Reclamação contra despacho que não admite recurso.
Valor da causa.
Não impugnação, pelos réus, do valor
da causa indicado pelo autor.
Decisão implícita.
Arguição
de nulidade da sentença.
*
AAA e BBB, réus na presente acção
declarativa de condenação sob a forma comum, reclamam, ao abrigo do disposto no
artigo 643.º do CPC, do despacho de não admissão do recurso de apelação que
interpuseram da sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, os
condenou a pagar ao autor uma indemnização no montante de € 3.408,86, acrescida
de € 20 diários desde 31.07.2016 até à data em que vier a ser disponibilizada,
quantia esta a liquidar em execução de sentença, e de juros de mora. O recurso
não foi admitido com fundamento no facto de o valor da causa ser de € 3.408,86,
não excedendo, portanto, a alçada do tribunal a quo.
A argumentação dos reclamantes é, em
síntese, a seguinte:
- O autor formulou dois pedidos:
condenação dos reclamantes no pagamento da quantia de € 3.408,86,
correspondente ao custo da reparação do veículo, e de, pelo menos, € 50 diários
pela privação do uso do veículo;
- O autor indicou, como valor da
causa, apenas o do primeiro pedido, ou seja, € 3.408,86;
- No despacho saneador, o valor da
causa foi fixado em € 3.408,86, sem oposição das partes;
- Porém, tal não obsta à
recorribilidade da sentença, por várias razões;
- Desde logo, o tribunal a quo não podia ter aceite o valor oferecido
pelas partes, correspondente apenas a um dos pedidos, a menos que, como era de
crer atento o disposto no n.º 4 do artigo 299.º e no n.º 2 do artigo 306.º do
CPC, optasse por fixar definitivamente tal valor na sentença;
- A sentença devia, pois, ter fixado
definitivamente o valor da causa, corrigindo o valor provisoriamente fixado no
despacho saneador em função dos factos entretanto apurados com relevância para
a definição da utilidade económica imediata dos pedidos;
- Se isso tivesse sido feito, os valores
da causa e da sucumbência seriam, respectivamente, de € 35.708,86 e de €
16.328,86;
- Apesar de omitir a referida
correcção do valor da causa, o tribunal a
quo teve em mente o raciocínio mediante o qual os reclamantes apuraram
estes valores ao fixar a responsabilidade por custas;
- Consequentemente, a omissão da
sentença recorrida quanto ao seu poder/dever de fixar o valor da causa é, em si
mesma, uma decisão sobre o valor da causa, no sentido da sua manutenção;
- O que basta para que os
reclamantes tenham o direito de recorrer da sentença ao abrigo do disposto na
alínea b) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC;
- Daí, por seu turno, que aos
reclamantes não fosse exigível, ao contrário do que se afirma no despacho de
não admissão do recurso, que suscitassem nova decisão sobre o valor da causa,
distinta da sentença recorrida ou com fundamento na sua nulidade; tal
redundaria numa duplicação injustificada de actos processuais;
- O tribunal a quo podia e devia ter corrigido o valor da causa no próprio
despacho em que apreciou o requerimento de interposição do recurso.
Analisemos esta argumentação.
O autor indicou, na petição inicial,
como valor da causa, € 3.408,86. Os réus e ora reclamantes não impugnaram tal
valor na contestação, conforme o n.º 1 do artigo 305.º do Código de Processo
Civil (diploma ao qual pertencem todas as normas legais doravante referenciadas
sem indicação da sua proveniência) lhes permitia, pelo que, nos termos do n.º 4
do mesmo artigo, o aceitaram. No despacho saneador, o tribunal a quo, em cumprimento do disposto nos
n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º, fixou o valor da causa nos referidos € 3.408,86,
não tendo tal decisão sido objecto de impugnação. Ficou, assim, definitivamente
fixado o valor da causa.
Para sustentarem a tese da
recorribilidade da sentença, os reclamantes censuram, agora, o tribunal a quo por este, no despacho saneador,
ter aceite o valor indicado pelo autor e com o qual eles próprios se
conformaram no momento processual em que podiam tê-lo impugnado. Ora, é
evidente que, se queriam impugnar o referido valor, os reclamantes tinham o
ónus de o fazer na contestação, nos termos do n.º 1 do artigo 305.º. Não o
tendo feito, aceitaram-no, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo. Não podem,
pois, reabrir a questão em sede de recurso com vista a tornar este último
admissível.
Ao contrário daquilo que os
reclamantes agora afirmam, inexiste fundamento para concluir que o referido
valor de € 3.408,86 tenha sido aceite pelas partes e fixado pelo tribunal a
título meramente provisório e, consequentemente, se destinasse a ser
posteriormente corrigido nos termos do n.º 4 do artigo 299.º e do n.º 2 do
artigo 306.º. Trata-se de uma ideia só agora sustentada pelos reclamantes, mas
sem qualquer sustentação fáctica.
Também não há notícia de que os
reclamantes tenham apresentado algum requerimento posteriormente à prolação do
despacho saneador no sentido de o referido valor ser alterado, nomeadamente em
sede de sentença, requerimento esse que teria, aliás, de conter a indicação de
um valor diverso, por via da aplicação do n.º 1 do artigo 305.º por analogia.
Por tudo isto, inexistia fundamento
para o tribunal a quo corrigir o
valor da causa, fosse na sentença recorrida, fosse no despacho em que apreciou
o requerimento de interposição do recurso. O valor da causa era questão
definitivamente resolvida no despacho saneador.
É artificioso o argumento de que a
omissão da sentença recorrida sobre o valor da causa significa uma decisão
sobre este último, no sentido da sua manutenção. Aquela omissão deveu-se,
obviamente, à circunstância de se tratar de questão definitivamente decidida no
saneador, não podendo ser considerada como uma decisão implícita confirmativa
de uma decisão expressa anterior, construção esta que, à luz do direito
processual, não faz sentido. Não tendo incidido sobre o valor da causa, a
sentença recorrida não é recorrível nos termos do disposto na alínea b) do n.º
2 do artigo 629.º.
Por último e como acertadamente se
considerou no despacho que não admitiu o recurso, ainda que a sentença
recorrida fosse nula por omissão de pronúncia sobre o valor da causa – e, por
aquilo que anteriormente afirmámos, não o é –, a forma processualmente adequada
para os ora reclamantes invocarem tal nulidade era a reclamação perante o
próprio tribunal a quo, dado
tratar-se de decisão irrecorrível, como resulta do n.º 4 do artigo 615.º. Não
se verificaria qualquer duplicação de meios processuais, pois não era
admissível recurso.
Concluindo, sendo o valor da causa
de € 3.408,86 e a alçada do tribunal a
quo de € 5.000 (artigo 44.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema
Judiciário), o recurso não é admissível, atento o disposto no n.º 1 do artigo
629.º.
Pelo exposto, mantenho o despacho
reclamado.
Custas a cargo dos reclamantes.
Notifique.
*
Évora, 07.03.2019
Vítor Sequinho dos Santos