sábado, 23 de março de 2019

Decisão singular de 07.03.2019

Reclamação contra despacho que não admite recurso.

Valor da causa.

Não impugnação, pelos réus, do valor da causa indicado pelo autor.

Decisão implícita.

Arguição de nulidade da sentença.

*

AAA e BBB, réus na presente acção declarativa de condenação sob a forma comum, reclamam, ao abrigo do disposto no artigo 643.º do CPC, do despacho de não admissão do recurso de apelação que interpuseram da sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, os condenou a pagar ao autor uma indemnização no montante de € 3.408,86, acrescida de € 20 diários desde 31.07.2016 até à data em que vier a ser disponibilizada, quantia esta a liquidar em execução de sentença, e de juros de mora. O recurso não foi admitido com fundamento no facto de o valor da causa ser de € 3.408,86, não excedendo, portanto, a alçada do tribunal a quo.

A argumentação dos reclamantes é, em síntese, a seguinte:

- O autor formulou dois pedidos: condenação dos reclamantes no pagamento da quantia de € 3.408,86, correspondente ao custo da reparação do veículo, e de, pelo menos, € 50 diários pela privação do uso do veículo;

- O autor indicou, como valor da causa, apenas o do primeiro pedido, ou seja, € 3.408,86;

- No despacho saneador, o valor da causa foi fixado em € 3.408,86, sem oposição das partes;

- Porém, tal não obsta à recorribilidade da sentença, por várias razões;

- Desde logo, o tribunal a quo não podia ter aceite o valor oferecido pelas partes, correspondente apenas a um dos pedidos, a menos que, como era de crer atento o disposto no n.º 4 do artigo 299.º e no n.º 2 do artigo 306.º do CPC, optasse por fixar definitivamente tal valor na sentença;

- A sentença devia, pois, ter fixado definitivamente o valor da causa, corrigindo o valor provisoriamente fixado no despacho saneador em função dos factos entretanto apurados com relevância para a definição da utilidade económica imediata dos pedidos;

- Se isso tivesse sido feito, os valores da causa e da sucumbência seriam, respectivamente, de € 35.708,86 e de € 16.328,86;

- Apesar de omitir a referida correcção do valor da causa, o tribunal a quo teve em mente o raciocínio mediante o qual os reclamantes apuraram estes valores ao fixar a responsabilidade por custas;

- Consequentemente, a omissão da sentença recorrida quanto ao seu poder/dever de fixar o valor da causa é, em si mesma, uma decisão sobre o valor da causa, no sentido da sua manutenção;

- O que basta para que os reclamantes tenham o direito de recorrer da sentença ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC;

- Daí, por seu turno, que aos reclamantes não fosse exigível, ao contrário do que se afirma no despacho de não admissão do recurso, que suscitassem nova decisão sobre o valor da causa, distinta da sentença recorrida ou com fundamento na sua nulidade; tal redundaria numa duplicação injustificada de actos processuais;

- O tribunal a quo podia e devia ter corrigido o valor da causa no próprio despacho em que apreciou o requerimento de interposição do recurso.

Analisemos esta argumentação.

O autor indicou, na petição inicial, como valor da causa, € 3.408,86. Os réus e ora reclamantes não impugnaram tal valor na contestação, conforme o n.º 1 do artigo 305.º do Código de Processo Civil (diploma ao qual pertencem todas as normas legais doravante referenciadas sem indicação da sua proveniência) lhes permitia, pelo que, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, o aceitaram. No despacho saneador, o tribunal a quo, em cumprimento do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º, fixou o valor da causa nos referidos € 3.408,86, não tendo tal decisão sido objecto de impugnação. Ficou, assim, definitivamente fixado o valor da causa.

Para sustentarem a tese da recorribilidade da sentença, os reclamantes censuram, agora, o tribunal a quo por este, no despacho saneador, ter aceite o valor indicado pelo autor e com o qual eles próprios se conformaram no momento processual em que podiam tê-lo impugnado. Ora, é evidente que, se queriam impugnar o referido valor, os reclamantes tinham o ónus de o fazer na contestação, nos termos do n.º 1 do artigo 305.º. Não o tendo feito, aceitaram-no, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo. Não podem, pois, reabrir a questão em sede de recurso com vista a tornar este último admissível.

Ao contrário daquilo que os reclamantes agora afirmam, inexiste fundamento para concluir que o referido valor de € 3.408,86 tenha sido aceite pelas partes e fixado pelo tribunal a título meramente provisório e, consequentemente, se destinasse a ser posteriormente corrigido nos termos do n.º 4 do artigo 299.º e do n.º 2 do artigo 306.º. Trata-se de uma ideia só agora sustentada pelos reclamantes, mas sem qualquer sustentação fáctica.

Também não há notícia de que os reclamantes tenham apresentado algum requerimento posteriormente à prolação do despacho saneador no sentido de o referido valor ser alterado, nomeadamente em sede de sentença, requerimento esse que teria, aliás, de conter a indicação de um valor diverso, por via da aplicação do n.º 1 do artigo 305.º por analogia.

Por tudo isto, inexistia fundamento para o tribunal a quo corrigir o valor da causa, fosse na sentença recorrida, fosse no despacho em que apreciou o requerimento de interposição do recurso. O valor da causa era questão definitivamente resolvida no despacho saneador.

É artificioso o argumento de que a omissão da sentença recorrida sobre o valor da causa significa uma decisão sobre este último, no sentido da sua manutenção. Aquela omissão deveu-se, obviamente, à circunstância de se tratar de questão definitivamente decidida no saneador, não podendo ser considerada como uma decisão implícita confirmativa de uma decisão expressa anterior, construção esta que, à luz do direito processual, não faz sentido. Não tendo incidido sobre o valor da causa, a sentença recorrida não é recorrível nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 629.º.

Por último e como acertadamente se considerou no despacho que não admitiu o recurso, ainda que a sentença recorrida fosse nula por omissão de pronúncia sobre o valor da causa – e, por aquilo que anteriormente afirmámos, não o é –, a forma processualmente adequada para os ora reclamantes invocarem tal nulidade era a reclamação perante o próprio tribunal a quo, dado tratar-se de decisão irrecorrível, como resulta do n.º 4 do artigo 615.º. Não se verificaria qualquer duplicação de meios processuais, pois não era admissível recurso.

Concluindo, sendo o valor da causa de € 3.408,86 e a alçada do tribunal a quo de € 5.000 (artigo 44.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário), o recurso não é admissível, atento o disposto no n.º 1 do artigo 629.º.

Pelo exposto, mantenho o despacho reclamado.

Custas a cargo dos reclamantes.

Notifique.

*

Évora, 07.03.2019

Vítor Sequinho dos Santos


Despacho de 19.06.2024

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