segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Acórdão da Relação de Évora de 15.09.2022

Processo n.º 4/22.2T8STR-G.E1

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Sumário:

Uma sociedade comercial considera-se citada se o recebimento da carta registada com aviso de recepção expedida com essa finalidade para a sua sede for recusado por um representante legal ou por um empregado daquela e essa recusa de recebimento for certificada pelo distribuidor postal.

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Alexandra Costa requereu a declaração de insolvência de Sociedade 1, Lda..

Foi proferida sentença julgando a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência, declarando a insolvência da requerida.

Posteriormente, a insolvente arguiu a falta de citação, nos termos do artigo 188.º, n.º 1, al. e), do CPC, e, simultaneamente, a nulidade desta, nos termos do artigo 191.º, n.º 1, do CPC.

Após a prática das diligências que julgou necessárias para apurar os factos para o efeito relevantes, o tribunal proferiu despacho mediante o qual indeferiu o referido requerimento do insolvente, julgando esta regularmente citada.

A insolvente interpôs recurso de apelação deste despacho, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – Em 29.03.2022, a recorrente apresentou um requerimento onde elencou factos demonstrativos da existência de nulidade da citação.

2 – A recorrente apenas teve conhecimento que tinha sido declarada a sua insolvência no dia 26.03.2022, às 9 horas, quando o representante legal foi contactado pessoalmente pelo senhor administrador da insolvência.

3 – A carta enviada em 17.01.2022, para citação da presente acção, foi devolvida com a indicação de “recusado”.

4 – Nada se diz relativamente à entidade que a terá recusado, porque o funcionário dos CTT não assinalou no devido local, ou seja, no campo “Nota de Incidente”, se a carta foi recusada pelo próprio ou por terceiro.

5 – No que diz respeito à carta enviada em 27.01.2022, refere-se que “Consta da informação dos CTT que tal carta, na impossibilidade de entrega, foi depositada no receptáculo postal em 1/2/2022, pelas 11h04”.

6 – Omitindo-se na decisão recorrida qualquer referência à demonstração cabal efectuada pela insolvente, com a junção de fotos, de que no local não existe receptáculo postal, facto que não foi desmentido.

7 – A recorrente não teve conhecimento do acto, por facto que não lhe é imputável – artigo 188, n.º 1, alínea e) do CPC.

8 – A citação é nula, já que não foram observadas as formalidades prescritas na lei – artigo 191, n.º 1, do CPC.

9 – Isto porque foram violados os artigos 246, n.ºs 3 e 4, do CPC, e 29.º do CIRE.

A recorrida e o Ministério Público apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido.

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Questão a decidir: se a recorrente foi citada com observância das formalidades legais.

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No despacho recorrido, foram julgados provados os seguintes factos:

1. Foi enviada para a morada da sede da requerida, carta registada com a.r., datada de 17.01.2022, para citação da presente acção.

2. A carta foi devolvida ao remetente com indicação de “recusado”.

3. Na sequência do referido em 2. foi enviada segunda carta datada de 27.01.2022.

4. Consta da informação dos CTT que tal carta, na impossibilidade de entrega, foi depositada no receptáculo postal em 01.02.2022, pelas 11h04.

5. Na morada da sede da insolvente, durante o horário de expediente, encontra-se sempre alguém para receber a correspondência, sendo que no caso dos registos, umas vezes são aceites e outras recusados.

6. Por vezes, é solicitado ao funcionário dos CTT que deixe aviso para se proceder ao levantamento das cartas na estação dos CTT e outras vezes é solicitada a sua devolução ou são recusadas.

7. A carta referida em 1. foi recusada pelo administrador da insolvente ou por funcionário que se encontrava no local a mando daquele.

8. Não obstante o referido em 4., a carta foi entregue ao administrador da insolvente ou a funcionário que se encontrava no local.

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Os números 2 e 3 do artigo 246.º do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas doravante referenciadas) estabelecem, respectivamente, o seguinte: a carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas; se for recusada a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efectuada face à certificação da ocorrência.

A recorrente não põe em causa que a carta registada com aviso de recepção, datada de 17.01.2022, destinada à sua citação, foi enviada para a sua sede. Ficou, assim, cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 246.º.

Aquilo que a recorrente questiona é o cumprimento do n.º 3 do mesmo artigo, porquanto, segundo ela, a referida carta foi devolvida com a indicação de “recusado” e o funcionário dos CTT não assinalou, no devido local, ou seja, no campo “nota de incidente”, se a carta foi recusada pelo próprio ou por terceiro.

Sem razão, porém.

Sendo o citando uma pessoa colectiva, é indiferente que seja o representante legal ou um empregado desta a recusar a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta. O n.º 3 do artigo 246.º equipara, para este efeito, o empregado ao representante legal da pessoa colectiva. Em qualquer hipótese, é a pessoa colectiva, e não um terceiro, a autora da referida recusa.

Este regime é paralelo ao estabelecido nos n.ºs 1 e 3 do artigo 223.º. Na parte que nos interessa, o n.º 1 estabelece que as pessoas colectivas e as sociedades são citadas na pessoa dos seus legais representantes. Porém, o n.º 3 dispõe que as pessoas colectivas e as sociedades se consideram ainda pessoalmente citadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração. A citação feita na pessoa do referido empregado considera-se feita à própria pessoa colectiva e não na pessoa de terceiro.

Daí que baste a certificação da recusa de recebimento da carta para que o disposto no n.º 3 do artigo 246.º se considere cumprido, sem necessidade de especificar se foi um representante legal ou um funcionário (e, havendo mais do que um, qual deles) da pessoa colectiva citanda quem recusou o recebimento da carta. Ora, a recusa de recebimento da carta datada de 17.01.2022 na sede da recorrente encontra-se certificada. Essa carta foi devolvida ao remetente com indicação de “recusado”.

Respondendo directamente à objecção feita pela recorrente na conclusão 4, é claro, pelo que acima afirmámos, que foi a recorrente, através do seu representante legal ou de um empregado, quem recusou o recebimento da carta datada de 17.01.2022, e não um terceiro.

Acrescente-se que o tribunal a quo teve o cuidado de discriminar, no despacho recorrido, vários factos relevantes para a compreensão das circunstâncias em que a recusa de recebimento da carta destinada à citação da recorrente ocorreu, que apurou através das diligências a que procedeu antes da sua prolação.

Assim, ficamos a saber, nomeadamente, que, durante o horário de expediente, se encontra sempre alguém na sede da insolvente para receber a correspondência, mas nem sempre o faz. Na hipótese de se tratar de correspondência registada, a mesma é aceite algumas vezes e recusada noutras, fazendo a carta datada de 17.01.2022 parte deste segundo grupo, pois foi recusada, ou pelo administrador da insolvente, ou por um empregado desta que se encontrava no local a mando daquele, o que, como vimos, é indiferente para o efeito previsto no n.º 3 do artigo 246.º.

Tendo sido cumprido o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 246.º, a citação ficou efectuada logo com o envio da carta datada de 17.01.2022, seguida da recusa, devidamente certificada, de recepção daquela por parte da recorrente. É o que decorre da parte final do n.º 3 daquele artigo.

Apesar disso, o tribunal a quo enviou, desnecessariamente, uma segunda carta, datada de 27.01.2022, a qual, na impossibilidade de entrega, foi depositada no receptáculo postal da recorrente em 01.02.2022, pelas 11h04.

A recorrente afirma, na conclusão 6.ª, que o despacho recorrido omite “qualquer referência à demonstração cabal efectuada pela insolvente, com a junção de fotos, de que no local não existe receptáculo postal, facto que não foi desmentido”.

Não obstante a inutilidade desta questão para a decisão do recurso, pois a recorrente já tinha sido citada aquando da expedição da carta datada de 27.01.2022, sempre diremos que as fotos apresentadas pela recorrente apenas demonstram que, nos locais fotografados, não é visível qualquer receptáculo postal. Não fica excluída a hipótese de tal receptáculo se encontrar noutro local da sede da recorrente. Mais, dificilmente se concebe que uma sociedade comercial consiga prosseguir o seu objecto, que pressupõe inúmeros contactos, nomeadamente com fornecedores e entidades públicas, como a administração fiscal ou a segurança social, sem que tenha um receptáculo postal na sua sede. Salvo em casos excepcionais, até as habitações têm receptáculos postais.

Concluindo, a recorrente carece, em absoluto, de razão. Tendo recusado – como se encontra certificado, repete-se – a carta destinada à sua citação, em execução da sua estratégia de receber uma parte da correspondência que era dirigida à sua sede e recusar a recepção da restante, se não tomou conhecimento atempado da petição inicial, sibi imputet. A sua citação foi regularmente efectuada, nos termos expostos, pelo que o despacho recorrido não merece censura.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pela recorrente.

Notifique.

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Évora, 15.09.2022

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunto)

(2.ª adjunta)


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