segunda-feira, 9 de abril de 2018

Acórdão da Relação de Évora de 22.03.2018

Processo n.º 4378/15.3T8PBL-A.E1

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Sumário:

O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto não cumpre o ónus que o artigo 640.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. a), do CPC, põe a seu cargo, se se limitar a remeter para a totalidade das suas próprias declarações de parte e dos depoimentos de duas testemunhas.                                    

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LL, executado nos autos principais, deduziu oposição à execução, através dos presentes embargos. A exequente/embargada, DF, contestou. Foi proferido despacho saneador. Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença julgando os embargos improcedentes e ordenando o prosseguimento da execução.

O embargante recorreu da sentença, apresentando as seguintes conclusões:

1 – O Recorrente considera incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto:

1) O embargante e a embargada acordaram em reduzir a prestação de alimentos referida em 1) dos Factos Provados para 85 €;

2) Após, embargante e embargada acordaram em que cessasse o pagamento da prestação de alimentos;

3) A embargada referiu ao embargante que não carecia da pensão de alimentos por ter rendimentos como empregada de serviço doméstico e receber uma pensão da Segurança Social;

4) O embargante para auxílio na execução de tarefas domésticas e confecção de refeições gasta 300 € mensais;

5) Entrega aos dois filhos maiores a quantia mensal de 250 € cada um;

6) Despende uma média mensal de 300 € com alimentação especial para os problemas de saúde de que é portador;

Os quais deviam ter sido dados como provados.

2 – Quer o embargante em declarações de parte, quer ambas as testemunhas por si arroladas – AL e FL, seus filhos – foram unânimes em referir estes factos, tendo deposto com toda a clareza, isenção e objectividade.

3 – Algum eventualmente denotado, deve-se à circunstância de se encontrarem em Tribunal, dada a solenidade do acto e o formalismo legal envolvente, que como é do conhecimento geral, acaba por causar nos depoentes algum nervosismo, o que naturalmente acaba por se reflectir na sua postura e na forma pela qual prestam as suas declarações. No entanto e pese embora esta envolvência, o embargante e as testemunhas por si arroladas prestaram o seu depoimento com clareza e objectividade, revelando a razão de ciência quanto aos factos concretos em causa. Daí que entendamos que deverão os factos indicados supra (nos pontos 1 a 6) ser dados como provados, justificando-se esta alteração quanto à decisão da matéria de facto, pela valorização destes depoimentos gravados, cuja audição se requer seja feita por este Venerando Tribunal.

4 – Não se indicando, porém, as passagens da gravação, dada a abrangência tida por relevante para a requerida alteração (deverá atender-se à totalidade de tais depoimentos) sendo também necessária para que este Tribunal “ad quem” se aperceba da justeza da valorização supra dada a estes depoimentos dissipando-se, por outro lado, a percepção apresentada pelo Tribunal “a quo” ao desvalorizar estes depoimentos qualificando-os como “inconsistentes, vagos e nervosos, revelando um propósito de favorecer o pai” com o que se discorda completamente, pelos apontados motivos.

5 – O tribunal “a quo” tomou o alegado nervosismo com que as testemunhas terão prestado o seu depoimento para anular em absoluto o seu valor probatório, quando na realidade, quer o Declarante quer as suas testemunhas, se referiram pela positiva a todos os factos alegados supra nos pontos 1 a 6, confirmando-os na sua essência e demonstrando a sua razão de ciência acerca da percepção destes factos.

6 – Ao não decidir assim, resultam inequivocamente abaladas pela decisão recorrida as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, susceptíveis de objectivar a apreciação dos factos, com respeito a cada um deles, na motivação apresentada pelo tribunal recorrido, incorrendo em erro de julgamento.

7 – O Recorrente foi interrogado acerca dos moldes em que os acordos para redução e cessação do pagamento da pensão de alimentos foram obtidos, explicando de forma cabal as circunstâncias da sua vida pessoal e familiar que conduziram a tal, bem como as conversas que manteve com a Embargada em Março/2013 e a sua concordância denotada também pelo longo lapso de tempo em que se deu cumprimento a estes acordos, mais de dois anos, que fizeram com que o Recorrente consolidasse a confiança que depositara na Recorrida ao celebrar apenas verbalmente destes acordos com a mesma.

8 – Discorda-se pois em absoluto da desconsideração das suas declarações tomada na decisão recorrida em benefício da Embargada. Quando muito o depoimento do Recorrente terá revelado alguma falta de memória inerente à sua avançada idade e sobretudo devido às doenças de que é portador, que, em virtude do tempo entretanto decorrido sobre a data destes acordos – mais de dois anos sobre a celebração dos acordos que, no entanto, relembrou quanto à sua essência, olvidando tão só e apenas alguns pormenores que nem sequer eram relevantes.

9 – A apreciação das provas resolve-se na formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto, segundo as máximas de experiência e as regras da lógica. A prova visa, de acordo com critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A certeza a que conduz a prova suficiente é, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.

10 – A “livre apreciação” não pode tratar-se de uma convicção puramente subjectiva ou emocional. Curando-se sempre duma convicção pessoal, ela é necessariamente objectivável e motivável.

11 – Deve o Tribunal “ad quem” ordenar a renovação da prova, considerando o erro de julgamento traduzido em desconformidade flagrante entre os elementos probatórios e a decisão (quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento) – Art. 662º/2 a) do CPC.

12 – Nos termos do disposto no Art. 607º/5 do CPC : “ O Juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…) “, que não foi cumprido no caso em apreço, porquanto, a decisão recorrida limitou-se a descredibilizar por completo os depoimentos do declarante/embargante e das duas testemunhas por si arroladas, acabando por considerar como “ não provados “ todos os factos aos quais foram questionados, em bloco.

13 – Violou a decisão recorrida o disposto no Art. 607º/5 do CPC.

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O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Recebido o processo nesta Relação, foi proferido despacho convidando o recorrente a esclarecer se pretende suscitar, de forma autónoma, a questão da eventual violação do disposto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC pela sentença recorrida, nomeadamente invocando uma hipotética nulidade desta, ou se, em vez disso, se trata, simplesmente, de mais um argumento visando a modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

O recorrente esclareceu que o recurso tem exclusivamente por objecto a reapreciação da prova gravada.

Em face desse esclarecimento e ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, al. b), do CPC, o relator proferiu despacho mediante o qual rejeitou o recurso na sua totalidade, com fundamento no incumprimento, pelo recorrente, do ónus estabelecido no artigo 640.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. a), do mesmo código.

Na sequência desse despacho, o recorrente requereu “que sobre a matéria em causa recaia acórdão, dado que na decisão singular proferida apenas se refere a matéria de facto e não a matéria de Direito, a qual também é objecto do presente recurso de apelação”.

Nos termos do artigo 652.º, n.º 3, do CPC, cumpre proferir acórdão.

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A pretensão do recorrente não é clara.

O recurso visou exclusivamente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Na sequência de convite feito pelo relator, o próprio recorrente o afirmou expressamente. Foi na sequência desse esclarecimento do recorrente que foi proferido despacho de rejeição do recurso com fundamento no incumprimento do ónus estabelecido no artigo 640.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. a), do CPC. Vem agora o recorrente requerer “que sobre a matéria em causa recaia acórdão, dado que na decisão singular proferida apenas se refere a matéria de facto e não a matéria de Direito, a qual também é objecto do presente recurso de apelação”.

Salvo o devido respeito, isto não faz sentido, não se percebendo qual é o exacto objecto da discordância do recorrente: se a rejeição do recurso com o fundamento acima referido, se uma hipotética omissão de pronúncia sobre matéria de direito. Em qualquer hipótese, o recorrente carece de razão.

O n.º 1 do artigo 640.º do CPC estabelece que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

A al. a) do n.º 2 do mesmo artigo estabelece que, no caso previsto na al. b) do n.º 1, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

No caso dos autos, o recorrente cumpriu os ónus previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º, pois indicou os pontos da matéria de facto que considera terem sido incorrectamente julgados e o sentido em que, no seu entendimento, deve ser proferida decisão sobre os mesmos. Mais concretamente, o recorrente pretende que os factos em questão, julgados não provados pelo tribunal recorrido, sejam julgados provados em sede de recurso. Porém, não cumpriu o ónus previsto na al. b) do n.º 1, com o conteúdo descrito na al. a) do n.º 2, pois não indicou com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso. Em vez disso, o recorrente limitou-se a remeter para a “totalidade” das suas próprias declarações de parte e dos depoimentos que produziram as testemunhas AL e FL, em evidente incumprimento do referido ónus. Consequentemente, não poderá esta Relação conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, justificando-se a rejeição do recurso.

No que concerne à alegada matéria de Direito, que o recorrente, no seu mais recente requerimento, afirma que também é objecto do presente recurso, não obstante ter afirmado precisamente o contrário no esclarecimento que prestou anteriormente, a mesma é inexistente. Lendo as conclusões, complementadas pelo referido esclarecimento, conclui-se que o recurso visa exclusivamente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Sendo assim, nada há a conhecer neste domínio.

Em conclusão, deverá manter-se a rejeição do recurso.

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Decisão:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora em manter a rejeição do recurso.

Custas pelo recorrente.

Notifique.

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Évora, 22 de Março de 2018

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.ª adjunta

2.º adjunto

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