Processo n.º 1834/17.2T8MMN-A.E1
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Sumário:
A lei não exige que as
comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste sejam efectuadas através de carta registada com aviso
de recepção. Não obstante, a instituição de crédito tem o ónus da prova de que
efectuou tais comunicações em
suporte duradouro, entendido este, nos termos do artigo 3.º, al. h), do
Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período
de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a
reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
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DM e GM deduziram os presentes embargos de executado contra Banco, S.A..
Os embargos foram recebidos.
A embargada contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.
Realizou-se audiência prévia, na qual, além do mais, foi proferido
despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e enunciado dos
temas de prova.
Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida
sentença absolvendo os embargantes da instância executiva.
A embargada interpôs recurso da sentença, tendo formulado as seguintes
conclusões:
1 – O tribunal a quo julgou
procedentes os embargos com consequente absolvição dos executados da instância
executiva, extinção da execução no que a eles respeita e condenação da
embargada nas custas devidas.
2 – Fundamenta a decisão por entender não ter o recorrente provado o
envio das cartas de integração e extinção do PERSI (Procedimento Extrajudicial
de Regularização de Situações de Incumprimento) instituído pelo Decreto-Lei nº
222/2012.
3 – Assim foram considerados como factos não provados (que fundamentaram
a decisão em crise):
“ Em consequência, uma vez que a
exequente intentou acção judicial contra o embargante/executado sem que
previamente tivesse cumprido todos os trâmites exigidos pelo DL n.º 227/2012,
de 25.10, entende-se que existe um impedimento legal à cobrança desse crédito
por via de acção judicial, por violação de normas de carácter imperativo que
configura excepção dilatória inominada e que determina a absolvição da
instância também deste executado, declarando-se a extinção da execução também
no que a ele diz respeito”.
4 – A decisão da matéria de facto não é consentânea com os documentos
juntos pelo recorrente nem com os factos articulados pelas partes.
5 – O recorrente procedeu à junção de:
- Missiva datada de 18.11.2016 de integração do recorrido no PERSI;
- Missiva datada de 04.10.2017, a informar o recorrido da extinção do
PERSI.
6 – Não há qualquer exigência legal de que as comunicações referentes ao
PERSI (seja a integração, seja a extinção) sejam remetidas por correio
registado e/ou aviso de recepção.
7 – Atendemos a que no exercício do contraditório o recorrido não alegou
a não recepção das missivas, nem tão pouco impugnou o teor dos documentos
juntos pela recorrente, com a sua contestação.
8 – Realçamos que o recorrido em momento algum alega a não recepção das
missivas.
9 – Em face da ausência de impugnação do recorrido, quanto às cartas
juntas pelo recorrente, poderia o tribunal a
quo considerar o envio das missivas como facto controvertido fazendo recair
sobre o recorrente o ónus da prova do envio e recepção?
10 – De igual modo, o facto de não ter este alegado a não recepção das
missivas entendemos que o tribunal a quo
não poderia ter considerado tal facto controvertido, mas antes assente e consequentemente
facto provado.
11 – Assim entende o recorrente que deverá ser aditado aos factos
provados:
“A exequente enviou ao
embargante as cartas datadas de 18.11.2016 e, 04.10.2017, cujas cópias juntou
aos autos, contendo comunicação relativa à integração no regime do PERSI e respectiva
extinção” e eliminado tal facto dos factos não provados.
12 – Atendemos ainda ao normativo do Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de
Outubro.
13 - O citado diploma apenas obriga a integração e extinção do PERSI
através de comunicação em suporte duradouro (e não através de carta registada
com aviso de recepção).
14 – A definição de suporte duradouro encontra-se prevista no artigo 3º,
alínea h) do citado diploma, definindo como suporte duradouro “qualquer
instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo
adequado aos fins a que as informações de destinam e que possibilite a
reprodução integral e inalterada das informações armazenadas, cumprindo a carta
simples (sublinhado e negrito nossos) tais requisitos.”
15 – Não há pois qualquer exigência legal de que as comunicações
referentes ao PERSI sejam remetidas por correio registado e/ou aviso de
recepção.
16 – Igualmente não consta da Instrução do Banco de Portugal n.º 44/2012
(regulamenta o Decreto-Lei nº 227/2012) qualquer menção à observância do envio
de correio registado/aviso de recepção.
17 – Não prevendo o diploma que rege o PERSI e Instrução do Banco de
Portugal que o regulamenta tal observância não poderá o julgador exigir tal
formalidade.
18 – Conforme teor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de
05.11.2018, disponível em www.dgsi.pt:
I - O artigo 14º, nº 4, do DL nº
227/2012, de 25 de outubro, exige que a instituição de crédito informe o cliente
bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte
duradouro.
II - O artigo 3º, alínea h), do
DL nº 227/2012, define o suporte duradouro como qualquer instrumento que permita
armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as
informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada
das informações armazenadas.
III - Ao exigir-se como forma da
declaração uma comunicação em suporte duradouro, uma carta pode ser entendida
como tal, pois, possibilita reproduzir de modo integral e inalterado o seu
conteúdo.
IV - Se a intenção do legislador
fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização
das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso
de receção, tê-la-ia consagrado expressamente.
19 – Uma vez mais concluímos pelo aditamento como facto assente dos
pontos i) e, ii) dos factos não provados, porque cumprido pelo recorrente as
disposições do Decreto-Lei n.º 227/2012.
Nestes termos e nos demais de Direito, que Vossas Excelências doutamente
suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a
sentença ora recorrida, por outra que determine o prosseguimento dos embargos,
uma vez não verificada a excepção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração da presente
acção executiva e, que determinou a absolvição dos recorridos da instância
executiva.
Os recorridos contra-alegaram, concluindo no sentido da manutenção da
sentença recorrida.
O recurso foi admitido.
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A única questão a resolver consiste em
saber se deve ser julgado provado que a recorrente enviou, ao recorrido DM, duas
cartas, datadas de 18.11.2016 e 04.10.2017, destinadas a comunicar-lhe,
primeiro a sua integração no regime do PERSI e, depois, a extinção do mesmo
regime, e que as mesmas cartas foram por aquele recebidas.
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Na sentença recorrida, foram julgados
provados os seguintes factos:
1. Banco, S.A., em 05.12.2017, intentou
acção executiva contra DM, GM, FP e BP, que corre termos neste juízo sob o n.º
1834/17.2T8MMN, para pagamento da quantia de € 12 625,76;
2. A exequente deu à execução um acordo
escrito denominado “Contrato de Empréstimo (Com Entrega de Procuração
Irrevogável)”, celebrado no dia 10.02.2003, cujas assinaturas se encontram
reconhecidas presencialmente por Notário, entre “Banco, S.A.”, na qualidade de
primeira outorgante, DM e GM, na qualidade de segundos outorgantes e parte
devedora e FP e BP, na qualidade de terceiros outorgantes e parte fiadora,
junto aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui
integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;
3. A quantia emprestada foi
disponibilizada aos embargantes/executados, mediante crédito processado na sua
conta de Depósitos à Ordem, domiciliada na agência da exequente;
4. Que movimentaram e utilizaram em
proveito próprio;
5. A primeira prestação do acordo
mencionado em 2 não paga pelos embargantes/executados data de 11.03.2014;
6. No dia 18.11.2016, a exequente
integrou, pelo menos o embargante/executado, no PERSI;
7. No dia 04.10.2017, foi extinto o
respectivo Procedimento;
8. No requerimento executivo, a
exequente alega o seguinte, com relevo para os autos: “15. Para além do capital
em dívida, são devidos as seguintes quantias:
- Juros de 11/03/2014 a 18/10/2017 no
valor de Euros 1.333,70;
- Imposto selo, no valor de Euros
53,35;
- Comissões, no valor de Euros 599,25.”
A sentença recorrida julgou não
provados os seguintes factos:
i) No dia 18.11.2016, a exequente
enviou ao executado/embargado a carta junta com a contestação, cujo teor se dá
aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, que tem como
assunto: “Incumprimento – Abertura de PERSI”, onde consta o seguinte com relevo
para os autos:
“(…)
Por se registar incumprimento na(s) operação(ões) abaixo indicadas (…)
Informa-se que, de acordo com o disposto no Art.ª 14.º, do D.L. m.º 227/2012,
de 25 de Outubro, procedemos à sua integração, nesta data, no Procedimento
Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), acima
referenciado. (…)”;
ii) No dia 04.10.2017, a exequente
enviou ao executado/embargado a carta junta com a contestação, cujo teor se dá
aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta o
seguinte com relevo para os autos:
“(…)
Informa-se que ao abrigo do D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o Procedimento
Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) foi
extinto em 2017-10-04, por motivo de: Outro Motivo (…)”;
iii) O executado/embargante recebeu as
cartas mencionadas em i) e ii).
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Não é questionado que o contrato
descrito no ponto 2 da matéria de facto provada se encontra abrangido pelo
regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 (diploma ao qual
pertencem as normas adiante referenciadas sem indicação da sua proveniência),
pelo que, perante a situação de incumprimento por parte dos recorridos, a recorrente
devia ter integrado estes últimos no PERSI entre o 31.º e o 60.º dia subsequentes
à data do vencimento da obrigação, nos termos do artigo 14.º, n.º 1. Nos termos
do n.º 4 do mesmo artigo, a recorrente tinha o dever de informar os recorridos
da sua integração no PERSI através de comunicação em suporte duradouro,
entendendo-se como tal, nos termos do artigo 3.º, al. h), qualquer instrumento que permita armazenar informações
durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam
e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações
armazenadas.
Do artigo 17.º, n.º 3,
resulta, por outro lado, que a recorrente tinha também o dever de informar os
recorridos, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI,
descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considerava
inviável a manutenção deste procedimento. O n.º 4 do mesmo artigo estabelece
que a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no n.º 3,
salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
Está em causa saber se a
recorrente remeteu as comunicações previstas nos citados artigos 14.º, n.º 4, e
17.º, n.º 3, ao recorrido DM. O tribunal a
quo julgou não provada a efectivação de tais comunicações. A recorrente
pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto nessa parte, por forma
a julgar-se provado que as referidas comunicações foram efectuadas. Como
fundamento, a recorrente invoca os documentos juntos com a contestação sob os
n.ºs 1 e 2 e a alegada falta de impugnação dos mesmos pelos recorridos. A
recorrente argumenta ainda que, ao contrário daquilo que, no seu entendimento,
o tribunal a quo considerou, a lei
não exige que as referidas comunicações sejam efectuadas através de carta
registada com aviso de recepção.
Não é exacto que os
recorridos tenham, por alguma forma, confessado a recepção dos documentos
juntos com a contestação sob os n.ºs 1 e 2. A versão factual alegada pelos
recorridos na petição de embargos é absolutamente antagónica em relação àquela
que a recorrente alega na contestação no que concerne à sua integração no
PERSI. Assim, os recorridos alegaram expressamente que o recorrente instaurou a
acção executiva sem os ter integrado previamente no PERSI (artigos 21.º a 28.º
da petição de embargos), alegação esta que implica, logicamente, a de que
nenhum deles recebeu cartas com o conteúdo dos documentos juntos com a
contestação sob os n.ºs 1 e 2. É, pois, insustentável a conclusão de que os
recorridos confessaram terem recebido tais cartas. A posição dos recorridos é
claríssima no sentido de que a recorrente nunca os integrou no PERSI, o que,
como já salientámos, implica logicamente a negação de que algum deles tenha
recebido qualquer comunicação nesse sentido proveniente da recorrente.
Note-se que, em
conformidade com as descritas posições assumidas pelas partes nos seus
articulados, o tribunal a quo
incluiu, acertadamente, nos temas de prova, “saber se os executados foram
integrados no PERSI, previamente à instauração da execução”. Tratava-se,
evidentemente, de matéria de facto controvertida. Aquando do enunciado dos
temas de prova pelo tribunal a quo,
na audiência prévia, a ora recorrente não reclamou, dizendo concordar com o
referido enunciado, como resulta da acta daquela diligência. Só em sede de
recurso a recorrente, alterando a posição anteriormente assumida, vem sustentar
que, afinal, os recorridos confessaram terem recebido os documentos juntos com
a contestação sob os n.ºs 1 e 2, o que, a ser verdade, implicaria que o PERSI
tivesse decorrido regularmente em relação ao recorrido DM. Sem razão, como
vimos.
Por outro lado, a
recorrente argumenta que a lei não exige que as comunicações referentes ao
PERSI (seja a integração, seja a extinção) sejam remetidas por correio
registado e/ou aviso de recepção. Na realidade, a lei não faz tal exigência.
Porém, isso não põe em causa o acerto da sentença recorrida. O referido
argumento da recorrente assenta numa interpretação errónea da fundamentação
desta sentença.
O tribunal a quo não considerou
que a lei estabeleça que as comunicações acima referidas tenham de ser
remetidas por correio registado e/ou aviso de recepção. Aquilo que o tribunal a quo fez foi, a propósito da falta de
prova da realização das referidas comunicações ao recorrido DM, observar que
tal prova poderia ter sido feita se a recorrente tivesse efectuado as
comunicações em causa mediante carta registada com aviso de recepção. Nunca se
afirmou, na sentença recorrida, que as comunicações de integração do cliente
bancário no PERSI e de extinção deste, por parte da instituição de crédito, estejam
legalmente sujeitas à forma de carta registada com aviso de recepção. Na
sentença recorrida, disserta-se acerca do uso da carta registada com aviso de
recepção a propósito da prova e não da forma legalmente imposta para as
referidas comunicações.
A argumentação da recorrente faria sentido se o tribunal a quo tivesse julgado provado que as
comunicações de integração do recorrido DM no PERSI e de extinção deste foram
efectuadas por meio diverso da carta registada com aviso de recepção e as
tivesse considerado inválidas por não terem obedecido a esta forma. Ora, é por
demais evidente que não foi essa a razão de decidir da sentença recorrida. Em
vez disso, julgou-se não provada a realização das referidas comunicações, fosse
por que forma fosse, e, a esse propósito, observou-se que a realização das
mesmas comunicações através de carta registada com aviso de recepção poderia
ter assegurado a referida prova. A diferença é óbvia. A argumentação
desenvolvida pela recorrente não passa, afinal, de uma tentativa de desfocar a
verdadeira questão, que foi a ausência de prova da realização das comunicações
em causa, fosse por que forma fosse.
Concluindo, inexiste fundamento para alterar a decisão sobre a matéria de
facto no sentido pretendido pela recorrente. Cingindo-se o objecto do recurso a
essa questão, como resulta das conclusões formuladas pelo recorrente, deverá o
mesmo recurso ser julgado improcedente.
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Decisão:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas
pela recorrente.
Notifique.
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Évora, 10 de Setembro de 2020
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.º
adjunto