Processo n.º 1808/16.0T8BJA.E1
Acção
executiva para pagamento de quantia certa.
Exequente:
A. – STC SA
Executados:
CR, AR e FS.
*
Sumário:
Apenas é admissível decretar, a título
excepcional, uma das medidas previstas no artigo
738.º, n.º 6, do CPC, perante uma situação de transitória insuficiência da parte não penhorada
do rendimento do executado para assegurar o sustento minimamente digno deste e
dos restantes membros do seu agregado familiar.
*
Na
sequência da penhora de 1/3 da sua pensão de reforma, a executada FS requereu:
1) A suspensão/isenção imediata daquela penhora, pelo menos durante 1 ano; 2) Se
assim não se entender, que a referida penhora seja reduzida para 1/6 da sua
pensão de reforma; 3) Que o agente de execução seja instado a informar por que
não procede à penhora dos bens e rendimentos dos principais e únicos devedores
nos presentes autos, mas apenas dos rendimentos da fiadora.
A
exequente pronunciou-se no sentido da manutenção da penhora efectuada.
O
tribunal a quo proferiu decisão
mediante a qual indeferiu o requerido pela executada FS e manteve a penhora de
1/3 da pensão de reforma desta.
A
executada FS interpôs recurso de apelação desta decisão, tendo formulado as
seguintes conclusões:
A)
Errou a Senhora Juíza a quo, ao não
se pronunciar/decidir sobre o pedido da apelante, em que pede a penhora dos
bens dos co-executados. Deveria tê-lo feito, atendo o disposto, designadamente,
no artigo 723.º, al. d), do CPC. “Decidir outras questões (…) pelas partes…” Devia
tê-lo feito por imperativo legal e na mais elementar realização da Justiça. Não
colhe, fazer-se uma interpretação restritiva da disposição do n.º 1 do artigo
751.º do CPC, pois se a penhora começa pelos bens de mais fácil realização, não
devem terminar aí, não é isso que diz a lei.
B)
Errou a Senhora Juíza a quo, ao não
ter considerado/decidido pela isenção da penhora da apelante, pelo menos
durante um ano, fazendo uso dos poderes que a lei lhe confere, designadamente,
no artigo 738.º do CPC, mas sobretudo tendo em conta as necessidades da apelante
e do seu agregado familiar, da sua dignidade e de uma sobrevivência condigna. Ademais,
quiçá, a exequente, pugnasse pelos ressarcimentos dos seus créditos e
diligenciasse pela penhora dos bens de todos os executados, não só os
rendimentos da apelante.
“…Deverá o julgador procurar o justo
equilíbrio entre a satisfação do crédito exequendo e a subsistência minimamente
condigna do executado e do seu agregado familiar [1]…” Ac.
TRE. 20.12.2018 www.dsgi.pt
C)
Errou a Senhora Juíza a quo ao não
ter, em alternativa, decidido reduzir a penhora da reforma da apelante a 1/6,
tendo em conta o princípio da proporcionalidade ínsito no n.º 2 do 18.º da Constituição
da Republica Portuguesa, posto que para salvaguarda dos créditos da exequente (que
esta não mostra grande preocupação) impôs, com sua não decisão, à apelante e
sua tutelada, um sacrifício superior aquele que é razoável suportar castigo
demasiado para alguém, cujo erro cometido foi ser solidária, afiançando outrem,
no começa da sua vida familiar.
Juntamente
com as alegações, a recorrente apresentou três documentos.
Não
foram apresentadas contra-alegações.
O
recurso foi admitido.
*
Questões a resolver:
1 – Junção de documentos com as
alegações de recurso;
2 – Prioridade da penhora dos bens dos
co-executados;
3 – Isenção ou redução da penhora.
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Factos julgados provados na decisão
recorrida:
1 – A executada aufere de pensão de
aposentação o valor de € 730,29 líquidos mensais, já após o desconto no seu
vencimento resultante da penhora realizada nos autos (no total de € 365,14).
2 – A executada aufere outros
rendimentos para além da aludida pensão de aposentação, exercendo a actividade
profissional de advogada.
3 – A executada auferiu, no ano de 2020,
um rendimento global total de € 24.692,61.
4 – A executada reside com a menor BB,
cujo exercício das responsabilidades parentais detém.
5 – Tem como encargo mensal de
empréstimos à habitação € 412,50.
6 – Tem despesas mensais correntes com
serviços essenciais de aproximadamente € 113,29.
7 – Tem como encargo mensal de prestação
pelo seu automóvel € 213,15.
8 – Tem como encargo mensal com seguro
de vida € 46,92.
9 – Tem despesas de saúde correntes
mensais de aproximadamente € 30.
*
1 – Junção de documentos com as
alegações de recurso:
A
recorrente juntou três documentos às alegações de recurso.
O
n.º 1 do artigo 651.º do CPC estabelece que as partes apenas podem juntar
documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo
425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento
proferido na 1.ª instância.
A
recorrente não alega a verificação de alguma destas hipóteses, nem se encontra
demonstrada tal verificação, pelo que a junção dos referidos documentos é
inadmissível.
Mais,
não tendo sido impugnada a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 640.º do CPC,
a junção de documentos apenas na fase de recurso é inútil. Na falta daquela
impugnação, a matéria de facto a ter em consideração para a decisão do recurso
será aquela que foi julgada provada na decisão recorrida.
Em
consequência do exposto, os documentos em causa não serão tidos em consideração
na decisão do recurso.
2
– Prioridade da penhora dos bens dos co-executados:
Não
está demonstrado que, ao longo desta acção executiva, apenas tenham sido
penhorados bens pertencentes à recorrente. Logo, toda a argumentação que esta
expende a tal propósito carece de base factual.
Independentemente
disso, importa lembrar que, como resulta do título executivo, a recorrente,
sendo embora fiadora, não goza do benefício da excussão, previsto no artigo
638.º do Código Civil. A recorrente renunciou a esse benefício, assumindo a
obrigação de principal pagadora, nos termos do artigo 640.º, al. a), do mesmo
código. Daí que não possa opor-se à penhora de bens seus com fundamento no
facto de o credor não ter excutido todos os bens dos dois primeiros executados
sem obter a satisfação do seu crédito.
3
– Isenção ou redução da penhora:
A recorrente aufere uma pensão de
reforma no valor de € 730,29 líquidos mensais, já após o desconto dos € 365,14
penhorados. Exerce a advocacia, o que lhe proporciona rendimentos. Assim, no
ano de 2020, a recorrente auferiu um rendimento global de € 24.692,61. O seu
agregado familiar é constituído por si e por uma menor. As suas despesas fixas
são as descritas nos n.ºs 5 a 9 da matéria de facto provada, totalizando €
815,86.
A recorrente pretende, a título
principal, que seja decretada a isenção da penhora por período não inferior a
um ano. Subsidiariamente, pede a redução da penhora para 1/6 da sua pensão de
reforma.
O artigo 738.º, n.º 6, do CPC,
estabelece que, ponderados o montante e
a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu
agregado familiar, pode o juiz, excepcionalmente e a requerimento do executado,
reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos
e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora. As referidas
redução e isenção são, pois, medidas que só podem ser decretadas a título
excepcional. Além disso, são medidas temporárias: a redução só pode ser
decretada por um período razoável e a isenção não pode exceder o período de um
ano. Daqui decorre que apenas faz sentido decretar, a título excepcional, uma
dessas medidas, perante uma situação de transitória insuficiência da parte não
penhorada do rendimento do executado para assegurar o sustento minimamente
digno deste e dos restantes membros do seu agregado familiar.
A situação económica da recorrente não
justifica, à luz do disposto naquela norma legal, nem a redução da parte
penhorável do seu rendimento, nem a isenção deste da penhora.
Por um lado, não está demonstrado que a
recorrente enfrente constrangimentos económicos de natureza temporária. As
dificuldades dessa natureza que ela invoca são permanentes. Previsivelmente,
dentro de um ano, tais dificuldades não terão diminuído. Mais, considerando a
idade que a recorrente diz ter (65 anos), a tendência que se verifica é a de
progressiva perda de capacidade de trabalho e, consequentemente, de auferir
rendimentos provenientes do exercício da advocacia.
Por outro lado, embora a penhora de 1/3 da
pensão de reforma da recorrente lhe cause, inevitavelmente, constrangimentos
económicos, não põe em causa o sustento minimamente digno de si própria e da
menor que integra o seu agregado familiar. Além da parte não penhorada da sua
pensão de reforma, ligeiramente superior ao salário mínimo nacional, a
recorrente aufere algum rendimento proveniente do exercício da advocacia. Ainda
que este último não seja regular nem abundante, constitui um acréscimo ao
rendimento da recorrente que, ainda que esta tenha de proceder a alguns
ajustamentos nas suas despesas correntes, garante aquele sustento minimamente
digno.
A manutenção da penhora nos termos em que
o tribunal a quo a decretou não viola
o princípio constitucional da proporcionalidade. A penhora decretada, que
respeitou os limites decorrentes dos n.ºs 1 a 3 do artigo 738.º do CPC, ainda
que, inevitavelmente, implique sacrifício económico para a recorrente, não põe
em causa o sustento minimamente digno do seu agregado familiar. Aquele sacrifício
não excede a medida do razoável, nem constitui qualquer castigo que esteja a
ser imposto à recorrente. Esta assumiu a obrigação de garantir uma dívida
alheia através de fiança com renúncia ao benefício da excussão, pelo que a
execução de bens seus na presente execução nada tem de anormal. Ao assumir
aquela obrigação, a recorrente conhecia o risco que corria de ver o seu
património responder pela dívida contraída pelos co-executados.
Concluímos, assim, que a decisão recorrida
não merece censura, devendo ser confirmada, com a consequente improcedência do
recurso.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas
pela recorrente.
Notifique.
*
Évora, 15.12.2022
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.º adjunto