terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Acórdão da Relação de Évora de 15.12.2022

Processo n.º 1808/16.0T8BJA.E1

Acção executiva para pagamento de quantia certa.

Exequente: A. – STC SA

Executados: CR, AR e FS.

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Sumário:

Apenas é admissível decretar, a título excepcional, uma das medidas previstas no artigo 738.º, n.º 6, do CPC, perante uma situação de transitória insuficiência da parte não penhorada do rendimento do executado para assegurar o sustento minimamente digno deste e dos restantes membros do seu agregado familiar.

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Na sequência da penhora de 1/3 da sua pensão de reforma, a executada FS requereu: 1) A suspensão/isenção imediata daquela penhora, pelo menos durante 1 ano; 2) Se assim não se entender, que a referida penhora seja reduzida para 1/6 da sua pensão de reforma; 3) Que o agente de execução seja instado a informar por que não procede à penhora dos bens e rendimentos dos principais e únicos devedores nos presentes autos, mas apenas dos rendimentos da fiadora.

A exequente pronunciou-se no sentido da manutenção da penhora efectuada.

O tribunal a quo proferiu decisão mediante a qual indeferiu o requerido pela executada FS e manteve a penhora de 1/3 da pensão de reforma desta.

A executada FS interpôs recurso de apelação desta decisão, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) Errou a Senhora Juíza a quo, ao não se pronunciar/decidir sobre o pedido da apelante, em que pede a penhora dos bens dos co-executados. Deveria tê-lo feito, atendo o disposto, designadamente, no artigo 723.º, al. d), do CPC. “Decidir outras questões (…) pelas partes…” Devia tê-lo feito por imperativo legal e na mais elementar realização da Justiça. Não colhe, fazer-se uma interpretação restritiva da disposição do n.º 1 do artigo 751.º do CPC, pois se a penhora começa pelos bens de mais fácil realização, não devem terminar aí, não é isso que diz a lei.

B) Errou a Senhora Juíza a quo, ao não ter considerado/decidido pela isenção da penhora da apelante, pelo menos durante um ano, fazendo uso dos poderes que a lei lhe confere, designadamente, no artigo 738.º do CPC, mas sobretudo tendo em conta as necessidades da apelante e do seu agregado familiar, da sua dignidade e de uma sobrevivência condigna. Ademais, quiçá, a exequente, pugnasse pelos ressarcimentos dos seus créditos e diligenciasse pela penhora dos bens de todos os executados, não só os rendimentos da apelante.

“…Deverá o julgador procurar o justo equilíbrio entre a satisfação do crédito exequendo e a subsistência minimamente condigna do executado e do seu agregado familiar [1]…” Ac. TRE. 20.12.2018 www.dsgi.pt

C) Errou a Senhora Juíza a quo ao não ter, em alternativa, decidido reduzir a penhora da reforma da apelante a 1/6, tendo em conta o princípio da proporcionalidade ínsito no n.º 2 do 18.º da Constituição da Republica Portuguesa, posto que para salvaguarda dos créditos da exequente (que esta não mostra grande preocupação) impôs, com sua não decisão, à apelante e sua tutelada, um sacrifício superior aquele que é razoável suportar castigo demasiado para alguém, cujo erro cometido foi ser solidária, afiançando outrem, no começa da sua vida familiar.   

Juntamente com as alegações, a recorrente apresentou três documentos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido.

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Questões a resolver:

1 – Junção de documentos com as alegações de recurso;

2 – Prioridade da penhora dos bens dos co-executados;

3 – Isenção ou redução da penhora.

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Factos julgados provados na decisão recorrida:

1 – A executada aufere de pensão de aposentação o valor de € 730,29 líquidos mensais, já após o desconto no seu vencimento resultante da penhora realizada nos autos (no total de € 365,14).

2 – A executada aufere outros rendimentos para além da aludida pensão de aposentação, exercendo a actividade profissional de advogada.

3 – A executada auferiu, no ano de 2020, um rendimento global total de € 24.692,61.

4 – A executada reside com a menor BB, cujo exercício das responsabilidades parentais detém.

5 – Tem como encargo mensal de empréstimos à habitação € 412,50.

6 – Tem despesas mensais correntes com serviços essenciais de aproximadamente € 113,29.

7 – Tem como encargo mensal de prestação pelo seu automóvel € 213,15.

8 – Tem como encargo mensal com seguro de vida € 46,92.

9 – Tem despesas de saúde correntes mensais de aproximadamente € 30.

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1 – Junção de documentos com as alegações de recurso:

A recorrente juntou três documentos às alegações de recurso.

O n.º 1 do artigo 651.º do CPC estabelece que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

A recorrente não alega a verificação de alguma destas hipóteses, nem se encontra demonstrada tal verificação, pelo que a junção dos referidos documentos é inadmissível.

Mais, não tendo sido impugnada a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 640.º do CPC, a junção de documentos apenas na fase de recurso é inútil. Na falta daquela impugnação, a matéria de facto a ter em consideração para a decisão do recurso será aquela que foi julgada provada na decisão recorrida.

Em consequência do exposto, os documentos em causa não serão tidos em consideração na decisão do recurso.

2 – Prioridade da penhora dos bens dos co-executados:

Não está demonstrado que, ao longo desta acção executiva, apenas tenham sido penhorados bens pertencentes à recorrente. Logo, toda a argumentação que esta expende a tal propósito carece de base factual.

Independentemente disso, importa lembrar que, como resulta do título executivo, a recorrente, sendo embora fiadora, não goza do benefício da excussão, previsto no artigo 638.º do Código Civil. A recorrente renunciou a esse benefício, assumindo a obrigação de principal pagadora, nos termos do artigo 640.º, al. a), do mesmo código. Daí que não possa opor-se à penhora de bens seus com fundamento no facto de o credor não ter excutido todos os bens dos dois primeiros executados sem obter a satisfação do seu crédito.

3 – Isenção ou redução da penhora:

A recorrente aufere uma pensão de reforma no valor de € 730,29 líquidos mensais, já após o desconto dos € 365,14 penhorados. Exerce a advocacia, o que lhe proporciona rendimentos. Assim, no ano de 2020, a recorrente auferiu um rendimento global de € 24.692,61. O seu agregado familiar é constituído por si e por uma menor. As suas despesas fixas são as descritas nos n.ºs 5 a 9 da matéria de facto provada, totalizando € 815,86.

A recorrente pretende, a título principal, que seja decretada a isenção da penhora por período não inferior a um ano. Subsidiariamente, pede a redução da penhora para 1/6 da sua pensão de reforma.

O artigo 738.º, n.º 6, do CPC, estabelece que, ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excepcionalmente e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora. As referidas redução e isenção são, pois, medidas que só podem ser decretadas a título excepcional. Além disso, são medidas temporárias: a redução só pode ser decretada por um período razoável e a isenção não pode exceder o período de um ano. Daqui decorre que apenas faz sentido decretar, a título excepcional, uma dessas medidas, perante uma situação de transitória insuficiência da parte não penhorada do rendimento do executado para assegurar o sustento minimamente digno deste e dos restantes membros do seu agregado familiar.

A situação económica da recorrente não justifica, à luz do disposto naquela norma legal, nem a redução da parte penhorável do seu rendimento, nem a isenção deste da penhora.

Por um lado, não está demonstrado que a recorrente enfrente constrangimentos económicos de natureza temporária. As dificuldades dessa natureza que ela invoca são permanentes. Previsivelmente, dentro de um ano, tais dificuldades não terão diminuído. Mais, considerando a idade que a recorrente diz ter (65 anos), a tendência que se verifica é a de progressiva perda de capacidade de trabalho e, consequentemente, de auferir rendimentos provenientes do exercício da advocacia.

Por outro lado, embora a penhora de 1/3 da pensão de reforma da recorrente lhe cause, inevitavelmente, constrangimentos económicos, não põe em causa o sustento minimamente digno de si própria e da menor que integra o seu agregado familiar. Além da parte não penhorada da sua pensão de reforma, ligeiramente superior ao salário mínimo nacional, a recorrente aufere algum rendimento proveniente do exercício da advocacia. Ainda que este último não seja regular nem abundante, constitui um acréscimo ao rendimento da recorrente que, ainda que esta tenha de proceder a alguns ajustamentos nas suas despesas correntes, garante aquele sustento minimamente digno.

A manutenção da penhora nos termos em que o tribunal a quo a decretou não viola o princípio constitucional da proporcionalidade. A penhora decretada, que respeitou os limites decorrentes dos n.ºs 1 a 3 do artigo 738.º do CPC, ainda que, inevitavelmente, implique sacrifício económico para a recorrente, não põe em causa o sustento minimamente digno do seu agregado familiar. Aquele sacrifício não excede a medida do razoável, nem constitui qualquer castigo que esteja a ser imposto à recorrente. Esta assumiu a obrigação de garantir uma dívida alheia através de fiança com renúncia ao benefício da excussão, pelo que a execução de bens seus na presente execução nada tem de anormal. Ao assumir aquela obrigação, a recorrente conhecia o risco que corria de ver o seu património responder pela dívida contraída pelos co-executados.

Concluímos, assim, que a decisão recorrida não merece censura, devendo ser confirmada, com a consequente improcedência do recurso.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

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Évora, 15.12.2022

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.º adjunto 


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