Processo n.º 2457/18.4T8PTM-B.E1
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Sumário:
A falta de pagamento, pela parte
que requereu a realização de uma perícia, da 2.ª prestação da taxa de justiça e
da multa estabelecida no artigo 14.º, n.º 3, do RCP, dentro do prazo adicional concedido
por esta norma, impossibilita, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, a
realização da referida perícia.
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AAA
e BBB propuseram a presente acção, com processo comum, contra CCC, DDD e EEE,
formulando os seguintes pedidos: 1) Declarar-se nula, írrita e de nenhum efeito a compra e
venda formalizada pela escritura outorgada no dia 1 de Abril de 2014, lavrada
de fls. 55 a fls. 57 do livro de escrituras diversas n.º 8-A do Cartório
Notarial de (…) a cargo da Senhora Dra. (…), aqui 3ª. ré, e que teve por
objecto a fracção autónoma designada pela letra “L”, correspondente à moradia n.º
(…) do prédio urbano sito em (…), inscrito na matriz predial da união das
freguesias de (…) sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo
Predial de (…) sob o nº. (…) da extinta freguesia de (…); 2) Ser ordenado o
cancelamento do registo do direito de propriedade da fracção autónoma
identificada em 1 supra a favor do 1.º réu e da 2.ª ré.
Os réus contestaram, pugnando
pela improcedência da acção.
O tribunal a quo dispensou a realização de audiência prévia e proferiu
despacho saneador, fixando o objecto do litígio, enunciando os temas de prova e
admitindo os requerimentos probatórios das partes.
Os autores requereram, em
seguida, a realização, pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia
Judiciária, de uma perícia visando apurar se as assinaturas atribuídas ao autor
na procuração e no termo de autenticação juntos com a petição inicial foi
feitas pelo punho deste.
O tribunal a quo indeferiu o requerimento de realização da perícia com
fundamento na extemporaneidade do mesmo.
Os autores recorreram desse
despacho.
O recurso foi julgado procedente,
tendo o despacho recorrido sido revogado pelo tribunal ad quem.
Posteriormente, os réus
requereram a não realização da perícia com fundamento na falta de pagamento,
pelos autores, da 2.ª prestação da taxa de justiça, acrescida da multa prevista
no artigo 14.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais (RCP). Invocaram,
como fundamento jurídico da sua pretensão, o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
Sobre este requerimento, o
tribunal a quo proferiu, em
16.01.2020, o seguinte despacho:
“Requerimento de fls. 185
A taxa pode ser paga até ao inicio da Audiência Final.
No que respeita à perícia, a questão apresenta-se distinta.
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Prova pericial
Atenta a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora,
que ordenou a realização da perícia, cumpre, após se ter cumprido o
contraditório quanto à fixação do seu objecto, fixá-lo.
A perícia terá por objecto a resposta às questões colocadas pelos
autores, a fls. 118 verso e 119.
Para recolha de autógrafos designo o dia de amanhã, às 09 horas e 30
minutos, data designada para Audiência Final, para a qual o autor foi
convocado. A realização da perícia depende do pagamento dos respectivos
encargos.
Considerando a necessidade de realização de tal meio de prova, cuja
concretização dependerá de entidade terceira, este Tribunal dá sem efeito a
Audiência Final designada para amanhã, designando-se oportunamente outra data.
Notifique com exposição de motivos.”
Os réus recorreram deste
despacho, tendo formulado as seguintes conclusões:
a) Os autores/recorridos optaram
por liquidar a taxa de justiça em duas prestações, sendo que não se mostra paga
ainda a segunda prestação.
b) Em 5 de Julho de 2019, a
secretaria notificou os autores/recorridos, nos termos do disposto no n.º 3 do
art.º 14º do RCP, para, no prazo de 10 dias, procederem ao pagamento da taxa de
justiça em falta, sendo advertidos para as cominações previstas no n.º 4 do
referido art.º 14.º do RCP, ou seja, que não poderiam realizar diligências de
prova se não efectuassem o pagamento no prazo de 10 dias que então lhes é dado.
c) Face ao não pagamento pelos autores/recorridos
da 2.ª prestação da taxa de justiça e da respectiva multa dentro do prazo de 10
dias inserto na notificação efectuada pela secretaria, os réus/recorrentes requereram
ao tribunal a quo que a diligência
probatória requerida pelos autores/recorridos, de perícia à letra e assinatura constantes
da procuração junta aos autos, não se efectuasse.
d) De facto, em virtude do não
pagamento pelos autores/recorridos, da 2.ª prestação da taxa de justiça e
respectiva multa, dentro do prazo de 10 dias que lhe foi dado por notificação
da secretaria, a prova por eles requerida não pode ser realizada, por aplicação
do estatuído nas alíneas 3 e 4 do art.º 14.º do RCP.
e) O tribunal a quo, por despacho de dia 16 de
Janeiro, com a referência CITIUS 115587409, indeferiu o requerido pelos recorrentes,
por entender que a taxa de justiça em falta, e respectiva multa, ainda podem
ser liquidadas pelos autores/recorridos.
f) Entendem os recorrentes que
não tem razão o tribunal a quo: - porque
os autores/recorridos não liquidaram a 2.ª prestação da taxa de justiça e
respectiva multa, dentro do prazo de 10 dias que lhe foi dado por notificação
da secretaria, a prova por eles requerida não pode ser realizada, por aplicação
do estatuído nas alíneas 3 e 4 do art.º 14.º do RCP.
g) Ao decidir como decidiu,
permitindo a realização da perícia, o tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação da lei, violando a mesma,
nomeadamente o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 14 do RCP, aprovado pelo Dec.
Lei n.º 34/2008, na sua versão actual.
Pelo exposto, deve ser dado
provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogado o douto
despacho recorrido e substituído por outro que, deferindo o requerido pelos
recorrentes, estipule não ser admissível a produção de prova pelos autores/recorridos,
face à não liquidação atempada da 2.ª prestação da taxa de justiça e respectiva
multa.
Não foram apresentadas
contra-alegações.
O recurso foi admitido, com
subida em separado e efeito meramente devolutivo.
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Além dos factos acima
enunciados, são relevantes para a decisão do recurso os seguintes, evidenciados
pela consulta do processo através do sistema Citius:
1 – Os autores/recorridos
optaram pelo pagamento da taxa de justiça em prestações, tendo pago a 1.ª
prestação;
2 – Em 05.07.2019, o tribunal a quo remeteu, ao advogado dos
autores/recorridos, a seguinte notificação:
“Assunto: Pagamento 2ª prestação da taxa de justiça – art.º 14º, nº 3 do
RCP
Não tendo até ao momento comprovado no processo acima identificado, o
pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça nem a concessão do benefício do
apoio judiciário, fica notificado, na qualidade de Mandatário dos Autores, AAA
e outra, para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da prestação em
falta, acrescido da multa de igual montante, sob pena de, não o fazendo, ficar
sujeito às cominações previstas no nº 4 do referido artigo.
Limites da multa:
1 - Se a taxa de justiça devida for inferior a 1 UC, a multa terá o valor
de 1 UC.
2 - Se a taxa de justiça devida for superior a 10 UC, a multa terá o
valor de 10 UC.
Pagamento da taxa de justiça e da multa
O pagamento da taxa de justiça e da multa em falta deverá ser efetuado,
nos termos do n.º 1 do artigo 21.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril,
por Guia DUC, dentro do prazo concedido.
Prazo de pagamento
O prazo de pagamento, bem como o montante, locais e o modo de pagamento
da taxa de justiça e da respetiva multa constam da guia anexa.”
3 – Os autores/recorridos nunca
pagaram a 2.ª prestação da taxa de justiça;
4 – Em 19.02.2020, procedeu-se à
diligência de recolha de autógrafos do autor/recorrido.
5 – Na diligência referida em 4,
o tribunal a quo proferiu o seguinte
despacho:
“Compulsados os autos, verifica-se que o autor no dia de hoje não havia
procedido, ainda, ao pagamento dos encargos respeitantes à realização da
perícia, como impõem os artigos 20º e 23º do Regulamento das Custas
Processuais. Mais se verificava que já havia
decorrido o prazo
dos 5 dias para o pagamento dos encargos acrescida de multa de 3 Uc’s. Em todo
o caso verificando-se que o autor procedeu hoje, pelas 11:50 horas, ao
respectivo pagamento com multa, este Tribunal ao abrigo dos seus poderes e
deveres de gestão processual, e tendo sempre como horizonte a boa realização da
justiça, determina que a diligência probatória se realize, considerando-se
pagos os encargos respectivos.
Uma vez que forma pagos através de DUC concilie oportunamente.”
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A única questão a resolver
consiste em saber se a falta de pagamento, pelos autores/recorridos, da 2.ª
prestação da taxa de justiça e da multa estabelecida no artigo 14.º, n.º 3, do
RCP, dentro do prazo adicional concedido por esta norma, impossibilita, nos
termos do n.º 4 do mesmo artigo, a realização da perícia por aqueles requerida.
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Os recorrentes requereram a não
realização da perícia com fundamento na falta de pagamento, pelos recorridos,
da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa prevista no artigo 14.º, n.º 3,
do RCP, dentro do prazo estabelecido na mesma norma. Invocaram, como fundamento
jurídico da sua pretensão, o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
Sobre este requerimento, o
tribunal a quo proferiu o despacho
recorrido, no qual, além do mais:
- Decidiu, sem fundamentação,
que a 2.ª prestação da taxa de justiça poderia ser paga até ao início da
audiência final;
- Afirmou, também sem
fundamentação, que, “no que respeita à perícia, a questão apresenta-se
distinta”;
- Considerou que, atento o
acórdão desta relação que ordenou a realização da perícia, cumpria fixar o
objecto desta, tendo-o feito;
- Designou data para a recolha
de autógrafos ao recorrido, advertindo que a realização da perícia dependia do
pagamento dos respectivos encargos.
Este despacho é nulo, nos termos
dos artigos 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), e 613.º, n.º 3, do CPC, porquanto o
tribunal a quo não fundamentou, pura
e simplesmente, as duas primeiras asserções acima reproduzidas, e acabou por
não se pronunciar sobre a questão suscitada pelos recorrentes.
No requerimento decidido através
do despacho recorrido, os recorrentes sustentaram que a perícia é inadmissível,
nos termos do artigo 14.º, n.º 4, do RCP, devido à falta de pagamento, pelos
recorridos, da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa dentro do prazo
estabelecido no n.º 3 do mesmo artigo.
Ora, sobre esta concreta
questão, o tribunal a quo não se
pronunciou, antes se tendo limitado a afirmar, sem qualquer fundamentação, que
a 2.ª prestação da taxa de justiça poderia ser paga até ao início da audiência
final, e que, “no que respeita à perícia, a questão apresenta-se distinta”, sem
explicitar o que com isso pretendia significar e o porquê dessa “distinção”.
Analisemos, então, a questão
suscitada pelos recorrentes.
A anterior prolação, por esta
relação, de um acórdão a ordenar a realização da perícia requerida pelos
recorridos, não prejudica a questão suscitada pelos recorrentes no seu
requerimento que esteve na origem do despacho recorrido, como este último, numa
das suas interpretações possíveis (pois não prima pela clareza), poderia
sugerir. O referido acórdão revogou o despacho do tribunal a quo que indeferira o requerimento dos recorridos de realização da
perícia com fundamento em extemporaneidade, circunscrevendo-se, pois, a sua
eficácia a esta questão. Por outras palavras, o mesmo acórdão julgou tempestivo
o requerimento de realização da perícia e, nessa medida, determinou a sua
realização. Obviamente, não conheceu de outras razões que pudessem obstar à
realização da perícia, pois estavam fora do objecto do recurso. Mais, a questão
que se nos coloca no presente recurso ainda nem sequer se tinha suscitado no
processo.
Por outro lado, o despacho
proferido pelo tribunal a quo em
19.02.2020 não contende com a questão que os recorrentes suscitaram, pois
reporta-se à sanação de uma situação de falta de pagamento atempado dos encargos
com a realização da perícia por parte dos recorridos, nos termos dos artigos
20.º e 23.º do RCP, e não à situação de falta de pagamento, pelos mesmos, da
2.ª prestação da taxa de justiça e da multa estabelecida no artigo 14.º, n.º 3,
do mesmo diploma legal, sobre a qual incidiu o despacho recorrido.
Esclarecidas estas duas
questões, vejamos se a falta de pagamento, pelos recorridos, da 2.ª prestação
da taxa de justiça e da multa estabelecida no artigo 14.º, n.º 3, do RCP, dentro
do prazo adicional concedido por esta norma, impossibilitava, nos termos do n.º
4 do mesmo artigo, a realização da perícia por aqueles requerida.
Os n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 14.º
do RCP têm a seguinte redacção:
2 – A segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo
de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, devendo o
interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a
realização desse pagamento no mesmo prazo.
3 – Se, no momento definido no número anterior, o documento comprovativo
do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão do
benefício de apoio judiciário não tiver sido junto ao processo, ou não tiver
sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de
justiça, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias,
efectuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a
1 UC nem superior a 10 UC.
4 – Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior,
se no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência
probatória não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do
pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de
benefício do apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do
pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal determina a
impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou
venham a ser requeridas pela parte em falta.
Os recorridos não pagaram a 2.ª
prestação da taxa de justiça no prazo estabelecido no n.º 2.
Na sequência dessa falta de
pagamento, os recorridos foram notificados para efectuarem este último,
acrescido de multa, no prazo adicional estabelecido no n.º 3, com a expressa
menção de que, se o não fizessem, ficariam sujeitos às cominações previstas no
n.º 4. Não obstante, os recorridos persistiram na falta de pagamento da 2.ª
prestação da taxa de justiça.
Consequentemente, é aplicável a
sanção prevista no n.º 4. Estabelecendo o n.º 3 um prazo de 10 dias para a
realização do pagamento nele previsto, o incumprimento do mesmo prazo tem de
implicar a aplicação de uma sanção ao infractor, que só pode ser a referida. No
caso dos autos, perante a falta de junção, ao processo, de documento
comprovativo do pagamento, pelos recorridos, da 2.ª prestação da taxa de
justiça e da multa estabelecida no n.º 3 dentro do prazo adicional concedido
por esta norma, o tribunal a quo
devia ter determinado a impossibilidade de realização da prova pericial por
aqueles requerida.
Tendo os recorrentes suscitado
expressamente essa questão, através de requerimento que apresentaram no
processo, a decisão do tribunal a quo
não podia ter sido no sentido da realização da perícia requerida pelos recorridos.
Dado que estes últimos não comprovaram o pagamento em causa dentro do prazo que
tinham para se pronunciarem sobre o requerimento dos recorrentes, o tribunal a quo, em cumprimento do disposto no n.º
4 do artigo 14.º do RCP, devia ter determinado a impossibilidade de realização
da perícia. Viola a referida norma legal a realização da perícia não obstante a
falta de pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa devida dentro
do prazo adicional previsto no n.º 3 daquele artigo.
Concluindo, o recurso merece
provimento, devendo revogar-se o despacho recorrido e determinar-se a não
realização da perícia por falta de pagamento, pelos recorridos, da 2.ª
prestação da taxa de justiça, acrescida da multa prevista no artigo 14.º, n.º
3, do RCP.
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Decisão:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se o despacho
recorrido e determinando-se, nos termos do artigo 14.º, n.º 4, do RCP, a não
realização da perícia requerida pelos recorridos devido à falta de pagamento,
por estes, da 2.ª prestação da taxa de justiça, acrescida da multa prevista no
n.º 3 do mesmo artigo.
Custas
a cargo dos recorridos.
Notifique.
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Évora, 10 de Setembro de 2020
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
(1.º
adjunto)
(2.º adjunto)