Processo n.º 3361/21.4T8FAR.E1
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Sumário:
A
alegação, pela requerente de uma providência cautelar de arrolamento de bens
móveis, de que estes se encontram a ser retirados, pelos requeridos, do imóvel onde
ela os tinha para local desconhecido, configura a situação de justo receio de extravio, ocultação ou
dissipação prevista no artigo 403.º, n.º 1, do CPC.
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AAA
propôs o presente procedimento cautelar de arrolamento contra BBB e CCC. A
petição inicial foi objecto de indeferimento liminar com fundamento na não
verificação do pressuposto do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação
dos bens cujo arrolamento é pretendido, bem como na falta de correspondência
entre o arrolamento e a acção principal, que seria um recurso de revisão da
sentença que decretou o despejo do imóvel onde se encontravam os móveis a
arrolar, falta de correspondência essa que redundaria no incumprimento do ónus
de convencer o tribunal da provável procedência do pedido formulado em acção
destinada a declarar o direito sobre os seus bens.
A
requerente interpôs recurso de apelação do despacho de indeferimento liminar, tendo
formulado as seguintes conclusões:
1 –
Termos em que, encontrando-se incapacitada, vem requerer justo impedimento nos
termos e para os efeitos do disposto no artigo 140.º do CPC.
2 –
Nem sequer o tribunal ponderou ouvir o requerido nos presentes autos,
verificando-se a violação do disposto no artigo 2.º do CPC.
3 –
Verifica-se nulidade da sentença recorrida nos termos e para os efeitos do
disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, uma vez que a presente
providência cautelar em algum momento refere ou diz que é dependência do
processo que a sentença refere.
4 – A
sentença recorrida, ao não apreciar devidamente a petição inicial, padece da
nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
5 – A
recorrente não alegou em momento algum que exista a dissipação ou ocultação
total. Ela tem receio… motivo e fundamento para a presente providência
cautelar.
6 –
Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada, por violação das normas
constantes dos artigos 2.º, 140.º e 615.º do CPC.
O recurso foi admitido, com
subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
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Tendo em conta as conclusões das
alegações de recurso, as questões a resolver são as seguintes:
1 – Justo impedimento;
2 – Nulidade da decisão recorrida;
3 – Violação do princípio do
contraditório;
4 – Se foram alegados factos que
consubstanciem justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens cujo
arrolamento é pretendido;
5 – Falta de correspondência entre o
arrolamento e a acção principal.
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1 – Justo impedimento:
Como acertadamente se referiu no
despacho que admitiu o recurso, este foi interposto tempestivamente, pelo que a
alegação de justo impedimento é irrelevante.
2 – Nulidade da decisão recorrida:
A recorrente sustenta que a decisão
recorrida padece da nulidade estabelecida no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do
CPC, porquanto não apreciou devidamente a petição inicial, na qual não é
referido que o arrolamento seja dependência do recurso de revisão da sentença
que decretou o despejo do imóvel onde se encontram os móveis a arrolar.
O artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC,
estabelece que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre
questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar
conhecimento. Parece resultar do corpo das alegações que a recorrente tem em
vista a segunda hipótese, ou seja, o excesso de pronúncia.
Corresponde à verdade que, na petição
inicial, a recorrente não identificou o recurso de revisão da sentença que
decretou o despejo do imóvel onde se encontram os móveis a arrolar como sendo a
acção de que o arrolamento é dependência nos termos estabelecidos no artigo
403.º, n.º 2, do CPC. Todavia, ao considerar, erradamente, que a recorrente o
fez, o tribunal a quo não se
pronunciou sobre questão de que não podia tomar conhecimento, antes se tendo limitado
a interpretar mal a petição inicial e, por via disso, a tomar uma decisão
incorrecta.
Consequentemente, a decisão recorrida
não padece da nulidade invocada.
3 – Violação do princípio do
contraditório:
A recorrente invoca a falta de audição
dos requeridos, considerando que isso determinou a violação do princípio do
contraditório. É evidente a sua falta de razão. Por um lado, a recorrente
carece de legitimidade para invocar uma hipotética violação de um direito
processual que não é seu, mas da parte contrária. Por outro, estamos perante um
despacho de indeferimento liminar de uma providência cautelar, pelo que, por
definição, não há lugar à audição dos requeridos antes da sua prolação.
4 – Se foram alegados factos que
consubstanciem justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens cujo arrolamento
é pretendido:
O artigo 403.º, n.º 1, do CPC, estabelece
que, havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis
ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.
O tribunal a quo indeferiu liminarmente a petição inicial com fundamento na
não verificação do pressuposto do justo receio de extravio, ocultação ou
dissipação dos bens cujo arrolamento é pretendido. Entendeu-se, na decisão
recorrida, que, das duas uma: ou os requeridos já retiraram os bens, caso em
que inexiste a iminência de extravio, ocultação ou dissipação (já se
concretizou), ou os requeridos não retiraram, mas não se invoca que se recusem
a entregar os bens à requerente, inexistindo, nessa hipótese, qualquer lesão do
direito desta, tanto mais que a mesma não alegou que tenha interpelado aqueles
para procederem àquela entrega.
A leitura da petição inicial não
legitima o seu indeferimento liminar com o fundamento descrito.
De acordo com a petição inicial, os
requeridos têm vindo a desviar, desconhecendo-se para onde, o recheio do
estabelecimento de que a recorrente é proprietária (4.º); a recorrente
desconhece se os seus bens ainda se encontram nas fracções onde o
estabelecimento se encontrava instalado, porquanto viu os réus levarem alguns
desses bens numa camioneta (8.º); a recorrente receia que, mesmo que seja
decretada a providência, todo o recheio do seu estabelecimento tenha sido
dissipado (12.º); os requeridos estão a delapidar os bens da recorrente (13.º);
a recorrente ignora o que ainda se encontra no estabelecimento (14.º);
verifica-se justo receio da recorrente de perder os seus bens (15.º); tal
situação piora à medida que o tempo passa (17.º).
Alega-se, pois, na petição inicial, que
a situação que se descreve está em curso, ou seja, já se iniciou e ainda não
terminou. Segundo a recorrente, alguns bens já foram, seguramente, retirados do
imóvel, havendo, porém, a possibilidade de os restantes ainda aí se
encontrarem. Sendo assim, a recorrente alega uma situação de justo receio de
extravio, ocultação ou dissipação de bens tal como é configurada pelo artigo
403.º, n.º 1, do CPC, não havendo fundamento para indeferimento liminar da
petição inicial com fundamento na ausência dessa alegação.
5 – Falta de correspondência entre o
arrolamento e a acção principal:
Como afirmámos no ponto 2 da
fundamentação deste acórdão, a recorrente não identificou, na petição inicial,
o recurso de revisão da sentença que decretou o despejo do imóvel onde se
encontravam os móveis a arrolar como sendo a acção de que o arrolamento é
dependência nos termos estabelecidos no artigo 403.º, n.º 2, do CPC. Em vez
disso, é de supor que a recorrente pretenda propor uma acção destinada a reaver
a posse dos bens em causa. Consequentemente, não é possível concluir, neste
momento processual, que se verifica uma falta de correspondência entre o arrolamento
e a acção principal, a qual ainda nem sequer foi proposta.
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Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido e
ordenando-se o prosseguimento do procedimento cautelar de arrolamento.
Não
são devidas custas.
Notifique.
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Évora, 13.01.2022
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.ª adjunta