terça-feira, 26 de junho de 2018

Acórdão da Relação de Évora de 07.06.2018

Processo n.º 3024/16.2T8STB.E1

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Sumário:

O recorrente não pode aproveitar o recurso que interpõe da parte da sentença em que ficou vencido para suscitar questões relativas à parte em que obteve vencimento.

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Relatório

AAA propôs a presente acção declarativa, com processo comum, contra BBB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 7.000 mais os juros que se vencerem desde a data da celebração da escritura, bem como os juros vincendos.

O réu contestou, pugnando pela improcedência da acção. Deduziu, ainda, reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 9.991,275 acrescida de juros legais desde a notificação da reconvenção.

A autora/reconvinda replicou, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

Foi proferido despacho saneador.

Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença que julgou improcedentes, quer a acção, quer a reconvenção.

A autora/reconvinda recorreu da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

1) A sentença é nula porque em sede de despacho saneador não se pronunciou sobre a reconvenção deduzida pelo réu. Não a admitiu.

2) Veio a pronunciar-se em sede da sentença por «julgar poder sanar» a omissão dado o facto dos I.I. M.M. se referirem a factos da reconvenção.

3) Simplesmente o que não foi admitido, e não tendo havido reclamação por parte do reconvinte, é como se não existisse. Não existe.

4) Ora não existindo, por não ter sido admitida em sede própria, não pode o tribunal a quo deixar entrar pela janela o que impediu de entrar pela porta do edifício processual.

5) É pois, nula a sentença nessa parte por violar caso julgado formal. E excesso de pronúncia.

6) No que se refere à prova produzida, errou o tribunal a quo ao dar como não provado que o recorrido e a recorrente acordaram que a recorrente recebia de tornas 28.000 euros pela venda do prédio identificado no artigo 3º da petição inicial.

7) Os concretos pontos que sustentam que este facto devia ser dado como provado são o depoimento da testemunha Dra. CCC e os documentos 2 a 5 que somados atingem os 21.000 euros.

8) A testemunha assistiu à escritura e contou ao tribunal que a recorrente ao receber o cheque de 17.000 euros entregue pela compradora ao recorrido e este o ter passado à recorrente, esta referiu que faltava o cheque de sete mil. A seguir aos minutos 06.00 a testemunha esclarece

a AAA disse-lhe que faltava o outro cheque, ao que ele respondeu dou-te no final. O próprio Notário disse à AAA para ela se sentir confortável e o BBB insistiu que lhe dava no final

Minutos 07.07 Advogado O resto era quanto?

Testemunha – …Sete mil.

Advogado – …mas foi prenunciada a verba sete mil…?

Testemunha – …Foi, foi. O Dr. Notário repetiu veja se sente confortável e a AAA referiu que se o BBB afiançava, ela confiava.

9) Fica claro que o depoimento da testemunha não foi baseado no que a recorrente lhe disse, mas sim no que viu, assistiu ou ouviu, o que é totalmente diferente do que consta na douta sentença e não tem qualquer contacto com a realidade material que se passou na audiência. A Mma. provavelmente distraída ou outra razão não ouviu bem que a testemunha falou do que viu e ouviu e assistiu.

10) Conjugando o depoimento da testemunha Dra. CCC com os documentos 2 a 5 e somando 17.000€+1.500€+1.000€+1.500€ dá 21.000€ pelo que devia ser dado como provado que a recorrente recebeu do recorrido 21.000€, o que a douta sentença não dá como provado, inexplicavelmente. A recorrente não teria assinado a escritura caso o recorrido não tivesse afiançado que lhe daria os 7000€ no final da escritura.

11) A testemunha DDD diz que mal entregou o cheque saiu da sala e que lá ficaram a recorrente e testemunha Dra. CCC, o que se pode ouvir ao minuto 06.00. Mais adiante ao minuto 06.39 e já na receção deu conta de agitação por parte da recorrente. Ao minuto 13.21 quando a Mma juíza lhe perguntou se ouviu da Recorrente algo respondeu… A nós não nos disse nada…Independentemente do que fica de subliminar de que a recorrente poderá ter dito a outrem, a testemunha vai na direção de que a ela e a quem estava com ela, a recorrente não disse nada; mas repare-se não foi essa a pergunta podendo formular-se a ideia que estava a fugir a uma resposta que eventualmente não seria aquela. Portanto a ela e ao marido nada disse. Não se pronunciou sobre a pergunta da Mma. e bem a ouviu e bem sabia o que estava a responder.

12) Os factos referentes à reconvenção inexistem pelo que sobre eles não podia incidir prova.

13) O que equivale a dizer que os pontos 4 a 8 inexistem quanto a serem dados como provados, tendo em conta que não foi admitida a Reconvenção no momento próprio.

14) Sem conceder quanto à admissibilidade da reconvenção é de todo inconcebível que o tribunal a quo dê como provado o facto 8, isto é, que o recorrido pagou 19.982.55 € que eram encargos do então casal, pois nem sequer foi alegado um único facto referente à data do início dos créditos e nem um facto de que tais créditos foram contraídos por ambos ou no interesse de ambos o que torna verdadeiramente inexplicável como se pode por magia (só pode ser) dar como provado este facto. O recorrido juntou 3 documentos para provar que pagou uma dívida do então casal, mais nada. Disse que eram créditos ao consumo, mas não juntou documentos assinados por ambos ou alegou factos que dessem conta que foi contraído durante o casamento. Nada. E apesar disso foi premiado. Por estas razões nunca podia ser dado como provado, mesmo que viesse a ser admitida a reconvenção, o que se aceita por mero exercício e fazer valer que em nenhuma circunstância tais factos podiam ser dados como provados.

15) Tendo em conta todo o ora exposto sobre a decisão da matéria de facto a tomar pelo tribunal ad quem, a acção deverá ser considerada procedente por provada com as devidas consequências legais.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença concluindo-se pela condenação do recorrido como peticionado com os respetivos juros, fazendo-se assim Justiça.

O recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

1 – A douta sentença não padece de qualquer nulidade. Tendo em conta o disposto no art. 595º do CPC, nada obriga a que o tribunal tenha de se pronunciar sobre a admissão (ou não) da reconvenção, ao proferir o despacho saneador.

2 – A existir essa hipotética causa de nulidade, há muito que estaria precludida a sua invocação, face ao disposto na parte final do n.º 1 do art. 199º do CPC.

3 – A ora recorrente teria de ter invocado essa hipotética nulidade, no limite, nessa mesma audiência de julgamento e não em alegações de recurso.

4 – O resultado que a recorrente pretende obter com a «nulidade da sentença» (a eliminação dos factos provados, n.ºs 4 a 8) nunca aconteceria, porque a matéria sobre que versam os factos provados, n.ºs 4 a 7, está também contida na contestação nos n.ºs 4 e 5 e 7 a 10 dessa contestação.

5 – A Recorrente «espreme» até ao impossível, o depoimento da testemunha CCC, para tentar provar que existia um acordo para que o recorrido lhe pagasse € 28.000,00 quando da realização da escritura de compra e venda do prédio, propriedade do ex-casal.

6 – Não o consegue, porque o depoimento da testemunha, quanto a esse facto, se fundamenta apenas no que a recorrente, lhe disse - v/minutos 10.05 a 10.30 do depoimento - e, sobretudo, a minutos 16.45 a 18.30 do depoimento desta testemunha.

7 – A M.ª Juiz a quo teve o cuidado de conjugar a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, com a prova documental.

8 – A M.ª Juiz a quo classifica como «totalmente isento e espontâneo» o depoimento da testemunha DDD.

9 – Este depoimento é particularmente relevante, porque foi a testemunha DDD quem passou e entregou os cheques aos vendedores, cheques passados, na hora, na presença de todos tendo sido o R. BBB que lhe disse os valores de cada um.

10 – A testemunha DDD, disse que a A. AAA, recebeu o cheque e não disse nada: v/minutos 13.09 a 13.40 da gravação do seu depoimento.

11 – A sentença recorrida tomou devida nota destes factos, referindo-os expressamente: v/6º parágrafo de fls. 4 da sentença: “a autora aceitou o cheque sem qualquer manifestação de discordância quanto ao seu valor, sendo que normal seria que se o valor não correspondesse ao combinado, ali se tivesse manifestado.”

12 – Do depoimento desta testemunha, ainda é possível inferir que nada de anormal se passou (nomeadamente os alegados diálogos entre a A. e o R) durante a escritura de compra e venda do prédio pertencente aos ex-cônjuges.

13 – Se quando recebeu o cheque, entregue pela testemunha DDD, a A. nada disse isto só pode significar que estava prevista uma escritura de partilha imediatamente a seguir, escritura essa onde aconteceram os diálogos referidos pela testemunha anterior CCC.

14 – Essa escritura de partilha, porém, não se realizou porque a A. se recusou a outorgá-la.

15 – Esta cronologia dos factos ocorridos no dia 4 de Novembro de 2015, é, também, confirmada pela parte inicial do depoimento desta testemunha, DDD.

16 – No seu depoimento - v/minutos 5.09 a 7.40 da gravação - é que a testemunha diz ter ouvido alguma agitação na sala das escrituras, tendo, em seguida, presenciado a saída, abrupta, da A. do notário.

17 – Perante tais circunstâncias (o depoimento da testemunha CCC, quanto à existência do acordo de pagamento de € 7.000,00, se fundamenta apenas no que a A., ora Recorrente, lhe disse, enquanto o depoimento da testemunha DDD é «totalmente isento e espontâneo» versando sobre factos que presenciou) e na ausência de outros elementos de prova não se pode considerar provado que, de facto, o acordo existiu como reportado pela A. e que o R. se obrigou a entregar-lhe a indicada quantia (€ 7.000,00), nem em que momento isso aconteceria.

Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos, concluindo-se pela absolvição do R. Recorrido.

Assim se fazendo Justiça.

O recurso foi admitido.

Objecto do recurso

Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o objecto deste e delimitam o âmbito da intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as questões a resolver são as seguintes:

1 – Legitimidade da recorrente para suscitar questões relativas à reconvenção;

2 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Factualidade apurada

Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1) A autora e o réu foram casados entre si, tendo-se divorciado em 14.01.2013.

2) No quadro da partilha do património indiviso do casal, chegaram a um acordo quanto à venda do prédio pertencente a ambos, sito na Rua das (…), (…), Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra, concelho de Santiago do Cacém, descrito na CRP de Santiago do Cacém sob o número (…) e inscritos na matriz predial sob o artigo (…) da freguesia de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra.

3) No acto da outorga da venda do prédio em 04-11-2015, a autora recebeu € 17.000,00.

4) Quando se divorciaram, a autora e o réu firmaram o acordo intitulado «Contrato Promessa de Partilha», que constitui o documento n.º 1, junto com a contestação, constante de fls. 28 a 30, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5) A venda outorgada em 04.11.2015, já estava ajustada desde Janeiro de 2015.

6) A escritura de venda do imóvel esteve marcada para 6 de Março de 2015, o que foi comunicado à autora.

7) A autora não compareceu à escritura, razão pela qual nessa data não foi realizada.

8) Entre Março e Novembro, o réu suportou todos os encargos dos créditos contraídos pelo então casal e descritos no contrato promessa de partilha, no valor de € 19.982,55.

A sentença recorrida julgou não provados os seguintes factos:

a) Foi acordado que de tornas pela venda do identificado prédio a autora receberia o valor de € 28.000,00.

b) O réu entregou à autora, por conta da referida, € 21.000,00.

Fundamentação

1

A recorrente sustenta que, não se tendo o despacho saneador pronunciado sobre a admissibilidade da reconvenção, a sentença recorrida, ao julgar esta última, é nula, por violação de caso julgado formal e excesso de pronúncia, e os pontos 4 a 8 da matéria de facto provada devem ser considerados inexistentes; sem conceder quanto à admissibilidade da reconvenção, o facto 8 devia ter sido julgado não provado.

Porém, a recorrente foi absolvida do pedido reconvencional, pelo que carece de legitimidade para recorrer da sentença nessa parte. Por essa mesma razão, a recorrente não pode aproveitar o recurso que interpôs da parte da sentença em que ficou vencida para suscitar questões relativas à parte em que obteve vencimento. Consequentemente, está vedado, ao tribunal de recurso, apreciar as questões suscitadas pela recorrente nas conclusões 1 a 5 e 12 a 14. Tudo isto decorre do disposto nos artigos 631.º, n.º 1, 633.º, n.º 1 e 635.º, n.º 3, do CPC.

2

A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto no que concerne ao conteúdo das alíneas a) e b) dos factos não provados. Entende a recorrente que essa matéria devia ter sido julgada provada. Como fundamento, a recorrente invoca, sucintamente, o seguinte:

- Ao contrário do que é referido na sentença recorrida, o depoimento da testemunha CCC não se baseou no que a recorrente lhe disse, mas sim naquilo que ela própria viu, assistiu ou ouviu;

- A testemunha CCC assistiu à escritura de compra e venda do prédio e contou ao tribunal que a recorrente, ao receber o cheque de € 17.000 entregue pela compradora, referiu que faltava o cheque de € 7.000;

- Conjugando o depoimento da testemunha CCC com os documentos 2 a 5 e somando € 17.000 + € 1.500 + € 1.000 + € 1.500, dá € 21.000, pelo que devia ser dado como provado que a recorrente recebeu do recorrido, por conta da venda, € 21.000.

Comecemos por precisar que, ao contrário daquilo que a recorrente afirma, a testemunha CCC apenas demonstrou conhecimento directo do que ocorreu no cartório notarial, aquando da realização da escritura pública de compra e venda. Sobre a alegada celebração do acordo a que se reporta a alínea a) dos factos não provados ou o alegado recebimento, pela recorrente, de € 4.000 por conta do preço do imóvel, a própria testemunha CCC afirmou que apenas sabia o que a recorrente lhe transmitiu, nunca tendo assistido a qualquer conversa entre recorrente e recorrido sobre tal matéria, com a única excepção daquilo que este último disse à primeira no decurso da realização da escritura, ou seja, que lhe daria € 7.000 «no final da escritura».

Também diversamente daquilo que a recorrente sustenta nas suas alegações, não se afirma, na sentença recorrida, que todo o depoimento da testemunha CCC se baseou naquilo que esta lhe ouviu dizer. Aquilo que se afirma – acertadamente, pelo que anteriormente referimos – na sentença recorrida é que, «No que à decisão negativa respeita, (…) as testemunhas inquiridas (…) não revelaram conhecimento direto sobre os factos, e concretamente sobre o acordado entre a autora e o réu. Com efeito, a testemunha CCC, nunca presenciou qualquer conversa entre as partes e o único conhecimento que lhe adveio foi transmitido pela autora, que lhe disse em conversa qual o valor que alegadamente ficou acordado que a mesma receberia na escritura em causa» (o sublinhado é da nossa autoria).

Portanto, aquilo que se afirma na sentença recorrida é que inexistiu prova directa do acordo referido na alínea a) dos factos não provados e de que, por conta da venda, o recorrido tenha entregue à recorrente a quantia global de € 21.000, como consta da alínea b). E tal prova inexistiu efectivamente. Sobre o depoimento da testemunha CCC, já nos pronunciámos. Quanto aos documentos de fls. 5, 5 v.º e 6, os mesmos provam a realização, pelo recorrido, de dois depósitos de € 1.500 e de um depósito de € 1.000 a favor da recorrente, mas não a que título. Como resulta dos n.ºs 2 e 4 dos factos provados, a venda do prédio identificado no n.º 2 não era o único assunto de natureza patrimonial pendente entre recorrente e recorrido na sequência do divórcio entre ambos, pelo que, na ausência de outro meio de prova para além dos referidos documentos, não podia o tribunal recorrido julgar provado que os depósitos em questão foram feitos por conta da venda.

Não poderá, por último, inferir-se, da parte do depoimento da testemunha CCC em que esta descreve o que presenciou no cartório notarial, que o conteúdo das alíneas a) e b) dos factos não provados corresponde à realidade. Segundo esta testemunha, o recorrido disse, então, à recorrente que lhe entregaria € 7.000 «no final da escritura». Como acima referimos, a venda do prédio identificado no n.º 2 não era o único assunto de natureza patrimonial pendente entre recorrente e recorrido na sequência do divórcio entre ambos. No próprio dia em que a venda se realizou, havia outros assuntos a tratar entre recorrente e recorrido no cartório notarial, como resulta do depoimento da testemunha DDD. Daí que, das referidas palavras proferidas pelo recorrido, seja impossível inferir, com segurança, que os € 7.000 a que este se reportava constituíssem uma parte das tornas referidas na alínea a) dos factos não provados. Mais, tal versão factual não se harmoniza com o conteúdo do contrato-promessa de partilha que consta de fls. 28 a 30, sintomaticamente junto aos autos pelo réu/recorrido e não pela autora/recorrente.

Em conclusão, inexiste fundamento para alterar a decisão sobre a matéria de facto. Na falta de outros fundamentos do recurso, deverá este último ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

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Decisão:

Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

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Évora, 7 de Junho de 2018

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.ª adjunta

2.ª adjunta


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