segunda-feira, 31 de maio de 2021

Acórdão da Relação de Évora de 27.05.2021

Processo n.º 1748/14.8T8LLE-D.E1

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Sumário:

A habilitação de sucessor da parte falecida na pendência da causa não pressupõe que o primeiro já tenha aceitado a herança da segunda.

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AAA interpôs recurso de apelação da sentença que, julgando procedente o incidente de habilitação deduzido por BBB contra CCC, DDD e ele próprio, o declarou habilitado a prosseguir a instância em substituição do executado EEE.

As conclusões do recurso são as seguintes:

- A habilitação não poderá proceder contra o executado, porquanto:

- O apelante não aceitou a herança e juntou prova documental demonstrativa da sua não aceitação aos autos.

- Se o tribunal a quo entendeu que a prova documental junta pelo apelante, não foi suficiente, deveria ter interpelado o apelante, nesse sentido e não o fez. Uma escritura de repúdio terá sempre efeitos retroactivos à data do óbito.

- Ao decidir como decidiu, o meritíssimo Juiz do tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que deveria apreciar, no que a sua sentença deverá ser declarada por nula e de nenhum efeito, nos termos da primeira parte da alínea d) do artigo 615.º do CPC.

- Se assim não se entender, o que só por hipótese meramente académica, se concede, sempre deverá o apelante ser interpelado para juntar aos autos escritura de repúdio, a qual não foi efectuada, em virtude da posição que as Finanças assumiram, no documento junto à contestação como nº 2 e em relação ao qual o apelado, teve o cuidado de dar por inteira e integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.

- O apelante deverá, assim, ser absolvido no presente incidente de habilitação, porquanto não aceitou a herança do falecido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

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As questões a resolver são as seguintes:

1 – Nulidade da sentença;

2 – Se a não aceitação da herança obsta à habilitação do recorrente.

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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1 – No dia 16 de Setembro de 2018 faleceu o executado EEE, no estado de casado com CCC;

2 – O requerido AAA é filho de EEE e de CCC;

3 – Em 6/11/2018 o requerido AAA comunicou aos serviços fiscais o óbito de EEE e a relação de bens da herança (com a indicação de que havia apenas a relacionar direitos de crédito), tendo terminado a sua comunicação com a seguinte declaração: «Mais se informa que é intenção do 2.º herdeiro, o ora signatário, proceder ao repúdio da herança, acrescendo o seu direito ao da 1ª herdeira. O repudiante tem três descendentes.»

4 – Em 22/11/2018 os serviços fiscais notificaram o requerido do seguinte teor: «Relativamente á comunicação de óbito do contribuinte EEE - NIF: (…), informamos que a instauração de Processo de Imposto de Selo só pode ocorrer havendo bens. Como refere na sua petição, o contribuinte não terá deixado bens. Quando os bens forem conhecidos deverá proceder à participação nas Finanças.»

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1 – Nulidade da sentença:

O recorrente sustenta que a sentença padece da nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do artigo 615.º do CPC porquanto o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.

A única questão que o recorrente suscitou na contestação foi a de que, por não ter aceitado a herança de EEE, não poderia ser habilitado como sucessor deste.

A sentença recorrida pronunciou-se sobre esta questão, concluindo que, «(…) na habilitação de herdeiros será necessário apenas demonstrar que os indicados sucessores possuem essa qualidade, não se exigindo a demonstração da aceitação da herança (…), sendo certo que nem foi demonstrado o repúdio da herança por parte deste Requerido (limita-se a anunciar em 2018 a intenção de repudiar, mas sem que tivesse repudiado, o que teria de ser alegado e demonstrado documentalmente). Por isso, deverão ser habilitados como sucessores o cônjuge e filho do falecido executado.»

No ponto seguinte analisaremos se o tribunal a quo decidiu acertadamente a questão suscitada pelo recorrente. É, porém, indiscutível que o mesmo tribunal se pronunciou sobre ela, pelo que inexiste a nulidade invocada.

2 – Se a não aceitação da herança obsta à habilitação do recorrente:

O recorrente confunde a não aceitação com o repúdio da herança. Trata-se de conceitos jurídicos distintos. Um sucessível chamado à herança pode ainda não ter aceitado esta última sem que tal signifique que a repudiou. A não aceitação significa que o sucessível chamado, nem aceitou a herança, nem a repudiou, podendo, portanto, vir a praticar qualquer desses actos no futuro. Tal situação encontra-se prevista, nomeadamente, nos artigos 2047.º, n.º 1, e 2049.º do Código Civil.

Clarificada a distinção entre não aceitação e repúdio da herança, toda a argumentação do recorrente, baseada na confusão entre aqueles dois conceitos, cai por terra.

Na contestação, o recorrente apenas alegou não ter aceitado a herança, não que a repudiou. Portanto, não se tratou de uma mera falta de prova do repúdio. O recorrente nem sequer alegou a existência desse repúdio.

Sendo assim, não faria sentido o tribunal a quo notificar o recorrente para apresentar prova de um repúdio cuja existência nem sequer foi alegada.

Como não faria sentido o tribunal a quo «interpelar» o recorrente para outorgar numa escritura de repúdio. A que título um tribunal interpelaria alguém para repudiar uma herança?!

Concluindo, tendo o recorrente alegado que não aceitou a herança do executado EEE, mas não que repudiou a mesma herança, o tribunal a quo decidiu correctamente ao declará-lo habilitado como sucessor daquele na acção executiva, nos termos dos artigos 351.º, n.º 1, e 354.º, n.º 1, do CPC. Improcede, assim, o recurso.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Notifique.

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Évora, 27 de Maio de 2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.º adjunto


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