Processo n.º 1152/20.9T8LLE-A.E1
*
Sumário:
À entrega judicial, em acção executiva
para entrega de coisa certa, de fracção autónoma na sequência da cessação de um
contrato de arrendamento que a teve por objecto, é aplicável a al. c) do n.º 7
do artigo 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redacção que lhe foi
dada pela Lei n.º 13-B/2021, de 05.04.
*
AAA
propôs a presente acção executiva para entrega de coisa certa contra BBB, CCC e
DDD. O título executivo é constituído por uma sentença, transitada em julgado,
que, além do mais, declarou resolvido o contrato de arrendamento celebrado
entre as partes em 30.01.2007 e condenou os réus CCC e DDD a entregarem à
autora, completamente livre e devoluta de pessoas e bens, a fracção autónoma
designada pela letra D, correspondente ao segundo andar direito do prédio
urbano sito no Largo (…), n.º (…), freguesia e concelho de (…), inscrito na
matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…)
sob o número (…) da União de Freguesias (…). A exequente alegou que os
executados não procederam à entrega da referida fracção.
Os
executados não deduziram oposição à execução.
Em
20.07.2021, o agente de execução requereu autorização para a intervenção da
força pública com vista à efectivação da entrega da fracção.
Na
sequência desse requerimento, foi proferido, em 13.09.2021, despacho com o
seguinte teor:
“Requerimento do senhor Agente de Execução de 20/07/2021 e Refª CITIUS 39500182:
Preceitua o artigo 6º-E, da Lei nº 1-A/2020,
de 19 de Março, na redacção que lhe foi dada
pela Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril, na parte que ora interessa que “1-No decurso da situação excecional de prevenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por
SARS-Cov-2 e da doença COVID-19, as diligencias
a realizar no âmbito
dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais
administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal
de Contas e demais órgãos jurisdicionais,
tribunais arbitrais, Ministério Público,
julgados de paz, entidade de resolução alternativa
de litígios e órgãos de execução regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo
(…) Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo (…) b) Os atos
a realizar em sede de processo executivo
ou de insolvência relacionados com a concretização de diligencias de entrega
judicial da casa de morada de família…”
Ora, no caso em apreço, o senhor Agente de Execução, na sequência do requerimento apresentado pela exequente (Refª CITIUS 39500182) veio requerer autorização para requisição da força pública tendo em vista empossar a exequente na posse do imóvel objecto da presente
execução (casa
de morada de família dos executados
CCC e DDD) e que está ocupado por estes
executados que recusam sair voluntariamente do mesmo, tratando-se de um ato a realizar
em sede de processo
executivo relacionado
com a entrega judicial da casa de morada de família, o qual, conforme resulta
da norma legal está
suspenso, razão pela qual não pode o Tribunal, por ora, deferir o requerido pelo senhor
Agente de Execução.
Notifique.”
A exequente interpôs recurso de apelação deste despacho, tendo
formulado as seguintes conclusões:
1 – Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pela
Mertª Juiz a quo a fls, em 13 de
Setembro de 2021 que indeferiu o solicitado pedido de recurso à força policial
para efectivação da diligência de despejo;
2 – Ora tal decisão viola em absoluto toda as regras de Direito
aplicáveis no caso vertente;
3 – Com efeito a suspensão de efectivação de despejo prevista na
Lei 1-A/2020, em todas as suas versões, não opera ope legis conforme ensinam os doutos acórdãos, entre outros,
proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa no proc. 3463/19.7T8VFX.L1-2 e
pelo Tribunal da Relação do Porto no proc. 1212/20.6T8LOU-B.P1;
4 – Tal significa que a indicada suspensão do despejo não é
automática mas outrossim decretada pelo tribunal, caso a caso, se verificados
os pressupostos constantes da lei;
5 – Assim só mediante alegação e prova, por parte do executado, de
que se encontra nas condições excepcionais que permitam a suspensão do despejo
é que essa diligência
6 – E mediante decisão proferida pelo Juiz reconhecendo essas
alegadas condições;
7 – É que a questão é de uma simplicidade extrema: é ao executado
que cabe alegar e provar que se encontra nas condições previstas no referido
preceito legal nomeadamente que sofreu uma quebra de rendimentos e que ficará
numa situação de grande fragilidade por falta de habitação própria caso o
despejo se concretizasse conforme e muito recentemente (já ao abrigo da ultima
redação daquele preceito legal) se ensina refere no douto Acórdão do Tribunal
da Relação de Lisboa no proc. 1055/20.7YPRT.L1-6;
8 – Deste modo e ao contrário do decidido no despacho recorrido a
diligência efectiva de despejo só fica suspensa se e caso o executado vier
alegar e provar que se encontra nas indicações situações de fragilidade
económica e de habitação;
9 – Pois caso nada alegue o despejo tem de ser efectuado.
10 – Ora e no caso vertente o executado nada veio requerer ou
invocar nos autos;
11 – Assim o entendimento perfilhado pela Mertª Juiz a quo ao suspender a execução referindo
que os despejos estão, pura e simplesmente, suspensos é totalmente contrária e
oposta ao estatuído no artigo 6º-E, da Lei nº 1-A/2020 violando frontalmente a lei;
12 – Doutro passo não pode deixar de se salientar que os
executados não pagam qualquer renda há mais de seis anos o que é absolutamente
inacreditável;
13 – Julga-se ser do mais óbvio entendimento que e sem prejuízo do
atrás alegado esta situação de usar e fruir uma casa de terceiro sem pagar rigorosamente
nada durante todos estes anos constitui um abuso intolerável por parte do executado
e merecedora da máxima censura;
14 – Acresce que, neste momento, a exequente que tem mais de 80
anos de idade encontra-se bastante doente carecendo de medicamentos, exames e
outros;
15 – O que torna não só intolerável a situação como, também
absurda.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido, com
subida em separado e efeito meramente devolutivo.
*
Os factos relevantes para a decisão do
recurso são os acima descritos.
*
O
agente de execução requereu autorização para solicitar a intervenção da força
pública com vista à efectivação da entrega da fracção autónoma em 20.07.2021. O
despacho recorrido, indeferindo tal requerimento com fundamento no disposto no artigo 6.º-E,
n.º 7, al. b), da Lei n.º 1-A/2020,
de 19.03, na redacção que lhe foi
dada pela Lei n.º 13-B/2021, de 05.04,
foi proferido em 13.09.2021.
Está,
pois, em causa saber se o referido artigo 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 13-B/2021, determina
a suspensão da efectivação da entrega da fracção.
Entendeu-se,
no despacho recorrido, que é aplicável ao caso dos autos o disposto na al. b)
do n.º 7 do artigo 6.º-E, de acordo com a qual ficam suspensos, no decurso do
período de vigência do regime excepcional e transitório previsto naquele
artigo, os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência
relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de
morada de família.
Todavia,
porque nos encontramos perante uma entrega judicial de fracção autónoma na
sequência da cessação de um contrato de arrendamento que a teve por objecto, é
aplicável, não a al. b), mas sim a al. c) do n.º 7 do artigo 6.º-E. Nos termos
desta norma, apenas ficam suspensos, no decurso do período de vigência do
regime excepcional e transitório previsto naquele artigo, os actos de execução
da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos
procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel
arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a
proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação
própria ou por outra razão social imperiosa.
No
caso dos autos, não está demonstrado que a restituição da fracção à recorrente possa
colocar os recorridos em situação de fragilidade por falta de habitação própria
ou por outra razão social imperiosa. Mais, nenhum dos recorridos o alegou,
sequer. Daí que nada obste à imediata restituição do locado à recorrente, se
necessário mediante o recurso ao auxílio da força pública, tal como foi requerido
pelo agente de execução.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido e
ordenando-se a imediata restituição, à recorrente, da fracção autónoma designada pela letra D,
correspondente ao segundo andar direito do prédio urbano sito no Largo (…), n.º
(…), freguesia e concelho de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…) e
descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o número (…) da União
de Freguesias (…), nos exactos termos em que tal foi decidido na sentença que
constitui o título executivo e mediante o auxílio da força pública caso este se
revele necessário.
Custas
a cargo dos recorridos.
Notifique.
*
Évora, 13.01.2022
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.ª adjunta