Processo n.º 11/16.4T8ABT-C.E1
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Sumário:
O esgotamento do poder
jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa ocorre com a prolação da
sentença e não com o trânsito em julgado desta.
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AAA e BBB interpuseram recurso
de apelação do despacho, proferido na acção com processo especial de divisão de
coisa comum por ambos proposta contra CCC, DDD, EEE e FFF, mediante o qual o
tribunal a quo, invocando
encontrar-se esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria da causa, nos
termos do artigo 613.º, n.º 1, do CPC, indeferiu um requerimento, por eles
apresentado, no sentido de serem discriminados os valores do imóvel e do
estabelecimento de lagar que neste funciona.
As conclusões do recurso são as
seguintes:
1 – A decisão que determinou que
o imóvel e o estabelecimento eram propriedade dos autores e réus em quotas
iguais ainda não transitou.
2 – A transmissão do imóvel e do
estabelecimento está sujeita à liquidação de impostos.
3 – A transmissão do imóvel paga
IMT e selo.
4 – A transmissão do
estabelecimento paga apenas selo.
5 – Os valores a liquidar dos
impostos atrás referidos, são calculados em função do valor da transmissão.
6 – Logo, não pode o Tribunal
fixar um todo, para a transmissão. Tem de determinar qual o valor do imóvel e
qual o valor do estabelecimento. Aliás, até pode ser benéfico para as partes
uma vez que ambos os bens estão à venda. Não é obrigatório que o edifício e o
estabelecimento sejam vendidos à mesma pessoa ou sociedade.
7 – Do atrás exposto, resulta
que o tribunal, ao decidir como decidiu, violou o disposto no artigo 615.º, al.
d) do C.P.Civil e artigo 1.º, n.º 3, al. a) e e) do Código do Imposto de Selo e
artigos 1.º e 2.º, do CIMT.
Devendo ser revogado o douto
despacho por outro, que determine que ainda não transitou em julgado a sentença
que determinou que autores e réus eram comproprietários em partes iguais no
estabelecimento e no imóvel e, que seja determinado, para efeitos de
transmissão, qual o valor do imóvel e qual o valor do estabelecimento, pois,
sem tais valores estarem determinados, não é possível liquidar os impostos.
Não foram apresentadas
contra-alegações.
O recurso foi admitido, com
subida em separado e efeito meramente devolutivo.
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A questão a resolver consiste em saber se,
no despacho recorrido, o tribunal a quo
devia ter individualizado os valores do imóvel e do estabelecimento.
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Eis os factos relevantes para a decisão
do recurso, resultantes da consulta do processo através do sistema “Citius”:
1 – O dispositivo da sentença proferida
nos autos é o seguinte:
“Pelo exposto, delibera
este Tribunal:
3.1.- Julgar parcialmente
procedente, por parcialmente provada, quer a acção, quer a reconvenção e, em
consequência, deliberar:
a)- que Autores e Réus são
comproprietários, na proporção de 5/14 para os Autores, e na proporção de 2/7,
para o Réu CCC; 2/7, para os Réus DDD e marido EEE e 1/14, para o Réu FFF, de
um prédio urbano, sito na Rua (…), no lugar de (…), inscrito sob o artigo
matricial n.º (…) da União das Freguesias de (…), concelho de (…), a confrontar
pelo norte, sul e poente com CCC e nascente com estrada pública, com o valor
patrimonial de € 44.763,69, com a área total de 548,50, encontrando-se o prédio
descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) com o n.º (…),
encontrando-se este prédio indiviso, não podendo ser dividido em substância;
b)- que, neste prédio, funciona
um lagar de azeite, denominado «Lagar de (…) Herdeiros», o qual faz parte
integrante, enquanto estrutura produtiva, do dito prédio, não podendo dele ser
autonomizado, e que se encontra (o lagar) em compropriedade, entre Autores e
Réus, exactamente nas mesmas proporções em que se encontra o prédio;
c)- que o valor do
estabelecimento comercial é de cento e trinta e quatro mil euros (€
134.000,00).
d)- declarar que o
estabelecimento comercial é indivisível e deve ser adjudicado ou vendido, pelo valor
base de € 134.000,00.
e)- absolver as partes dos
restantes pedidos formulados, quer em sede de acção, quer em sede de
reconvenção.
(…)”
2 – Os autores interpuseram recurso da sentença, admitido pelo tribunal a quo;
3 – Os autos subiram a esta Relação, onde o recurso foi rejeitado através
de decisão que parcialmente se transcreve:
“(…)
A decisão de que se pretende
recorrer, porque não põe termo à causa (a causa prosseguirá com a
designação da conferência de interessados tal como é referido na decisão, ora
impugnada, não obstante aí se aludir, a nosso ver mal, que a sua marcação
estará dependente do trânsito em julgado da decisão proferida), não admite recurso
autónomo, uma vez que não se encontram verificadas quaisquer circunstâncias que
permitam a integração do caso em qualquer das alíneas do n.º 2 do art.º 644.º
do CPC, só podendo e devendo, por isso, ser alvo de impugnação, caso tal se
tenha por necessário, no recurso que se venha a interpor da decisão final
(respeitante à adjudicação ou venda), em conformidade com o que dispõe o n.º 3
deste citado artigo.
Pelo exposto, por a decisão
recorrida não ser passível de recurso autónomo, decide-se não conhecer do
objecto do recurso.
(…)”
4 – A decisão referida em 3 transitou em julgado.
5 – Após a descida dos autos ao tribunal a quo, foi admitida a intervenção, como assistentes, para
auxiliarem os autores, de GGG e de HHH.
6 – Em 06.12.2018, realizou-se a conferência de interessados, na qual
estes deliberaram, por unanimidade, que o bem fosse vendido, por negociação
particular, pelo valor base de € 134.000.
7 – Na conferência de interessados, foi proferido o seguinte despacho:
"Nos termos do disposto no
artigo 929º, nº 2, parte final, do C.P.Civil, na falta de acordo sobre a
adjudicação, como sucede no presente caso, é o bem vendido, podendo os
consortes concorrer à venda.
Pelo exposto, nos termos das
disposições conjugadas dos artigos 929º, nº 2, 811º, nº 1, d) e 812º, todos do
C.P.Civil, determino que os bens que se encontram em compropriedade e que são
indivisíveis, sejam vendidos por negociação particular.
Aguardem os autos o prazo de dez
dias, a fim de os interessados indicarem o encarregado da venda.
Notifique.”
8 – Em 11.12.2018, os autores requereram que o tribunal a quo
discriminasse os valores dos seguintes bens, “para efeitos de IMT e futura
divisão dos valores cobrados”: a) Prédio urbano inscrito na matriz predial sob
o artigo (…); b) (…) com a área de cerca de 1.110 m2, com o valor de €
10.000,00; c) Equipamentos sem uso, no valor de € 1.500,00; d) Equipamentos em
uso, no valor de € 15.500,00; e) Estabelecimento de lagar.
9 – Em 08.01.2019, o tribunal a quo
proferiu o seguinte despacho:
“Requerimento de 11/12/2018: O
Serviço de Finanças territorialmente competente é quem deve liquidar e cobrar o
imposto que seja devido pela compra e venda do bem. O bem objecto da compra e
venda está bem definido no processo e não é necessário voltar a repeti-lo (veja-se
o dispositivo da sentença proferida em 1ª instância). O Serviço de Finanças bem
sabe como se liquida e cobra o imposto pela venda de um estabelecimento
comercial, neste caso, um lagar de azeite. O Tribunal não tem de discriminar
quaisquer valores, para efeitos de pagamento de impostos, por não se tratar de
um acto da sua competência material.
Assim sendo, indefiro o
requerido.
(…)”
10 – Em 18.10.2019, os autores apresentaram peça processual na qual, além
do mais, “atendendo que o imóvel – artigo
urbano (…) da freguesia de (…) l − tem um valor e o estabelecimento de lagar
que funciona no mesmo também terá de ter um valor, vêm requerer a V. Exa. que
se digne fixar o valor de cada um dos bens atrás referidos, tendo em vista a
futura repartição dos valores a receber por cada um dos interessados, pois há
proprietários do estabelecimento que não são proprietários do estabelecimento e
vice-versa.”
11 – Sobre o requerimento referido em 10, foi proferido o despacho recorrido,
cujo teor se transcreve na parte relevante:
“Encontra-se esgotado o poder
jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa (artigo 613.º/1 do Código
de Processo Civil), matéria cuja discussão os requerentes almejam repristinar.
De qualquer modo, faz-se notar
que, como cristalinamente decorre da sentença proferida nos autos, o prédio em
causa foi considerado parte integrante do estabelecimento comercial que também
compreende o lagar de azeite, o qual se encontra em compropriedade entre
autores e réus exatamente nas mesmas proporções em que se encontra o prédio.
Indefere-se, assim, e por
ausência de fundamento legal, o requerido na alínea b) do requerimento em
epígrafe.”
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Na sentença, o tribunal a quo
decidiu que: 1) Os autores e os réus são comproprietários, na proporção que
indicou, de um prédio urbano e de um lagar de azeite; 2) O lagar faz parte
integrante do prédio, não podendo dele ser autonomizado; 3) O valor desse bem é
de € 134.000.
Os autores interpuseram recurso da sentença, admitido pelo tribunal a quo mas rejeitado pelo tribunal ad quem. Entendeu este último que a
sentença não admitia apelação autónoma, apenas sendo impugnável no recurso que
viesse a ser interposto da decisão final de adjudicação ou venda, decisão esta
que ainda não foi proferida.
Do exposto resulta que, como os autores/recorrentes afirmam, a sentença
não transitou em julgado, continuando a ser impugnável no recurso que
eventualmente venha a ser interposto da decisão final de adjudicação ou venda. Não
obstante, como acertadamente se considerou no despacho recorrido, o tribunal a quo, ao proferir a sentença, esgotou o
seu poder jurisdicional relativamente à matéria nesta decidida, nos termos do
artigo 613.º, n.º 1, do CPC. Caso a sentença venha a ser impugnada nos termos
determinados pelo tribunal ad quem,
caberá a este último reapreciar a matéria decidida na sentença. Já ao próprio
tribunal a quo está vedado tomar nova
decisão sobre a mesma matéria, sob pena de violação do referido artigo 613.º,
n.º 1, do CPC.
No requerimento indeferido através do despacho recorrido, os
autores/recorrentes tentaram, pela segunda vez, que o tribunal a quo alterasse a decisão, por si tomada
na sentença, de considerar que o lagar faz parte integrante do prédio, não
podendo dele ser autonomizado, e que o valor, necessariamente unitário, desse
bem, é de € 134.000. A primeira tentativa foi levada a cabo através do
requerimento descrito em 8, indeferido através do despacho descrito em 9. No
despacho recorrido, tal como no despacho descrito em 9, o tribunal a quo andou bem ao abster-se de conhecer
da questão suscitada pelos autores recorridos, pois já o tinha feito na
sentença.
Atento o anteriormente decidido por esta Relação, os autores/ recorrentes
terão de aguardar pela prolação da decisão final respeitante à adjudicação ou
venda e, em recurso que então venham eventualmente a interpor, suscitar a
questão da autonomia do estabelecimento de lagar face ao prédio onde o mesmo
funciona. Não podem, repetimos, pretender que seja o próprio tribunal a quo, em violação do disposto no artigo
613.º, n.º 1, do CPC, a alterar aquilo que ele próprio decidiu na sentença. A
reapreciação daquela questão será tarefa do tribunal ad quem na hipótese de vir a ser interposto recurso da decisão acima
referida.
Decorre também do exposto que não é no presente recurso que cabe analisar
os argumentos expostos nas conclusões 2 a 6. Os autores/recorrentes pretendem
demonstrar a autonomia do estabelecimento face ao imóvel onde o mesmo se
encontra instalado e a consequente necessidade de discriminação do valor de um
e outro invocando o disposto em legislação tributária. Ora, a questão das
referidas autonomia e necessidade de discriminação de valores constituirá
objecto do recurso que eventualmente vier a ser interposto da decisão final respeitante
à adjudicação ou venda e não do presente, no qual apenas cabe concluir que o
tribunal a quo decidiu bem ao
considerar que, em face do decidido na sentença, se encontra esgotado o seu
poder jurisdicional sobre a questão suscitada pelos autores/recorrentes. Por
outras palavras, estamos perante argumentos que dizem respeito a uma questão
decidida na sentença e que, por isso, não poderá ser resolvida em recurso
interposto de um despacho mediante o qual o tribunal a quo, acertadamente, considerou não poder proferir nova decisão
sobre a mesma questão.
Deverá, assim, o recurso ser julgado improcedente.
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Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas
pelos recorrentes.
Notifique.
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Évora, 14.01.2021
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.º adjunto