre as condições em que o recorrido Carlos Gomes e a esposa viviam.

Daí que, por um lado, aquela ampliação não deva ter lugar e, por outro, esta eliminação careça de fundamento.

2.12. Concluindo, a decisão tomada pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto deverá manter-se na íntegra.

3 – Tempestividade e fundamento da arguição da invalidade da adenda ao contrato de arrendamento celebrada em 20.05.2015:

Os recorridos pediram a anulação da “Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal”, celebrada em 20.05.2015, com a seguinte fundamentação:

- Por sentença proferida em 20.11.2019, transitada em julgado, o recorrido Carlos Gomes foi declarado maior acompanhado, em regime de representação geral pelo seu acompanhante, com início da respectiva incapacidade em data não apurada de 2012/2013, momento do agravamento do seu estado de saúde;

- Foi nomeado acompanhante o recorrido Bruno Gomes, seu filho; como acompanhante substituto, foi nomeado o recorrido Pedro Gomes, também filho do recorrido Carlos Gomes;

- Foi declarado, nessa sentença, que o recorrido Carlos Gomes carece de capacidade e idoneidade para reger a sua pessoa e os seus bens, bem como para exercer os seus direitos e cumprir os seus deveres de forma plena, pessoal e consciente; essa incapacidade verifica-se, pelo menos, desde o ano de 2013;

- O recorrido Carlos Gomes carecia de capacidade para compreender o sentido da declaração negocial, por si emitida, que esteve na origem da adenda, bem como das consequências desta, ruinosas para si;

- O recorrente conhecia a incapacidade do recorrido Carlos Gomes, incapacidade essa notória;

- Pelo que a adenda é anulável, nos termos do artigo 257º, aplicável ex vi artigo 154.º, n.º 3, do CC;

- O recorrido Bruno Gomes tomou conhecimento, primeiro da celebração da adenda e só posteriormente do seu teor;

- A invocação da anulabilidade da adenda é tempestiva, nos termos do artigo 287.º do CC, porque, por um lado, o vício que lhe serve de fundamento (incapacidade do recorrido Carlos Gomes) mantém-se, e, por outro, o negócio não se encontra ainda cumprido.

Na réplica, o recorrente, além de impugnar a alegação de que o recorrido Carlos Gomes se encontrava incapacitado aquando da celebração da adenda, defendeu-se nos seguintes termos:

«23.º

Disso têm inteiro e perfeito conhecimento os aqui 2º e 3º R.R. que, desde 20/Maio/2015 sabem que o que está em vigor é o Contrato Doc. 1 junto com a P.I. com a Adenda Doc. 2 junto com a P.I., realizada em 20/Maio/2015 e não qualquer outro tipo de contrato e/ou documento. Com efeito,

24.º

Apesar se saberem tal nunca interpuseram qualquer acção contra o Autor, a pôr em crise a supra identificada Adenda de 20/maio/2015, nem qualquer outra coisa. Donde, jamais o poderão fazer agora, por caducidade/prescrição do Direito, o que se argui/invoca para todos os efeitos legais dai decorrentes.»

Na sentença recorrida, esta pretensa excepção, que o recorrente denominou como «caducidade/prescrição», foi julgada improcedente, com fundamentação que assim se sintetiza:

- Foi decidido, na audiência prévia, sem que o recorrente tenha reclamado, que a matéria em questão não integra o objecto do litígio; na base dessa decisão está o entendimento de que, de acordo com os artigos 572.º e 573.º do CPC, compete ao réu deduzir toda a defesa na contestação, expondo os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas; se é incontroverso que o tribunal não se encontra adstrito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do CPC, também o é que às partes cabe alegar os factos essenciais em que se baseiam as excepções (n.º 1 do mesmo artigo), sob pena de violação do princípio do dispositivo;

- O recorrente nem sequer individualizou o instituto jurídico de cujo regime pretende beneficiar, limitando-se a invocar, genericamente, a «caducidade/ prescrição», com o que impediu o exercício do contraditório pelos recorridos;

- A prescrição e a caducidade, esta última desde que estabelecida em tema excluído da disponibilidade das partes, não são de conhecimento oficioso;

- Em todo o caso, o artigo 287.º, n.º 1, do C.C., estabelece que só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento; contudo, se o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência do prazo, tanto por via de acção como por via da excepção, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo;

- Ora, por um lado, a incapacidade do recorrido Carlos Gomes persistia à data da propositura da acção; por outro, sendo o arrendamento um contrato de execução continuada ou periódica, cujo cumprimento se prolonga no tempo, é aplicável o n.º 2 do artigo 287.º.

Nas alegações de recurso, o recorrente desenvolve a seguinte argumentação:

- Está provado que o recorrido Bruno Gomes teve conhecimento da adenda em Julho de 2015 e nada fez até requerer a notificação judicial avulsa, em 03.09.2020;

- Nos termos do n.º 1 do artigo 1085.º do CC, a resolução do contrato de arrendamento deve ser efectivada dentro do prazo 1 ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade;

- No artigo 24.º da réplica, o recorrente invocou a caducidade;

- Após mais de 5 anos de terem tido conhecimento da adenda, os recorridos não a impugnaram judicialmente, pelo que caducou o direito de o fazerem;

- A adenda não é um novo contrato, pelo que o direito à sua resolução e anulação caducara há muito, nos termos do artigo 1085.º, n.º 1, do CC;

- O tribunal a quo «olvidou-se» de dar por provado que o recorrido Carlos Gomes e sua esposa outorgaram escrituras públicas de compra e venda, perante notário, e que ninguém pôs esses negócios em crise;

- A gestão que a esposa do recorrido Carlos Gomes fazia das suas contas bancárias e investimentos também nunca foi posta em causa;

- Só a adenda, celebrada em 20.05.2015, foi posta em causa e anulada, sem que conste da matéria de facto provada que, aquando da sua celebração, o recorrido Carlos Gomes e a esposa não estivessem na plenitude das suas capacidades cognitivas e de entendimento.

O recorrente não tem razão, seja a que título for.

Desde logo, o recorrente não invocou devidamente a excepção de caducidade do direito de arguir a anulabilidade da adenda. Não especificou, sequer, se pretendia arguir a caducidade ou a prescrição, que são institutos jurídicos diversos. Daí que, em rigor, nem sequer se possa conhecer da questão da caducidade daquele direito. Tem, a este propósito, total pertinência a observação, feita pelo tribunal a quo, de que, a admitir-se uma arguição da caducidade nos termos em que o recorrente o fez, ficaria prejudicado o exercício do contraditório pelos recorridos.

Ainda que se considerasse que a caducidade do direito de arguir a anulabilidade da adenda foi devidamente invocada, o recorrente não teria razão.

Desde logo, o recorrente deturpa os factos. Como vimos em 2.1, o facto de se encontrar provado que o recorrente Bruno Gomes tomou conhecimento da subscrição da adenda não equivale a ele conhecer o conteúdo desta.

O recorrente também não é rigoroso na invocação das normas jurídicas aplicáveis, confundindo a caducidade do direito de invocar a anulabilidade da adenda (artigo 287.º, n.º 1, do CC), com a caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento (artigo 1085.º, n.º 1, do CC).

Ao contrário do que o recorrente sustenta, a adenda constitui um novo contrato, que apenas tem a particularidade de, em vez de estabelecer uma relação contratual nova, alterar uma relação contratual pré-existente. Trata-se de um contrato modificativo de um contrato anterior (cfr. artigo 406.º, n.º 1, do CC). Seja como for, não vemos que interesse isto possa ter para a discussão da questão da caducidade do direito de arguir a anulabilidade da adenda.

Independentemente da data em que cada um dos recorridos teve conhecimento do conteúdo – e não, meramente, da existência – da adenda, é certo que, por um lado, persiste o vício determinante da anulabilidade (incapacidade do recorrido Carlos Gomes) e, por outro, o contrato de arrendamento tem natureza duradoura, tendo sido executado até à data da propositura da acção. Daí que, nos termos do artigo 287.º do CC, não tenha ocorrido a caducidade do direito de arguir a anulabilidade da adenda.

A argumentação do recorrente relativa ao fundamento da anulação da adenda também não procede.

Sobre a outorga, pelo recorrido Carlos Gomes e sua esposa, de duas escrituras públicas de compra e venda, e a irrelevância desse facto para a avaliação da capacidade daqueles, pronunciámo-nos em 2.2. Nada temos a acrescentar.

Não ficou provada a prática, pela falecida esposa do recorrido Carlos Gomes, de qualquer acto de gestão das contas bancárias e os investimentos de que era titular, pelo que o argumento de que essa hipotética gestão nunca foi posta em causa é destituído de valor.

Quanto a não ter ficado provado que, aquando da celebração da adenda, em 20.05.2015, o recorrido Carlos Gomes e a esposa não estivessem na plenitude das suas capacidades cognitivas e de entendimento, a falta de razão do recorrente é manifesta. Aquilo que resulta do enunciado da matéria de facto provada é precisamente o contrário. Desde momento anterior ao da celebração da adenda, eram evidentes para todos, nomeadamente para o próprio recorrente, os problemas mentais, agravados pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas, quer do recorrido Carlos Gomes, quer da esposa deste. Eles não tinham capacidade, sequer, para assegurarem os cuidados básicos a si próprios, nomeadamente ao nível da sua higiene pessoal e da sua habitação, ao ponto de ter sido necessária a intervenção da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, cujos técnicos se depararam com uma situação deplorável ao nível da salubridade da referida habitação.

Por outro lado, o recorrente parece esquecer que, «por sentença de 20 de Novembro de 2019, proferida pelo Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 2, no âmbito do processo n.º 35814/15.8T8LSB, transitada em julgado, o 1.º réu foi declarado maior acompanhado, em regime de representação geral pelo seu acompanhante, com início da respectiva incapacidade em data não apurada de 2012/2013, momento do agravamento do seu estado de saúde.» (n.º 23 do enunciado dos factos provados). Daí que, com fundamento no disposto nos artigos 154.º e 257.º do CC, o tribunal a quo tenha anulado a adenda. Quanto a isto, o recorrente nada diz, antes persistindo na afirmação, absolutamente destituída de fundamento, de que não ficou provado que o recorrido Carlos Gomes e a esposa não estivessem na plenitude das suas capacidades cognitivas e de entendimento aquando da celebração da adenda.

Deverá, pois, manter-se o decidido pelo tribunal a quo nesta matéria.

4 – Valor jurídico da alteração ao contrato de arrendamento datada de 01.03.2016:

O recorrente pretende que o «escrito» denominado «Alteração ao Contrato de Arrendamento Florestal», datado de 01.03.2016, seja «declarado nulo e inexistente judicialmente, uma vez que, nunca vigorou entre o A. e o R. Carlos e mulher, Carmen, nunca correspondeu à vontade real e efectiva de ninguém; nunca foi participado à A.T.. Só serviu para o R. Carlos e mulher se defenderem no Proc. n.º 35814/15.8T8LSB que os seus filhos lhe tinham movido.»

É evidente a inutilidade da discussão que o recorrente pretende introduzir. A referida «Alteração ao Contrato de Arrendamento Florestal» foi anulada pelo tribunal a quo, anulação essa que constituiu um dos fundamentos para o mesmo tribunal considerar em vigor e, consequentemente, aplicar a versão originária do contrato de arrendamento. Daí que uma hipotética alteração do valor negativo da alteração celebrada em 01.03.2016 fosse absolutamente inócua. Acresce que os pressupostos de facto da alteração pretendida pelo recorrente não se provaram.

5 – Validade e eficácia da resolução do contrato de arrendamento:

Atentas a invalidade e a consequente anulação, quer da “Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal” subscrita em 20.05.2015, quer da “Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal” subscrita em 01.03.2016, anulação essa que tem eficácia retroactiva (artigo 289.º, n.º 1, do CC), considera-se que o «Contrato de Arrendamento Florestal» celebrado em 01.12.2010 vigorou até 03.09.2020, data em que, através de notificação judicial avulsa, foi resolvido.

O fundamento da resolução foi a falta de pagamento das rendas vencidas em 01.07.2017, 01.07.2018, 01.07.2019 e 01.07.2020. Cabia ao recorrente o ónus da prova desse pagamento, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do CC. Porém, os factos alegados pelo recorrente com vista a demonstrá-lo foram julgados não provados.

A falta de pagamento da renda constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento rural pelo senhorio, nos termos do artigo 17.º, n.º 2, al. a), do Novo Regime do Arrendamento Rural (Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13.10).

Consequentemente, a resolução do contrato, efectuada em 03.09.2020, foi válida e eficaz, tendo produzido o seu típico efeito extintivo da relação contratual. Extinguiu-se, assim, o título jurídico que legitimava o recorrente a ocupar o prédio, pelo que ele tem o dever de o restituir desde aquela data, tal como se decidiu na sentença recorrida.

6 – Condenação do recorrente no pagamento do valor dos eucaliptos cortados após 03.09.2020:

O recorrente insurge-se contra a sua condenação a pagar, aos recorrentes, o valor correspondente aos eucaliptos que cortou, no prédio arrendado, após 03.09.2020, com argumentação que assim se sintetiza:

- Em 03.09.2020, estava em vigor a adenda ao contrato de arrendamento celebrada em 20.05.2015, a qual nunca foi posta em crise até 28.05.2021, não obstante o recorrido Bruno Gomes dela ter tomado conhecimento em Julho de 2015;

- A decisão do tribunal a quo «consubstância em si mesmo, um manifesto abuso de direito (artº 334º do Código Civil) atento as demais Decisões objecto do segmento decisório que condenaram o A./Reconvindo a pagar a renda, a pagar o dobro da renda, a pagar juros e com esta Decisão a pagar o “fruto” objecto do Contrato de Arrendamento Florestal criado pelo arrendatário aqui A./Reconvindo.»

- A mesma decisão «consubstância também um manifesto enriquecimento sem causa (artº 473º do Código Civil).»

O tribunal a quo fundamentou este segmento da sua decisão nos seguintes termos:

«Por via da ampliação do pedido requerida em 31-01-2022 e deferida pelo Tribunal em 01-04-2022, os reconvintes peticionaram ainda o valor, com crescimento completo, de todos os eucaliptos por si cortados após a resolução do contrato de arrendamento, a liquidar em momento posterior, nos termos do art. 556º, n.º 1, alínea b) do CPC, e do art. 559º do Código Civil.

No que respeita a esta matéria deflui da factualidade dada como provada que em datas não concretamente apuradas, mas entre Setembro de 2020 e Junho de 2021, o autor procedeu ao corte de eucaliptos no imóvel objecto do acordo mencionado no ponto 5) em quantidade não concretamente apurada cfr. ponto 108) dos factos dados como provados pelo Tribunal.

Resulta também da cláusula 5.º do contrato de arrendamento em apreço, que o autor estava autorizado a efectuar o corte de eucaliptos durante a vigência daquele contrato vide ponto 5).

Acresce que, conforme o acima decidido, o contrato de arrendamento cessou por caducidade no dia 1 de Dezembro de 2017, estando o autor obrigado a restituir o prédio em causa a partir daquela data. Nos termos do disposto no art. art. 1271.º do C.C. “[O] possuidor de má-fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde, além disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido.”

Por outro lado, «[A]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.» - cfr. art. 483.º do C.C. - «devendo reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» cfr. art. 566.º do C.C.- sendo a indemnização fixada em dinheiro, «sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

Destarte, cessado o contrato de arrendamento em análise, extinguiu-se também o direito que assistia ao autor de cortar eucaliptos no prédio do 1.º réu.

Assim, ao cortar as referidas árvores, o autor impediu o 1.º réu de obter proveito, no futuro, da rentabilização daquelas, nomeadamente através da venda da respectiva madeira.

Ademais, apesar de notificado para o efeito em 3 de Setembro de 2020, o autor não procedeu à restituição do imóvel em causa, pelo que se tornou possuidor de má fé a partir daquela data.

Consequentemente, ao abrigo do acima expendido, deverá o autor indemnizar os réus no valor corresponde aos eucaliptos por si cortados, a partir de 3 de Setembro de 2020, conforme o peticionado. (…)»

A improcedência do argumento, avançado pelo recorrente, de que, em 03.09.2020, estava em vigor a adenda ao contrato de arrendamento celebrada em 20.05.2015, que nunca foi posta em crise até 28.05.2021, é evidente. Está em causa o corte de eucaliptos feito pelo recorrente posteriormente a 03.09.2020, data em que foi notificado da resolução do contrato de arrendamento. Ao ser notificado, o recorrente ficou ciente da vontade dos proprietários do prédio de fazer cessar o contrato de arrendamento. Vigorava então a adenda, mas o recorrente conhecia perfeitamente as condições em que a mesma fora celebrada, com aproveitamento da situação de incapacidade do recorrido Carlos Gomes e da falecida esposa deste. Seguramente o recorrente percebeu que, a partir de 03.09.2020, passou a estar em conflito aberto com os recorridos sobre a subsistência da relação jurídica de arrendamento e a ocupação do prédio. Não obstante, procedeu ao corte de eucaliptos. Daí a justeza da sua condenação a indemnizar os recorridos do valor destes, cuja fundamentação jurídica o recorrente não refuta.

A afirmação, feita pelo recorrente, de que a decisão do tribunal a quo consubstancia um manifesto abuso do direito, não tem razão de ser.

Desde logo, os tribunais não abusam do direito. Na pior das hipóteses, decidem tarde, decidem mal, ou ambas as coisas ao mesmo tempo. Aquilo que não faz qualquer sentido é dizer-se que um tribunal, ao tomar determinada decisão, cometeu um abuso do direito.

Por outro lado, este segmento da sentença recorrida não gera qualquer enriquecimento sem causa dos recorridos.

Não existe qualquer óbice à cumulação das condenações do recorrente a pagar as rendas vencidas e não pagas até 03.09.2020, juros de mora sobre essa quantia, uma indemnização correspondente ao dobro da renda estipulada pelo tempo decorrido desde 03.09.2020 até à data da restituição do prédio e uma indemnização pelo corte dos eucaliptos.

As rendas em atraso são devidas como contrapartida pelo gozo do prédio durante o período a que respeitam. Os juros de mora são devidos pelo atraso no pagamento dessas rendas. A indemnização correspondente ao dobro das mesmas rendas visa ressarcir o dano resultante do atraso na restituição do prédio, nos termos do artigo 1045.º do CC.

Todas estas quantias seriam devidas ainda que o recorrente não tivesse procedido ao corte de eucaliptos posteriormente à data da resolução do contrato, 03.09.2020. Daí que o dano causado pelo recorrente com esse corte tenha autonomia, gerando, na esfera jurídica de cada um dos recorridos, um direito de indemnização que não se confunde com qualquer dos direitos acima referidos.

Deverá, pois, manter-se a condenação do recorrente no pagamento do valor dos eucaliptos cortados após 03.09.2020.

7 – Condenação do recorrente por litigância de má-fé:

O tribunal a quo condenou o recorrente por litigância de má-fé com fundamento na manifesta contradição da versão por si apresentada com aquilo que resultou da prova produzida, nomeadamente quanto às seguintes matérias:

- Incapacidade do recorrido Carlos Gomes e da sua falecida esposa, que era notória e conhecida do recorrente, pelo menos, desde Maio de 2015;

- Existência de um aditamento ao contrato de arrendamento posterior à adenda celebrada em 20.05.2015, a qual foi omitida pelo recorrente na sua alegação;

- Entrega, pelo recorrente, em 2015 e 2016, das quantias mencionadas nos n.ºs 81 a 84 do enunciado da matéria de facto provada.

Considerou o tribunal a quo que o recorrente não podia deixar de ter conhecimento desses factos, uma vez que foram por si praticados e presenciados, pelo que a sua conduta processual preenche as previsões das als. a) e b) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC.

O recorrente insurge-se contra a referida condenação, argumentando que «não logrou provar que as quantias em questão foram entregues a título de empréstimo, pela simples razão que o A. em depoimento que prestou em Tribunal perante o M. Juiz “a quo” disse-lhe que tal quantia foi entregue a título de empréstimo. Porém, o Sr. Juiz não acreditou, não tendo dado tal por provado. Porém, em parte alguma da matéria dada por provada está dado por provado qual o fim a que se destinavam os montantes referidos em 81. a 84. Dos factos provados. V.g. não constam dos autos quaisquer recibos de renda emitidos pelo R. Carlos e/ou Carmen, nem estes declararam o que quer que fosse relativamente a tal junto da A.T./Serviço de Finanças conforme informação de Fls. dos autos dada por essa Entidade. Donde, jamais o A./Reconvindo deveria ter sido condenado como litigante de má-fé.»

O recorrente não tem razão.

De acordo com o n.º 2 do artigo 542.º do CPC, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

O recorrente não discute os dois primeiros fundamentos da sua condenação por litigância de má-fé que acima enunciámos. Sendo assim, essa condenação sempre teria de se manter, ainda que com fundamentação mais restrita. A conduta processual do recorrente cuja qualificação como litigância de má-fé ele não põe em causa é suficiente para o preenchimento das previsões das als. a) e b) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC.

No que concerne ao terceiro fundamento da sua condenação por litigância de má-fé, a argumentação do recorrente é muito redutora. Tal condenação não decorreu, meramente, do facto de o tribunal não ter acreditado em si quando declarou que as quantias mencionadas nos n.ºs 81 a 84 do enunciado da matéria de facto provada foram entregues a título de empréstimo. O seu fundamento foi muito mais amplo, decorrendo do seguinte trecho da sentença recorrida:

«Noutro plano, a globalidade da versão do autor perde credibilidade com a factualidade dada como provada pelo Tribunal em 81) a 84), concernente à entrega da quantia de 17.000,00€ ao casal Gomes, nos anos de 2015 e 2016 – o que corresponde, grosso modo, ao valor da renda inicialmente acordada [cfr. cláusula 4.º do acordo referido no ponto 5)] e precisamente à renda acordada em sede do subsequente aditamento de Março de 2016 [cfr. cláusula 2.ª do acordo referido no ponto 80)]

Pronunciando-se sobre esta factualidade em sede de depoimento de parte, o autor referiu que as quantias em causa foram entregues a título de empréstimo, por si concedido ao casal Gomes.

Ora, em primeiro lugar cabe notar que o autor, nos presentes autos, apenas abordou esta matéria em sede depoimento de parte, no seguimento do alegado pelos réus na contestação – vide artigos 112.º 113.º.

Seria expectável, tendo em conta os termos do litígio, que o autor aflorasse este tema na sua petição inicial, sobretudo tendo em conta o si alegado quanto à amortização da renda como forma de compensação da dívida do casal para consigo, motivada por falta de condições financeiras.

Sob outro ângulo, também seria crível que existisse alguma forma de formalização do empréstimo, tendo em conta o facto de o autor ser empresário em nome individual (conforme resultou do depoimento da testemunha Graça Maria) e o modus operandi dos negócios levados a cabo entre o autor e casal Gomes, assente na redução a escrito dos acordos firmados entre si.

Ademais, também se afiguraria expectável que o autor tivesse envidado esforços para reaver a quantia em causa, seja pela via judicial ou extrajudicial, sobretudo após a comunicação da resolução contratual referida no ponto 10).

Por outro lado, há que mencionar o acordo referido no ponto 80) dos factos dados como provados (não mencionado pelo autor na sua petição inicial), através do qual foi estipulada uma renda, precisamente no valor de 17.000,00€, o que abala em larga medida a versão oferecida pelo autor.

Por último, a explicação em causa não se coaduna com a situação patrimonial do casal Gomes, já acima abordada.»

Portanto, além do mais, o recorrente nem sequer mencionou a entrega das quantias em causa na petição inicial, apesar de se tratar de um facto fundamental para a compreensão da situação dos autos. Apenas o fez em sede de depoimento de parte, no seguimento do alegado pelos recorridos na contestação (artigos 112.º e 113.º) e perante a evidência da prova documental por estes apresentada, sustentando, então, a versão, absolutamente inverosímil, de que se teria tratado de um empréstimo. O recorrente omitiu, assim, factos relevantes para a decisão da causa e, quando tais factos foram adquiridos no processo por outra via, procurou alterar a verdade dos mesmos. Tem, pois, total justificação a sua condenação por litigância de má-fé.

O recorrente considera que o montante da multa em que foi condenado por litigância de má-fé (50 UC) é «excessivo, descabido, iníquo, desproporcional e insensato, consubstanciando em si mesmo um manifesto abuso de direito». Não justifica esta afirmação.

Carece de sentido a invocação da cláusula geral do abuso do direito nesta sede. Trata-se aqui da aplicação de uma sanção e não do exercício, pelo tribunal, de um direito, muito menos de forma abusiva. Damos por reproduzido o que a esse propósito afirmámos em 6.

O recorrente não diz porque considera «excessivo, descabido, iníquo, desproporcional e insensato» o montante de 50 UC. Sendo assim, não há argumentos que possam ser apreciados pelo tribunal ad quem. Já a fundamentação expendida pelo tribunal a quo parece-nos razoável. Daí que não encontremos razão para alterar aquele montante.

Mantendo-se, nos exactos termos decididos pelo tribunal a quo, a condenação do recorrente por litigância de má-fé, fica prejudicado o conhecimento da ampliação do objecto do recurso requerida pelos recorrentes, que se circunscreve à referida questão.

8 – Condenação dos recorridos por litigância de má-fé:

O recorrente considera que os recorridos deviam ter sido condenados por litigância de má-fé porquanto, apesar de o recorrido Bruno Gomes ter tomado conhecimento da «Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal» celebrada em 20.05.2015, não a mencionou na notificação judicial avulsa.

O recorrente não tem razão.

Resulta do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, transcrito em 7, que a condenação em multa e indemnização à parte contrária por litigância de má-fé em determinado processo pressupõe que a conduta processual merecedora daquela qualificação ocorra nesse processo. Não é admissível a condenação por litigância de má-fé com fundamento numa actuação levada a cabo noutro processo.

Acresce que a notificação judicial avulsa nem sequer é um processo judicial. Não há partes, mas sim um requerente e a pessoa cuja notificação este pretende. Não há litígio a dirimir pelo tribunal, mas apenas uma notificação a realizar nos termos do artigo 256.º do CPC. Tenha-se em mente o disposto no artigo 219.º, n.º 2, do CPC, nos termos do qual a notificação serve para, nos casos em que a lei não exija a citação, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto. Daí que não faça sentido falar-se em litigância de má-fé numa notificação judicial avulsa.

Pode, eventualmente, uma notificação judicial avulsa ser utilizada como instrumento de uma litigância de má-fé em determinado processo. Nessa hipótese, a conduta processual merecedora daquela qualificação deverá desenrolar-se nesse processo. Não faz sentido apreciar, no processo, a notificação judicial avulsa em si mesma, de forma isolada, mas apenas enquanto instrumento de uma actuação nele desenvolvida.

Nesta ordem de ideias, a omissão de referência, na notificação judicial avulsa mencionada no n.º 10 do enunciado dos factos provados, à «Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal» celebrada em 20.05.2015, de modo algum constitui litigância de má-fé, ou um instrumento para uma litigância de má-fé levada a cabo, neste processo, pelos recorridos. Aquela omissão é coerente com a posição, aqui assumida pelos recorridos, de que aquela adenda é nula ou, quando menos, anulável, pelo que o instrumento que regula a relação contratual entre as partes é o contrato de arrendamento celebrado em 01.12.2010. Posição essa que, acrescente-se, obteve vencimento.

Sendo assim, inexiste fundamento para condenar os recorridos por litigância de má-fé.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com fundamentação não coincidente.

Custas a cargo do recorrente.

Notifique.

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Évora, 07.03.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunto)

(2.º adjunto)


Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2024

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