Processo n.º 2983/16.0T8LLE-A.E1
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Sumário:
O
prazo de 20 dias estabelecido pelo artigo 598.º, n.º 2, do CPC, para o
aditamento ou a alteração do rol de testemunhas, tem por
referência a data inicialmente designada para a realização da audiência final
ou da primeira sessão desta.
Tal possibilidade de aditamento ou alteração do rol de testemunhas não
existe na hipótese de o tribunal ad quem
determinar que o tribunal a quo
reabra a audiência final com a finalidade de produção de
determinado(s) meio(s) de prova e ampliação da matéria de facto.
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Sociedade 1, Lda. interpôs
recurso de apelação de despacho, proferido na acção declarativa sob a forma de
processo comum por si proposta contra Carlos e Beatriz, que não admitiu um
aditamento ao seu rol de testemunhas.
As conclusões do recurso são as
seguintes:
I – O acórdão do Tribunal da
Relação de Évora de 20 de Dezembro de 2018 ordenou a reabertura da audiência de
julgamento, identificando concretas diligências probatórias que o Tribunal a quo deveria seguir e eventualmente outras
que este mesmo Tribunal entendesse necessárias à boa decisão da causa.
II – Não determinou que não
fossem permitidas outras diligências probatórias requeridas pelas partes,
designadamente o aditamento ao rol de testemunhas ora em causa e do contexto do
acórdão deve até retirar-se a interpretação de que, no caso, devem ser
admitidas todas as provas legalmente possíveis.
III – É que a recorrente alegou
como causa de pedir da acção o seu direito de propriedade sobre a “loja número
seis, que é a do rés-do-chão, traseiro centro e cave, para comércio, indústria
ou escritório, do prédio sito na Rua (…), Bloco (…), freguesia de (…). Concelho
de Loulé, sujeito ao regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz
urbana sob o artº nº (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de
Loulé sob o nº (…)”, adquirido por usucapião fundado na posse contínua, titulada,
pública pacífica e de boa fé, desde 11 de Agosto de 1989.
IV – Como a douta sentença então
recorrida julgou não provados os factos que integram a aquisição do direito por
aquisição, o recorrente pediu no recurso a alteração da decisão de facto sobre
os mesmos e o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre as conclusões a isso
atinentes, forçosamente terá de entender-se que a matéria relativa à posse da
recorrente e respectivas características deverá ocorrer no âmbito da audiência
cuja reabertura foi ordenada.
V – Ora, se fosse para, na
audiência reaberta, apenas se terem em conta o resultado da perícia e do exame
dos documentos camarários e os factos daí resultantes, e não também para o
reapreço de todos os factos, designadamente relativos à usucapião, naturalmente
à luz da prova produzida e a produzir, nenhuma utilidade se aproveitaria do acórdão
para que a causa tivesse uma boa decisão.
VI – O disposto no artigo 598º,
nºs. 2 e 3, permite que, mesmo nos casos de reabertura da audiência, seja admissível
o aditamento ao rol de testemunhas, desde que a parte contrária possa usar da
mesma faculdade. É o que resulta da ratio
de tal norma e é sustentado pela doutrina e jurisprudência, à luz do princípio
da verdade material imanente ao actual Código de Processo Civil.
VII – O douto despacho recorrido
interpretou e aplicou erradamente, quer o que consta do douto Acórdão do
Tribunal da Relação que ordenou a reabertura da audiência, quer a regra do artigo
598º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Os recorridos não apresentaram
contra-alegações.
O recurso foi admitido, com
subida em separado e efeito meramente devolutivo.
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Questão a resolver: saber se, na
sequência do acórdão proferido por esta Relação em 20.12.2018, era admissível, às
partes, procederem ao aditamento dos seus róis de testemunhas.
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Factos relevantes para a decisão do
recurso:
1 – Da fundamentação do acórdão
proferido por esta Relação em 20.12.2018 consta o seguinte:
“Suscita-se
uma questão prévia: a deficiência da decisão sobre a matéria de facto e a
necessidade de ampliar esta última de forma a incluir factos instrumentais
resultantes da instrução da causa.
O
tribunal a quo julgou provado que “Nunca a autora ou os réus questionaram ou
por qualquer forma se opuseram à posse que cada qual faz do espaço físico da
loja que respectivamente ocupam, apenas discordando quanto à identificação da
fracção autónoma a que corresponde cada espaço físico e loja no título constitutivo
da propriedade horizontal e no registo predial” (ponto 5). Daqui se depreende
que o tribunal a quo adquiriu a convicção de que a recorrente ocupa uma
fracção/loja e os recorridos ocupam outra fracção/loja, integrantes de um mesmo
edifício. Porém, tal facto não consta do elenco dos factos provados. E deveria
constar, pois foi alegado pela ora recorrente e é essencial para enquadrar toda
a restante matéria de facto relevante para a decisão da causa, nomeadamente
aquela que consta do referido ponto 5 e os factos instrumentais que em seguida
referiremos.
A
questão central deste processo consiste em saber qual é a letra correspondente
a cada uma das referidas fracções/lojas. Por outras palavras, em saber quem
ocupa a fracção/loja D e quem ocupa a fracção/loja F, sendo certo que ambas as
partes afirmam ocupar esta última.
Sendo
estes os termos do litígio, era essencial que o tribunal a quo indicasse, nos
factos provados, qual é a fracção/loja ocupada pela recorrente e qual é a
fracção/loja ocupada pelos recorridos. Não, obviamente, através da referência a
letras, pois é isso que está em discussão, mas através da localização de cada
uma dessas fracções/lojas no edifício, nomeadamente especificando se se situam
na parte da frente, na parte traseira ou em alguma das partes laterais deste
último e quais são as fracções/lojas contíguas a cada uma delas. Trata-se de um
facto instrumental que resultou da instrução da causa – nomeadamente, foi
referido pelo recorrido Carlos no seu depoimento de parte e pela testemunha TT – e, por
isso, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, al. a), do CPC, devia ter sido
considerado. Discutindo-se que letra cabe a cada fracção/loja, é importante
situá-las no edifício.
Outro
aspecto que poderá revelar-se fundamental para a justa composição do litígio é
a área efectiva de cada uma das fracções/lojas em questão. De acordo com o
título constitutivo da propriedade horizontal, a fracção/loja D tem 143,40 m2 e
a fracção/loja F tem 99,20 m2. Trata-se, pois, de espaços bastante diferentes
entre si. Logo, é incompreensível que esta matéria não tenha sido devidamente
esclarecida no tribunal a quo para, através dela, se apurar qual das partes
ocupa a fracção/loja D e qual ocupa a fracção/loja F. Trata-se de um facto
instrumental que, como referimos, poderá assumir grande relevância para a
resolução da questão de saber quem ocupa cada uma das fracções/lojas em questão
e acerca do qual se pronunciaram, quer o recorrido Carlos, quer a testemunha TT. Logo, o
tribunal a quo deverá proceder à ampliação da matéria de facto de forma a que a
mesma contemple as áreas efectivas das fracções/lojas em questão.
Sem
o esclarecimento das questões que enunciámos, é prematuro concluir, como se
concluiu na sentença recorrida, ser impossível apurar qual é a fracção/loja D e
qual é a fracção/loja F. O tribunal a quo podia e devia, nos termos do artigo
411.º do CPC, ter ido mais longe na prática das diligências necessárias ao
apuramento da verdade e à justa composição do litígio, esclarecendo devidamente
as referidas questões, nomeadamente ordenando a realização de uma perícia com
vista a apurar as áreas das fracções/lojas ocupadas por recorrente e
recorridos, meio de prova este que, no caso dos autos, se mostra indispensável.
Mais, em face do conteúdo das “certidões” de fls. 398-400, o tribunal a quo
também devia ter solicitado, à Câmara Municipal de Loulé, os documentos ali
invocados como suporte das conclusões ali vertidas, para poder chegar às suas
próprias conclusões.
Em
consequência de todo o exposto, a sentença recorrida deverá ser anulada,
reabrindo-se a audiência final – com salvaguarda da prova já produzida – para
que o tribunal a quo ordene a realização de uma perícia com vista a apurar as
áreas efectivas das fracções/lojas ocupadas por recorrente e recorridos,
solicite, à Câmara Municipal de Loulé, os documentos invocados nas “certidões”
de fls. 398-400 como suporte das conclusões nelas vertidas e, eventualmente, em
face dos resultados dessas diligências probatórias, pratique as diligências
complementares que considere necessárias para o cabal esclarecimento dos factos
controvertidos. Na sentença a proferir, deverão ser especificados os factos
acima mencionados, ampliando-se, nesses termos, a matéria de facto. Fica,
assim, prejudicada a apreciação das questões acima enunciadas.”
2 – O dispositivo do acórdão referido em
1 é o seguinte:
“Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da
Relação de Évora em julgar o recurso procedente, anulando a sentença recorrida
e ordenando a reabertura da audiência final – salvaguardando-se a prova
já produzida – para que o tribunal a quo: 1) Ordene a realização de uma perícia
com vista a apurar as áreas efectivas das fracções/lojas ocupadas por
recorrente e recorridos; 2) Solicite, à Câmara Municipal de Loulé, os
documentos invocados nas “certidões” de fls. 398-400 como suporte das
conclusões nelas vertidas; 3) Eventualmente, em face dos resultados dessas
diligências probatórias, pratique as diligências complementares que considere
necessárias para o cabal esclarecimento dos factos controvertidos. Na sentença
a proferir, deverá ser ampliada a matéria de facto nos termos acima expostos.”
3 – Após a baixa do processo ao Tribunal
Judicial da Comarca de Faro, a recorrente requereu “o aditamento das seguintes testemunhas, ao abrigo do disposto no art.
598.º, n.º 2, do CPC, que se compromete a apresentar:
1
– JJ (…) e
2
– PP (…)”.
4 – O requerimento referido em 3 foi
indeferido através do despacho recorrido.
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A recorrente invoca dois argumentos em abono da sua tese:
1 – Devidamente interpretado, o acórdão desta Relação de 20.12.2018, não só não vedou a prática
de diligências
probatórias requeridas pelas partes, como, mais que isso, inculca que o
tribunal a quo deveria admitir todas
as provas legalmente possíveis;
2 – O artigo 598.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, permite o aditamento ao rol de
testemunhas mesmo nos casos de reabertura da audiência.
Analisemos cada um destes argumentos.
1.º argumento:
O acórdão proferido por esta Relação em 20.12.2018 anulou a sentença recorrida e ordenou a
reabertura da audiência final com finalidades bem definidas: realização de uma
perícia com vista a apurar as áreas efectivas das fracções/lojas ocupadas por
recorrente e recorridos, obtenção de determinados documentos e ampliação da
matéria de facto por forma a incluir os factos da ocupação, por cada uma das
partes, de uma das fracções cuja identificação se encontra em discussão, a
localização de cada uma dessas fracções no edifício e a área efectiva de cada
uma dessas mesmas fracções. Admitiu-se, no mesmo acórdão, a possibilidade de o tribunal
a quo, em face dos resultados das
duas diligências probatórias cuja realização foi ordenada, levar a cabo as
diligências complementares que considerasse necessárias para o cabal
esclarecimento dos factos controvertidos.
Carece, pois, de fundamento o argumento
da recorrente que vimos analisando. Aquilo que resulta do acórdão de 20.12.2018
é precisamente o contrário daquilo que a recorrente afirma. Pretendeu-se
claramente circunscrever as finalidades da reabertura da audiência àquilo que é
descrito no acórdão, com a consequente exclusão da possibilidade de reabertura
da discussão sobre outras matérias e de apresentação de novos meios de prova
pelas partes.
A omissão de pronúncia, no acórdão de
20.12.2018, sobre a questão referida nas conclusões III e IV, de modo algum
significa que se tenha pretendido que a matéria relativa à posse da recorrente e às respectivas
características fosse reapreciada no âmbito da audiência cuja reabertura foi
ordenada. O acórdão refere expressamente que, devido ao decidido sobre a
questão prévia que se suscitava, ficava “prejudicada a apreciação das questões
acima enunciadas”, entre as quais figurava a referida nas conclusões III
e IV. Portanto, nesta fase processual, é ao tribunal ad quem que caberá o conhecimento dessa questão, sindicando, por
via de recurso, a decisão do tribunal a
quo, e não, a este último, reapreciar aquilo que ele próprio anteriormente
decidiu.
A conclusão vertida na conclusão V é
errada. A utilidade da reabertura da audiência com as finalidades nele
definidas encontra-se demonstrada na fundamentação do acórdão de 20.12.2018,
acima transcrita. Mais, o resultado das diligências de prova cuja realização
foi ordenada, que deverá ter tradução na matéria de facto mediante a ampliação
desta, poderá, mesmo, vir a revelar-se fundamental para a decisão da causa.
Improcede, pois, o primeiro argumento da
recorrente.
2.º argumento:
O artigo 598.º, n.º 2, do CPC, estabelece que o rol de testemunhas pode
ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência
final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual
faculdade, no prazo de 5 dias. O n.º 3 do mesmo artigo, também invocado pela
recorrente, dispõe que incumbe às partes a apresentação das testemunhas
indicadas em consequência do aditamento ou da alteração ao rol previsto no n.º
2.
Doutrina e jurisprudência divergem sobre a interpretação do n.º 2,
concretamente sobre o significado de “data em que se realize a audiência
final”. PAULO PIMENTA sustenta que “A antecedência de 20 dias deve ter-se como
reportada à data inicialmente designada para a realização da audiência final
(ou da primeira sessão desta), isto é, independentemente de haver adiamento ou
de haver mais do que uma sessão”[1].
Concordamos com este entendimento. Interpretação mais permissiva estimularia
actuações processuais das partes destinadas a provocar o adiamento da audiência
final ou o prolongamento desta por mais de uma sessão com a finalidade de tornar
admissível um aditamento ou uma alteração do rol de testemunhas que já deixara
de o ser devido ao decurso do prazo que tinha por referência a data
inicialmente designada para a realização daquela audiência. Ora, interpretações
que estimulem a chicana processual são, por princípio, de afastar.[2]
Independentemente da posição que se assuma acerca da questão acabada de
enunciar, isto é, ainda que se admita o aditamento ou a alteração do rol de
testemunhas até 20 dias antes da data para a qual a audiência final tenha sido
adiada ou da data agendada para a última sessão da audiência final que se
prolongue por vários dias, temos como seguro que o regime do artigo 598.º, n.º
2, do CPC, não é aplicável à hipótese de, na sequência de recurso interposto da
sentença, o tribunal ad quem anular
esta última e ordenar a reabertura da audiência final com um objectivo que tem
de ser definido com rigor, como a produção de determinado(s) meio(s) de prova e
a ampliação da matéria de facto de forma a contemplar determinado(s) facto(s).
A possibilidade de as partes aditarem ou alterarem o seu rol de testemunhas em
tais circunstâncias contenderia com a finalidade da reabertura da audiência
final, que é o tribunal a quo
proceder a uma alteração “cirúrgica” da decisão anteriormente proferida,
envolvendo a prática de actos bem determinados com vista a completar a
actividade processual já desenvolvida, que fica salvaguardada, e não reabrir a
discussão sobre a totalidade do objecto do processo, como a recorrente
demonstra pretender ao afirmar, nomeadamente, que o deliberado por esta Relação
“implica que o tribunal a quo deva
apreciar toda a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa,
incluindo pois a relativa à usucapião, sem prejuízo da prova já produzida, mas
sem coarctar à recorrente a possibilidade de apresentar aditamento de prova,
designadamente testemunhal”. É isto que resulta do artigo 662.º, n.º 3, al. c),
do CPC.
Portanto, também improcede o segundo argumento da recorrente.
Concluindo:
O despacho recorrido não merece censura, devendo o recurso ser julgado
improcedente.
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Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas
pela recorrente.
Notifique.
*
Évora, 17 de Dezembro de 2020
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
(1.º
adjunto)
(2.º adjunto)