Processo n.º 1748/14.8T8LLE-D.E1
*
Sumário:
A habilitação de sucessor da parte falecida na pendência da
causa não pressupõe que o primeiro já tenha aceitado a herança da segunda.
*
AAA interpôs
recurso de apelação da sentença que, julgando procedente o incidente de
habilitação deduzido por BBB contra CCC, DDD e ele próprio, o declarou
habilitado a prosseguir a instância em substituição do executado EEE.
As conclusões do recurso
são as seguintes:
- A habilitação
não poderá proceder contra o executado, porquanto:
- O apelante não
aceitou a herança e juntou prova documental demonstrativa da sua não aceitação
aos autos.
- Se o tribunal a quo entendeu que a prova documental junta
pelo apelante, não foi suficiente, deveria ter interpelado o apelante, nesse
sentido e não o fez. Uma escritura de repúdio terá sempre efeitos retroactivos
à data do óbito.
- Ao decidir como
decidiu, o meritíssimo Juiz do tribunal a
quo deixou de pronunciar-se sobre questões que deveria apreciar, no que a
sua sentença deverá ser declarada por nula e de nenhum efeito, nos termos da
primeira parte da alínea d) do artigo 615.º do CPC.
- Se assim não se
entender, o que só por hipótese meramente académica, se concede, sempre deverá
o apelante ser interpelado para juntar aos autos escritura de repúdio, a qual
não foi efectuada, em virtude da posição que as Finanças assumiram, no documento
junto à contestação como nº 2 e em relação ao qual o apelado, teve o cuidado de
dar por inteira e integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
- O apelante
deverá, assim, ser absolvido no presente incidente de habilitação, porquanto
não aceitou a herança do falecido.
Não foram
apresentadas contra-alegações.
O recurso foi
admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
*
As questões a
resolver são as seguintes:
1 – Nulidade da
sentença;
2 – Se a não
aceitação da herança obsta à habilitação do recorrente.
*
Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes
factos:
1 – No dia 16 de Setembro de 2018 faleceu o executado EEE, no estado de
casado com CCC;
2 – O requerido AAA é filho de EEE e de CCC;
3 – Em 6/11/2018 o requerido AAA comunicou aos serviços fiscais o óbito de
EEE e a
relação de bens da herança (com a indicação de que havia apenas a relacionar
direitos de crédito), tendo terminado a sua comunicação com a seguinte
declaração: «Mais se informa que é intenção do 2.º herdeiro, o ora signatário,
proceder ao repúdio da herança, acrescendo o seu direito ao da 1ª herdeira. O
repudiante tem três descendentes.»
4 – Em 22/11/2018 os serviços fiscais notificaram o requerido do
seguinte teor: «Relativamente á
comunicação de óbito do contribuinte EEE - NIF: (…), informamos que a instauração
de Processo de Imposto de Selo só pode ocorrer havendo bens. Como refere na sua
petição, o contribuinte não terá deixado bens. Quando os bens forem conhecidos
deverá proceder à participação nas Finanças.»
*
1 – Nulidade da
sentença:
O recorrente
sustenta que a sentença padece da nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d)
do artigo 615.º do CPC porquanto o tribunal a
quo deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.
A única questão
que o recorrente suscitou na contestação foi a de que, por não ter aceitado a
herança de EEE, não poderia ser habilitado como sucessor deste.
A sentença
recorrida pronunciou-se sobre esta questão, concluindo que, «(…) na habilitação de herdeiros será
necessário apenas demonstrar que os indicados sucessores possuem essa
qualidade, não se exigindo a demonstração da aceitação da herança (…), sendo
certo que nem foi demonstrado o repúdio da herança por parte deste Requerido
(limita-se a anunciar em 2018 a intenção de repudiar, mas sem que tivesse
repudiado, o que teria de ser alegado e demonstrado documentalmente). Por isso,
deverão ser habilitados como sucessores o cônjuge e filho do falecido
executado.»
No ponto seguinte
analisaremos se o tribunal a quo
decidiu acertadamente a questão suscitada pelo recorrente. É, porém,
indiscutível que o mesmo tribunal se pronunciou sobre ela, pelo que inexiste a
nulidade invocada.
2 – Se a não
aceitação da herança obsta à habilitação do recorrente:
O recorrente
confunde a não aceitação com o repúdio da herança. Trata-se de conceitos
jurídicos distintos. Um sucessível chamado à herança pode ainda não ter
aceitado esta última sem que tal signifique que a repudiou. A não aceitação
significa que o sucessível chamado, nem aceitou a herança, nem a repudiou,
podendo, portanto, vir a praticar qualquer desses actos no futuro. Tal situação
encontra-se prevista, nomeadamente, nos artigos 2047.º, n.º 1, e 2049.º do
Código Civil.
Clarificada a
distinção entre não aceitação e repúdio da herança, toda a argumentação do
recorrente, baseada na confusão entre aqueles dois conceitos, cai por terra.
Na contestação, o
recorrente apenas alegou não ter aceitado a herança, não que a repudiou.
Portanto, não se tratou de uma mera falta de prova do repúdio. O recorrente nem
sequer alegou a existência desse repúdio.
Sendo assim, não
faria sentido o tribunal a quo
notificar o recorrente para apresentar prova de um repúdio cuja existência nem
sequer foi alegada.
Como não faria
sentido o tribunal a quo «interpelar» o recorrente para outorgar numa
escritura de repúdio. A que título um tribunal interpelaria alguém para
repudiar uma herança?!
Concluindo, tendo
o recorrente alegado que não aceitou a herança do executado EEE, mas não que
repudiou a mesma herança, o tribunal a
quo decidiu correctamente ao declará-lo habilitado como sucessor daquele na
acção executiva, nos termos dos artigos 351.º, n.º 1, e 354.º, n.º 1, do CPC.
Improcede, assim, o recurso.
*
Dispositivo:
Delibera-se,
pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
*
Évora, 27 de Maio de 2021
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
1.º adjunto
2.º adjunto