Processo n.º 364/21.2T8STB-G.E1
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Sumário:
A consequência da falta de pagamento da multa nos
termos do n.º 6 do artigo 139.º do CPC é a aplicação da regra do n.º 3 do mesmo
artigo: considera-se extinto o direito de praticar o acto no final do prazo
legal para o efeito, não valendo a extensão desse prazo resultante dos n.ºs 5 e
6.
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Sociedade 1, S.A.
foi declarada insolvente.
Fernando Lima,
invocando as qualidades de responsável legal pelas dívidas da insolvente e de
sócio desta, opôs embargos à sentença declaratória da insolvência.
Massa Insolvente
de Sociedade 2, Lda., credora reclamante, apresentou contestação, na qual
invocou, além do mais, a intempestividade da dedução dos embargos.
O embargante
exerceu o contraditório relativamente à questão da tempestividade dos embargos.
O embargante,
através do seu advogado, foi notificado para, no prazo de 10 dias, efectuar o
pagamento da multa prevista no n.º 5 do art.º 139.º do Código de Processo Civil,
acrescida de uma penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, sob
pena de não se considerar válido o acto processual extemporaneamente praticado.
Findo o prazo para
o pagamento dessa multa sem que o mesmo tenha sido efectuado, foi proferida decisão
com o seguinte teor:
“Veio o administrador único da sociedade insolvente,
Fernando Lima deduzir embargos à sentença declaratória de insolvência.
Nos termos do disposto no artº 40º nº 1 al. f) do
CIRE, os sócios, associados ou membros de devedor podem opor embargos à
sentença declaratória de insolvência.
Conforme resulta do processo principal de
insolvência, o embargante foi citado no dia 16.06.2021.
O prazo para a dedução de embargos é de 5 dias (artº
40º nº 2 do CIRE) subsequentes à notificação da sentença ao embargante, pelo
que o prazo terminou no dia 21.01.2021.
Aplicando o disposto no artº 139º nº 5 do CPC, o
acto sempre seria válido se praticado dentro dos 3 dias úteis subsequentes,
ficando dependente do pagamento de multa, ou seja, se praticado até 24.06.2021.
Os presentes embargos deram entrada no dia
23.06.2021, ou seja, dentro dos três dias referidos no citado artº 139º nº 5 do
CPC.
Não tendo sido paga a multa, foi o embargante
notificado para proceder ao seu pagamento, de acordo com o disposto no artº
139º nº 6 do CPC, tendo-lhe sido remetida a respectiva guia.
O Embargante não procedeu ao pagamento da guia de
multa supra referida.
Assim, extinguiu-se o direito do Embargante a
deduzir os presentes embargos.
Em consequência, nos termos conjugados do nº 2 do
artº 40º do CIRE e nºs 3, 5 e 6 do artº 139º do CPC, não se admitem os embargos
deduzidos pelo administrador da insolvente, por extemporâneos.
Custas pelo embargante.
Notifique.”
O embargante
interpôs recurso de apelação deste despacho, tendo formulado as seguintes
conclusões:
1. Veio a ser
proferida decisão, com a qual não pode o recorrente colher entendimento,
porquanto segundo o entendimento sufragado e ora em crise, pelo não pagamento
da penalidade processual prevista no artigo 139.º CPC, determinou o douto
Tribunal a quo não tramitar
ulteriormente os embargos à insolvência.
2. Questões não
existem quanto ao pagamento da taxa de justiça, porquanto nunca o mesmo foi
colocado em causa, encontrando-se esta para todos os devidos efeitos legais,
liquidada.
3. Sendo que no
entendimento do douto Tribunal a quo,
se obstaculiza todo o acesso ao Direito e à Justiça, pelo não pagamento de
apenas a penalidade processual.
4. Melhor
entendimento deveria ter dito o douto Tribunal a quo e ao determinar, como deveria, a aplicação ao caso concreto
do disposto no artigo 570.º/3 CPC, encontrando-se o recorrente adstrito ao
pagamento do valor de € 63,75, ser notificado para em dez dias promover o
pagamento da referida quantia, acrescida do valor de penalidade processual
mínima de 1 UC, perfazendo assim o total de € 165,75 (cento e sessenta e cinco
euros e setenta e cinco cêntimos), conforme cálculos que melhor se encontram apostos
nas alegações supra.
5. A decisão assim
proferida encontra-se enferma de vício de violação de Lei, que afecta não só o
acto omitido como todo o demais processado subsequente, por omissão da prática
do acto previsto processualmente, tudo cfr. artigos 195.º, 198.º, 199º, 200.º,
201.º, 202.º todos do CPC.
6. Mas mais, a
decisão assim proferida representa a prolação de uma decisão surpresa, cfr.
melhor ensina Manuel de Andrade e se reconhece parecer do Conselho Superior de
Magistratura pelo Gabinete de S.ª Ex.ª a Senhora Ministra da Justiça sobre o
Projecto de Reforma do Processo Civil, no corpo das alegações transcrito e que
assim, aqui se dá por reproduzido.
7. Ora o valor
prioritário é e sempre será a douta decisão de mérito a recair sobre o quanto é
solicitado ao douto Tribunal que se pronuncie, o que não ocorreu nos presentes
autos, no qual o douto Tribunal a quo
não se pronuncia sobre a questão de mérito controvertida, com um fundamento meramente
processualista, o qual aliás, conforme melhor resulta do corpo das alegações
teria resolução diversa.
8. Também por tal
desiderato e entendimento que não se acompanha do douto Tribunal a quo, não pode a decisão ora em crise
proceder, por representar a mesma uma decisão surpresa, que a lei determina
como nula, bem como nulo será todo o processado subsequente, o que desde já se requer
para todos os devidos efeitos legais.
9. Ademais à
Cautela e por Dever de Patrocínio, estando previamente liquidada a taxa de
justiça devida, sempre a mesma deveria ter sido imputada na conta de custas
final, entendimento este que não só resulta da lei, como tem vindo a ser
consolidado junto da mais variada douta jurisprudência.
A embargada Sociedade
3, Lda. apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso
de apelação vem interposto do despacho proferido em 09 de Julho de 2021, que
não admitiu, por extemporâneos, os embargos deduzidos pelo administrador da
insolvente, ora Recorrente, adiante designado por «douta decisão recorrida».
2. O requerimento de
interposição de recurso deve ser liminarmente indeferido porque a douta decisão
recorrida não é recorrível, nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 2,
alínea g), do Código de Processo Civil, não tendo a apelação efeito suspensivo,
nos termos do disposto no artigo 647.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil,
não tendo sido prestada caução, nos termos do disposto no artigo 647.º, n.º 4,
do Código de Processo Civil, não tendo sido arguida nulidade perante o Tribunal
a quo, nos termos do disposto no
artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e, finalmente, não podendo as
decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1, do artigo 195.º,
constituir objecto de recurso, nos termos e para os efeitos dos artigos 630.º,
n.º 2, e 641.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
Porém, sem
conceder,
3. Os presentes
autos tiveram início com a dedução pelo ora Recorrente, em 23 de Junho de 2021,
de petição de embargos, proposta no âmbito do artigo 40.º, n.º 1, alínea f), do
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, tendo a sentença de
declaração de insolvência, proferida no processo principal, sido citada ao ora
Recorrente no dia 16 de Junho de 2021, sendo, assim, por demais evidente que a
prática daquele acto (dedução de petição de embargos pelo ora Recorrente),
ocorreu fora do prazo previsto no artigo 40.º, n.º 2, do Código da Insolvência
e da Recuperação de Empresas.
4. Não está em
discussão uma putativa falta de junção do documento comprovativo do pagamento
da taxa de justiça por parte do Recorrente, razão pela qual também não se
discute o pagamento daquela referida taxa, estando sim em análise a prática de
um acto processual, pelo Recorrente, após decurso do respectivo prazo
peremptório.
5. As multas
previstas nos artigos 139.º, n.º 5 e 570.º, n.º 3, do Código de Processo Civil,
tem natureza e função distinta uma da outra, não se confundindo as mesmas entre
si, nem sendo o âmbito de aplicação das referidas normas coincidente,
subsidiário ou alternativo.
6. Conforme
resulta da factualidade dos autos, o procedimento previsto no artigo 139.º, do
Código de Processo Civil foi cumprido, tendo sido a petição de embargos
entregue em juízo pelo Recorrente dentro dos três dias subsequentes ao termo do
prazo; tendo sido o Recorrente notificado para proceder ao pagamento da multa,
de acordo com o estipulado pelo artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo
Civil; tendo sido extinto o direito de praticar o acto (entrega em juízo dos
embargos por parte do Recorrente) por falta de pagamento da respectiva multa; e
não tendo sido admitida a petição de embargos, perdendo validade a prática do
acto, com o subsequente desentranhamento da petição.
7. A dedução de
embargos pelo Recorrente não foi validamente praticada, razão pela qual o
direito de praticar o acto se extinguiu e razão pela qual, ainda, a douta
decisão recorrida deve ser integralmente mantida, devendo as conclusões do
recurso improceder na sua totalidade.
O recorrente
apresentou resposta às contra-alegações.
O recurso foi
admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
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As questões a
resolver são as seguintes:
1 –
Admissibilidade da resposta às contra-alegações;
2 –
Admissibilidade do recurso;
3 – Consequências
da falta de pagamento da multa estabelecida no artigo 139.º, n.º 6, do CPC.
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1 –
Admissibilidade da resposta às contra-alegações:
O recorrente
apresentou resposta às contra-alegações. Coloca-se a questão da sua
admissibilidade.
Resulta dos
artigos 637.º e 638.º do CPC (diploma ao qual pertencem todas as disposições
legais doravante referenciadas) que, em princípio, apenas têm lugar, nesta fase
processual, as alegações de recurso e as contra-alegações. Só na hipótese de o
recorrido requerer a ampliação do objecto do recurso, nos termos do artigo
636.º, é permitido, ao recorrente, responder à matéria da ampliação, nos termos
do n.º 8 do artigo 638.º. Não se verificando essa hipótese, como acontece no
caso dos autos, a lei processual não admite que o recorrente responda às
contra-alegações.
O direito ao contraditório,
invocado pelo recorrente, exerce-se nos termos legalmente previstos, não
podendo constituir um expediente para cada uma das partes responder à mais
recente peça processual apresentada pela contraparte, sem qualquer limite, até
que, eventualmente, uma delas se dê por vencida pelo cansaço nesse exercício.
Pelo exposto, a
resposta do recorrente às contra-alegações considera-se não escrita e não será
tida em consideração na decisão do recurso.
2 –
Admissibilidade do recurso:
Nas
contra-alegações, é suscitada a questão da admissibilidade do recurso.
A recorribilidade
da decisão decorre do disposto nos artigos 627.º, n.º 1, 629.º, n.º 1, e 630.º a contrario.
Questão diversa,
logicamente posterior, é a de saber se é admissível apelação autónoma da
decisão. Atento o disposto no artigo 644.º, n.º 1, al. a), segundo a qual cabe
recurso de apelação autónomo da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha
termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente,
aquela admissibilidade é evidente, pois a decisão recorrida rejeitou os
embargos.
3 – Consequências
da falta de pagamento da multa estabelecida no artigo 139.º, n.º 6, do CPC:
O recorrente não
põe em causa que o prazo para a dedução dos embargos terminou no dia
21.01.2021, que apenas praticou esse acto no dia 23.01.2021, que não procedeu
ao pagamento imediato da multa nos termos do artigo 139.º, n.º 5, al. b), que a
secretaria o notificou nos termos do n.º 6 do mesmo artigo e que nem assim ele
efectuou o pagamento da multa.
As razões da
discordância do recorrente relativamente à decisão recorrida são, em síntese,
as seguintes:
- É aplicável o
disposto no artigo 570.º, n.º 3, pelo que a secretaria o devia ter notificado
para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido da multa ali
estabelecida;
- A decisão
recorrida constitui uma decisão surpresa;
- A decisão
recorrida fundou-se num argumento de natureza meramente processual para não
proferir uma decisão de mérito, quando o valor prioritário é e sempre será a
prolação desta última;
- Estando
previamente liquidada a taxa de justiça devida, a falta de pagamento da multa
devida nos termos do artigo 139.º, n.º 6, determina apenas a sua inclusão na
conta de custas.
Nenhum destes
argumentos procede.
O artigo 139.º, n.º
3, estabelece a regra de que o decurso do prazo peremptório extingue o direito
de praticar o acto. O n.º 5 dispõe que, independentemente de justo impedimento,
o acto pode ser praticado dentro dos 3 primeiros dias úteis subsequentes ao
termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma
multa, que varia consoante o acto seja praticado no 1.º, no 2.º ou no 3.º dia.
O n.º 6 dispõe que, praticado o acto em qualquer dos 3 dias úteis seguintes sem
ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a
secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a
multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor desta, desde que se trate
de acto praticado por mandatário. A consequência da falta de pagamento da multa
nos termos do n.º 6 é a aplicação da regra do n.º 3, considerando-se extinto o
direito de praticar o acto no final do prazo legal para o efeito e não valendo
a extensão desse prazo resultante dos n.ºs 5 e 6.
O recorrente
deduziu os embargos 2 dias para além do prazo legal, pelo que o regime
aplicável é o estabelecido no artigo 139.º. Não tendo o recorrente procedido ao
pagamento imediato da multa nos termos do n.º 5, al. b), a secretaria
notificou-o nos termos estabelecidos no n.º 6. Nem assim o recorrente pagou a
multa. Em face disso, nos termos do n.º 3, considera-se extinto o direito de
deduzir embargos uma vez expirado o prazo legal, ou seja, no dia 21.01.2021.
Tendo essa dedução ocorrido no dia 23.01.2021, é a mesma extemporânea e,
consequentemente, inadmissível.
O regime do artigo
570.º, n.º 3, não é aplicável ao caso dos autos, pois não está em causa a falta
de junção, com a contestação, do documento comprovativo do pagamento da taxa de
justiça devida pela prática desse acto processual. Aquilo que está em causa é a
prática de um acto processual, mais precisamente a dedução de embargos à
sentença declaratória da insolvência, 2 dias depois do decurso do prazo legalmente
estabelecido para esse efeito. O regime aplicável é o do artigo 139.º.
A decisão
recorrida, ao não admitir os embargos com fundamento na extemporaneidade
destes, não pode ser considerada uma decisão surpresa, por duas razões.
A primeira é a de
que a questão da tempestividade da dedução dos embargos foi suscitada na
contestação apresentada por Massa Insolvente de Sociedade 2, Lda., e o
recorrente exerceu o contraditório relativamente a ela. A concessão de nova
oportunidade para o recorrente se pronunciar sobre a mesma questão seria
redundante e, por isso, inadmissível à luz do disposto no artigo 130.º.
A segunda é a de
que o recorrente, através do seu advogado, foi notificado para, no prazo de 10
dias, efectuar o pagamento da multa prevista no n.º 5 do art.º 139.º, acrescida
de uma penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, sob pena de não
se considerar válido o acto processual extemporaneamente praticado. Portanto, o
recorrente foi expressamente advertido de qual seria a consequência do não
pagamento da multa dentro do prazo legal. Como, apesar dessa advertência, o
recorrente não pagou a multa, foi proferida a decisão recorrida, não admitindo
os embargos com fundamento na sua extemporaneidade.
Perante isto, de
forma alguma a decisão recorrida pode ser considerada uma decisão surpresa.
A circunstância de
a decisão recorrida não ter admitido os embargos com fundamento na
extemporaneidade destes e, assim, ter inviabilizado o conhecimento do mérito da
causa, não afecta a sua validade. A preferência da lei pela prolação de
decisões de mérito, que é real, não prejudica a exigência de que as partes
pratiquem os actos dentro dos prazos por ela estabelecidos. Tanto assim é, que
o artigo 139.º, n.º 3, continua em vigor.
Finalmente, o
argumento de que, estando previamente liquidada a taxa de justiça devida, a
falta de pagamento da multa devida nos termos do artigo 139.º, n.º 6, determina
apenas a sua inclusão na conta de custas, carece de fundamento legal, que,
aliás, não é indicado pelo recorrente. O regime que resulta dos n.ºs 3, 5 e 6
do artigo 139.º não é esse, mas sim o que anteriormente descrevemos.
Concluindo, o
tribunal a quo decidiu em
conformidade com a lei, mais precisamente com o disposto nos n.ºs 3, 5 e 6 do
artigo 139.º, pelo que o recurso deverá ser julgado improcedente.
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Dispositivo:
Delibera-se,
pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Notifique.
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Évora, 23.09.2021
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
1.º adjunto
2.ª adjunta