terça-feira, 27 de novembro de 2018

Acórdão da Relação de Évora de 08.11.2018

Processo n.º 71/11.4TMSTB-C.E1

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Sumário:

O despacho que fixe um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, seja ex novo, seja em derrogação de um regime pré-existente, nos termos dos artigos 28.º e 38.º do RGPTC, tem de ser fundamentado, de facto e de direito.

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Em processo de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais requerido por Francisco contra Antónia, teve lugar uma conferência de pais, com audição da criança. No final dessa conferência, o tribunal proferiu despacho com o seguinte teor:

“Tendo em conta que não foi possível estabelecer acordo relativamente à alteração do exercício das responsabilidades parentais, e não pretendendo as partes recorrer a serviços de mediação, determina-se a suspensão da presente conferência de pais, remetendo-se as partes para audição técnica especializada, nos termos do disposto pelos artºs 23º e 38º al. b) ex vi do artº 42 nº 5 do RGPTC.

Para o efeito, solicite a colaboração de equipa do Núcleo de Infância e Juventude do Centro Distrital da Segurança Social de Setúbal, com vista à avaliação diagnóstica das competências parentais e a aferição da disponibilidade dos progenitores para um acordo global, que melhor salvaguarde os interesses da menor, nos termos previstos no artº 23º do RGPTC.

Entretanto, em concordância com a douta promoção e tendo sobretudo em conta a vontade manifestada pela menor e o regime que na prática já vem sendo seguido desde há algum tempo, ao abrigo do disposto pelo artº 28º nº 2 do RGPTC, decido alterar, provisoriamente, o regime de exercício das responsabilidades parentais anteriormente estabelecido, nos seguintes termos:

I) A menor fica a residir com ambos os progenitores, em períodos alternados de 15 dias cada um, incumbindo ao progenitor com quem a menor irá passar a quinzena, ir buscá-la a casa do outro progenitor, com quem aquela tenha passado a quinzena anterior e assim sucessivamente;

II) A meio de cada período de 15 dias, a menor poderá passar um dos dias do fim-de-semana com o progenitor com que não esteja nessa semana, podendo ainda com ele contactar em outras ocasiões, sem prejuízo do descanso e da respectiva actividade escolar.

III) É eliminada a cláusula 8ª do regime anteriormente fixado, ficando as despesas correntes da menor a cargo de cada um dos progenitores, durante o tempo em que a mesma permaneça aos seus cuidados.

Oficie à Câmara Municipal de Palmela, para que cesse os descontos no vencimento mensal do progenitor da menor para pagamento da pensão de alimentos desta (€ 120/mês), devendo em vez dos € 50 mensais actualmente deduzidos, passar a descontar a quantia de € 100 mensais, até ao pagamento integral da dívida de € 1800.

Notifique."

A requerida recorreu deste despacho, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – O douto despacho não evidencia, fundamenta ou explicita quais as circunstâncias supervenientes que estão na base de tal decisão, pelo que viola o Art.º 42.º, n.º 1 do RGPTC, bem como o Art.º 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC.

2 – Ao impor um regime de guarda alternada, sem acordo dos pais e sem que o requerente o indique na petição, o Tribunal a quo excedeu-se na pronúncia que se lhe impunha, violando o disposto no Art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC. Como é bom de ver, estaríamos perante uma “caixa de pandora”, pois qualquer progenitor relapso veria aqui a oportunidade para, “virando o jogo”, deixar de pagar a pensão que outrora foi (judicialmente) julgada necessária e adequada, com o deferimento (que sempre deveria ser excecional), da “guarda alternada”, só porque a criança, por razões atinentes à idade (rectius, questões logísticas e egoístas, próprias da adolescência), manifesta disponibilidade e vontade em passar vários dias seguidos em casa do progenitor não guardião.

3 – De igual sorte, resulta claro que os alegados incumprimentos da progenitora guardiã mais não são do que “condescendências” pro bono, a favor da criança. Pelo que, atenta a inexistência da (cabal) densificação, no sentido de fundamentar porque é que, in casu, a guarda alternada serve melhor o superior interesse da criança, quando foi a própria recorrente a admitir que a menor passa “dias inteiros” com o pai, que ultrapassam os períodos meramente estipulados no acordo, tal situação de facto (tacitamente aceite ao longo dos anos e não com carácter inovatório, como parece resultar do despacho), teria que ser configurada/ interpretada, a favor da criança. E não, como faz o tribunal (Art.º 639.º, n.º 1, alínea b) e c), (quanto a nós em erro), eliminando a pensão de alimentos em favor da menor.

4 – O douto despacho recorrido violou o princípio do superior interesse da criança (art.º 4.º, n.º 1 e alínea c), art.º 5.º, pois confunde a (necessária) disciplina, no que ao regime de visitas diz respeito (aparentemente a criança “faz o que quer”), com a necessidade (excepcional) da guarda alternada. Estaremos, ao que tudo indica, perante a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, que se invoca para os devidos e legais efeitos, atenta a falta de demonstração de como é que o novo regime porá termo à indisciplina nas visitas /estadias, nem tampouco se equaciona que pode não ser esta a única solução, com vista a satisfazer o interesse da criança.

5 – Em claro paralelismo com o caso sub juidice, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Relatora Eva Almeida (processo 996/16.0T8BCL-D.G1, 12-01-2017, in DGSI, “tratando-se de uma decisão provisória, fundada nos poucos elementos até essa data recolhidos, normalmente apenas nas declarações dos progenitores, o julgador deve nortear-se por princípios de razoabilidade, actuando com bom senso, prudência e moderação, protegendo os interesses dos menores e só depois os dos progenitores, evitando que a decisão agudize o conflito e assim impeça um acordo, que ainda poderá vir a ser obtido na segunda fase da conferência (cfr. Art.º 39.º, n.º 1 do RGPTC). III – “Embora a lei (Art.º 1906.º do CC) não contemple expressamente a hipótese de guarda partilhada, no sentido de residência alternada com um e outro dos progenitores, cremos também que não a proíbe, apesar da redação dos n.º 3 e 5 sugerir o contrário (residência com um dos progenitores e não com os dois), contanto que haja acordo nesse ponto entre os progenitores ou se demonstre ser a única solução que satisfaz o interesse das crianças. IV – Ora, no caso em apreço, nem há acordo, nem está demonstrado que essa é a solução conjuntural que melhor satisfaz o interesse das crianças.” VIII – “Estando os progenitores em desacordo no tocante à residência dos menores, pretendendo o requerente a guarda alternada e a requerida continuar com a respetiva guarda e o estabelecimento de um regime de visitas, que o Ministério Público entendeu ser insuficiente, nada impunha a opção por um dos extremos propostos. Entre um e outro há um leque de soluções e certamente alguma que permita assegurar o interesse dos menores na manutenção de estreitos laços afetivos com o pai, sem lhes partir a vida ao meio.”

6 – Na doutrina (Helena Gomes de Melo, João Vasconcelos Raposo, Luís Carvalho Batista, Manuel do Carmo Bargado, Ana Teresa Leal, Felicidade D`Oliveira, in “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, 2ª edição, Quid Juris, 2010, págs. 86-87): “Para além de constituir uma solução excecional, é, no nosso entender, pressuposto essencial a existência de acordo de ambos os progenitores quanto a esta questão” (art.º 28.º, n.º 2, ex vi, Art.º 639.º, n.º 2, alínea a)), normas que se invocam como violadas.

7 – É nossa firme convicção que, caso o superior interesse da criança tivesse sido tomado/interpretado conforme acima explicitámos (doutrinária e jurisprudencialmente), por outras “veredas se alcançaria o mesmo caminho”, sc., num sentido menos “radical” (Art.º 639.º, n.º 2, alínea b) do RGPTC).

8 – Nos termos e para os efeitos do Art.º 639.º, n.º 2, alínea a) do CPC, temos que, o art.º 4.º do RGPTC, particularmente na alínea c), e o Art.º 5.º, terão (necessariamente) que ser conjugados com “os princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens”, por força do n.º 1, do art.º 4.º (remissão legal), o que a nosso ver não se verifica no douto despacho recorrido.

9 – O princípio de intervenção mínima (art.º 4.º, n.º 1 do RGPTC) não terá sido respeitado, na medida em que, qualquer providência tutelar cível (a fortiori, numa decisão provisória), se deve ater àquela estritamente necessária e adequada à efetiva proteção da criança e dos seus direitos.

10 – Idem, quanto ao primado da continuidade das relações psicológicas profundas (art.º 4.º, n.º 1 do RGPTC). É que o douto despacho deveria ter respeitado o direito da criança à “preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado (em particular com a irmã) e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante” (Tomé d`Almeida Ramião, in “Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado”, p. 23. Ao desatender às alegações (tempestivamente) apresentadas, o despacho recorrido está ferido de nulidade nos termos e para os efeitos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d), que se deixa invocada para os devidos e legais efeitos.

11 – Na esteira de Tomé D`Almeida Ramião (RGPTC anotado, p. 21: O interesse superior da criança só será respeitado quando esteja salvaguardado exercício efetivo dos seus direitos. O que significa que no confronto dos vários interesses em presença, porventura legítimos, deve prevalecer o superior interesse da criança, que deve dar-se preferência e prevalência à solução que melhor garanta o exercício dos seus direitos. p. 22: “O superior interesse da criança é acima de tudo um critério orientador na resolução de casos concretos. É como refere o Prof. Melo Alexandrino, in “O discurso dos direitos”, Coimbra Editora, pags. 140 e ss, “uma norma de competência (norma que estabelece uma habilitação para criar normas ou decisões), ora a favor do legislador (…) ora a favor do Juiz (…) em segundo lugar é uma norma impositiva, que ordena ao Juiz e à administração que, na tomada de uma decisão que respeite ao menor, não deixem nunca de recorrer (mas sempre dentro dos limites do direito aplicável e circunstâncias do caso) à ponderação dos interesses superiores do menor, ou seja, dos interesses conexos com os bens prioritários da criança (a vida, a integridade, a liberdade, no contexto dos bens e interesses relevantes no caso.” “Repare-se que o legislador alterou este preceito, exemplificando agora como elemento concretizador do conceito, entre outros, a manutenção da continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas da criança ou jovem, pelo que a consideração do seu superior interesse passa necessariamente pela preservação dessas relações afetivas, desde que sejam significativas e de qualidade, conceitos subjetivos a valorar casuisticamente”.

O Ministério Público contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

1 – A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está dependente da observância, pelo recorrente, dos requisitos impugnatórios constantes do artigo 640.º do CPC sob pena de rejeição do recurso.

2 – A recorrente fundamenta o recurso da matéria de facto, referindo que, para cumprimento do alegado dispositivo legal, art. 640.º n.º 2 alínea a) do CPC “o supra vertido nas alíneas anteriores, constituem “os concretos pontos de facto incorretamente julgados” e que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos”.

3 – Relativamente às alíneas anteriores a que se refere a recorrente, mostram-se contidas no “I. Do Enquadramento prévio e matéria de facto” Dispensando-nos de as reproduzir, resulta que a recorrente faz apelo a factos relativos ao processo de incumprimento, apenso A do processo supra referenciado, e, daí retira conclusões que, no seu entender justificam a interposição da acção de alteração do exercício das responsabilidades parentais, pelo pai.

4 – A recorrente busca fundamentos ou melhor construções que não têm por base quaisquer factos produzidos no âmbito dos presentes autos.

5 – Mostra-se imponderado e inadmissível o juízo formulado pela recorrente.

6 – Pelo que deve ser rejeitado o presente recurso, no segmento respeitante à impugnação da matéria de facto, na medida em que não estão reunidas as condições formais para a sua reapreciação, ao abrigo do mencionado dispositivo.

7 – O despacho recorrido foi proferido nos termos processuais previstos no artº 38º do RGPTC, que dispõe: “se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos”.

8 – Trata-se de norma especial do processo de regulação e alteração do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, com uma redacção diferente da regra geral sobre decisões provisórias e cautelares prevista no artº 28º, nº 1, RGPTC que prescreve “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final…”

9 – O legislador pretende impor naqueles processos, como é o caso em apreço, um dever do juiz em fixar uma decisão provisória e não um poder discricionário.

10 – Pressuposto necessário é que haja já “elementos obtidos” (na expressão do legislador), aliás como não poderia deixar de ser pelas regras gerais do direito processual civil.

11 – A decisão recorrida é uma decisão provisória decorrendo um período de tempo para se confirmar se a manutenção das relações entre os pais se aproxima o mais próximo possível às relações que existiam antes da separação e, se tem condições para ter êxito.

12 – O tribunal de recurso deverá aferir se a decisão recorrida está certa ou não com base nos factos que ela pôde considerar na data em que foi proferida.

13 – No caso dos autos, o que está em causa é a questão da residência da filha Carina, sendo que todo o resto, alimentos, despesas, vem por arrastamento.

14 – A decisão provisória, “a quo” teve em conta a vontade manifestada pela jovem Carina, e, que “na prática já vem sendo seguido”, situação que não foi contestada pelos pais, admitindo a recorrente que “a redução do valor da pensão de alimentos para €100 mensais, pelo facto da menor passar mais tempo em casa do pai, devido à casa deste ser mais próxima do estabelecimento de ensino frequentado pela Carina.”

15 – A jovem Carina ao minuto 15.33 disse: “Está bom assim…duas casas…não como está…às vezes estou sábado, domingo, segunda, terça, quarta, até sexta e às vezes quero ficar mais tempo com o pai…” e mais à frente ao minuto 16.43, “tanto tempo com um e com o outro, quero continuar assim…” “assim está bem …15 dias em casa do pai e 15 em casa da mãe…quando tem saudades vai a casa do outro.”.

16 – Ao desejo da jovem acresce o facto de tal regime vigorar desde há algum tempo, desta forma, se podendo extrair ser essa a vontade presumida de ambos os progenitores.

17 – E, por isso a decisão da M.mª Juiza só poderia ser aquela que a recorrente impugna a qual não viola quaisquer preceitos legais e, se apresenta como a que melhor defende os interesses da Carina.

O recurso foi admitido.

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Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o objecto deste e delimitam o âmbito da intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, a primeira questão a resolver é a da invocada nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação.

A recorrente sustenta que o despacho recorrido é nulo porquanto “não evidencia, fundamenta ou explicita quais as circunstâncias supervenientes que estão na base de tal decisão, pelo que viola o art. 42.º, n.º 1 do RGPTC, bem como o art. 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC”.

Vejamos se é assim.

O artigo 154.º do CPC, em consonância com o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição, estabelece um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, nos seguintes termos: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (n.º 1); “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade” (n.º 2). A garantia de que as decisões judiciais que não sejam de mero expediente são fundamentadas constitui, inclusivamente, componente essencial da garantia de um processo equitativo, consagrada no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.

O referido dever geral de fundamentação é concretizado, no que concerne às sentenças, pelo artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC. O n.º 3 estabelece que, às menções referidas no n.º 2 – identificação das partes e do objecto do litígio e enunciado das questões a resolver –, seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. O n.º 4 dispõe que, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. 

O n.º 3 do artigo 613.º do CPC estabelece que o disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, se aplica, com as necessárias adaptações, aos despachos.

O n.º 1 do artigo 33.º do RGPTC, por seu turno, dispõe que, nos casos omissos, são de observar, com as devidas adaptações, as regras do processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores. Por esta via, são aplicáveis, aos processos regulados pelo RGPTC, as normas acima citadas sobre a fundamentação das decisões judiciais, já que as mesmas não contrariam os fins da jurisdição de menores.

Decorre das disposições legais citadas que o despacho que fixe um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, seja ex novo, seja em derrogação de um regime pré-existente, nos termos dos artigos 28.º e 38.º do RGPTC, tem de ser fundamentado, de facto e de direito.

Todavia, importa notar, em primeiro lugar, que, por não estarmos perante uma sentença (cfr. o artigo 152.º, n.º 2, do CPC), não é necessária uma fundamentação ao nível das exigências directamente decorrentes dos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do CPC. Isso resulta muito claramente do n.º 3 do artigo 613.º do mesmo código.

Também se deve ter em consideração, no que toca ao grau de exigência de fundamentação do despacho que fixe um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, a finalidade e as circunstâncias processuais em que o mesmo é proferido. Por um lado, tal despacho fixa um regime meramente provisório, destinado a ser, a breve trecho, substituído por um regime definitivo. Por outro lado, trata-se, normalmente, de uma decisão proferida na fase inicial do processo, mais precisamente no decurso da conferência de pais que tem lugar, quer na acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, quer na acção de alteração de regime anteriormente fixado. Ora, nessa fase processual, os meios de prova que o Tribunal tem ao seu dispor são, geralmente, escassos e, quase inevitavelmente, menos que aqueles que terá na fase de julgamento. A diligência na qual a decisão em causa deve ser proferida não é uma audiência de discussão e julgamento, mas sim, como já referimos, uma conferência, na qual se visa, principalmente, obter entendimentos entre os interessados e não produzir prova. Porque se trata de uma conferência e de um processo de jurisdição voluntária, verifica-se um sensível abrandamento do formalismo processual relativamente ao que se passa numa normal audiência de discussão e julgamento, nomeadamente no momento da fixação de um regime provisório. Não é exigível que uma decisão com a natureza daquela que vimos analisando, proferida em plena conferência e com base em meios de prova geralmente escassos, contenha uma fundamentação com o mesmo grau de exigência de uma decisão proferida na sequência da produção de prova e da conclusão do processo tendo em vista essa prolação em determinado prazo. E não é exigível porque não é possível. As normas que impõem a fundamentação das decisões judiciais, acima citadas, têm de ser interpretadas tendo em conta as particularidades de cada caso concreto, não podendo ser entendidas como impondo um modelo uniforme de fundamentação daquelas decisões.

Neste ponto da exposição, há, contudo, que quebrar o paralelismo que vimos fazendo entre a decisão que fixa um regime provisório no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e aquela que o faz no processo de alteração dessa regulação.

No momento da realização da conferência prevista nos artigos 35.º a 38.º do RGPTC, no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, em que, por definição, inexiste um regime anteriormente fixado, o tribunal tem, geralmente, ao seu dispor, meios de prova muito escassos. Frequentemente, tais meios de prova reduzem-se a uma certidão do assento de nascimento da criança e às declarações dos pais e, eventualmente, desta última. Não obstante, a fixação de um regime provisório é obrigatória, por força do disposto no artigo 38.º do RGPTC.

Diferentemente, no momento da realização da conferência no âmbito do processo de alteração, existe um regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor. Consequentemente, a fixação de um regime provisório não é obrigatória, antes devendo ter lugar apenas se o tribunal entender estar, logo no momento da realização da conferência, suficientemente demonstrado que o regime em vigor é inadequado e que já dispõe de elementos suficientes para fixar regime diverso, a título provisório. Note-se, a este propósito, que a remissão operada pelo n.º 5 do artigo 42.º do RGPTC para o disposto nos artigos 35.º a 40.º não é irrestrita, antes salvaguardando que estes últimos devem ser observados apenas na parte que deva considerar-se aplicável, o que não acontece com a obrigatoriedade de fixação de um regime provisório nos termos do artigo 38.º uma vez que já existe um regime em vigor. Sendo assim, impõe-se, aqui, um maior esforço de fundamentação, de facto e de direito, da decisão provisória, tendo o tribunal de explicitar as razões que o levam a considerar que o regime existente não pode continuar a vigorar até à prolação da decisão final e que existe vantagem na imediata fixação, a título provisório, de um regime diverso, não obstante a fase prematura em que o processo se encontra.

É altura de focarmos a nossa atenção na decisão recorrida. Estamos num processo de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais. Antes da fixação do regime provisório, o tribunal a quo teceu as seguintes considerações: “(…) em concordância com a douta promoção e tendo sobretudo em conta a vontade manifestada pela menor e o regime que na prática já vem sendo seguido desde há algum tempo, ao abrigo do disposto pelo artº 28º nº 2 do RGPTC, decido alterar, provisoriamente, o regime de exercício das responsabilidades parentais anteriormente estabelecido, nos seguintes termos (…)”.

Salvo o devido respeito, isto não pode ser considerado uma fundamentação, seja de facto, seja de direito, de uma decisão judicial. Não se enuncia um único facto como provado, nem se apresenta, com o rigor exigível, qualquer argumento no sentido de demonstrar a inadequação, por circunstâncias supervenientes, do regime cuja alteração o requerente pretende e a vantagem da imediata fixação provisória de um regime diverso, para mais num aspecto fundamental como é o da residência da criança. Uma genérica referência à vontade manifestada pela criança nas suas declarações e à prática que viria sendo seguida “desde há algum tempo”, sem se especificar, de forma fundamentada, que vontade e que prática são essas, são manifestamente insuficientes para fundamentar a decisão recorrida.

Nomeadamente, tal referência é insuficiente para as partes lograrem um perfeito conhecimento das razões da decisão e exercerem devidamente o seu direito ao recurso. Isso ficou patente no caso dos autos, em que o recorrente tentou impugnar a decisão recorrida nos termos do artigo 640.º do CPC mas, como o Ministério Público salientou nas suas alegações, não conseguiu cumprir os ónus previstos nessa disposição legal. Porém (aspecto que o Ministério Público silenciou), o verdadeiro problema não foi o incumprimento dos referidos ónus pelo recorrente, mas sim o incumprimento do dever de fundamentação pelo tribunal a quo. Aquele incumprimento constituiu consequência inevitável deste último. Ou seja, o incumprimento do dever de fundamentação do despacho recorrido prejudicou, efectivamente, o exercício do direito ao recurso.

Note-se, finalmente, que, atenta a falta de fundamentação do despacho recorrido, o próprio tribunal ad quem carece de elementos fácticos que lhe permitam exprimir um juízo concordante ou divergente com a decisão tomada.

Decorre do exposto que, tal como a recorrente sustenta, o despacho recorrido é nulo, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC. Daí que o recurso tenha de ser julgado procedente com esse fundamento, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela recorrente.

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Decisão:

Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, anulando o despacho recorrido.

Custas a cargo do recorrido.

Notifique.

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Évora, 8 de Novembro de 2018

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.ª adjunta

 

Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2024

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