terça-feira, 21 de setembro de 2021

Acórdão da Relação de Évora de 09.09.2021

Processo n.º 1961/20.9T8FAR-B.E1

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Sumário:

1 – Não é admissível a junção, às alegações de recurso, de documentos cuja apresentação no tribunal a quo era possível e relevante para o conhecimento da matéria objecto da decisão recorrida.

2 – Os recursos ordinários visam o reexame de questões submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, o que não acontece no caso dos autos.

3 – Tendo a carta destinada à citação do réu sido expedida para morada que este último não põe em causa que seja sua, não constando do aviso de recepção que tal carta haja sido entregue a pessoa diversa do seu destinatário e perante a ausência de qualquer outro meio de prova sobre quem recebeu a carta e assinou o aviso de recepção, deve concluir-se que o réu foi citado na sua própria pessoa.

4 – Tendo o réu sido citado, nos termos descritos em 3, em França, apenas beneficia da dilação estabelecida no n.º 3 do artigo 245.º do CPC.

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Nuno interpôs recurso de apelação do despacho, proferido na acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum em que é demandado, conjuntamente com Sociedade 1, Lda., por Sociedade 2, S.A., mediante o qual o tribunal a quo julgou extemporânea a contestação por si apresentada.

As conclusões do recurso são as seguintes:

A) O réu Nuno foi demandado pela autora, para contestar, querendo, a presente acção declarativa de condenação, tendo sido notificado para tal no domicílio do seu filho Nicolau em França sito na Rue Beauregard, (…).

B) A residência do réu é: 34 bis, Rue Grande Rue, (…), França, tal como consta dos elementos registrais da Sociedade 1, Lda. juntos aos autos.

C) O réu Nuno não possui a assinatura constante do aviso de recepção dos correios portugueses, o qual assina por NP e não NRP, conforme consta do seu cartão de cidadão português. Doc nº 1 ora junto.

D) Na assinatura do filho do requerido constam apenas duas letras maiúsculas que são precisamente um N e um P, como se pode alcançar do seu documento de identificação “Carte Nationale D`Identité n.º (…)” – Doc nº 2 ora junto.

E) O aviso de recepção referente à citação judicial constante dos presentes autos está assinado por duas letras estilizadas de “N” e “P” correspondentes à assinatura utilizada pelo Nicolau, filho legítimo do ora requerido.

F) Pelo que ao prazo para apresentação da contestação de 30 dias previsto no artigo 569.º, n.º 1, acresce uma dilação de mais 30 dias pelo facto do réu ser citado no estrangeiro, nos termos do artigo 245.º, n.º 3, e ainda de mais 5 dias, uma vez que foi realizada em pessoa distinta do réu, conforme consta no artigo 245.º, n.º 1, al. a), todos do CPC.

G) O réu poderia ainda beneficiar da apresentação do seu articulado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo nos termos do artigo 139.º, n.º 5, do CPC, mediante o pagamento da multa aí fixada nas alíneas a) b) e c).

H- Nesta conformidade, deveriam os presentes autos prosseguir a sua tramitação normal tal como ora se requer, uma vez que a contestação em crise foi apresentada dentro do prazo legal.

A recorrida apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

1. Ao determinar o desentranhamento da contestação apresentada pelo recorrente, não incorreu, o Tribunal a quo, em qualquer erro de direito ou de facto.

2. Adicionalmente, não pode o objecto do recurso englobar factos novos alegados pelo recorrente, nomeadamente, este alegadamente não ter residência em 4 Rue Bearegard, (…), França, local para o qual foi devidamente citado.

3. Sendo, contudo, certo que esta morada corresponde à morada indicada pelo próprio apelante na procuração forense que se encontra junta aos autos com a contestação.

4. Mesmo que tal não se entenda e apenas à cautela de patrocínio, a citação não padece da nulidade prevista no preceituado disposto no artigo 191.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC, por ser evidente que o recorrente reside em 4 Rue Bearegard, (…), França.

5. Não apresentou o recorrente prova passível de demonstrar que a morada para a qual foi citado, consubstancia a residência do seu filho e não do recorrente.

6. Muito pelo contrário, juntou o recorrente o documento de identificação do seu filho, de onde consta a morada da sua residência 6 bis Impasse Des Telleils Chevannes (91) e não 4 Rue Bearegard, (…), França, como quis o recorrente fazer crer.

7. Adicionalmente, no requerimento submetido pelo recorrente no seguimento do despacho proferido pela juiz do tribunal a quo, nunca este primeiro referiu, uma única vez, que não vivia na morada para a qual foi devidamente citado. Apenas alegou o referido facto em sede de recurso, por motivo que se desconhece.

8. Refira-se ainda que no limite, a prova terá que ser feita pelo recorrente, de acordo com a norma do ónus da prova constante do artigo 342.º, n.º 1 do CC.

9. Face ao exposto, não foi omitida nenhuma formalidade da citação que levasse a que esta padecesse de nulidade, pois é mais que óbvio que o recorrente foi citado na sua residência, para os efeitos do artigo 225.º, n.º 1 do CPC.

10. Alega ainda o recorrente que o aviso de recepção não foi assinado pelo recorrente, o que não corresponde à verdade, se compararmos a assinatura do filho do recorrente com a assinatura aposta no aviso de recepção.

11. É mais do que evidente a coincidência e semelhança entre a assinatura aposta ao aviso de recepção e a assinatura do recorrente, conforme documentos anexos ao processo e que instruíram a petição inicial, ou mesmo com a procuração forense outorgada pelo apelante e junta a estes autos.

12. Mais uma vez, dir-se-á sempre que cabe ao recorrente fazer prova de que o aviso de recepção não foi por este assinado, para poder beneficiar da dilação de 5 dias disposta no artigo 245, n.º1 do CPC, o que não sucedeu.

13. Por último, a juiz tem toda a legitimidade para convidar as partes a pronunciarem-se sobre a tempestividade da contestação, face ao disposto nos artigos 166.º, n.º 2, 145.º, n.ºs 4, 5 e 6, 146.º, 506.º, n.º 4, e 489.º, todos do CPC.

O recurso foi admitido, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

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Tendo em conta as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a resolver são as seguintes:

1 – Admissibilidade da junção de documentos na fase de recurso;

2 – Admissibilidade da invocação, na fase de recurso, de que a morada para a qual a citação foi enviada corresponde à residência do filho do recorrente;

3 – Se está provado que a citação foi efectuada na pessoa do filho do recorrente;

4 – Se o recorrente contestou a acção dentro do prazo legal.

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Os factos relevantes para a decisão do recurso, evidenciados pelos autos deste, são os seguintes:

1 – A carta destinada à citação do recorrente foi remetida para o seguinte endereço: “4 Rue Beauregard, (…), França” (fls. 15);

2 – O aviso de recepção da carta expedida para citação do recorrente foi rubricado pela pessoa a quem aquela carta foi entregue, o que ocorreu no dia 09.09.2020 (fls. 15);

3 – Não consta do aviso de recepção que a carta expedida para citação do recorrente tenha sido entregue a pessoa diversa do destinatário (fls. 15);

4 – O recorrente apresentou a contestação no dia 16.11.2020 (fls. 16-24);

5 – Na procuração forense que consta dos autos, o recorrente indicou, como sua morada, “4 Rue Beauregard (…) em França” (fls. 25);

6 – Na sequência da sua notificação para se pronunciar acerca da tempestividade da contestação, o recorrente alegou o seguinte:

“1.º O ora réu foi citado na pessoa do seu filho que era a única pessoa que se encontrava em casa.

2.º Tal citação ocorreu em França.

3.º O último dia de prazo para apresentar a contestação foi o dia 13/11/2020.

4.º O ora réu apresentou a sua contestação no dia 16/11/2020, primeiro dia útil após o prazo, com multa, que se encontra paga.

5.º De qualquer forma, sempre se dirá, que a excepção dilatória prevista na al. c) do artigo 577.º do CPC, invocada, é de conhecimento oficioso, com a consequente cominação legal…”

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1 – Admissibilidade da junção de documentos na fase de recurso:

O recorrente juntou dois documentos às alegações de recurso.

O n.º 1 do artigo 651.º do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas doravante referenciadas) estabelece que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

No caso dos autos, o recorrente não alega a verificação de alguma destas hipóteses, nem se encontra demonstrada tal verificação. Os documentos em causa são cópias do cartão de cidadão do recorrente e de um documento de identificação de um filho seu emitido pelo Estado Francês. Com a sua junção aos autos, o recorrente pretende provar que a rubrica constante do aviso de recepção de fls. 15 não é sua, mas do seu referido filho. Tendo o recorrente alegado, no tribunal a quo, ter sido citado na pessoa de seu filho, era esse o momento processual próprio para a junção dos referidos documentos aos autos, como meio de prova dessa alegação. Não está demonstrada a impossibilidade dessa junção e, por outro lado, é evidente que a mesma não se tornou necessária apenas devido ao decidido pelo tribunal a quo, antes o sendo já antes dessa decisão.

Decorre do exposto que é legalmente inadmissível a junção aos autos dos documentos em causa apenas na fase de recurso. Consequentemente, os mesmos documentos não serão tidos em consideração na decisão deste último.

2 – Admissibilidade da invocação, na fase de recurso, de que a morada para a qual a citação foi enviada corresponde à residência do filho do recorrente:

Na sequência da sua notificação, pelo tribunal a quo, para se pronunciar acerca da tempestividade da contestação, o recorrente alegou, nomeadamente, que foi citado na pessoa do seu filho, que era a única pessoa que se encontrava em casa. O recorrente, não só não alegou que a morada para a qual a citação foi enviada corresponde à residência de seu filho, como deu a entender que este recebeu a citação por ser a única pessoa que, no momento, se encontrava na sua casa. Tudo isto em consonância com o facto de, na procuração forense constante de fls. 25 dos autos de recurso, o recorrente ter indicado, como sua morada, aquela para a qual a carta destinada à sua citação foi enviada.

Nas alegações de recurso, o recorrente altera a sua estratégia e sustenta que a carta destinada à sua citação foi enviada para a residência de seu filho, suscitando, assim, uma questão nova. Ora, resulta dos artigos 627.º, n.º 1, 639.º, n.ºs 1 e 2, e 640.º que os recursos ordinários visam o reexame de questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas, ou seja, suscitadas pela primeira vez perante o tribunal ad quem. Isto, naturalmente, sem prejuízo do conhecimento, por este último, das questões que o devam ser oficiosamente, o que não é o caso daquela que o recorrente agora suscita. “Os recursos são meios de obter a reforma de sentença injusta, de sentença inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento. (…) pretende-se um novo exame da causa, por parte de órgão jurisdicional hierarquicamente superior.”[1] Esta é uma regra básica em matéria de recursos, que define a própria natureza destes.

Portanto, não é lícito, ao recorrente, suscitar a questão de a morada para a qual a citação foi enviada corresponder à residência de seu filho apenas em sede de recurso e, mais que isso, em aberta contradição com a posição que assumiu perante o tribunal a quo.

3 – Se está provado que a citação foi efectuada na pessoa do filho do recorrente:

Quando foi notificado, pelo tribunal a quo, para se pronunciar sobre a tempestividade da contestação, o recorrente não ofereceu qualquer meio de prova do que alegou, ou seja, de que foi seu filho quem recebeu a carta destinada à sua citação e assinou o aviso de recepção. Nomeadamente, não juntou, então, aos autos, os dois documentos que acompanham as alegações de recurso.

Aquilo que constava dos autos era o aviso de recepção assinado pela pessoa que recebeu a carta na morada para a qual esta foi expedida. Esse aviso de recepção não menciona que a carta foi entregue a pessoa diversa do destinatário, pelo que, na falta de prova em contrário, impunha-se concluir que foi o recorrente quem a recebeu. Tanto mais que o recorrente, nessa altura, ainda não tinha posto em causa que a carta fora enviada para a sua residência e, mais que isso, indicara como sua residência, na procuração forense de fls. 25 dos autos de recurso, a morada para a qual a carta foi expedida.

Em face disto, não podia o tribunal a quo decidir de forma diferente daquela que decidiu, ou seja, que a citação foi feita na própria pessoa do recorrente.

4 – Se o recorrente contestou a acção dentro do prazo legal:

Estando assente que a citação foi enviada para a residência do recorrente e por este recebida, o acerto do despacho recorrido é indiscutível. A citação foi recebida em 09.09.2020. O prazo para contestar é de 30 dias (artigo 569.º, n.º 1), ao qual acresce uma dilação de 30 dias por a citação ter ocorrido no estrangeiro (artigo 245.º, n.º 3), pelo que terminou em 09.11.2020. Tendo a contestação sido apresentada em 16.11.2020, é evidente a sua extemporaneidade, mesmo tendo em conta o disposto no artigo 139.º, n.ºs 5 e 6.

Deverá, pois, o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas a cargo do recorrente.

Notifique.

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Évora, 09.09.2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunto)

(2.ª adjunta)



[1] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume V (reimpressão), p. 212.

Voto de vencido exarado em acórdão da Relação de Évora de 30.01.2025

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