Processo n.º 76/16.9T8RDD.E3
*
Sumário:
Não tendo sido decretada a inversão do contencioso e não tendo o
requerente proposto a acção principal dentro do prazo fixado no artigo 373.º,
n.º 1, al. a), do CPC, caduca a providência cautelar decretada.
*
AAA requereu providência cautelar não especificada contra BBB e CCC,
a que estes últimos deduziram oposição.
Produzida a prova, foi proferida sentença que, julgando a
providência parcialmente procedente, condenou os requeridos a permitirem que o
requerente aufira os frutos da exploração florestal dos prédios identificados
nos autos, designadamente as lenhas aí existentes, a absterem-se de qualquer
acto de apropriação relativo às mesmas lenhas, a permitirem o acesso do
requerente ou de quem este designar às árvores a sujeitar a cortes e/ou podas e
a entregarem, na secretaria do tribunal, duplicado das chaves do cadeado de que
sejam detentores, a fim de ser entregue ao requerente durante o período de
extracção de lenhas. No mais, os requeridos foram absolvidos. Na sequência da
interposição de recurso, a sentença foi confirmada pelo Tribunal da Relação de
Évora.
Posteriormente, foi proferido o seguinte despacho:
«Suscitam os requeridos a
caducidade da providência, por não ter sido intentada a acção principal a ela
correspondente, no prazo de 30 dias a que alude o art. 373.º, n.º 1, al. a) do
Código de Processo Civil e por ter sido a decisão completamente omissa quanto à
requerida inversão do contencioso, ao que o requerente não reagiu.
Notificado o requerente para
exercer o contraditório, o mesmo silenciou.
Cumpre apreciar.
Antes de mais cumpre
esclarecer que compulsados os autos, não se alcança qualquer pedido de inversão
do contencioso por parte do requerente, pelo que, quanto a esta questão,
falecem os fundamentos do requerido.
No que tange à não
propositura da acção principal no prazo de 30 dias a contar da notificação do
trânsito em julgado importa atentar não só no articulado apresentado para
impulso do presente processo, como também no requerimento de fls. 306/309.
Com efeito, no requerimento
inicial da providência, o requerente alega, em suma, que os prédios dos autos
foram dados de arrendamento aos requeridos, excluindo do âmbito do arrendamento
a exploração florestal e que os requeridos, contrariamente ao acordado, não
permitiram ao requerente levar a efeito o abate e remoção de árvores
mortas/secas, cuja venda o requerente havia negociado com terceiro,
encontrando-se o acesso a essas árvores vedado por portões fechados a cadeado a
cuja chave o requerente não tem acesso. Mais alega que os requeridos não têm
efectuado o pagamento pontual da renda convencionada, pelo que o requerente
intentou a competente acção de despejo, cuja sentença condenatória juntou com a
petição inicial.
Vem o requerente referir a
fls. 306/309 que a acção de despejo (que corre termos sob o n.º 1145/04.3TVLSB
no Juízo Central Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa),
cuja sentença foi proferida em 03.10.2015 e não se mostrará ainda transitada em
julgado, consubstancia a acção principal da presente providência.
Cumpre apreciar.
A providência cautelar visa,
de essência, a antecipação provisória da tutela de um direito que se mostra
ameaçado.
Como refere Lopes do Rego,
in “Comentários ao Código de Processo
Civil”, Almedina, 1999, pág. 275, “(…) As providências antecipatórias visam obstar ao prejuízo decorrente do
retardamento na satisfação do direito ameaçado, através de uma provisória
antecipação no tempo dos efeitos da decisão a proferir sobre o mérito da causa”.
Na circunstância, o que o
requerente pretendia era o acesso ao produto da exploração florestal excluído
do âmbito do arrendamento – invocando até ter já negociado a compra e venda de
algumas das árvores a abater – tanto que peticiona sejam os requeridos
condenados a facultar-lhes o acesso à Herdade da Palha com a finalidade de
permitir a exploração, tratamento e fruição dos produtos florestais e a
condenação dos mesmos a absterem-se de quaisquer actos de apropriação desses
produtos.
Bom está assim de ver que a
tutela antecipatória pretendida tem como objecto a exploração florestal e os
proveitos económicos dela advenientes, a cujo acesso o requerente estaria
provado por acção dos requerentes e não os danos advenientes do não pagamento
das rendas que sustentou a acção de despejo intentada e a que se faz
referência.
Na circunstância, o contrato
de arrendamento é invocado como contexto da posse dos requeridos sobre a
Herdade da Palha e como definidor da extensão dessa posse, mas a exploração
florestal não é objecto desse contrato, como o requerente deixou expresso.
Não se vislumbra, assim,
como pode a acção de despejo que corre termos sob o n.º 1145/04.3TVLSB - cujo
objecto é o contrato de arrendamento - ser causa principal em relação à
providência decretada – cujo objecto é a exploração florestal – nem em que
medida o cumprimento do julgado, do interesse do requerente, que nessa acção de
despejo possa vir a ter lugar – que será, máxime, a desocupação do locado e o pagamento das rendas em mora
– tutela de forma definitiva os montantes que tinha justo receio de perder com
a impossibilidade de proceder ao abate das árvores cuja venda negociou e com a
impossibilidade de acesso à exploração, tratamento e fruição dos produtos
florestais.
Com efeito, o pedido da
acção principal ao presente procedimento cautelar teria de ser, designadamente,
o de condenação na indemnização pelos danos patrimoniais verificados à data da
propositura dessa acção, advenientes da impossibilidade de exploração,
tratamento e fruição dos produtos florestais.
Assim, por não versar aquela
acção n.º 1145/04.3TVLSB sobre os mesmos direitos cuja tutela se mostra
peticionada provisoriamente nos presentes autos, e por o julgado nessa acção
não ter qualquer alcance sobre os mesmos – tanto assim que a presente providência
cautelar não correu por apenso àqueles autos nem a eles foi apensada – não pode
considerar-se tal acção como sendo a acção principal do presente procedimento
cautelar.
Face ao exposto, tendo o
requerente sido notificado do trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da
Relação de Évora, por notificação datada de 21.06.2017 (cfr. ref.º Citius
26815292), impõe-se concluir que, nesta data, se mostra decorrido o prazo de 30
dias a que alude o art. 373.º, n.º 1 al. a) do Código de Processo Civil, pelo que
a providência se mostra caducada,
o que expressamente se declara, determinando-se em consequência o levantamento da providência, tudo, ao
abrigo do disposto no art. 373.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Notifique.»
O requerente recorreu deste despacho, tendo formulado as
seguintes conclusões:
1 – O autor é proprietário das herdades descritas na petição
inicial, situação reconhecida definitivamente com trânsito em julgado já após a
instauração da presente providência cautelar;
2 – Os réus eram arrendatários de tais propriedades, tendo sido
decretado o despejo com decisão transitada em julgado já após a instauração da presente
providência cautelar;
3 – Apesar das decisões judiciais os requeridos ainda estão na
posse das propriedades;
4 – O requerente entretanto já instaurou a execução da sentença
de despejo;
5 – Pelo que o direito do requerente que se reconheceu
cautelarmente nestes autos, foi objecto de validação judicial posterior à
propositura da presente providência cautelar;
6 – Os requeridos estão a violar o direito do autor e praticaram
o crime de desobediência, devendo os autos ir com vista ao Ministério Público
para instauração do competente processo crime, como já se requereu
anteriormente;
7 – O requerente peticionou a inversão do contencioso na
presente providência;
8 – Verifica-se a existência do direito do autor e a necessidade
da sua salvaguarda cautelar;
9 – Pelo que a providência cautelar não caducou, devendo o
tribunal, pelo contrário, assegurar que a decisão judicial seja executada;
10 – Termos em que deve ser revogada a decisão recorrida e
proferida decisão mantendo a providência cautelar requerida e decretada.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi
admitido.
Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem
o objecto deste e delimitam o âmbito da intervenção do tribunal de recurso, sem
prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, a única questão a
resolver consiste em saber se se verificam os pressupostos da caducidade da
providência decretada.
Para sustentar que tal caducidade não se verificou, o recorrente
apresenta os seguintes argumentos:
1.º - Tendo requerido, no artigo 40.º da petição inicial, a
inversão do contencioso, ele, recorrente, entendeu que, ao ser decretada a
providência cautelar requerida, se verificou a anuência ao seu pedido,
designadamente no que concerne à referida inversão do contencioso;
2.º - Enquanto a providência decretada não for concretizada, não
começa a correr o prazo para a propositura da acção principal;
3.º - A acção principal da presente providência cautelar é uma
acção de despejo que correu termos, sob o n.º 1145/04.3TVLSB, no Juízo Central
Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa;
4.º - Durante a pendência do recurso interposto da sentença que
decretou a providência, foram proferidas e transitaram em julgado uma decisão
que julgou o recorrente proprietário dos imóveis destes autos e uma outra que
decretou o despejo dos recorridos, no referido processo n.º 1145/04.3TVLSB, com
o que «ficou decidida definitivamente a
questão do direito e do acesso do requerente desta providência aos bens e
direitos objecto da providência, termos em que só por excessivo formalismo
conceptual se poderia entender que o requerente teria ainda de instaurar um processo
adicional».
Analisemos estes argumentos.
A leitura do artigo 40.º da petição inicial confirma que foi
requerida a inversão do contencioso, tal como o recorrente afirma nas suas
alegações de recurso. Esta simples constatação é suficiente para refutar os terceiro
e quarto argumentos acima enunciados. Nunca foi intenção do ora recorrente
propor «uma acção principal para fazer
valer o seu direito aos produtos florestais das suas propriedades sub judice»,
como ele próprio afirma no referido artigo 40.º da petição inicial. E,
efectivamente, nunca o fez. Daí, precisamente, ter requerido a inversão do
contencioso. Não tem, pois, o recorrente razão ao pretender, agora, perante a
constatação de que a inversão do contencioso não foi decretada e não propôs a acção
de que esta providência seria dependente dentro do prazo fixado no artigo
373.º, n.º 1, al. a), do CPC, que essa acção principal é a acima referida acção
de despejo n.º 1145/04.3TVLSB, que correu termos no Tribunal Judicial da
Comarca de Lisboa. Nunca o foi e não pode passar agora a sê-lo. A confirmá-lo,
está o facto de esta última acção ter sido referida no artigo 6.º da petição
inicial sem que lhe fosse atribuída a qualidade de processo principal, até
porque, se tal tivesse acontecido, esta providência teria de ser proposta como
incidente do referido processo, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, e
não com requerimento de inversão do contencioso, no Tribunal Judicial da
Comarca de Évora (artigo 364.º, n.ºs 1 e 3, do CPC). Portanto, esta providência
cautelar nunca teve acção principal, não podendo fazer supervenientemente as
vezes desta última, nem a acção de despejo que vimos referindo, nem a outra
acção em que terá sido proferida decisão que julgou o recorrente proprietário
dos imóveis destes autos.
O argumento de que, enquanto a providência decretada não for
concretizada, não começa a correr o prazo para a propositura da acção
principal, é claramente refutado pelo disposto no artigo 373.º, n.º 1, al. a),
do CPC, que estabelece que a providência já decretada caduca se o requerente
não propuser a acção da qual a providência depende dentro de 30 dias, contados
da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a
haja ordenado.
Analisemos, por fim, o primeiro argumento do recorrente. Como
referimos, este requereu, logo na petição inicial, a inversão do contencioso.
Porém, a sentença que decretou a providência é omissa sobre essa matéria, não
tendo, nem indeferido, nem decretado a inversão do contencioso. No recurso
interposto da sentença, tal questão não foi tratada. É, pois, fora de dúvida
que não foi decretada a inversão do contencioso. Ao deixar de conhecer esta
questão, a sentença padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d),
do CPC. Contudo, tal nulidade não foi arguida no tempo e pela forma devidos,
tendo a sentença transitado em julgado. Em face disto, nada há a fazer neste
aspecto. Definitivamente, não foi decretada a inversão do contencioso e daí
terão de ser retiradas as devidas consequências legais. Se o recorrente
entendeu, como afirma, que, ao ser decretada a providência cautelar requerida –
o que, em rigor, nem sequer aconteceu inteiramente, já que o procedimento foi
julgado apenas parcialmente procedente –, se verificou uma total anuência ao
seu pedido, incluindo a inversão do contencioso, fez mal, pois o decretamento
deste último tem de resultar de expressa decisão nesse sentido, até porque, do
mesmo, resultam ónus importantes para o requerido, nos termos do artigo 371.º
do CPC.
Em conclusão, não tendo sido decretada a inversão do contencioso
e não tendo o recorrente proposto a acção principal dentro do prazo fixado no
artigo 373.º, n.º 1, al. a), do CPC, a providência decretada caducou. Terá,
pois, o recurso de ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão
recorrida, embora com fundamentação, em parte, diversa.
*
Decisão:
Acordam
os juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente,
confirmando a decisão recorrida, embora com fundamentação, em parte, diversa.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
*
Évora, 26 de Abril de 2018
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
1.ª adjunta
2.º adjunto