Processo n.º 68/20.3T8RDD.E1
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Sumário:
1 – A preclusão do direito
de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que
se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem
lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.
2 – Para o efeito referido
em 1, um único grau de jurisdição avalia a globalidade do processado, incluindo
em outras instâncias.
3 – Para o efeito referido
em 2, é competente o tribunal que tiver proferido a decisão final do processo.
4 – Na avaliação da
possibilidade de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, deve
ser tida em conta a actuação processual de cada parte, nomeadamente a
reiteração, por uma delas, da apresentação de peças processuais legalmente inadmissíveis
com o pretexto de estar a exercer o contraditório.
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Expropriante:
- Infraestruturas de Portugal, S.A..
Expropriado:
- AAA, casado no regime da comunhão de
adquiridos com BBB.
Interessados:
- CCC;
- DDD.
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O expropriado requer a
dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça. A expropriante e o
Ministério Público não se opõem.
Questões a resolver:
1 – Tempestividade do pedido de dispensa
de pagamento do remanescente da taxa de justiça;
2 – Âmbito da decisão a proferir;
3 – Tribunal competente;
4 – Pressupostos da dispensa de
pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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1 – Tempestividade do
pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:
A questão da oportunidade da
dedução do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça
suscitou viva controvérsia na jurisprudência, até que o AUJ n.º 1/2022
estabeleceu que «A preclusão do direito
de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que
se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem
lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo».
O expropriante apresentou o
requerimento sob apreciação antes do trânsito em julgado do acórdão proferido
por esta Relação, pelo que é tempestivo.
2 – Âmbito da decisão a
proferir:
Em tese, são possíveis duas
soluções:
- Cada grau de jurisdição profere uma
decisão que considera unicamente a tramitação nele ocorrida;
- Um único grau de jurisdição avalia a
globalidade do processado, incluindo em outras instâncias.
O artigo 6.º, n.º 7, do
Regulamento das Custas Processuais (RCP), estabelece que, nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da
taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da
situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente
à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o
pagamento. A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça
terá, pois, de resultar de uma avaliação, pelo juiz, sobre a verificação dos
seus pressupostos no caso concreto. Nessa avaliação, o juiz ponderará a
complexidade da causa e a conduta processual das partes e formulará um juízo
sobre a proporcionalidade da taxa de justiça a pagar em função do valor da
causa. Caso conclua que, do pagamento da taxa de justiça remanescente, resultará
uma desproporção que, de forma evidente, afecte a relação sinalagmática que
aquela taxa pressupõe entre o serviço prestado o seu custo, o juiz deverá
dispensar aquele pagamento, total ou parcialmente.
Resulta do artigo 6.º, n.º
7, do RCP, que a avaliação que anteriormente referimos deve ter lugar uma única
vez, reportando-se, consequentemente, à globalidade do processo. Carece de
fundamento legal o entendimento de que a dispensa de pagamento do remanescente
da taxa de justiça pode ser requerida e concedida relativamente a determinados
actos ou fases processuais, com base numa avaliação parcelar do processo. Assim
se decidiu, ainda antes da prolação do AUJ n.º 1/2022, no acórdão desta Relação
de 14.03.2019 (processo n.º 181/18.7T8STB-A.E1), cujo relator foi o mesmo deste
acórdão. Após a prolação do referido AUJ, tem sido esse o entendimento
prevalecente no STJ: decisão sumária de 20.12.2021 (Abrantes Geraldes) e acórdãos
de 29.03.2022 (Jorge Arcanjo), 12.04.2023 (Jorge Dias), 30.05.2023 (Maria João
Vaz Tomé) e 28.09.2023 (Maria da Graça Trigo).
Portanto, a solução acima
enunciada em segundo lugar é a correcta.
3 – Tribunal competente:
A opção que fizemos em 2 não
resolve o problema da competência para decidir o pedido de dispensa de
pagamento do remanescente da taxa de justiça. Mesmo dando como assente que deve
ser proferida uma única decisão, a final, sobre tal matéria, são concebíveis
duas soluções:
- É sempre competente, para a prolação
de tal decisão, o tribunal de 1.ª instância, para o qual, tendo havido recurso,
o processo é, em qualquer caso, remetido após o trânsito em julgado da decisão
final do processo; os tribunais superiores só seriam competentes para o
conhecimento de recurso que fosse interposto da decisão do tribunal de 1.ª
instância;
- É competente o tribunal que tiver
proferido a decisão final do processo.
A primeira solução, que é
perfeitamente compatível com o estabelecido pelo AUJ n.º 1/2022 dado que apenas
a dedução do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça
deve ter lugar antes do trânsito em julgado da decisão final do processo, teria,
pelo menos, duas vantagens:
- Não coarctaria, em caso algum, o
exercício do direito ao recurso da decisão proferida sobre a dispensa de
pagamento do remanescente da taxa de justiça;
- Garantiria que esta questão só fosse
decidida após o trânsito em julgado da decisão final, evitando a possibilidade
de, por via da interposição de recurso da sentença da 1.ª instância ou do
acórdão da 2.ª instância após a prolação da decisão sobre a dispensa de
pagamento do remanescente da taxa de justiça, esta acabe por ser uma decisão
meramente provisória (a menos que se considere que o pedido de concessão
daquela dispensa implica a renúncia ao recurso, nos termos do artigo 632.º,
n.ºs 1 a 3, do CPC, o que é, no mínimo, muito duvidoso).
Porém, toda a jurisprudência
do STJ que acima referenciámos vai no sentido referido em segundo lugar. Sendo
assim, não nos afastaremos dela.
4 – Pressupostos da
dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:
O n.º 1 do artigo 6.º do RCP
estabelece, na parte que nos interessa, que a taxa de justiça é fixada em
função do valor e complexidade da causa e de acordo com esse diploma legal,
aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela
I-A. O n.º 2 estabelece que, nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada
nos termos da tabela I-B.
O já referido n.º 7 do mesmo
artigo estabelece que, nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente
da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da
situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada e atendendo,
nomeadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes,
dispensar o pagamento.
Resulta desta última norma
que, mesmo nas causas de valor superior a € 275.000, a regra continua a ser o
pagamento integral da taxa de justiça resultante dos critérios estabelecidos no
RCP, constituindo excepção a dispensa, total ou parcial, desse pagamento. Tal
dispensa «só deverá ocorrer em situações
de manifesta injustiça, de intolerável desequilíbrio entre o montante a
satisfazer e a actividade desenvolvida pelo sistema de justiça» – acórdão
da RL de 22.11.2016 (Carla Câmara). Vejamos se é o que acontece neste processo.
O valor da causa é de €
1.782.381,33. Se se atender unicamente a este valor para fixar a taxa de
justiça, esta cifrar-se-á em cerca de € 27.000, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do
artigo 6.º do RCP e das tabelas I-A e I-B a este anexas.
A matéria em apreciação no
processo revestiu alguma complexidade, em boa parte devido às questões
suscitadas pelo expropriado, com apoio no laudo do perito por si indicado.
Reflexo disso é a extensão da sentença proferida pela 1.ª instância, que não
sufragou a tese do expropriado.
Por outro lado, a tramitação
na 1.ª instância não foi isenta de anomalias decorrentes da actuação processual
do expropriado. Temos em vista a insistência deste em apresentar peças processuais
legalmente inadmissíveis com o pretexto de estar a exercer o contraditório, visando
ter sempre a última palavra sobre qualquer questão que se suscitasse no
processo. Mesmo depois do despacho proferido em 12.10.2022, mediante o qual o
tribunal, com inteira razão, o exortou a não reiterar tal actuação processual,
o expropriado persistiu nela. Assim, o expropriado, que já apresentara as suas
próprias alegações, respondeu às alegações da expropriante subsequentes ao
encerramento da audiência final. A expropriante insurgiu-se contra a
apresentação dessa resposta, requerendo o seu desentranhamento, e o expropriado
voltou à carga, apresentando novo articulado/requerimento. Já na fase de
recurso, o expropriado respondeu às contra-alegações da expropriante, sob a
capa de um pedido, manifestamente improcedente, de condenação desta por
litigância de má fé. Tudo isto era evitável, complicou desnecessariamente o
processado e consiste numa prática processual, infelizmente frequente, que deve
ser resolutamente combatida. É evidente que o princípio do contraditório não
permite a eternização de respostas e contra-respostas (imagine-se que a
expropriante fazia o mesmo…) até que uma das partes se dê por vencida pelo
cansaço, sob pena de os processos não chegarem ao fim.
Em contraponto, regista-se a
brevidade da audiência final, com apenas duas horas e meia de duração.
Apesar do que acima se
assinalou acerca da complexidade das questões suscitadas pelo expropriado e da
actuação processual deste, consideramos que a imposição de uma taxa de justiça
de aproximadamente € 27.000 seria manifestamente desproporcional relativamente
à actividade desenvolvida, quer pelo tribunal de 1.ª instância, quer por este
tribunal da relação. Em vez disso, mostra-se proporcional o pagamento de apenas
10% do remanescente da taxa de justiça.
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Dispositivo:
Pelo exposto, delibera-se deferir
parcialmente o requerido, dispensando-se o expropriado do pagamento de 90%
(noventa por cento) do remanescente da taxa de justiça.
Sem custas.
Notifique.
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Évora, 12.09.2024
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
(1.ª adjunta)
(2.º adjunto)