Processo n.º 1463/22.9T8STB-A.E1
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Sumário:
1 – A decisão penal, ainda que absolutória, que
conhecer do pedido de indemnização civil, constitui caso julgado nos termos em
que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis.
2 – Para aquilatar da
verificação da excepção de caso julgado, nomeadamente da identidade entre o
pedido e a causa de pedir da acção, proposta no tribunal cível, onde aquela
excepção se suscita, e o pedido e a causa de pedir da acção civil enxertada no processo
criminal em que já foi proferida sentença transitada em julgado, a comparação
deve ser feita, não entre a petição inicial da acção cível e a sentença
criminal, mas sim entre a petição inicial da acção cível e a petição inicial
apresentada no processo criminal.
3 – A apreciação, feita na
sentença proferida no processo criminal, sobre a forma como o demandante alegou
os factos que constituíam a causa de pedir e formulou o pedido na petição
inicial aí apresentada, não vincula o tribunal civil em que seja proposta a
acção na qual a excepção de caso julgado se suscite. Só a decisão final,
proferida pelo tribunal criminal, sobre o pedido de indemnização civil, se
impõe com força de caso julgado material.
4 – O direito fundamental de
acesso ao direito e aos tribunais previsto no n.º 1 do artigo 20.º da
Constituição não impõe que, após o trânsito em julgado de sentença, proferida
em processo criminal, que julgue improcedente o pedido de indemnização civil,
se permita, ao ali demandante, propor acção idêntica na jurisdição civil.
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Autores: SC, FC e RC.
Réu: JR.
Pedido: Condenação do réu no
pagamento das seguintes quantias:
a) € 10.000 a título de indemnização
pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora SC em consequência da
violação dos deveres conjugais que sobre o réu impendiam, bem como em
consequência da violação dos seus direitos de personalidade, acrescido de juros
vencidos e vincendos desde a data da citação para a presente acção até integral
pagamento;
b) € 5.877 a título de indemnização
pelos danos patrimoniais causados pelo réu à autora SC, acrescido de juros
vencidos e vincendos desde a data da citação para a presente acção até integral
pagamento;
c) € 5.000 a título de indemnização
pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora RC em consequência da
violação dos deveres parentais que sobre o réu impendiam, bem como em
consequência da violação dos seus direitos de personalidade por parte do réu,
acrescido de juros vencidos e vincendos desde a data da citação para a presente
acção até integral pagamento.
d) € 7.000 a título de indemnização
pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor FC em consequência da violação
dos deveres parentais que sobre o réu impendiam, bem como em consequência da
violação dos seus direitos de personalidade por parte do réu, acrescido de
juros vencidos e vincendos desde a data da citação para a presente acção até
integral pagamento;
e) De todas despesas médicas e
medicamentosas que os autores venham a incorrer, em resultado das agressões
perpetradas pelo réu em relação aos autores FC e RC e da violação reiterada dos
deveres conjugais e da violação
dos seus direitos de personalidade quanto à autora SC, a apurar em sede de
execução de sentença.
Despacho saneador: Julgou
“verificada a excepção de caso julgado referente à matéria objecto de
apreciação e decisão no proc. n.º 281/19.6T9STB, igualmente fundamentadora da
causa de pedir nesta acção, que corresponde e abrange a seguinte matéria:
- Ao invocado controlo, pelo Réu, da
economia doméstica e seus reflexos na estabilidade da vida conjugal, assim como
da vida da própria 1.ª Autora (arts. 20.º a 48.º, 56.º a 63.º e 113.º a 121.º
da P.I.);
- Às legadas agressões físicas e verbais
de que a 1.ª Autora foi vítima, na presença dos 2.º e 3.º Autores, e clima
tenso que se vivia no seio do agregado familiar (arts. 88.º a 91.º da P.I.);
- Narradas agressões físicas aos 2.ª e
3.º Autores (arts. 64.º a 86.º e 97.º a 110.º da P.I.);
- Invocada perturbação emocional causada
aos Autores (arts. 128.º a 134.º da P.I.).”
Em consequência, o tribunal a quo absolveu o réu da instância nesta
parte, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, al. e), 577.º, al. i), 576.º, n.º
2, e 578.º, do CPC.
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A autora SC, em nome próprio
e no dos autores FC e RC, invocando a qualidade de representante legal destes, interpôs
recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto do
despacho saneador proferido pelo douto Tribunal a quo, no qual se julgou verificada a exceção de caso julgado,
absolvendo-se, em consequência, o Réu da instância.
B. O despacho saneador referido na
conclusão que precede preceitua que a matéria abaixo indicada já havia sido
objeto de apreciação e decisão no processo com o n.º 281/19.6T9STB (certidão de
cuja sentença consta dos autos), tudo conforme página 9 do despacho saneador
ora recorrido:
“-
Ao invocado controlo, pelo Réu, da economia doméstica e seus reflexos na
estabilidade da vida conjugal, assim como da vida da própria 1.ª Autora (arts.
20.º a 48.º, 56.º a 63.º e 113.º a 121.º da P.I.);
-
Às legadas agressões físicas e verbais de que a 1.ª Autora foi vítima, na
presença dos 2.º e 3.º Autores, e clima tenso que se vivia no seio do agregado
familiar (arts. 88.º a 91.º da P.I.);
-
Narradas agressões físicas aos 2.ª e 3.º Autores (arts. 64.º a 86.º e 97.º a
110.º da P.I.);
-
Invocada perturbação emocional causada aos Autores (arts. 128.º a 134.º da
P.I.);”
C. Tal decisão, porém, não poderá
manter-se no ordenamento jurídico, porquanto o douto Tribunal a quo não apreciou corretamente os
factos aduzidos no presente processo e, bem assim, os que resultam das peças
dos autos do processo n.º 281/19.6T9STB.
D. Para que se verifique a exceção de
caso julgado é necessário que exista uma tripla identidade de pedido, causa de
pedir e sujeitos processuais.
E. Da análise da sentença proferida nos
autos do processo n.º 281/19.6T9STB e da petição apresentada nos presentes
autos só poderá concluir-se que não se encontram reunidos tais requisitos, pelo
que, salvo melhor opinião, não estarão reunidos os requisitos impostos pelo
artigo 581.º do CPC.
F. Desde logo, porque não existe
identidade de pedidos. Vejamos:
G. No processo com o n.º 281/19.6T9STB,
no que tange com a apreciação do pedido de indemnização civil formulado (pois
que tal processo é processo crime onde foi enxertado pedido de indemnização
civil), lê-se o seguinte (cf. pp. 51 do referido aresto):
“[…]
Significa isto e não se descurando que o Tribunal está vinculado ao princípio
do pedido, não podendo, assim, atribuir indemnização a respeito de pedido não
formulado.
[…]”
H. Neste sentido, e ao contrário do que
vem expresso no douto despacho-saneador de que ora se recorre, não poderá
concluir-se pela existência da tripla identidade (pedido, causa de pedir e
sujeitos) a que alude o artigo 581.º do CPC, desde logo, porque não poderá
existir identidade de um pedido que, de acordo com a sentença proferida no
âmbito do processo n.º 281/19.6T9STB, não foi formulado.
I. Da sentença proferida no âmbito do
processo n.º 281/19.6T9STB, poder-se-á ainda retirar que não existe tampouco
identidade da causa de pedir, relativamente àquilo que seria o objeto de ambas
as ações (o PIC apresentado naqueloutro processo e a petição apresentada na
presente ação).
J. Sendo a causa de pedir o “conjunto dos factos que integram a previsão
da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito jurídico pretendido”
e tendo a sentença proferida no processo n.º 281/19.6T9STB decidido que
[naquele processo] não é reclamado “[…]
qualquer montante que se adstrinja a dano não patrimonial determinado pelo
demandado […]”, baseando-se, ao invés, a causa de pedir na presente ação
nos factos que foram dados como provados naquele processo, sempre teremos de
concluir que não existe tampouco identidade quanto à causa de pedir em ambas as
ações.
K. Também aqui soçobrando os requisitos
necessários para a verificação da exceção de caso julgado.
L. Mais ainda, contrariando a tese
propugnada pelo douto Tribunal a quo,
a ofensa ao caso julgado material não se verifica no presente processo na sua
vertente negativa, através da exceção do caso julgado, mas, pelo contrário,
através da sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado:
M. O “caso
julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou
situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o
objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da
relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste
caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica
que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou
regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a
relação ou situação que foi objecto da primeira decisão).” (cf. acórdão do
Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º
1545/19.4T8LRA.C1.S1). Ora,
N. O despacho saneador proferido nos
presentes autos não poderá vigorar no ordenamento jurídico na parte em que
ofende aquilo que vem decidido na sentença proferida (já transitada em julgado,
conforme se atesta pelas certidões juntas ao processo) nos autos do processo
n.º 281/19.6T9STB, nomeadamente naquilo que diz respeito à inexistência de
concreta formulação de pedido naquele processo,
O. Sendo certo que, no que revela para a
verificação da autoridade do caso julgado, é dispensada a identidade de pedido
e de causa de pedir, pelo que não existe qualquer contradição entre o que é
agora alegado e o que se veio de dizer quanto à não verificação da exceção de
caso julgado.
P. Mas não fica por aqui a contradição
existente entre o despacho saneador ora recorrido e a decisão anterior (com
ofensa ao caso julgado formado na sentença proferida no processo já
abundantemente referenciado com o n.º 281/19.6T9STB):
Q. No despacho saneador de que ora se
recorre enuncia-se o “fundamento fático
do pedido cível feito no proc. n.º 281/19.6T9STB”, referindo-se aos artigos
1.º a 19.º, 31.º a 39.º, 20.º a 30.º, 40.º a 55.º e 56.º a 60.º dessa peça processual.
Porém,
R. Na sentença proferida à margem do
referido processo n.º 281/19.6T9STB diz-se precisamente que tais artigos não
contêm “alegação fáctica”, limitam-se a reiterar “os termos da acusação”, têm
carácter “conclusivo/genérico/ ambíguo”, “sendo que a demais matéria reveste
carácter jurídico”.
S. Com efeito, e sempre com o devido
respeito, não poderá vir agora o doutro Tribunal a quo vir querer decidir diferentemente aquilo que já foi decidido
antes, a respeito da qualificação da narração aduzida pelos Recorrentes naqueloutros
autos.
T. Por um lado, o douto Tribunal a quo estriba-se na sentença proferida
nos autos do processo n.º 281/19.6T9STB para concluir pela existência da
exceção de caso julgado quando, na verdade, aquilo que faz é efetivamente
retirar todo o alcance que o caso julgado material tem relativamente à qualificação
da matéria de facto (que foi tida – a articulada no PIC, pela sentença
proferida nesses autos – como irrelevante e que, portanto, não poderá
constituir uma causa de pedir, pois que dela não se extrai uma relação material de onde o autor faz [fez] derivar o correspondente
direito, parafraseando o Acórdão da Relação de Coimbra, 17/05/2005, proc.
nº 3904/04, referido na nota de rodapé n.º 8 do despacho recorrido), com
efetivo prejuízo para a segurança jurídica,
U. Culminando com uma decisão que, a
transitar em julgado, sempre geraria uma contradição explícita com a sentença
proferida nos autos do processo n.º 281/19.6T9STB.
V. Mais ainda, tendo em consideração o
teor da decisão proferida no âmbito do processo 281/19.6T9STB – que refere não
ter sido alegada factualidade e não ter sido formulado qualquer pedido – e o
teor do despacho saneador – que refere ter existido repetição do pedido e da
causa de pedir –, os Recorrentes vêm perante uma situação clara de denegação de
justiça e de impedimento de acesso à tutela jurisdicional efetiva, o que
consubstancia uma violação clara do disposto no artigo 20.º da Constituição da
República Portuguesa, expressamente se alegando aqui a inconstitucionalidade da
decisão tomada pelo douto Tribunal a quo.
O recorrido apresentou
contra-alegações, com as seguintes conclusões:
A. Os Autores FC e RC, nos presentes,
autos, enquanto Menores, encontram-se representados pelo Ministério Público, na
qualidade de Curador Ad Litem.
B. Veio a Autora SC interpor Recurso em
representação dos filhos menores FC e RC, os quais se encontram representados
pelo Ministério Público.
C. E, pese embora o Despacho Saneador
recorrido faça cessar intervenção do Ministério Público em representação dos
Menores, a verdade é que ainda àquele cabia interpor Recurso, caso assim o
entendesse.
D. Temos que a Autora ora Recorrente SC
não tem a legitimidade para representar os Menores com a interposição Recurso.
E. Em face do exposto, por Falta de
Legitimidade da Autora SC para representar os Menores FC e RC – que, desde já,
se invoca – deverá, pelo menos no que aos Menores respeita o Recurso
Interposto, ser julgado totalmente improcedente.
F. SEM PREJUÍZO, Vem o presente recurso
interposto do despacho saneador proferido pelo douto Tribunal a quo, no qual se julgou verificada a
exceção de caso julgado e, em consequência, foi o Réu, aqui Recorrido,
absolvido da instância quanto à matéria que, no entender daquele douto Tribunal
a quo, foi objecto de apreciação e
decisão no processo n.º 281/19.6T9STB, abrangendo a seguinte matéria (cf.
despacho saneador de que ora se recorre, p. 9):
-
“Ao invocado controlo, pelo Réu, da economia doméstica e seus reflexos na
estabilidade da vida conjugal, assim como da vida da própria 1.ª Autora (arts.
20.º a 48.º, 56.º a 63.º e 113.º a 121.º da P.I.);
-
Às legadas agressões físicas e verbais de que a 1.a Autora foi vítima, na
presença dos 2.º e 3.º Autores, e clima tenso que se vivia no seio do agregado
familiar (arts. 88.º a 91.º da P.I.);
-
Narradas agressões físicas aos 2.ª e 3.º Autores (arts. 64.º a 86.º e 97.º a
110.º da P.I.);
-
Invocada perturbação emocional causada aos Autores (arts. 128.º a 134.º da
P.I.);”
G. Não concordando com o Teor do
Despacho Saneador, nomeadamente com a posição do douto Tribunal a quo na medida em que considerou
verificada a referida exceção de caso julgado, nos termos do artigo 581.º do
Código de Processo Civil, vieram os Autores interpor Recurso, pretendendo
anular tal decisão;
H. Porquanto, alegadamente não se
encontram reunidos/preenchidos todos os requisitos, designadamente a Identidade
de Pedidos e Identidade de Causa de Pedir.
I. No âmbito da presente acção, vieram
os Autores SC, FC e RC, pedir a condenação do Réu JR, nos seguintes termos:
- € 10.000,00 (quinze mil euros) a
título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela 1.ª Autora,
em consequência da violação dos deveres conjugais que sobre o Réu impendiam,
bem como em consequência da violação dos seus direitos de personalidade, acrescido
de juros vencidos e vincendos desde a data da citação para a presente acção até
integral pagamento;
- € 5.877,00 (cinco mil, oitocentos e
setenta e sete euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais
sofridos pela 1.ª Autora, acrescido de juros vencidos e vincendos desde a data
da citação para a presente acção até integral pagamento;
- € 5.000,00 (cinco mil euros) a título
de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela 3.ª Autora em
consequência da violação dos deveres parentais que sobre o Réu impendiam, bem
como em consequência da violação dos direitos de personalidade por parte do
Réu, acrescido de juros vencidos e vincendos desde a data da citação para a
presente acção até integral pagamento;
- € 7.000,00 (sete mil euros) a título
de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo 2.º Autor em
consequência da violação dos deveres parentais que sobre o Réu impendiam, bem
como em consequência da violação dos direitos de personalidade por parte do
Réu, acrescido de juros vencidos e vincendos desde a data da citação para a
presente acção até integral pagamento;
- De todas as despesas médicas e
medicamentosas que os Autores venham a incorrer em resultado das agressões
perpetradas pelo Réu em relação aos 2.o e 3.o Autores e da violação reiterada
dos deveres conjugais e da violação dos direitos de personalidade quanto à 1.ª Autora,
a apurar em sede de execução de sentença.
J. Da certidão junta sobre o pedido
cível formulado no proc. n.º 281/19.6T9STB, resulta que a demandante, aqui 1.ª
Autora (em nome próprio e no dos filhos, aqui 2.º e 3.ª Autores), formulou contra
o aqui Recorrido, os seguintes pedidos:
- € 10.000,00 (dez mil euros) a título
de danos não patrimoniais sofridos pela 1.ª Autora;
- € 2.500,00 (dois mil e quinhentos
euros) a título de danos não patrimoniais sofridos pelo 2.º Autor;
- € 2.500,00 (dois mil e quinhentos
euros) a título de danos não patrimoniais sofridos pela 3.ª Autora;
- € 5.801,55 (cinco mil, oitocentos e um
euros e cinquenta e cinco cêntimos) a título de indemnização pelos danos
patrimoniais sofridos pela 1.ª Autora.
K. Dispõe ainda o art. 581º do CP Civil:
“1
- Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos
sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2
- Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista
da sua qualidade jurídica.
3
- Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo
efeito jurídico.
4
- Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções
procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto
jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é
o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”.
L. A verdade é que, no tocante à
Identidade de Sujeitos, in casu, não
é sequer questionável: As partes são as mesmas - as partes são as mesmas sob o
aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial!
M. No tocante à Identidade de Pedidos
cumpre-nos mencionar que identidade de pedidos ocorrerá “se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional
pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na
concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter” - Cf. Acórdão
do STJ de 08/03/2007, CJ, STJ, Tomo I, p. 98 ss.
N. Nos presentes autos é peticionada a
condenação do Réu, ao pagamento à Autora de valores indemnizatórios com base em
danos patrimoniais e não patrimoniais por si ocasionados à 1.ª Autora, e por
danos não patrimoniais ocasionados aos 2.º e 3.ª Autores;
O. O mesmo sucede no caso do Processo
n.º 281/19.6T9STB, já julgado e há muito transitado em julgado!
P. Quanto à Identidade da Causa de Pedir
também não vislumbramos qualquer dúvida ou forma de entender em sentido
diverso.
Q. No caso em análise, ressalta que o
fundamento fático do pedido cível feito no proc. n.º 281/19.6T9STB, prendeu-se,
sumariamente, com:
- O invocado controlo, pelo Réu, da
economia doméstica e seus reflexos na estabilidade da vida conjugal, assim como
da vida da própria 1.ª Autora (arts. 1.º a 19.º e 31.º a 39.º desse pedido cível);
- Alegadas agressões físicas e verbais
de que a 1.ª Autora foi vítima, na presença dos 2.º e 3.ª Autores, e clima
tenso que se vivia no seio do agregado familiar – em especial, discussões de 01/12/2018
e de 02/01/2019 – (arts. 20.º a 30.º do pedido cível);
- Narradas agressões físicas aos 2.º e
3.ª Autores (arts. 40.º a 55.º do pedido cível, incluindo a adesão à acusação
pública);
- Invocada perturbação emocional causada
à Autora (arts. 56.º a 60.º do pedido cível).
R. Nos presentes autos, os fundamentos
fácticos dos pedidos feitos, prendem- se, sumariamente, com:
- O invocado controlo, pelo Réu, da
economia doméstica e seus reflexos na estabilidade da vida conjugal, assim como
da vida da própria 1.ª Autora (arts. 20.º a 48.º, 56.º a 63.º e 113.º a 121.º
da P.I.);
- Alegadas agressões físicas e verbais
de que a 1.ª Autora foi vítima, na presença dos 2.º e 3.ª Autores, e clima
tenso que se vivia no seio do agregado familiar (arts. 88.º a 91.º da P.I.);
- Narradas agressões físicas aos 2.º e
3.ª Autores (arts. 64.º a 86.º e 97.º a 110.º da P.I.);
- Invocada perturbação emocional causada
aos Autores (arts. 128.º a 134.º da P.I.).
S. PORTANTO, Factualidade coincidente,
que fundamenta a acção!
T. Conforme bem se denota da
factualidade provada e não provada da sentença de 01/07/2020, proferida no
proc. n.o 281/19.6T9STB, a matéria objeto dos presentes autos – ou, pelo menos,
uma parte - foi ali considerada e culminou com a Absolvição do Pedido.
U. A absolvição do pedido implica a
prévia apreciação do mérito da causa – como sucedeu no proc. n.º 281/19.6T9STB
–, o que implica a formação de caso julgado material dentro dos factos que
constituem a causa de pedir (arts. 5º, n.º 1, 580º, 581º, 619º e 620ºdo Código
de Processo Civil), impedindo a sua repetição.
V. Neste ensejo, não podem os Autores
vir exercer o mesmo direito, derivado da mesma factualidade, submetendo à
apreciação do Tribunal questões já antes debatidas e definitivamente
resolvidas;
W. Razão pela qual se encontra
verificada a excepção de caso julgado referente à matéria objecto de apreciação
e decisão no proc. n.º 281/19.6T9STB, igualmente fundamentadora da causa de
pedir nesta acção.
O requerimento de
interposição do recurso foi indeferido na parte em que este foi interposto em
nome dos autores FC e RC, por a autora SC não os representar em juízo, e
admitido na parte restante.
*
Questão a decidir: Se se
verifica a excepção de caso julgado nos termos em que o tribunal a quo decidiu.
*
O n.º 1 do artigo 580.º do
Código de Processo Civil (CPC) estabelece que as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de
uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à
litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido
decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção
do caso julgado. O n.º 2 do mesmo artigo estabelece que tanto a exceção da
litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja
colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
O artigo 581.º do CPC estabelece que se repete a causa quando se
propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de
pedir (n.º 1); que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob
o ponto de vista da sua qualidade jurídica (n.º 2); que há identidade de pedido
quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (n.º 3); e
que há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções
procede do mesmo facto jurídico (n.º 4). O n.º 4 estabelece ainda que, nas acções
reais, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real, e que,
nas acções constitutivas e de anulação, a causa de pedir é o facto concreto ou
a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.
O artigo 84.º do Código de Processo Penal (CPP) estabelece
que a decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil,
constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado
às sentenças civis.
O tribunal a quo
julgou verificada a excepção de caso julgado relativamente à seguinte matéria:
- Ao invocado controlo, pelo recorrido, da economia
doméstica e seus reflexos na estabilidade da vida conjugal, assim como da vida
da recorrente (artigos 20.º a 48.º, 56.º a 63.º e 113.º a 121.º da petição
inicial);
- Às legadas agressões físicas e verbais de que a recorrente
foi vítima, na presença dos filhos, e clima tenso que se vivia no seio do
agregado familiar (artigos 88.º a 91.º da petição inicial);
- Às alegadas agressões físicas aos autores FC e RC (artigos
64.º a 86.º e 97.º a 110.º da petição inicial);
- À invocada perturbação emocional causada à
recorrente e aos autores FC e RC (artigos 128.º a 134.º da P.I.).
A argumentação apresentada pela recorrente é,
sucintamente, a seguinte:
- Resulta da
análise da sentença proferida no processo criminal n.º 281/19.6T9STB (doravante
“sentença”) e da petição inicial destes autos (doravante “petição inicial”) que
não há identidade dos pedidos e das causas de pedir nos dois processos;
- Diz-se na sentença que a alegação
feita no pedido de indemnização civil era, ou conclusiva, ou fundada em
factualidade que não se provou; referindo a vinculação do tribunal ao princípio
do pedido, concluiu-se não se poder atribuir indemnização a respeito de pedido
não formulado; sendo assim, não pode existir identidade entre o pedido
formulado nestes autos e um pedido que, de acordo com aquela sentença, não foi
formulado;
- Na sentença, apesar de se ter
reconhecido que os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana se
verificaram, entendeu-se que os demandantes não reclamaram “qualquer montante que se adstrinja a dano não patrimonial determinado
pelo demandado na parte em que a conduta deste se consolidou”, antes tendo
fundado “a sua pretensão indemnizatória
(…) em alegação de natureza conclusiva ou em factualidade que não se provou”;
- Os factos alegados na petição inicial
estão intimamente ligados com aqueles que foram julgados provados na sentença,
não havendo, por isso, identidade entre estes últimos e os alegados no pedido
de indemnização civil, os quais foram julgados não provados ou qualificados
como conclusivos;
- Pelo que só poderá concluir-se que os
factos alegados no pedido de indemnização civil (dos quais não se extraíram
quaisquer efeitos jurídicos) não correspondem aos que foram alegados na petição
inicial, inexistindo, portanto, identidade de causas de pedir;
- A decisão recorrida ofende a
autoridade de caso julgado resultante da sentença, na medida em que, nesta, se
decidiu que o pedido de indemnização civil não continha, nem alegação fáctica,
nem um pedido concretamente formulado;
- A decisão recorrida deixa a recorrente
e os autores FC e RC perante uma situação de denegação de justiça e de
impedimento de acesso à tutela jurisdicional efetiva, o que viola o artigo 20.º
da Constituição da República Portuguesa.
Esta argumentação assenta num
equívoco: o de que, para aquilatar da verificação da excepção de caso julgado,
nomeadamente da identidade entre o pedido e a causa de pedir da acção onde
aquela excepção se suscita e o pedido e a causa de pedir daquela em que já foi
proferida sentença transitada em julgado, a comparação deve ser feita entre a
petição inicial daquela acção e esta sentença. É a esta operação que a
recorrente propõe que o tribunal ad quem
proceda e é com fundamento nos resultados que a mesma operação, por si feita, alegadamente
lhe proporcionou, que desenvolve a sua argumentação. Por se basear em tal
equívoco, toda essa argumentação se encontra, logo à partida, inquinada.
A comparação a que se tem de
proceder para aquilatar da verificação da excepção de caso julgado é entre a
petição inicial desta acção e o correspondente articulado, apresentado no
processo criminal, mediante o qual foi deduzido pedido de indemnização civil.
Isto porque foi nestas duas peças processuais que os autores, além de se
identificarem, alegaram os factos que constituem as causas de pedir e
formularam os pedidos, em cumprimento do disposto no artigo 552.º, n.º 1, als.
a), d) e e) do CPC, aplicável ao pedido de indemnização civil deduzido no
processo criminal ex vi artigo 4.º do
CPP. Não faz sentido apurar quais foram o pedido e a causa de pedir no processo
criminal por intermédio da sentença aí proferida, quando os mesmos resultam
directamente da petição inicial. Ou seja, não há razão válida para deixar de ir
à fonte, sem a mediação, absolutamente desnecessária, de outra peça processual,
máxime da sentença. Mais, se a
sentença criminal padecer de vícios como a nulidade prevista no artigo 379.º,
n.º 1, als. a) e c), do CPP, ou a insuficiência da matéria de facto provada
para a decisão, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, al. a), do mesmo código –
vícios esses que, a existirem, se consolidaram, uma vez que já se verificou o
trânsito em julgado –, poderá proporcionar uma imagem distorcida do objecto do
processo, nomeadamente da vertente cível deste.
Cotejando a petição inicial
desta acção com aquela em que foi formulado o pedido de indemnização civil no
processo criminal, verificamos que a causa de pedir da primeira coincide
parcialmente com a da segunda, nos exactos termos indicados na decisão
recorrida. Inúmeros artigos da petição inicial desta acção reproduzem, ipsis verbis, outros tantos artigos do
articulado mediante o qual o pedido de indemnização civil foi deduzido no
processo criminal. Outros artigos daquela petição apenas divergem dos
correspondentes artigos deste último articulado numa ou noutra palavra,
substituída por sinónimo. Globalmente, é evidente a identidade dos factos
alegados no articulado mediante o qual o pedido de indemnização civil foi
deduzido no processo criminal e a parte dos factos alegados na petição inicial
desta acção relativamente aos quais o tribunal a quo considerou verificar-se a excepção de caso julgado. A
exposição feita pelo tribunal a quo é
muito clara, pelo que nos limitamos a transcrevê-la:
“(…)
o fundamento fático do pedido cível feito no proc. n.º 281/19.6T9STB,
prendeu-se, sumariamente, com:
-
O invocado controlo, pelo Réu, da economia doméstica e seus reflexos na
estabilidade da vida conjugal, assim como da vida da própria 1.ª Autora (arts.
1.º a 19.º e 31.º a 39.º desse pedido cível);
-
Alegadas agressões físicas e verbais de que a 1.ª Autora foi vítima, na
presença dos 2.º e 3.º Autores, e clima tenso que se vivia no seio do agregado
familiar – em especial, discussões de 01/12/2018 e de 02/01/2019 – (arts. 20.º
a 30.º do pedido cível);
-
Narradas agressões físicas aos 2.ª e 3.º Autores (arts. 40.º a 55.º do pedido
cível, incluindo a adesão à acusação pública);
-
Invocada perturbação emocional causada à Autora (arts. 56.º a 60.º do pedido
cível);
Já
no âmbito da presente acção, os fundamentos fácticos dos pedidos feitos,
prendem-se, sumariamente, com:
-
O invocado controlo, pelo Réu, da economia doméstica e seus reflexos na
estabilidade da vida conjugal, assim como da vida da própria 1.ª Autora (arts.
20.º a 48.º, 56.º a 63.º e 113.º a 121.º da P.I.);
-
Alegadas agressões físicas e verbais de que a 1.ª Autora foi vítima, na
presença dos 2.º e 3.º Autores, e clima tenso que se vivia no seio do agregado
familiar (arts. 88.º a 91.º da P.I.);
-
Narradas agressões físicas aos 2.ª e 3.º Autores (arts. 64.º a 86.º e 97.º a
110.º da P.I.);
-
Invocada perturbação emocional causada aos Autores (arts. 128.º a 134.º da
P.I.);”.
Portanto, cotejando a
petição inicial desta acção com a do pedido de indemnização civil deduzido no
processo criminal, é manifesta a identidade acabada de assinalar. A causa de
pedir desta acção é, na medida acima referida, idêntica à daquele pedido. A
parte em que o não é também se encontra devidamente delimitada na decisão
recorrida.
Os pedidos formulados nesta
acção e no processo criminal são idênticos, ainda que a sua redacção não seja inteiramente
coincidente. Em ambos os processos, é pedida a condenação do recorrido a pagar
uma indemnização à recorrente e aos restantes autores, nos seguintes termos:
- Neste processo:
a) € 10.000 a título de indemnização
pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora SC em consequência da
violação dos deveres conjugais que sobre o réu impendiam, bem como em
consequência da violação dos seus direitos de personalidade, acrescido de juros
vencidos e vincendos desde a data da citação para a presente acção até integral
pagamento;
b) € 5.877 a título de indemnização
pelos danos patrimoniais causados pelo réu à autora SC, acrescido de juros
vencidos e vincendos desde a data da citação para a presente acção até integral
pagamento;
c) € 5.000 a título de indemnização
pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora RC em consequência da
violação dos deveres parentais que sobre o réu impendiam, bem como em
consequência da violação dos seus direitos de personalidade por parte do réu,
acrescido de juros vencidos e vincendos desde a data da citação para a presente
acção até integral pagamento.
d) € 7.000 a título de indemnização
pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor FC em consequência da violação
dos deveres parentais que sobre o réu impendiam, bem como em consequência da
violação dos seus direitos de personalidade por parte do réu, acrescido de
juros vencidos e vincendos desde a data da citação para a presente acção até
integral pagamento;
e) De todas despesas médicas e
medicamentosas que os autores venham a incorrer, em resultado das agressões
perpetradas pelo réu em relação aos autores FC e RC e da violação reiterada dos
deveres conjugais e da violação
dos seus direitos de personalidade quanto à autora SC, a apurar em sede de
execução de sentença.
- No processo criminal:
a) € 10.000 à lesada a título de danos
não patrimoniais;
b) € 2.500 ao menor FC a título de danos
não patrimoniais;
c) € 2.500 à menor RC a título de danos
não patrimoniais;
d) € 5.801,55 à lesada a título de danos
patrimoniais, a que acrescerão os valores de honorários a ser apurados até
final;
A título de ressarcimento pelos danos
morais e patrimoniais que a sua conduta ilícita lhe causou, tal como custas e
demais encargos legais.
Em qualquer dos processos, a
recorrente e os restantes autores pedem a condenação do recorrido a pagar-lhes
uma indemnização com fundamento em responsabilidade civil aquiliana, decorrente
dos factos que constituem a causa de pedir.
A sentença proferida no processo
criminal, já transitada em julgado, conheceu do mérito da causa, quer na
vertente criminal, quer na vertente cível. Nesta última, que é a que nos
interessa, a sentença absolveu o recorrido do pedido.
Sendo assim, concluímos que
se verifica a excepção de caso julgado relativamente aos factos indicados na
decisão recorrida, a qual não merece, pois, censura.
Não obstante a conclusão
acabada de enunciar, prossigamos a análise da argumentação da recorrente, para
que dúvidas não restem acerca da falta de razão desta.
A apreciação, feita na
sentença proferida no processo criminal, sobre a forma como a recorrente e os
restantes autores alegaram os factos que constituíam a causa de pedir e
formularam o pedido na petição inicial aí apresentada, não vincula o tribunal a quo. Tal apreciação não passou de uma
das operações a que o tribunal criminal procedeu com a finalidade de chegar à
decisão final, nem sequer tendo dado origem a uma decisão intermédia autónoma. Teve,
pois, um carácter meramente instrumental e intraprocessual, não relevando fora
do processo em que teve lugar. Só a decisão final, de improcedência do pedido
de indemnização civil, se impõe com força de caso julgado material, nos termos
dos artigos 619.º, n.º 1, do CPC, e 84.º do CPP. Daí que, ao contrário do que a
recorrente sustenta, a decisão recorrida não ofenda a autoridade de caso
julgado decorrente da sentença proferida no processo criminal.
Independentemente do aspecto
acabado de referir, a descrição que a recorrente faz da sentença proferida no
processo criminal não a retrata fielmente. É certo que a fundamentação desta
sentença, no que concerne ao pedido de indemnização civil, é insuficiente e não
prima pela clareza. Apesar disso, é seguro que, na mesma sentença, não se
afirmou que o pedido de indemnização civil não contivesse, nem alegação
fáctica, nem um pedido concretamente formulado. Considerou-se, sim, que os aí
demandantes cíveis não reclamaram “qualquer
montante que se adstrinja a dano não patrimonial determinado pelo demandado na
parte em que a conduta deste se consolidou”, antes tendo fundado “a sua pretensão indemnizatória (…)
em alegação de natureza conclusiva ou em factualidade que não se provou (…).”
Concluindo-se que, “não se descurando que
o Tribunal está vinculado ao princípio do pedido, não podendo, assim, atribuir
indemnização a respeito de pedido não formulado, que o pedido de indemnização
cível resulta improcedente, com a consequente absolvição do arguido.”
Com isto, certamente o
tribunal criminal quis dizer três coisas que podiam ter sido expressas de forma
bem mais simples:
1) Os demandantes cíveis não formularam
um pedido de indemnização por danos não patrimoniais que tivesse como
fundamento os factos julgados provados;
2) O pedido formulado pelos demandantes
cíveis tinha como fundamento, ou alegação de natureza conclusiva, ou factos que
não se provaram;
3) Por estar vinculado ao princípio do
pedido e atento o referido em 1) e 2), o pedido de indemnização civil teria de
ser julgado improcedente, com a consequente absolvição do demandado do mesmo
pedido.
Não nos compete apreciar o
acerto destas asserções. Relativamente à sentença proferida pelo tribunal
criminal, a nossa tarefa é meramente interpretativa. Ora, a interpretação
daquela sentença leva-nos a concluir que dela não consta aquilo que a
recorrente nela diz ler, ou seja, que o pedido de indemnização civil não
contivesse, nem alegação fáctica, nem um pedido concretamente formulado. Pelo
contrário, afirmou-se que o pedido formulado pelos demandantes cíveis tinha
como fundamento, além de alegação de natureza conclusiva, factos que não se
provaram. Portanto, o tribunal criminal considerou que foi formulado um pedido
e que foram alegados factos. Tanto assim foi, que julgou não provados factos
alegados pelos demandantes cíveis e absolveu o demandado do pedido cível, assim
proferindo uma decisão de mérito também na vertente cível.
Por fim, a recorrente
sustenta que a decisão recorrida a deixa perante uma situação de denegação de
justiça e de impedimento de acesso à tutela jurisdicional efectiva, o que viola
o artigo 20.º da Constituição.
Sem razão, mais uma vez.
Na acção cível enxertada no
processo criminal, a recorrente deduziu os pedidos que quis, com os fundamentos
que quis. Formulou um pedido de indemnização contra o aqui recorrido e ali
arguido, tendo alegado os factos que considerou pertinentes para a sua
fundamentação. O tribunal criminal apreciou esse pedido e proferiu uma decisão
de mérito, julgando-o improcedente. A recorrente podia interpor recurso da
sentença. Não o fez, permitindo que a mesma transitasse em julgado.
Portanto, em momento algum
foi impedido o acesso da recorrente à tutela jurisdicional efectiva. Repetimos,
a recorrente formulou um pedido de indemnização civil em processo criminal,
perdeu e não recorreu. Foi-lhe, assim, assegurado o acesso ao direito e aos tribunais
para defesa dos seus direitos, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º da
Constituição. Este direito fundamental não impõe, obviamente, a atribuição, à
recorrente, de uma segunda oportunidade para obter a condenação do recorrido na
indemnização a que ela considera ter direito, agora na jurisdição civil.
Concluindo, deverá julgar-se
o recurso improcedente e confirmar-se a decisão recorrida.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto,
julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da
recorrente.
Notifique.
*
Évora,
07.12.2023
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
1.ª adjunta
2.ª adjunta