segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Acórdão da Relação de Évora de 14.01.2021

Processo n.º 11/16.4T8ABT-C.E1

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Sumário:

O esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa ocorre com a prolação da sentença e não com o trânsito em julgado desta.

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AAA e BBB interpuseram recurso de apelação do despacho, proferido na acção com processo especial de divisão de coisa comum por ambos proposta contra CCC, DDD, EEE e FFF, mediante o qual o tribunal a quo, invocando encontrar-se esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria da causa, nos termos do artigo 613.º, n.º 1, do CPC, indeferiu um requerimento, por eles apresentado, no sentido de serem discriminados os valores do imóvel e do estabelecimento de lagar que neste funciona.

As conclusões do recurso são as seguintes:

1 – A decisão que determinou que o imóvel e o estabelecimento eram propriedade dos autores e réus em quotas iguais ainda não transitou.

2 – A transmissão do imóvel e do estabelecimento está sujeita à liquidação de impostos.

3 – A transmissão do imóvel paga IMT e selo.

4 – A transmissão do estabelecimento paga apenas selo.

5 – Os valores a liquidar dos impostos atrás referidos, são calculados em função do valor da transmissão.

6 – Logo, não pode o Tribunal fixar um todo, para a transmissão. Tem de determinar qual o valor do imóvel e qual o valor do estabelecimento. Aliás, até pode ser benéfico para as partes uma vez que ambos os bens estão à venda. Não é obrigatório que o edifício e o estabelecimento sejam vendidos à mesma pessoa ou sociedade.

7 – Do atrás exposto, resulta que o tribunal, ao decidir como decidiu, violou o disposto no artigo 615.º, al. d) do C.P.Civil e artigo 1.º, n.º 3, al. a) e e) do Código do Imposto de Selo e artigos 1.º e 2.º, do CIMT.

Devendo ser revogado o douto despacho por outro, que determine que ainda não transitou em julgado a sentença que determinou que autores e réus eram comproprietários em partes iguais no estabelecimento e no imóvel e, que seja determinado, para efeitos de transmissão, qual o valor do imóvel e qual o valor do estabelecimento, pois, sem tais valores estarem determinados, não é possível liquidar os impostos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

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A questão a resolver consiste em saber se, no despacho recorrido, o tribunal a quo devia ter individualizado os valores do imóvel e do estabelecimento. 

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Eis os factos relevantes para a decisão do recurso, resultantes da consulta do processo através do sistema “Citius”:

1 – O dispositivo da sentença proferida nos autos é o seguinte:

Pelo exposto, delibera este Tribunal:

3.1.- Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, quer a acção, quer a reconvenção e, em consequência, deliberar:

a)- que Autores e Réus são comproprietários, na proporção de 5/14 para os Autores, e na proporção de 2/7, para o Réu CCC; 2/7, para os Réus DDD e marido EEE e 1/14, para o Réu FFF, de um prédio urbano, sito na Rua (…), no lugar de (…), inscrito sob o artigo matricial n.º (…) da União das Freguesias de (…), concelho de (…), a confrontar pelo norte, sul e poente com CCC e nascente com estrada pública, com o valor patrimonial de € 44.763,69, com a área total de 548,50, encontrando-se o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) com o n.º (…), encontrando-se este prédio indiviso, não podendo ser dividido em substância;

b)- que, neste prédio, funciona um lagar de azeite, denominado «Lagar de (…) Herdeiros», o qual faz parte integrante, enquanto estrutura produtiva, do dito prédio, não podendo dele ser autonomizado, e que se encontra (o lagar) em compropriedade, entre Autores e Réus, exactamente nas mesmas proporções em que se encontra o prédio;

c)- que o valor do estabelecimento comercial é de cento e trinta e quatro mil euros (€ 134.000,00).

d)- declarar que o estabelecimento comercial é indivisível e deve ser adjudicado ou vendido, pelo valor base de € 134.000,00.

e)- absolver as partes dos restantes pedidos formulados, quer em sede de acção, quer em sede de reconvenção.

(…)”

2 – Os autores interpuseram recurso da sentença, admitido pelo tribunal a quo;

3 – Os autos subiram a esta Relação, onde o recurso foi rejeitado através de decisão que parcialmente se transcreve:

“(…)

A decisão de que se pretende recorrer, porque não põe termo à causa (a causa prosseguirá com a designação da conferência de interessados tal como é referido na decisão, ora impugnada, não obstante aí se aludir, a nosso ver mal, que a sua marcação estará dependente do trânsito em julgado da decisão proferida), não admite recurso autónomo, uma vez que não se encontram verificadas quaisquer circunstâncias que permitam a integração do caso em qualquer das alíneas do n.º 2 do art.º 644.º do CPC, só podendo e devendo, por isso, ser alvo de impugnação, caso tal se tenha por necessário, no recurso que se venha a interpor da decisão final (respeitante à adjudicação ou venda), em conformidade com o que dispõe o n.º 3 deste citado artigo.

Pelo exposto, por a decisão recorrida não ser passível de recurso autónomo, decide-se não conhecer do objecto do recurso.

(…)”

4 – A decisão referida em 3 transitou em julgado.

5 – Após a descida dos autos ao tribunal a quo, foi admitida a intervenção, como assistentes, para auxiliarem os autores, de GGG e de HHH.

6 – Em 06.12.2018, realizou-se a conferência de interessados, na qual estes deliberaram, por unanimidade, que o bem fosse vendido, por negociação particular, pelo valor base de € 134.000.

7 – Na conferência de interessados, foi proferido o seguinte despacho:

"Nos termos do disposto no artigo 929º, nº 2, parte final, do C.P.Civil, na falta de acordo sobre a adjudicação, como sucede no presente caso, é o bem vendido, podendo os consortes concorrer à venda.

Pelo exposto, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 929º, nº 2, 811º, nº 1, d) e 812º, todos do C.P.Civil, determino que os bens que se encontram em compropriedade e que são indivisíveis, sejam vendidos por negociação particular.

Aguardem os autos o prazo de dez dias, a fim de os interessados indicarem o encarregado da venda.

Notifique.”

8 – Em 11.12.2018, os autores requereram que o tribunal a quo discriminasse os valores dos seguintes bens, “para efeitos de IMT e futura divisão dos valores cobrados”: a) Prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo (…); b) (…) com a área de cerca de 1.110 m2, com o valor de € 10.000,00; c) Equipamentos sem uso, no valor de € 1.500,00; d) Equipamentos em uso, no valor de € 15.500,00; e) Estabelecimento de lagar.

9 – Em 08.01.2019, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

“Requerimento de 11/12/2018: O Serviço de Finanças territorialmente competente é quem deve liquidar e cobrar o imposto que seja devido pela compra e venda do bem. O bem objecto da compra e venda está bem definido no processo e não é necessário voltar a repeti-lo (veja-se o dispositivo da sentença proferida em 1ª instância). O Serviço de Finanças bem sabe como se liquida e cobra o imposto pela venda de um estabelecimento comercial, neste caso, um lagar de azeite. O Tribunal não tem de discriminar quaisquer valores, para efeitos de pagamento de impostos, por não se tratar de um acto da sua competência material.

Assim sendo, indefiro o requerido.

(…)”

10 – Em 18.10.2019, os autores apresentaram peça processual na qual, além do mais, “atendendo que o imóvel – artigo urbano (…) da freguesia de (…) l − tem um valor e o estabelecimento de lagar que funciona no mesmo também terá de ter um valor, vêm requerer a V. Exa. que se digne fixar o valor de cada um dos bens atrás referidos, tendo em vista a futura repartição dos valores a receber por cada um dos interessados, pois há proprietários do estabelecimento que não são proprietários do estabelecimento e vice-versa.”

11 – Sobre o requerimento referido em 10, foi proferido o despacho recorrido, cujo teor se transcreve na parte relevante:

“Encontra-se esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa (artigo 613.º/1 do Código de Processo Civil), matéria cuja discussão os requerentes almejam repristinar.

De qualquer modo, faz-se notar que, como cristalinamente decorre da sentença proferida nos autos, o prédio em causa foi considerado parte integrante do estabelecimento comercial que também compreende o lagar de azeite, o qual se encontra em compropriedade entre autores e réus exatamente nas mesmas proporções em que se encontra o prédio.

Indefere-se, assim, e por ausência de fundamento legal, o requerido na alínea b) do requerimento em epígrafe.”

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Na sentença, o tribunal a quo decidiu que: 1) Os autores e os réus são comproprietários, na proporção que indicou, de um prédio urbano e de um lagar de azeite; 2) O lagar faz parte integrante do prédio, não podendo dele ser autonomizado; 3) O valor desse bem é de € 134.000.

Os autores interpuseram recurso da sentença, admitido pelo tribunal a quo mas rejeitado pelo tribunal ad quem. Entendeu este último que a sentença não admitia apelação autónoma, apenas sendo impugnável no recurso que viesse a ser interposto da decisão final de adjudicação ou venda, decisão esta que ainda não foi proferida.

Do exposto resulta que, como os autores/recorrentes afirmam, a sentença não transitou em julgado, continuando a ser impugnável no recurso que eventualmente venha a ser interposto da decisão final de adjudicação ou venda. Não obstante, como acertadamente se considerou no despacho recorrido, o tribunal a quo, ao proferir a sentença, esgotou o seu poder jurisdicional relativamente à matéria nesta decidida, nos termos do artigo 613.º, n.º 1, do CPC. Caso a sentença venha a ser impugnada nos termos determinados pelo tribunal ad quem, caberá a este último reapreciar a matéria decidida na sentença. Já ao próprio tribunal a quo está vedado tomar nova decisão sobre a mesma matéria, sob pena de violação do referido artigo 613.º, n.º 1, do CPC. 

No requerimento indeferido através do despacho recorrido, os autores/recorrentes tentaram, pela segunda vez, que o tribunal a quo alterasse a decisão, por si tomada na sentença, de considerar que o lagar faz parte integrante do prédio, não podendo dele ser autonomizado, e que o valor, necessariamente unitário, desse bem, é de € 134.000. A primeira tentativa foi levada a cabo através do requerimento descrito em 8, indeferido através do despacho descrito em 9. No despacho recorrido, tal como no despacho descrito em 9, o tribunal a quo andou bem ao abster-se de conhecer da questão suscitada pelos autores recorridos, pois já o tinha feito na sentença.

Atento o anteriormente decidido por esta Relação, os autores/ recorrentes terão de aguardar pela prolação da decisão final respeitante à adjudicação ou venda e, em recurso que então venham eventualmente a interpor, suscitar a questão da autonomia do estabelecimento de lagar face ao prédio onde o mesmo funciona. Não podem, repetimos, pretender que seja o próprio tribunal a quo, em violação do disposto no artigo 613.º, n.º 1, do CPC, a alterar aquilo que ele próprio decidiu na sentença. A reapreciação daquela questão será tarefa do tribunal ad quem na hipótese de vir a ser interposto recurso da decisão acima referida.

Decorre também do exposto que não é no presente recurso que cabe analisar os argumentos expostos nas conclusões 2 a 6. Os autores/recorrentes pretendem demonstrar a autonomia do estabelecimento face ao imóvel onde o mesmo se encontra instalado e a consequente necessidade de discriminação do valor de um e outro invocando o disposto em legislação tributária. Ora, a questão das referidas autonomia e necessidade de discriminação de valores constituirá objecto do recurso que eventualmente vier a ser interposto da decisão final respeitante à adjudicação ou venda e não do presente, no qual apenas cabe concluir que o tribunal a quo decidiu bem ao considerar que, em face do decidido na sentença, se encontra esgotado o seu poder jurisdicional sobre a questão suscitada pelos autores/recorrentes. Por outras palavras, estamos perante argumentos que dizem respeito a uma questão decidida na sentença e que, por isso, não poderá ser resolvida em recurso interposto de um despacho mediante o qual o tribunal a quo, acertadamente, considerou não poder proferir nova decisão sobre a mesma questão.

Deverá, assim, o recurso ser julgado improcedente.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Notifique.

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Évora, 14.01.2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.º adjunto


Voto de vencido exarado em acórdão da Relação de Évora de 30.01.2025

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