Admissibilidade do recurso.
Valor da causa.
Valor da
sucumbência.
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Conforme
referi no despacho proferido em 03.09.2018, o artigo 629.º, n.º 1, do CPC,
estabelece que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor
superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja
desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal,
atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente
ao valor da causa. O artigo 42.º, n.º 2, da Lei da Organização do Sistema
Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), estabelece que, em regra, o
Supremo Tribunal de Justiça conhece, em recurso, das causas cujo valor exceda a
alçada dos tribunais da Relação e estes das causas cujo valor exceda a alçada
dos tribunais judiciais de primeira instância. O artigo 44.º, n.º 1, da mesma
lei, dispõe que, em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000
e a dos tribunais de primeira instância é de € 5.000, não tendo, pois, alterado
os valores estabelecidos no artigo 31.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 28 de
Agosto.
O valor
processual dos presentes embargos é de € 5.982,27. Porém, nas contestações que
apresentou, o embargado reduziu o pedido para a quantia de € 2.524,54,
esclarecendo que todas as restantes quantias anteriormente em dívida, incluindo
os juros de mora vencidos até à data da apresentação da contestação, se
encontravam pagas.
Depois disso,
a sentença recorrida, julgando os embargos parcialmente procedentes, declarou «inexigível, por falta de título executivo,
o montante peticionado a título de “Comissão de entrada em contencioso», a
saber, a quantia de € 1.321,49 (…) e respectivos juros de mora sobre esta
quantia, ordenando a extinção da execução quanto a este montante”.
Perante isto,
considerei, no despacho acima referido, que o recurso não se afigurava
admissível, uma vez que o valor da sucumbência do recorrido, que se cifra em €
1.203,05, não excede metade da alçada do tribunal recorrido.
Em cumprimento
do disposto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC, as partes foram notificadas para,
no prazo de 10 dias, se pronunciarem sobre a referida questão.
Os recorrentes
pronunciaram-se, com uma argumentação que assim se resume:
- Conforme notificação
efectuada à Exma. Mandatária dos recorrentes, a quantia exequenda era, em
11.05.2017, a seguinte:
- Quantia exequenda e
juros peticionados: € 4.660,78;
- Encargos judiciais: €
3.754,89;
- Outros juros
contabilizados até 31.05.2017: € 1.476,63;
- Imposto Selo: € 59,07;
- Total a ser pago pelo
executado: € 9.951,37;
- Pagamento voluntário: -
€ 3.846,90;
- Pagamento resultante
da(s) penhora(s) efectuada(s): - € 864,01;
- Valor ainda em falta a
ser pago pelo executado: € 5.240,46.
- Acontece, pois, que, ao
valor de € 2.524,54 (capital), ainda que descontada a comissão de entrada em
contencioso, continuaram e continuam a acrescer juros, pelo que a quantia
exequenda se cifra em capital e juros: € 4.660,78, à data de 11.05.2017 (data
da notificação acima referida) e não na quantia do capital em singelo.
- E, actualmente, ainda
será uma quantia superior.
- A acrescer ainda custas
de parte, honorários de AE e encargos judiciais, tinham os executados a pagar,
naquela data, a quantia de € 3.846,90;
- Quer isto dizer que o
valor da sucumbência, já em Maio de 2017, excedia metade da alçada do tribunal
de primeira instância;
- Pois tal valor, em
concreto (o valor da sucumbência e o valor da dívida exequenda) corresponde ao
valor de capital mais juros e não somente ao valor do capital em singelo, que
foi objecto de redução do pedido.
- Consequentemente, o
recurso é admissível.
Analisemos
esta argumentação.
O n.º 1 do
artigo 296.º do CPC estabelece que a toda a causa deve ser atribuído um valor
certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica
imediata do pedido. A 1.ª parte do n.º 1 do artigo 297.º do mesmo código dispõe
que se, pela acção, se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é
esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário.
O n.º 2 do mesmo artigo estatui que quando se cumulem, na mesma acção, vários
pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles;
mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e
rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na
fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.
Estes
critérios são aplicáveis na determinação do valor da sucumbência. Se assim não
fosse, gerar-se-iam distorções absurdas, como seria o valor da sucumbência
ultrapassar o valor da causa por via da inclusão, no cálculo do primeiro, de
valores excluídos do cálculo do segundo pelas normas referidas. Daí que, no
caso dos autos, ainda que correspondam à realidade, os «encargos judiciais» e o imposto de selo referidos pelos
recorrentes sejam, logo à partida, de excluir da contabilização do valor da
sucumbência. Ao contrário daquilo que os recorrentes afirmam, tais valores não
integram a quantia exequenda, pelo que nada relevam para o apuramento do valor
da sucumbência. O mesmo se passa com os juros de mora vencidos na pendência da
acção, por força do disposto na 2.ª parte do citado n.º 2 do artigo 297.º do
CPC – cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
14.12.2006, proferido no processo n.º 06S2573 (relator: PINTO HESPANHOL).
Relevante para
o cálculo do valor da sucumbência é, apenas, que o embargado reduziu o pedido
para a quantia de € 2.524,54 e que a sentença recorrida, julgando os embargos
parcialmente procedentes, declarou inexigível, por falta de título executivo, o
montante de € 1.321,49. O valor da sucumbência, constituído pela diferença
entre estes dois valores, cifra-se em € 1.203,05. A sentença recorrida é
desfavorável aos recorrentes apenas nesta medida. Por outras palavras, foi
apenas relativamente à quantia de € 1.203,05 que os recorrentes ficaram
vencidos.
Sendo a alçada
dos tribunais de primeira instância de € 5.000, é óbvio que o valor da
sucumbência dos recorrentes não excede metade dessa alçada. Consequentemente, o
recurso não é admissível, impondo-se a sua rejeição nos termos das normas acima
referidas e, ainda, do disposto nos artigos 641.º, n.º 5, e 652.º, n.º 1, al.
b), do CPC.
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Decisão:
Nos termos dos
artigos 42.º, n.º 2, e 44.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário
(Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) e 296.º, n.º 1, 297.º, n.ºs 1 e 2, 629.º,
n.º 1, 641.º, n.º 5, e 652.º, n.º 1, al. b), do CPC, não admito o recurso.
Custas pelos
recorrentes.
Notifique.
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Évora,
22.10.2018
Vítor Sequinho dos Santos