sábado, 19 de setembro de 2020

Acórdão da Relação de Évora de 10.09.2020

Processo n.º 2457/18.4T8PTM-B.E1

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Sumário:

A falta de pagamento, pela parte que requereu a realização de uma perícia, da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa estabelecida no artigo 14.º, n.º 3, do RCP, dentro do prazo adicional concedido por esta norma, impossibilita, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, a realização da referida perícia.

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AAA e BBB propuseram a presente acção, com processo comum, contra CCC, DDD e EEE, formulando os seguintes pedidos: 1) Declarar-se nula, írrita e de nenhum efeito a compra e venda formalizada pela escritura outorgada no dia 1 de Abril de 2014, lavrada de fls. 55 a fls. 57 do livro de escrituras diversas n.º 8-A do Cartório Notarial de (…) a cargo da Senhora Dra. (…), aqui 3ª. ré, e que teve por objecto a fracção autónoma designada pela letra “L”, correspondente à moradia n.º (…) do prédio urbano sito em (…), inscrito na matriz predial da união das freguesias de (…) sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº. (…) da extinta freguesia de (…); 2) Ser ordenado o cancelamento do registo do direito de propriedade da fracção autónoma identificada em 1 supra a favor do 1.º réu e da 2.ª ré.

Os réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção.

O tribunal a quo dispensou a realização de audiência prévia e proferiu despacho saneador, fixando o objecto do litígio, enunciando os temas de prova e admitindo os requerimentos probatórios das partes.

Os autores requereram, em seguida, a realização, pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, de uma perícia visando apurar se as assinaturas atribuídas ao autor na procuração e no termo de autenticação juntos com a petição inicial foi feitas pelo punho deste.

O tribunal a quo indeferiu o requerimento de realização da perícia com fundamento na extemporaneidade do mesmo.

Os autores recorreram desse despacho.

O recurso foi julgado procedente, tendo o despacho recorrido sido revogado pelo tribunal ad quem. 

Posteriormente, os réus requereram a não realização da perícia com fundamento na falta de pagamento, pelos autores, da 2.ª prestação da taxa de justiça, acrescida da multa prevista no artigo 14.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais (RCP). Invocaram, como fundamento jurídico da sua pretensão, o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.

Sobre este requerimento, o tribunal a quo proferiu, em 16.01.2020, o seguinte despacho:

“Requerimento de fls. 185

A taxa pode ser paga até ao inicio da Audiência Final.

No que respeita à perícia, a questão apresenta-se distinta.

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Prova pericial

Atenta a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, que ordenou a realização da perícia, cumpre, após se ter cumprido o contraditório quanto à fixação do seu objecto, fixá-lo.

A perícia terá por objecto a resposta às questões colocadas pelos autores, a fls. 118 verso e 119.

Para recolha de autógrafos designo o dia de amanhã, às 09 horas e 30 minutos, data designada para Audiência Final, para a qual o autor foi convocado. A realização da perícia depende do pagamento dos respectivos encargos.

Considerando a necessidade de realização de tal meio de prova, cuja concretização dependerá de entidade terceira, este Tribunal dá sem efeito a Audiência Final designada para amanhã, designando-se oportunamente outra data.

Notifique com exposição de motivos.”

Os réus recorreram deste despacho, tendo formulado as seguintes conclusões:

a) Os autores/recorridos optaram por liquidar a taxa de justiça em duas prestações, sendo que não se mostra paga ainda a segunda prestação.

b) Em 5 de Julho de 2019, a secretaria notificou os autores/recorridos, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 14º do RCP, para, no prazo de 10 dias, procederem ao pagamento da taxa de justiça em falta, sendo advertidos para as cominações previstas no n.º 4 do referido art.º 14.º do RCP, ou seja, que não poderiam realizar diligências de prova se não efectuassem o pagamento no prazo de 10 dias que então lhes é dado.

c) Face ao não pagamento pelos autores/recorridos da 2.ª prestação da taxa de justiça e da respectiva multa dentro do prazo de 10 dias inserto na notificação efectuada pela secretaria, os réus/recorrentes requereram ao tribunal a quo que a diligência probatória requerida pelos autores/recorridos, de perícia à letra e assinatura constantes da procuração junta aos autos, não se efectuasse.

d) De facto, em virtude do não pagamento pelos autores/recorridos, da 2.ª prestação da taxa de justiça e respectiva multa, dentro do prazo de 10 dias que lhe foi dado por notificação da secretaria, a prova por eles requerida não pode ser realizada, por aplicação do estatuído nas alíneas 3 e 4 do art.º 14.º do RCP.

e) O tribunal a quo, por despacho de dia 16 de Janeiro, com a referência CITIUS 115587409, indeferiu o requerido pelos recorrentes, por entender que a taxa de justiça em falta, e respectiva multa, ainda podem ser liquidadas pelos autores/recorridos.

f) Entendem os recorrentes que não tem razão o tribunal a quo: - porque os autores/recorridos não liquidaram a 2.ª prestação da taxa de justiça e respectiva multa, dentro do prazo de 10 dias que lhe foi dado por notificação da secretaria, a prova por eles requerida não pode ser realizada, por aplicação do estatuído nas alíneas 3 e 4 do art.º 14.º do RCP.

g) Ao decidir como decidiu, permitindo a realização da perícia, o tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação da lei, violando a mesma, nomeadamente o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 14 do RCP, aprovado pelo Dec. Lei n.º 34/2008, na sua versão actual.

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que, deferindo o requerido pelos recorrentes, estipule não ser admissível a produção de prova pelos autores/recorridos, face à não liquidação atempada da 2.ª prestação da taxa de justiça e respectiva multa.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

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Além dos factos acima enunciados, são relevantes para a decisão do recurso os seguintes, evidenciados pela consulta do processo através do sistema Citius:

1 – Os autores/recorridos optaram pelo pagamento da taxa de justiça em prestações, tendo pago a 1.ª prestação;

2 – Em 05.07.2019, o tribunal a quo remeteu, ao advogado dos autores/recorridos, a seguinte notificação:

“Assunto: Pagamento 2ª prestação da taxa de justiça – art.º 14º, nº 3 do RCP

Não tendo até ao momento comprovado no processo acima identificado, o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça nem a concessão do benefício do apoio judiciário, fica notificado, na qualidade de Mandatário dos Autores, AAA e outra, para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da prestação em falta, acrescido da multa de igual montante, sob pena de, não o fazendo, ficar sujeito às cominações previstas no nº 4 do referido artigo.

Limites da multa:

1 - Se a taxa de justiça devida for inferior a 1 UC, a multa terá o valor de 1 UC.

2 - Se a taxa de justiça devida for superior a 10 UC, a multa terá o valor de 10 UC.

Pagamento da taxa de justiça e da multa

O pagamento da taxa de justiça e da multa em falta deverá ser efetuado, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, por Guia DUC, dentro do prazo concedido.

Prazo de pagamento

O prazo de pagamento, bem como o montante, locais e o modo de pagamento da taxa de justiça e da respetiva multa constam da guia anexa.” 

3 – Os autores/recorridos nunca pagaram a 2.ª prestação da taxa de justiça;

4 – Em 19.02.2020, procedeu-se à diligência de recolha de autógrafos do autor/recorrido.

5 – Na diligência referida em 4, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

“Compulsados os autos, verifica-se que o autor no dia de hoje não havia procedido, ainda, ao pagamento dos encargos respeitantes à realização da perícia, como impõem os artigos 20º e 23º do Regulamento das Custas Processuais. Mais se verificava que já havia decorrido o prazo dos 5 dias para o pagamento dos encargos acrescida de multa de 3 Uc’s. Em todo o caso verificando-se que o autor procedeu hoje, pelas 11:50 horas, ao respectivo pagamento com multa, este Tribunal ao abrigo dos seus poderes e deveres de gestão processual, e tendo sempre como horizonte a boa realização da justiça, determina que a diligência probatória se realize, considerando-se pagos os encargos respectivos.

Uma vez que forma pagos através de DUC concilie oportunamente.”

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A única questão a resolver consiste em saber se a falta de pagamento, pelos autores/recorridos, da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa estabelecida no artigo 14.º, n.º 3, do RCP, dentro do prazo adicional concedido por esta norma, impossibilita, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, a realização da perícia por aqueles requerida.

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Os recorrentes requereram a não realização da perícia com fundamento na falta de pagamento, pelos recorridos, da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa prevista no artigo 14.º, n.º 3, do RCP, dentro do prazo estabelecido na mesma norma. Invocaram, como fundamento jurídico da sua pretensão, o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.

Sobre este requerimento, o tribunal a quo proferiu o despacho recorrido, no qual, além do mais:

- Decidiu, sem fundamentação, que a 2.ª prestação da taxa de justiça poderia ser paga até ao início da audiência final;

- Afirmou, também sem fundamentação, que, “no que respeita à perícia, a questão apresenta-se distinta”;

- Considerou que, atento o acórdão desta relação que ordenou a realização da perícia, cumpria fixar o objecto desta, tendo-o feito;

- Designou data para a recolha de autógrafos ao recorrido, advertindo que a realização da perícia dependia do pagamento dos respectivos encargos.

Este despacho é nulo, nos termos dos artigos 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), e 613.º, n.º 3, do CPC, porquanto o tribunal a quo não fundamentou, pura e simplesmente, as duas primeiras asserções acima reproduzidas, e acabou por não se pronunciar sobre a questão suscitada pelos recorrentes.

No requerimento decidido através do despacho recorrido, os recorrentes sustentaram que a perícia é inadmissível, nos termos do artigo 14.º, n.º 4, do RCP, devido à falta de pagamento, pelos recorridos, da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa dentro do prazo estabelecido no n.º 3 do mesmo artigo.

Ora, sobre esta concreta questão, o tribunal a quo não se pronunciou, antes se tendo limitado a afirmar, sem qualquer fundamentação, que a 2.ª prestação da taxa de justiça poderia ser paga até ao início da audiência final, e que, “no que respeita à perícia, a questão apresenta-se distinta”, sem explicitar o que com isso pretendia significar e o porquê dessa “distinção”.

Analisemos, então, a questão suscitada pelos recorrentes.

A anterior prolação, por esta relação, de um acórdão a ordenar a realização da perícia requerida pelos recorridos, não prejudica a questão suscitada pelos recorrentes no seu requerimento que esteve na origem do despacho recorrido, como este último, numa das suas interpretações possíveis (pois não prima pela clareza), poderia sugerir. O referido acórdão revogou o despacho do tribunal a quo que indeferira o requerimento dos recorridos de realização da perícia com fundamento em extemporaneidade, circunscrevendo-se, pois, a sua eficácia a esta questão. Por outras palavras, o mesmo acórdão julgou tempestivo o requerimento de realização da perícia e, nessa medida, determinou a sua realização. Obviamente, não conheceu de outras razões que pudessem obstar à realização da perícia, pois estavam fora do objecto do recurso. Mais, a questão que se nos coloca no presente recurso ainda nem sequer se tinha suscitado no processo.

Por outro lado, o despacho proferido pelo tribunal a quo em 19.02.2020 não contende com a questão que os recorrentes suscitaram, pois reporta-se à sanação de uma situação de falta de pagamento atempado dos encargos com a realização da perícia por parte dos recorridos, nos termos dos artigos 20.º e 23.º do RCP, e não à situação de falta de pagamento, pelos mesmos, da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa estabelecida no artigo 14.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, sobre a qual incidiu o despacho recorrido.

Esclarecidas estas duas questões, vejamos se a falta de pagamento, pelos recorridos, da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa estabelecida no artigo 14.º, n.º 3, do RCP, dentro do prazo adicional concedido por esta norma, impossibilitava, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, a realização da perícia por aqueles requerida. 

Os n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 14.º do RCP têm a seguinte redacção:

2 – A segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a realização desse pagamento no mesmo prazo. 

3 – Se, no momento definido no número anterior, o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário não tiver sido junto ao processo, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.

4 – Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior, se no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício do apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta. 

Os recorridos não pagaram a 2.ª prestação da taxa de justiça no prazo estabelecido no n.º 2.

Na sequência dessa falta de pagamento, os recorridos foram notificados para efectuarem este último, acrescido de multa, no prazo adicional estabelecido no n.º 3, com a expressa menção de que, se o não fizessem, ficariam sujeitos às cominações previstas no n.º 4. Não obstante, os recorridos persistiram na falta de pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça.

Consequentemente, é aplicável a sanção prevista no n.º 4. Estabelecendo o n.º 3 um prazo de 10 dias para a realização do pagamento nele previsto, o incumprimento do mesmo prazo tem de implicar a aplicação de uma sanção ao infractor, que só pode ser a referida. No caso dos autos, perante a falta de junção, ao processo, de documento comprovativo do pagamento, pelos recorridos, da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa estabelecida no n.º 3 dentro do prazo adicional concedido por esta norma, o tribunal a quo devia ter determinado a impossibilidade de realização da prova pericial por aqueles requerida.

Tendo os recorrentes suscitado expressamente essa questão, através de requerimento que apresentaram no processo, a decisão do tribunal a quo não podia ter sido no sentido da realização da perícia requerida pelos recorridos. Dado que estes últimos não comprovaram o pagamento em causa dentro do prazo que tinham para se pronunciarem sobre o requerimento dos recorrentes, o tribunal a quo, em cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 14.º do RCP, devia ter determinado a impossibilidade de realização da perícia. Viola a referida norma legal a realização da perícia não obstante a falta de pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa devida dentro do prazo adicional previsto no n.º 3 daquele artigo.

Concluindo, o recurso merece provimento, devendo revogar-se o despacho recorrido e determinar-se a não realização da perícia por falta de pagamento, pelos recorridos, da 2.ª prestação da taxa de justiça, acrescida da multa prevista no artigo 14.º, n.º 3, do RCP.

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Decisão:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se, nos termos do artigo 14.º, n.º 4, do RCP, a não realização da perícia requerida pelos recorridos devido à falta de pagamento, por estes, da 2.ª prestação da taxa de justiça, acrescida da multa prevista no n.º 3 do mesmo artigo.

Custas a cargo dos recorridos.

Notifique.

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Évora, 10 de Setembro de 2020

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunto)

(2.º adjunto) 


Voto de vencido exarado em acórdão da Relação de Évora de 30.01.2025

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