sábado, 21 de setembro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 12.09.2024


Processo n.º 68/20.3T8RDD.E1

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Sumário:

1 – A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.

2 – Para o efeito referido em 1, um único grau de jurisdição avalia a globalidade do processado, incluindo em outras instâncias.

3 – Para o efeito referido em 2, é competente o tribunal que tiver proferido a decisão final do processo.

4 – Na avaliação da possibilidade de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, deve ser tida em conta a actuação processual de cada parte, nomeadamente a reiteração, por uma delas, da apresentação de peças processuais legalmente inadmissíveis com o pretexto de estar a exercer o contraditório.

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Expropriante:

- Infraestruturas de Portugal, S.A..

Expropriado:

- AAA, casado no regime da comunhão de adquiridos com BBB.

Interessados:

- CCC;

- DDD.

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O expropriado requer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça. A expropriante e o Ministério Público não se opõem.

Questões a resolver:

1 – Tempestividade do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça;

2 – Âmbito da decisão a proferir;

3 – Tribunal competente;

4 – Pressupostos da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

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1 – Tempestividade do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:

A questão da oportunidade da dedução do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça suscitou viva controvérsia na jurisprudência, até que o AUJ n.º 1/2022 estabeleceu que «A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo».

O expropriante apresentou o requerimento sob apreciação antes do trânsito em julgado do acórdão proferido por esta Relação, pelo que é tempestivo.

2 – Âmbito da decisão a proferir:

Em tese, são possíveis duas soluções:

- Cada grau de jurisdição profere uma decisão que considera unicamente a tramitação nele ocorrida;

- Um único grau de jurisdição avalia a globalidade do processado, incluindo em outras instâncias.

O artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), estabelece que, nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça terá, pois, de resultar de uma avaliação, pelo juiz, sobre a verificação dos seus pressupostos no caso concreto. Nessa avaliação, o juiz ponderará a complexidade da causa e a conduta processual das partes e formulará um juízo sobre a proporcionalidade da taxa de justiça a pagar em função do valor da causa. Caso conclua que, do pagamento da taxa de justiça remanescente, resultará uma desproporção que, de forma evidente, afecte a relação sinalagmática que aquela taxa pressupõe entre o serviço prestado o seu custo, o juiz deverá dispensar aquele pagamento, total ou parcialmente.

Resulta do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, que a avaliação que anteriormente referimos deve ter lugar uma única vez, reportando-se, consequentemente, à globalidade do processo. Carece de fundamento legal o entendimento de que a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser requerida e concedida relativamente a determinados actos ou fases processuais, com base numa avaliação parcelar do processo. Assim se decidiu, ainda antes da prolação do AUJ n.º 1/2022, no acórdão desta Relação de 14.03.2019 (processo n.º 181/18.7T8STB-A.E1), cujo relator foi o mesmo deste acórdão. Após a prolação do referido AUJ, tem sido esse o entendimento prevalecente no STJ: decisão sumária de 20.12.2021 (Abrantes Geraldes) e acórdãos de 29.03.2022 (Jorge Arcanjo), 12.04.2023 (Jorge Dias), 30.05.2023 (Maria João Vaz Tomé) e 28.09.2023 (Maria da Graça Trigo).

Portanto, a solução acima enunciada em segundo lugar é a correcta.

3 – Tribunal competente:

A opção que fizemos em 2 não resolve o problema da competência para decidir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça. Mesmo dando como assente que deve ser proferida uma única decisão, a final, sobre tal matéria, são concebíveis duas soluções:

- É sempre competente, para a prolação de tal decisão, o tribunal de 1.ª instância, para o qual, tendo havido recurso, o processo é, em qualquer caso, remetido após o trânsito em julgado da decisão final do processo; os tribunais superiores só seriam competentes para o conhecimento de recurso que fosse interposto da decisão do tribunal de 1.ª instância;

- É competente o tribunal que tiver proferido a decisão final do processo.

A primeira solução, que é perfeitamente compatível com o estabelecido pelo AUJ n.º 1/2022 dado que apenas a dedução do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ter lugar antes do trânsito em julgado da decisão final do processo, teria, pelo menos, duas vantagens:

- Não coarctaria, em caso algum, o exercício do direito ao recurso da decisão proferida sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça;

- Garantiria que esta questão só fosse decidida após o trânsito em julgado da decisão final, evitando a possibilidade de, por via da interposição de recurso da sentença da 1.ª instância ou do acórdão da 2.ª instância após a prolação da decisão sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, esta acabe por ser uma decisão meramente provisória (a menos que se considere que o pedido de concessão daquela dispensa implica a renúncia ao recurso, nos termos do artigo 632.º, n.ºs 1 a 3, do CPC, o que é, no mínimo, muito duvidoso).

Porém, toda a jurisprudência do STJ que acima referenciámos vai no sentido referido em segundo lugar. Sendo assim, não nos afastaremos dela.

4 – Pressupostos da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:

O n.º 1 do artigo 6.º do RCP estabelece, na parte que nos interessa, que a taxa de justiça é fixada em função do valor e complexidade da causa e de acordo com esse diploma legal, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A. O n.º 2 estabelece que, nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B.

O já referido n.º 7 do mesmo artigo estabelece que, nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada e atendendo, nomeadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Resulta desta última norma que, mesmo nas causas de valor superior a € 275.000, a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante dos critérios estabelecidos no RCP, constituindo excepção a dispensa, total ou parcial, desse pagamento. Tal dispensa «só deverá ocorrer em situações de manifesta injustiça, de intolerável desequilíbrio entre o montante a satisfazer e a actividade desenvolvida pelo sistema de justiça» – acórdão da RL de 22.11.2016 (Carla Câmara). Vejamos se é o que acontece neste processo.

O valor da causa é de € 1.782.381,33. Se se atender unicamente a este valor para fixar a taxa de justiça, esta cifrar-se-á em cerca de € 27.000, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do RCP e das tabelas I-A e I-B a este anexas.

A matéria em apreciação no processo revestiu alguma complexidade, em boa parte devido às questões suscitadas pelo expropriado, com apoio no laudo do perito por si indicado. Reflexo disso é a extensão da sentença proferida pela 1.ª instância, que não sufragou a tese do expropriado.

Por outro lado, a tramitação na 1.ª instância não foi isenta de anomalias decorrentes da actuação processual do expropriado. Temos em vista a insistência deste em apresentar peças processuais legalmente inadmissíveis com o pretexto de estar a exercer o contraditório, visando ter sempre a última palavra sobre qualquer questão que se suscitasse no processo. Mesmo depois do despacho proferido em 12.10.2022, mediante o qual o tribunal, com inteira razão, o exortou a não reiterar tal actuação processual, o expropriado persistiu nela. Assim, o expropriado, que já apresentara as suas próprias alegações, respondeu às alegações da expropriante subsequentes ao encerramento da audiência final. A expropriante insurgiu-se contra a apresentação dessa resposta, requerendo o seu desentranhamento, e o expropriado voltou à carga, apresentando novo articulado/requerimento. Já na fase de recurso, o expropriado respondeu às contra-alegações da expropriante, sob a capa de um pedido, manifestamente improcedente, de condenação desta por litigância de má fé. Tudo isto era evitável, complicou desnecessariamente o processado e consiste numa prática processual, infelizmente frequente, que deve ser resolutamente combatida. É evidente que o princípio do contraditório não permite a eternização de respostas e contra-respostas (imagine-se que a expropriante fazia o mesmo…) até que uma das partes se dê por vencida pelo cansaço, sob pena de os processos não chegarem ao fim.

Em contraponto, regista-se a brevidade da audiência final, com apenas duas horas e meia de duração.

Apesar do que acima se assinalou acerca da complexidade das questões suscitadas pelo expropriado e da actuação processual deste, consideramos que a imposição de uma taxa de justiça de aproximadamente € 27.000 seria manifestamente desproporcional relativamente à actividade desenvolvida, quer pelo tribunal de 1.ª instância, quer por este tribunal da relação. Em vez disso, mostra-se proporcional o pagamento de apenas 10% do remanescente da taxa de justiça.

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Dispositivo:

Pelo exposto, delibera-se deferir parcialmente o requerido, dispensando-se o expropriado do pagamento de 90% (noventa por cento) do remanescente da taxa de justiça.

Sem custas.

Notifique.

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Évora, 12.09.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.º adjunto)


quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 12.09.2024


Processo n.º 6/24.4T8NIS.E1

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O processo especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge não é de jurisdição voluntária.

Apreciação crítica da prova.

Ausência de prova do fundamento invocado para o divórcio.

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Autora/recorrente:

AAA.

Réu/recorrido:

BBB.

Pedido:

Decretamento do divórcio entre a autora e o réu.

Sentença recorrida:

Julgou a acção improcedente, por não provada.

Conclusões do recurso:

1. A recorrente delimita objectivamente o presente recurso à parte da decisão que considerou não provados os factos contidos em D.2. A), B) e C).

2. Não foram valorizados os meios probatórios apresentados no processo, mormente a prova documental constante do processo – apresentada em requerimento probatório.

3. E o que constitui o objecto/matéria nuclear dos presentes autos, por se considerar serem estes (dada a manifesta simplicidade da causa “sub judice”) os concretos pontos de facto incorrectamente julgados.

4. Levando a erro na apreciação da prova por parte do tribunal “a quo”.

5. Deste modo, não se conforma e muito menos compreende a recorrente a razão pela qual o tribunal “a quo” não indagou com maior acuidade a prova documental vertida nos autos.

6. Não a valorando de forma lógica, sincera, com sentido de responsabilidade e sobretudo com bom senso segundo parâmetros da lógica do homem médio, em face das circunstâncias do caso concreto e as regras da experiência.

7. A sentença proferida nos autos e agora colocada em crise, faz uma incorrecta ilação da matéria de facto.

8. Dando como não provados factos -D.2. A), B) e C) – que manifestamente estão em contradição com outros dados como provados – D.1. nºs 3), 4) e 5).

9. É por demais evidente que a partir de 2015 a recorrente deixou a casa de morada de família (sita em Vila Nova de Gaia) e passou a residir, desde então, na habitação a que se reporta o facto n.º 3, ou seja, na vila de Nisa, de onde nunca mais se ausentou, passando aí a trabalhar (facto nº 4) e desvinculando-se de qualquer economia comum com o réu, mormente no que concerne a (não) partilha de leito, mesa e habitação com BBB;

10. O erro de interpretação dos factos constitui erro de julgamento, e ao fazer uma incorrecta ilação da matéria de facto irá igualmente proceder a uma incorrecta subsunção dos factos ao direito, violando, assim, o disposto nos artºs 1781º e 1782º do C. Civil;

11. Daí que a decisão:

- Seja parca na fundamentação de facto;

- Não conheceu de todas as questões que na perspectiva da recorrente/autora não foram tidas em consideração;

- Logo, o erro de julgamento, é motivo de alteração ou revogação da decisão ora em crise.

12. Afinal, a decisão deveria ser outra e não aquela que retrata, pois no entender da recorrente os factos de A. a C. e o alegado na P.I. ficou demonstrado e atestado pelos elementos probatórios carreados para os autos.

13. Tratando-se de divórcio-remédio, a autora exerceu um direito potestativo que tem amparo na previsão constitucional contida no artº 36º, nº 2 da Lei Fundamental, sendo admissível a dissolução de qualquer casamento, por divórcio.

14. Daí que a ora recorrente não compreenda nem se conforme com a “teimosia” da Mmª Juíza “a quo” em não querer decretar a extinção de uma relação matrimonial irremediavelmente comprometida, objectivamente baseada na ruptura definitiva deste matrimónio (imagine-se que a Recorrente – ora manietada pelo casamento que se teima em não decretar - pretenda agora engravidar de um outro homem que não o seu marido, o que é que aconteceria…? Haja respeito!!!).

15. Sendo certo que a mesma tão só pretende alterar o seu estado civil de casada para divorciada (de modo a poder refazer a sua vida), tendo nisso um interesse definido e legítimo, exercendo o respectivo direito potestativo.

16. Os processos judiciais, mais do "pontos e vírgulas" têm a ver com a vida das pessoas, seres humanos que merecem ser respeitados e, ver os seus interesses e direitos acautelados enquanto cidadãos cumpridores.

17. Razão pela qual, e com vista a se alcançar a boa decisão da causa deverá ser considerado procedente o pedido/causa de pedir da Autora e decretado o divórcio do matrimónio colocado em crise, fazendo-se justiça.

Questão a decidir:

Verificação do fundamento de divórcio invocado pela recorrente.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1) A autora e o réu contraíram casamento católico, no dia 01.05.1982, sem estipulação de convenção antenupcial.

2) A autora e o réu são pais de CCC, nascido no dia 20.03.1985.

3) A autora dispõe de habitação, desde Novembro de 2017, na Estrada (…), n.º (…), em Nisa.

4) A autora exerce funções de ajudante de acção directa, no Centro (…), desde 15.06.2022.

5) A autora tem a intenção de romper a vida em comum com o réu.

Factos julgados não provados pelo tribunal a quo:

A. A autora e o réu desentenderam-se no ano de 2015.

B. A autora abandonou a casa de morada de família, desde o ano de 2015, tendo estado a residir, desde então, na habitação a que se reporta o facto n.º 4.

C. A autora não partilha leito, mesa e habitação há mais de um ano com o réu.

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A recorrente inicia as suas alegações dissertando acerca dos critérios de apreciação da prova e de decisão nos processos de jurisdição voluntária. Trata-se, porém, de matéria sem relevância para a decisão da causa, porquanto o processo especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, regulado pelos artigos 931.º e 932.º do CPC, não é de jurisdição voluntária. Os processos de jurisdição voluntária encontram-se regulados nos artigos 986.º e seguintes do mesmo código.

A recorrente pretende que os factos julgados não provados pelo tribunal a quo sejam julgados provados pelo tribunal ad quem, considerando que a prova documental por si oferecida foi mal valorada.

A recorrente juntou ao processo seis documentos: 1) Certidão do assento do seu casamento com o réu; 2) Certidão do assento de nascimento do filho do casal; 3) Comunicação da nomeação de patrono; 4) Notificação da decisão de concessão de apoio judiciário; 5) Declaração, emitida pelo Centro (…), segundo a qual a recorrente «exerce funções nesta instituição, na categoria profissional de Ajudante de Acção Directa de 3.ª, desde 15 de Junho de 2022»; 6) Declaração, emitida pela União das Freguesias de (…), segundo a qual a recorrente reside na Rua Estrada (…), n.º (…), 6050-378 Nisa, desde Novembro de 2017. Não foi produzida qualquer outra prova, nomeadamente testemunhal.

Os factos que resultam destes documentos são apenas aqueles que o tribunal a quo julgou provados nos n.ºs 1 a 4 (o facto constante do n.º 5 foi julgado provado com fundamento na simples propositura desta acção). Nada mais resulta de tais documentos, directa ou indirectamente.

Concretamente, do facto de a recorrente residir em Nisa e trabalhar no Centro (…) não é possível inferir seja o que for acerca da vida do casal, nomeadamente:

- Que o casal haja tido casa de morada da família em Vila Nova de Gaia, ou em qualquer outra localidade;

- Que a recorrente e o recorrido se tenham desentendido, em 2015 ou em qualquer outra data;

- Que a recorrente tenha abandonado a casa de morada de família, em 2015 ou em qualquer outra data;

- Que a recorrente e o recorrido não partilhem leito, mesa e habitação há mais de um ano.

Tudo isto nos parece evidente. O facto de a recorrente residir em Nisa e trabalhar no Centro (…) nada indicia sobre qual fosse a sua anterior residência ou a ocorrência de desentendimentos fosse com quem fosse. O mesmo facto é, inclusivamente, compatível com a hipótese de a recorrente continuar a partilhar leito, mesa e habitação com o recorrido. O tribunal a quo fundamentou devidamente a sua convicção sobre esta matéria, na linha do que acabamos de afirmar.

A circunstância, invocada pela recorrente, de, na audiência final, o tribunal a quo ter dado, «sem mais», a palavra ao seu patrono para alegações, não tem qualquer significado neste contexto. Resulta, aliás, da acta daquela audiência, que a primeira coisa que o tribunal a quo fez após a declarar aberta foi dar a palavra ao patrono da recorrente para requerer o que tivesse por conveniente. Como este nada tivesse sido requerido, foi-lhe, então, dada a palavra para alegações. A falta de iniciativa foi do patrono da recorrente, não do tribunal a quo. Se, com fundamento no exposto, aquele supôs que «tudo estaria devidamente esclarecido», fez mal. Objectivamente, a única evidência que se verificava era a absoluta ausência de meios de prova da matéria julgada não provada, essencial para a procedência da acção, devido à inércia probatória da recorrente.

Argumenta a recorrente que, sendo embora verdade que, como na sentença recorrida se afirma, «os cônjuges podem, por exemplo, ter residências separadas e, todavia, manter uma autêntica comunhão de vida», não é esse o seu caso. E porquê? Porque, diz a recorrente, se, apesar de ela e o recorrido terem «residências separadas», mantivessem «uma autêntica comunhão de vida», «qual a razão que a levaria/motivaria a interpôr a presente acção de divórcio?»

Salta à vista a improcedência deste argumento. Do facto de a recorrente ter tomado a iniciativa de propor a presente acção apenas pode inferir-se que ela pretende divorciar-se ou, conforme consta do n.º 5 do enunciado da matéria de facto provada, «romper a vida em comum com o réu». Não que exista algum dos fundamentos legalmente exigidos para o decretamento do divórcio, nomeadamente a ausência de «uma autêntica comunhão de vida». Por outras palavras, de um acto da recorrida apenas pode inferir-se que ela tem determinada intenção, não que seja verdade o que ela alega tendo em vista concretizá-la.

O trecho do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.03.2007, invocado pela recorrente, não diz respeito à problemática em questão nestes autos, mas sim à de saber se, para o divórcio poder ser decretado, o prazo de duração da situação de separação de facto exigido por lei [actualmente, pela al. a) do artigo 1781.º do CC] tem de estar decorrido à data da propositura da acção ou, ao invés, basta que o esteja no momento do encerramento da discussão da causa. No caso dos autos, não se provou a existência de uma situação de separação de facto entre a recorrente e o recorrido, pelo que a questão da contagem do prazo da sua duração nem sequer se coloca.

Concluindo, o tribunal a quo decidiu bem ao julgar a acção improcedente, devendo a sentença recorrida ser mantida na íntegra.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo do decidido em matéria de apoio judiciário.

Notifique.

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Évora, 12.09.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.º adjunto)


Acórdão da Relação de Évora de 12.09.2024

Processo n.º 68/20.3T8RDD.E1 * Sumário: 1 – A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de just...