sábado, 12 de outubro de 2024

Despacho de 02.10.2024

Admissibilidade de apelação autónoma.

Recurso absolutamente inútil.

Incidente tributável.

*

AAA instaurou, contra BBB, uma acção executiva para pagamento de quantia certa, visando cobrar um alegado crédito no montante de € 75.571,94.

Foi penhorado um prédio urbano.

O executado opôs-se à execução, mediante a dedução de embargos de executado, nos quais invocou, sucintamente, a inexistência ou inexequibilidade do título executivo, a existência de «litispendência/ prejudicialidade» com a reconvenção deduzida pelo exequente na acção declarativa n.º 82/20.9T8NIS, na qual ainda não existe decisão final transitada em julgado, e a inexistência do crédito exequendo. O executado requereu, além do mais, que a execução fosse suspensa até à existência de decisão final transitada em julgado na referida acção declarativa, nos termos do n.º 1 do artigo 272.º do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas doravante referenciadas sem menção da sua origem).

O exequente contestou os embargos de executado. Além de pugnar pela improcedência destes, opôs-se à suspensão da execução e ao levantamento de penhoras. Requereu ainda a suspensão dos embargos com fundamento na existência de causa prejudicial, nos termos do artigo 272.º, ou, caso assim não seja entendido, a sua absolvição da instância com fundamento em litispendência, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. i).

O executado replicou, concluindo como na petição inicial.

Foi proferido saneador-sentença, julgando os embargos procedentes com fundamento na verificação da excepção de litispendência.

O recurso de apelação interposto pelo exequente foi julgado improcedente. Outro tanto não aconteceu com o recurso de revista interposto pelo exequente, já que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que: 1) Os embargos fiquem suspensos até à decisão da acção prejudicial; 2) As instâncias apreciem o efeito dos embargos na execução, em face da posição por si tomada.

Devido ao óbito do exequente, foram habilitados os seus herdeiros, CCC e DDD.

Na sequência da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 1.ª instância notificou as partes para se pronunciarem sobre o efeito dos embargos na execução, ao abrigo do disposto no art. 733.º. Foram ainda os exequentes notificados para se pronunciarem sobre a matéria relacionada com a prestação de caução.

Apreciando, no apenso de embargos, a pretensão, deduzida pelo executado na petição inicial, de que fosse ordenada a suspensão da execução até que exista decisão definitiva no âmbito do processo n.º 82/20.9T8NIS, a 1.ª instância decidiu que, por não se verificar qualquer dos fundamentos legais de suspensão da execução, a execução prosseguisse. Salvaguardou, todavia, que, atento o disposto no n.º 4 do artigo 733.º, nem o exequente, nem qualquer outro credor, poderá obter pagamento, na pendência dos embargos, sem prestar caução.

O executado interpôs recurso de apelação desta última decisão, ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. h).

Nas contra-alegações, os exequentes suscitam a questão da admissibilidade do recurso, considerando que não se verifica o pressuposto estabelecido no artigo 644.º, n.º 2, al. h).

A 1.ª instância admitiu o recurso, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

Entretanto, na acção executiva, em face do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça nos embargos de executado, o executado requereu que, nos termos do n.º 5 do artigo 733.º do CPC, o tribunal determinasse que a venda do prédio penhorado aguardasse a prolação de decisão final, em 1.ª instância, no apenso de embargos de executado. Como fundamento, invocou, sucintamente, o seguinte: 1) O prédio penhorado é a casa de habitação do agregado familiar do executado; 2) Este agregado familiar não tem outra casa onde possa habitar; 3) Consequentemente, a venda do prédio penhorado causar-lhe-ia, inevitavelmente, um prejuízo grave e irreparável. Porém, na mesma peça processual e sem fundamentação adicional, o executado requereu a suspensão da execução (e não, meramente, a não realização da venda do prédio penhorado) até que haja decisão proferida em 1.ª instância sobre os embargos.

Foram, entretanto, penhoradas quantias depositadas em duas contas bancárias, totalizando € 823,21, bem como uma quota do executado numa sociedade.

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Apreciemos a questão da admissibilidade da interposição de apelação autónoma do despacho recorrido.

O recurso foi interposto no apenso de embargos de executado, pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 853.º, é aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração.

Interessa-nos, em particular, o regime estabelecido no artigo 644.º, n.ºs 1 e 2. Sendo evidente a não verificação de qualquer das hipóteses previstas no n.º 1 e nas als. a) a g) e i) do n.º 2, o recorrente interpôs o recurso ao abrigo do disposto na al. h) deste último número, de acordo com o qual é admissível a interposição de apelação autónoma das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.

O executado não fundamenta a sua pretensão de que o recurso seja admitido ao abrigo do disposto na al. h) do n.º 2 do artigo 644.º. Ou seja, não explica em que medida a impugnação da decisão de não suspender a execução, com a salvaguarda acima referida, não agora, mas apenas com a apelação que venha a ser interposta de decisão ulterior que dela seja susceptível, se tornaria absolutamente inútil. Sem essa fundamentação, ficamos, obviamente, sem conhecer as razões que levaram o executado a invocar o disposto na al. h) do n.º 2 do artigo 644.º.

Em sede de fundamentação do próprio recurso, o executado invoca o requerimento, acima referido, de suspensão da execução até que haja decisão proferida em 1.ª instância sobre os embargos. Considera o executado que, por não ter conhecido desse requerimento, o despacho recorrido padece da nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º. Ou seja, os factos alegados naquele requerimento não são invocados como fundamento da admissibilidade da interposição de apelação autónoma ao abrigo do disposto na al. h) do n.º 2 do artigo 644.º.

Ainda assim, diremos que, ainda que seja verdade que o prédio penhorado constitui a casa de habitação do agregado familiar do executado e que este não tem outra casa onde possa habitar, daí não resulta que a impugnação do despacho recorrido apenas com a apelação que venha a ser interposta de decisão ulterior que dela seja susceptível se tornaria absolutamente inútil. A execução poderá prosseguir e, no momento próprio, poderá funcionar a salvaguarda estabelecida no n.º 5 do artigo 733.º caso o executado, que já o requereu (embora ampliando indevidamente e sem fundamentação a sua pretensão, de uma simples não realização da venda do prédio para a suspensão pura e simples da execução, como vimos acima), prove a verificação dos respectivos pressupostos.

Concluímos, assim, que não se encontra preenchida a previsão da al. h) do n.º 2 do artigo 644.º, pelo que o recurso interposto pelo executado não é admissível.

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O artigo 1.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) estabelece que todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos neste fixados (n.º 1) e que, para este efeito, se considera um processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que possam dar origem a uma tributação própria (n.º 2).

O n.º 4 do artigo 7.º do RCP estabelece, na parte que nos interessa, que a taxa de justiça devida pelos incidentes é determinada de acordo com a tabela ii. De acordo com o n.º 8 do mesmo artigo, consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas.

A interposição de um recurso legalmente inadmissível não pode ser considerada um acto incluído na tramitação geral do processo. Por definição, um acto processual legalmente inadmissível é um acto processual anómalo, estranho à tramitação geral do processo, cuja erradicação origina um incidente que, de outra forma, não existiria. Daí que, segundo os princípios que regem a condenação em custas, deva dar origem a uma tributação própria. Imaginemos que, de cada decisão proferida em determinado processo, uma parte interpõe um recurso legalmente inadmissível. Seria inconcebível que cada um dos incidentes assim gerados não desse origem a uma tributação autónoma.

Sendo assim, o incidente gerado pela interposição do presente recurso deverá ser tributado, sendo, nos termos do n.º 4 do artigo 7.º do RCP, a taxa de justiça determinada de acordo com a tabela ii. Esta tabela prevê, para os incidentes anómalos, um mínimo de 1 UC e um máximo de 3 UC.

Considerando a complexidade do incidente criado pelo executado ao interpor recurso nas circunstâncias descritas, deverá a taxa de justiça ser fixada no máximo, ou seja, em 3 UC.

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Dispositivo:

Pelo exposto, nos termos do n.º 5 do artigo 641.º e da al. b) do n.º 1 do artigo 652.º do CPC, não admito o recurso.

Custas do incidente a cargo do executado/embargante/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

Notifique e, oportunamente, remeta os autos de recurso à 1.ª instância.

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02.10.2024

Vítor Sequinho dos Santos 

 

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 26.09.2024

Processo n.º 479/19.7T8ELV.E2

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Sumário:

1 – Sendo a qualificação de um contrato uma das questões jurídicas em discussão, não poderá a mesma constar do enunciado da matéria de facto provada. O local próprio para a discussão dessa qualificação é a fundamentação jurídica da decisão. Daquele enunciado, apenas deverão constar os factos provados que, para tal, se mostrem relevantes.

2 – O tribunal ad quem não poderá conhecer da impugnação da decisão do tribunal a quo sobre determinado ponto da matéria de facto se for manifesto que a alteração pretendida pelo recorrente em nada o beneficiaria.

3 – O tribunal ad quem poderá conhecer da impugnação da decisão do tribunal a quo sobre determinado ponto da matéria de facto se, não obstante antever que a alteração pretendida pelo recorrente não o beneficiaria, tal conclusão requerer uma análise jurídica que seja reclamada pela exigência legal de fundamentação das decisões judiciais.

4 – (...)

5 – (...)

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Texto integral: Link


sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 12.09.2024

Processo n.º 3888/16.4T8VFX-F.E1

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Sumário:

1 – Não cumpre os ónus previstos na als. a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC o recorrente que não identifica, com precisão, os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, bem como a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre cada um desses pontos, e, em vez disso, se reporta, em bloco, aos factos que constam de 27 pontos do enunciado da matéria de facto provada, afirma que tais factos foram julgados provados «com uma extensão incompleta ou comprimida», sem especificar em que medida os mesmos merecem a sua concordância e a sua discordância, e propõe, também em bloco, 12 pontos de facto que pretende ver inseridos em substituição dos referidos 27.

2 – Não cumpre o ónus previsto na al. b) do n.º 1 e na al. a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC o recorrente que faz, nas suas alegações, aquilo que designou como uma «súmula» de cada um dos depoimentos que considera terem sido mal valorados pelo tribunal a quo, indica a hora do início e do fim de cada um desses depoimentos e enuncia, a seguir a cada uma dessas «súmulas», uma lista de factos que, com base nela, pretende ver acrescentados à matéria de facto provada.

3 – (…)

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Texto integral: Link


quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 12.09.2024

Processo n.º 1317/22.9T8PTM-A.E1

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Sumário:

1 – É admissível, à luz do disposto nos artigos 556.º, n.º 1, al. b), 2.ª parte, do CPC, e 569.º do CC, o pedido de condenação no pagamento de uma indemnização pela privação do uso de um imóvel, em consequência da ocupação deste pelo réu, em montante a liquidar em execução de sentença.

2 – A omissão de indicação, num despacho, da norma jurídica concretamente aplicada, não determina a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

3 – A não admissão do pedido reconvencional principal não impede a admissão do pedido reconvencional subsidiário.

4 – É admissível, nos termos da al. d) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, o pedido reconvencional de reconhecimento de que o réu adquiriu, por usucapião, o direito de propriedade sobre o terreno que o autor reivindica. A isso não obsta o facto de esse terreno ser identificado, pelo autor, como constituindo dois lotes de terreno para construção, e, pelo réu, como parte de um campo de golfe de que alega ser proprietário.

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Autora/reconvinda/recorrente:

Sociedade 1, S.A..

Ré/reconvinte/recorrida:

Sociedade 2, S.A..

Interveniente acessório/recorrido:

Sociedade 3, S.A..

Pedidos da autora:

a) Ser reconhecido o respectivo direito de propriedade e declarada a autora como única e legítima proprietária do prédio urbano denominado Lote 19, sito em (…), com a área total de 1.005 metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o número 1050 da freguesia de (…), e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4431 da união das freguesias de (…), com a inscrição a seu favor registada pela Ap. 10, de 28 de janeiro de 1993;

b) Ser reconhecido o respectivo direito de propriedade e declarada a autora como única e legítima proprietária do prédio urbano denominado Lote 20, sito em (…), com a área total de 1.005 metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o número 1051 da freguesia de (…), e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4433 da união das freguesias de (…), com a inscrição a seu favor registada pela Ap. 10, de 28 de janeiro de 1993;

c) Ser a ré condenada a reconhecer a propriedade da autora sobre os prédios acima identificados e a abster-se de qualquer acto que prejudique e/ou viole os direitos de propriedade e a posse da autora sobre os referidos prédios;

d) Ser a ré condenada na imediata desocupação e restituição dos prédios à autora, livres e devolutos de pessoas e bens, e a repor a suas expensas o estado dos prédios para os fins a que se destinam, de construção urbana;

e) Ser a ré condenada a pagar à autora uma indemnização correspondente ao benefício por ela obtido no período em que ocupou os prédios sem qualquer título e até à entrega efectiva dos mesmos, bem como por todos os danos e prejuízos que a autora está a sofrer pela privação do uso, em montante a liquidar em execução de sentença;

f) Ser a ré condenada a pagar à autora uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 150 por cada dia de atraso na restituição de ambos e/ou de cada um dos prédios, livres e devolutos de pessoas e bens, a contabilizar após o dia seguinte ao do trânsito em julgado da decisão final.

Pedidos reconvencionais:

I. Deve ser reconhecida e declarada a caducidade do Alvará de Loteamento n.º 16/1988, emitido pela Câmara Municipal de (…), relativamente aos lotes 19 e 20, por nunca terem sido implementados;

Sem prescindir e se assim não se entender,

II. Não se pode deixar de atender ao facto da R. estar a ocupar o campo de golfe, agindo como sua proprietária, relativamente à sua totalidade e incluindo o buraco n.º 6, de forma pública, notória e pacífica, desde pelo menos 29.12.2008, data em que o comprou à Sociedade 4, S.A., pelo que, nos termos dos artigos 1294.º do CC., tendo título de aquisição e registo deste e estando de boa-fé, a R. vem invocar a aquisição do direito de propriedade por usucapião sobre a totalidade do campo de golfe incluindo o buraco n.º 6 com a sua actual configuração, por ter decorrido mais de 10 anos, desde a compra e registo até que foi interpelada pela A.;

Sem prescindir e se assim não se entender,

III. E só por mero dever de patrocínio se admite, sempre deve a R. ser reconhecida como proprietária da totalidade do campo de golfe, incluindo a totalidade do seu buraco n.º 6, tendo adquirido esse direito originariamente em relação ao buraco n.º 6, na parte coincidente com os lotes 19 e 20 do loteamento por usucapião, sempre beneficiando do decurso do mais exigente prazo de 20 anos, contado o período da sua posse correspondente ao direito de propriedade, bem como do período do seu anteproprietário, com idêntico corpus e animus de posse pública e pacífica correspondente ao direito de propriedade.

Deve ainda sempre ser reconhecida e declarada a condenação da A. como litigante de má-fé, com a consequente condenação em multa e condigna indemnização a favor da R. pelos transtornos tidos, pelos prejuízos desnecessários e danos que se computam em quantia não inferior a € 5.000,00.

Decisão recorrida:

Despacho saneador, no qual se decidiu, nomeadamente, o seguinte:

«1.3. Do pedido genérico

Alegando a ocupação abusiva que a ré está a fazer dos prédios, a autora acrescentou estar a sofrer prejuízos, pois está privada e impossibilitada de dar qualquer outro uso aos terrenos, explorando-os ou alienando-os, tendo em vista o fim de construção urbana a que estão afetos.

Concluiu pedindo e) Ser a ré condenada a pagar à autora uma indemnização correspondente ao benefício por ela obtido no período em que ocupou os prédios sem qualquer título e até à entrega efetiva dos mesmos, bem como por todos os danos e prejuízos que a autora está a sofrer pela privação do uso, em montante a liquidar em execução de sentença.

Sucede que tendo alegado a existência de prejuízos no passado, não os elencou, pelo que, por inadmissível o pedido genérico, absolvo a ré da instância nesta parte - art. 556.º, a contrario sensu, do Código de Processo Civil.

1.4. Do pedido reconvencional

1.4.1. Da caducidade do loteamento n.º 16/1988

Veio a ré arguir em reconvenção a caducidade do Loteamento nº 16/1988, emitido pela Câmara Municipal de (…), relativamente aos lotes 19 e 20, por nunca terem sido implementados e por coincidirem os mesmos com o campo de golfe.

A autora respondeu, alegando que o pedido não se integra em nenhuma das alíneas do n.º 2 do art. 266.º do Código de Processo Civil. De harmonia com tal disposição, a dedução de reconvenção é admissível nos seguintes casos:

a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;

b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;

c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; ou

d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

A ré formula o pedido sem mais, designadamente sem o apresentar como prejudicial em relação a outro que pudesse preencher os pressupostos da alínea a). Neste contexto, o pedido de reconhecimento da caducidade do Loteamento nº 16/1988 não é admissível. Mesmo na afirmativa, este não seria o Tribunal competente para apreciar a questão, mas antes a jurisdição administrativa.

Por isso, não admito o pedido reconvencional.

1.4.2. Da usucapião

A ré formulou um segundo pedido, o de ter adquirido o campo de golf, incluindo o buraco n.º 6 e de assim ter agido, como respetiva proprietária.

A autora defendeu a inadmissibilidade do pedido por não ter sido pedido o reconhecimento de direito sobre os lotes n.º 19 e 20 (fórmula usada pela autora), mas o campo de golf que corresponde a prédio distinto.

Tal como o pedido, também a reconvenção é apreciada em função da alegação daquele que a formula. Considerando que a ré/reconvinte alegou a sobreposição de tal buraco à área dos prédios da autora, é de admitir este pedido reconvencional, o que decido.»

Conclusões do recurso:

A. O presente recurso de apelação tem por objecto (1.º) o despacho saneador proferido em 11 de Fevereiro de 2024, sob a referência electrónica n.º 130682365, no segmento correspondente ao respectivo ponto 1.3., decisão pela qual o tribunal a quo, qualificando o pedido formulado pela recorrida na alínea e) da sua petição inicial – lato sensu, o pedido de condenação da recorrida no pagamento à recorrente de uma indemnização pelo dano de privação de uso dos prédios objecto da acção de reivindicação atenta a ocupação ilegal e ilegítima dos mesmos pela recorrida – como pedido genérico, o julgou inadmissível e absolveu a recorrida da instância quanto ao mesmo; e (2.º) o despacho saneador proferido em 11 de Fevereiro de 2024, sob a referência eletrónica n.º 130682365, na parte correspondente ao respectivo ponto 1.4.2., decisão pela qual o tribunal a quo decidiu admitir o pedido reconvencional subsidiário relativo à alegada aquisição do campo de golf, incluindo o buraco n.º 6 pela recorrida, com invocação de usucapião, não obstante não ter admitido o pedido reconvencional principal, respeitante ao pedido de reconhecimento e declaração da caducidade do alvará de loteamento n.º 16/1988.

B. O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar inadmissível o pedido formulado pela autora-reconvinda/recorrente sob a alínea e) da sua petição inicial, e absolver a ré-reconvinte/recorrida do pedido, impondo-se a revogação desta decisão, contida no ponto 1.3 do despacho saneador recorrido.

C. Com base no artigo 1305.º, n.º 1 do CC, tem sido entendido de forma unânime que o direito de propriedade se define conceptualmente pelos poderes que confere ao seu titular, abrangendo, como componentes: (i) a liberdade de adquirir bens, (ii) a liberdade de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; (iii) a liberdade de os transmitir; (iv) o direito de não ser privado deles e, ainda, (v) o direito de reaver os bens sobre os quais o mesmo direito se mantém.

D. A privação ilícita do uso de qualquer bem constitui um dano do qual o lesado deve ser compensado, por afectação ilegítima do conteúdo daquele direito de propriedade, e tal sucede quando alegados e demonstrados os factos que corporizam a privação do uso do bem, sem necessidade de alegar danos concretos que promanam da privação do uso, porquanto tal privação constitui em si mesma um dano, que tem de ser compensado monetariamente pelo período correspondente ao impedimento do proprietário de aceder e gozar os poderes de fruição ou de disposição do bem.

E. O pedido de indemnização pela privação do uso de um bem é particularmente premente – e frequente – no âmbito de acções de reivindicação, uma vez que tais acções têm por escopo, precisamente, o de restituir o bem ao seu legítimo proprietário, sendo esse o espaço natural e próprio para reclamar ressarcimento pela privação do uso do mesmo bem.

F. Neste sentido, tem decidido a melhor doutrina que se debruça sobre o tema do dano da privação de uso, em concreto, o Senhor Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, em Temas da Responsabilidade Civil, I Volume, Indemnização do dano da privação do uso, 3.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, 2007, pp. 92-93.

G. Este mesmo é o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça – veja-se, a este propósito, o acórdão deste Colendo Tribunal, de 28.05.2009, processo n.º º 160/09.5YFLSB, disponível em www.dgsi.pt., em que estava em causa uma acção de reivindicação, em que, cumulados com os pedidos típicos da reivindicação, a autora-reconvinda peticionara uma indemnização a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos sofridos e pelos benefícios que a autora-reconvinda deixara de obter em face da recusa da ré-reconvinte em entregar um bem imóvel, tendo o Tribunal decidido que «“VIII – Ainda que nada se prove a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, o lesado deve ser compensado monetariamente pelo período correspondente ao impedimento dos poderes de fruição ou de disposição.».

H. No caso deste acórdão, o autor peticionara a condenação em indemnização pelo dano da privação do uso a liquidar em execução de sentença, tendo as instâncias e o Supremo Tribunal de Justiça aceitado o pedido em questão, tal como formulado.

I. No mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 29.06.2004, processo n.º 04A2105, disponível em www.dgsi.pt., em que a demanda consistia numa acção de reivindicação, em que, cumulado com os pedidos típicos desta acção, os autores peticionaram a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização pela violação ilícita e culposa do seu direito de propriedade sobre um bem imóvel pelos réus, tendo o Tribunal decidido que «3ª – A mera privação do uso constitui dano autónomo de natureza patrimonial, indemnizável nos termos dos artigos 483º e 566º do Código Civil.».

J. A recorrente propôs a acção de reivindicação a que este recurso respeita, alegando e demonstrando ser a dona e legítima proprietária dos dois prédios melhor identificados na petição inicial, que os prédios se encontram ocupados ilegal e ilegitimamente pela recorrida sem título; ocupação para a qual a ré-reconvinte não teve qualquer autorização da recorrente; alegou igualmente que devido à ocupação abusiva e ilícita dos prédios, estava e está a sofrer prejuízos, pois está privada e impossibilitada de dar qualquer outro uso aos mesmos, explorando-os ou alienando-os; o que sempre decorreria lógica e necessariamente do facto, não contestado, de estar a recorrida a ocupar os referidos prédios.

K. Requereu a recorrente a tutela jurídica ao tribunal a quo, concretizada, entre os demais pedidos, na concessão à autora-reconvinda de uma indemnização pelo dano de privação do uso – vide, designadamente, os artigos 33.º, 45.º a 53.º da petição inicial, e, em concreto, o pedido formulado sob a alínea e) do petitório.

L. A privação de uso de um bem constitui, por si e em si mesma, dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito de propriedade, assente na exclusão de uma das faculdades que assistem ao proprietário, de acordo com o artigo 1305.º do CC, isto é, o uso e a fruição da coisa.

M. A recorrente alegou e concretizou na petição inicial que está impedida de fruir plenamente a sua propriedade, atenta a ocupação ilícita, e, logo, alegou e concretizou o dano de privação do uso dos imóveis.

N. O tribunal a quo decidiu que a recorrente não teria «elencado» a «existência de prejuízos no passado» que alegou, e, nesta formulação, considerou o pedido da recorrente, que qualificou como pedido genérico, inadmissível, tendo absolvido a recorrida da instância nesta parte, invocando para o efeito a norma contida no artigo 556.º do CPC, a contrario.

O. O tribunal a quo errou ao considerar que a recorrente não elencara danos – porquanto o dano da privação do uso de um bem pelo seu proprietário é um dano ipso facto –, sendo que, a recorrente, na petição inicial, alegou e demonstrou que estava privada do uso dos prédios, face à actuação da recorrida, e, por conseguinte, privada de os poder fruir, comercializar, explorar, ou seja, alegou a existência de danos, do dano da privação do uso.

P. É apodítica a relação entre a acção da recorrida – ilícita e geradora de responsabilidade civil – e a privação do uso pela recorrente, logo, o respectivo nexo de causalidade, não tendo a recorrida contestado a ocupação.

Q. O tribunal a quo errou ao não ter efectuado a necessária destrinça entre a questão da alegação dos danos e a sua quantificação, ou formulação como pedido genérico; tendo o tribunal recorrido tratado da questão numa amálgama, sem percorrer o necessário iter para concluir (i) pela alegação de danos; (ii) pela possibilidade de reclamar tais danos sob a forma de um pedido genérico.

R. Nos termos do disposto no artigo 556.º, n.º 1, alínea b) do CPC, é permitido formular pedidos genéricos quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do CC; e estatui o artigo 569.º do CC que, quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos.

S. Não constitui matéria controvertida a alegação pela recorrente da existência dos danos associados à privação do uso dos prédios, sendo este um caso em que era admissível a formulação de pedido genérico, em concreto, por não estar apurado quantitativo dos danos, designadamente porque que o ressarcimento pela privação de uso deve contemplar todo o período até à restituição do bem, pelo que errou o tribunal a quo ao não admitir o pedido genérico.

T. No sentido desta admissibilidade, veja-se, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19.01.2004, processo n.º 0355738, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.09.2005, processo n.º 05A1980, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

U. O princípio da indemnização dos danos é um pilar estruturante e essencial do nosso sistema jurídico, conforme se encontra consagrado nos artigos 562.º e seguintes do CC, em concreto, no referido artigo 562.º, e foi violado pela decisão proferida pelo tribunal a quo, que, ilegalmente e sem observância das normas legais aplicáveis, negou o direito de indemnização da autora-reconvinda pelo dano de privação do uso.

V. Caso se entendesse, o que se concebe por estrita cautela de patrocínio, e sempre sem conceder, que existia alguma insuficiência na alegação da recorrente e/ ou nos termos da formulação do pedido, o tribunal a quo estava vinculado a formular convite de aperfeiçoamento à recorrente, antes de proferir a decisão de absolvição da instância, e apenas se a recorrente não respondesse ao convite, ou o fizesse fora dos parâmetros exigíveis, poderia concluir pela absolvição da recorrida da instância, o que decorre da aplicação conjugada do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, 590.º, n.º 2, al. a), e 278.º, n.º 2 do CPC.

W. Com a decisão constante do ponto 1.3 do despacho saneador, aqui recorrida, o tribunal a quo violou as normas contidas nos artigos 62.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, nos artigos 1305.º, 483.º, n.º 1, 562.º, 564.º, n.º 1 e 569.º do CC, nos artigos 556.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 6.º, n.º 2, 278.º, n.º 2, e 590.º, n.º 2 alínea a), do CPC, e, bem assim, o princípio geral de indemnização dos danos perpetrados ao lesado.

X. A norma contida no artigo 556.º do CPC, invocada na decisão recorrida, devia ter sido interpretada e aplicada no sentido de ser admitido o pedido genérico formulado, atento o contexto e termos da respectiva dedução.

Y. A decisão em causa deve ser revogada e substituída por outra que considere admissível o pedido formulado pela recorrente, sob a alínea e) da sua petição inicial, ordenando-se a revogação do despacho saneador proferido em onze (11) de fevereiro de 2024, com a referência CITIUS n.º 130682365, quanto ao respectivo 1.3, e a sua substituição por decisão que julgue o referido pedido admissível, com todas as legais consequências.

Z. O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao decidir considerar admissível o pedido reconvencional subsidiário de «aquisição do direito de propriedade por usucapião sobre a totalidade do campo de golfe incluindo o buraco n.º 6» formulado pela recorrida, impondo-se a revogação desta decisão, contida no ponto 1.4.2 do despacho saneador recorrido.

AA. Quanto a esta decisão, o tribunal a quo não consignou ao abrigo de que alínea constante do n.º 2 do artigo 266.º do CPC considerava admissível o pedido reconvencional em questão.

BB. A identificação da norma ao abrigo da qual foi admitido o referido pedido reconvencional era necessária, pois (i) por um lado, a dedução de pedidos reconvencionais apenas é admissível nas estritas hipóteses legais configuradas no artigo 266.º, n.º 2 do CPC; e (ii) a indicação dessa norma era necessária para viabilizar à recorrente o direito de impugnar cabalmente a decisão judicial, para o que se mostra(va) essencial conhecer os seus fundamentos.

CC. Essa omissão configura a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, aplicável ex vi do artigo 613.º, n.º 3 do mesmo diploma legal, por não especificar o despacho recorrido os fundamentos de direito que justificam a decisão, que aqui se argui.

DD. A decisão de admitir o pedido reconvencional subsidiário, é ilegal e padece de erro de julgamento, em concreto, (i) por violar os termos legais de admissibilidade dos pedidos subsidiários, atento o disposto no artigo 554.º, n.º 1 do CPC, e (ii) por desrespeitar os termos legais de admissibilidade de pedidos reconvencionais nos termos do artigo 266.º, n.º 2 do CPC, impondo-se a sua revogação.

EE. O tribunal recorrido decidiu não admitir o pedido reconvencional principal formulado pela recorrida, de reconhecimento e declaração da caducidade do alvará de loteamento n.º 16/1988, por entender que não estavam reunidos os pressupostos de admissibilidade da reconvenção, e por entender, em todo o caso, que não tem competência para apreciar tal pedido/questão.

FF. A recorrida formulou o pedido reconvencional relativo à alegada aquisição por usucapião como um pedido reconvencional subsidiário, que, nos termos do artigo 554.º, n.º 1 do CPC, é um pedido apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.

GG. À luz do disposto no artigo 554.º, n.º 1 do CPC, o pedido reconvencional subsidiário apenas poderia ser tomado em consideração, ou seja, admitido para ulterior conhecimento, no caso de não proceder o pedido reconvencional principal.

HH. O pedido reconvencional principal não foi julgado procedente nem improcedente, não foi proferida uma decisão de mérito sobre o mesmo – pois o tribunal a quo decidiu não o admitir, não chegando a ser apreciado, pelo que falha o pressuposto processual de admissibilidade do pedido reconvencional subsidiário.

II. No acórdão proferido em 19.06.2014, proferido no processo n.º 4162/09.3TBSTB.E1, disponível em www.dgsi.pt., este Tribunal da Relação de Évora, decidiu não ser de conhecer de pedido subsidiário por falta do pressuposto atinente à não procedência do pedido principal, porquanto existira transacção quanto ao pedido principal, e decisão de extinção da instância quanto ao mesmo, não tendo tal pedido principal sido julgado improcedente.

JJ. Não tendo admitido o pedido reconvencional principal, nem, por conseguinte, julgado o mesmo não procedente, o tribunal recorrido não podia admitir o pedido reconvencional subsidiário, uma vez que, nos termos legais aplicáveis, este último apenas pode ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior; ao admitir o pedido reconvencional subsidiário, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, e violou a norma do artigo 554.º, n.º 1 do CPC.

KK. No nosso Direito Processual Civil, apenas é admitida a dedução de pedidos reconvencionais nos casos taxativamente previstos nas alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC.

LL. Tendo em conta os contornos do caso em concreto, e a delimitação efectuada pela própria recorrida, o pedido reconvencional em causa apenas pode assentar no disposto no artigo 266.º, n.º 2, alínea d) do CPC.

MM. A recorrente propôs a acção de reivindicação visando o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os prédios urbanos denominados Lote 19 e Lote 20, melhor identificados na petição inicial, bem como a condenação da recorrida no reconhecimento do seu direito de propriedade e na abstenção de qualquer acto que prejudique e/ ou viole os direitos de propriedade e a posse sobre os referidos prédios, e a consequente condenação da recorrida na imediata desocupação e restituição dos prédios livres e devolutos de pessoas e bens, e demais pedidos constantes do petitório.

NN. Em reconvenção, a recorrida veio peticionar, a título subsidiário, o seguinte:

A aquisição do direito de propriedade por usucapião sobre a totalidade do campo de golfe incluindo o buraco n.º 6 com a sua actual configuração, por ter decorrido mais de 10 anos, desde a compra e registo até que foi interpelada pela A;

E, ainda a título subsidiário, requerer:

Deve a R. ser reconhecida como proprietária da totalidade do campo de golfe, incluindo a totalidade do seu buraco n.º 6, tendo adquirido esse direito originariamente em relação ao buraco n.º 6, na parte coincidente com os lotes 19 e 20 do loteamento por usucapião, sempre beneficiando do decurso do mais exigente prazo de 20 anos, contado o período da sua posse correspondente ao direito de propriedade, bem como do período do seu anteproprietário, com idêntico corpus e animus de posse pública e pacífica correspondente ao direito de propriedade.

OO. Os pedidos reconvencionais, em concreto e para o que aqui releva, o pedido de aquisição por usucapião, carecem dos requisitos legais de admissibilidade da reconvenção, pelo que foi ilegalmente admitido pelo tribunal recorrido.

PP. O referido pedido formulado pela recorrida apenas se poderia integrar no âmbito da al. d) do artigo 266.º, n.º 2 do CPC – «(…) o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.».

QQ. Com a acção de reivindicação, a recorrente pretende o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os prédios urbanos denominados Lote 19 e Lote 20, melhor identificados na petição inicial, bem como a condenação da recorrida no reconhecimento do direito de propriedade da recorrente e na abstenção de qualquer acto que prejudique e/ ou viole os direitos de propriedade e a posse da recorrente sobre os referidos prédios, e a consequente condenação da recorrida na imediata desocupação e restituição dos prédios, livres e devolutos de pessoas e bens, e demais pedidos.

RR. Na reconvenção, a recorrida não requereu o reconhecimento de um alegado direito de propriedade, adquirido por suposta usucapião, sobre os referidos prédios, o que teria de fazer, por imposição do princípio do dispositivo, se quisesse que o seu pedido reconvencional fosse admissível; na verdade, a recorrida veio peticionar coisa diferente – a «aquisição do direito de propriedade por usucapião sobre a totalidade do campo de golfe incluindo o buraco n.º 6 com a sua actual configuração».

SS. É diferente peticionar o reconhecimento do direito de propriedade sobre os prédios urbanos correspondentes aos referidos lotes n.ºs 19 e 20 conforme identificados na petição inicial, juridicamente identificados e identificáveis, e peticionar o reconhecimento do alegado direito de propriedade sobre «a totalidade do campo de golfe», que corresponde a um prédio urbano distinto, «incluindo o buraco n.º 6».

TT. Trata-se de realidades juridicamente distintas e autónomas, e a menção ao «buraco n.º 6» parte de uma alegação exclusiva da recorrida quanto a uma alegada sobreposição de tal buraco à área dos prédios da recorrente, alegação que não se encontra fundamentada, demonstrada ou comprovada, que não se verifica e não se aceita.

UU. Pelo modo como está configurado, o referido pedido reconvencional relativo à aquisição por usucapião é inadmissível, particularmente por não se enquadrar nas possibilidades previstas no artigo 266.º, n.º 2, do CPC, não se podendo considerar ser o efeito pretendido pela recorrida o mesmo que é visado pela recorrente, impondo-se, em consequência, a absolvição da recorrente do mesmo.

VV. Assim não entendeu o tribunal a quo, que considerou que «Tal como o pedido, também a reconvenção é apreciada em função da alegação daquele que a formula. Considerando que a ré/reconvinte alegou a sobreposição de tal buraco à área dos prédios da autora, é de admitir este pedido reconvencional».

WW. A afirmação do tribunal a quo em que este vem a fundar a admissibilidade do sobredito pedido reconvencional é incorreta e ilegal, não tendo respaldo nas normas legais e princípios jurídicos aplicáveis – se no âmbito dos pedidos formulados em sede de acção, na petição inicial, o autor é livre de definir e alegar as suas causas de pedir e o seu pedido, o mesmo não se passa com a dedução de pedidos reconvencionais, pois como decorre do estatuído no artigo 266.º, n.º 2 do CPC, a admissibilidade do pedido reconvencional é excepcional e restrita, e apenas admitida nos casos aí expressa e taxativamente consignados.

XX. O pedido reconvencional tem de ter uma estrita e inexorável conexão com a acção já instaurada e os pedidos do autor, concretizando-se numa das hipóteses legais consignadas nas alíneas a) a d) do artigo 266.º, n.º 2 do CPC.

YY. Tendo em conta os parâmetros e critérios de admissibilidade dos pedidos reconvencionais, querendo deduzir o pretenso pedido de aquisição por usucapião, a recorrida teria de se conter dentro dos parâmetros que norteiam a dedução da pretensão da recorrente, o que implicaria ter a recorrida dirigido tal pedido aos prédios sub judice da autora-reconvinda, objecto da acção de reivindicação, como impõem o artigo 5.º do CPC e o princípio do dispositivo.

ZZ. Com a decisão constante do ponto 1.4.2 do despacho saneador, aqui recorrida, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, e violou as normas contidas nos artigos 554.º, n.º 1, 266.º, n.ºs 1 e 2, 5.º e 576.º, n.º 2 do CPC e, bem assim, o princípio do dispositivo.

AAA. A decisão em causa deve ser revogada e substituída por outra que considere inadmissível o pedido reconvencional de aquisição por usucapião formulado pela recorrida, com a consequente absolvição da recorrente do mesmo, ordenando-se a revogação do despacho saneador proferido em 11.02.2024, com a referência CITIUS n.º 130682365, quanto ao respectivo 1.4.2., com as legais consequências.

Questões a decidir:

1 – Admissibilidade do pedido de condenação da recorrida Sociedade 2, S.A. a indemnizar a recorrente do dano decorrente da privação do uso do terreno correspondente aos lotes 19 e 20, em montante a liquidar em execução de sentença;

2 – Admissibilidade do pedido reconvencional subsidiário de aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre a totalidade do campo de golfe, incluindo o buraco n.º 6 com a sua actual configuração.

*

1

A fundamentação do segmento do despacho saneador dedicado ao pedido de condenação da recorrida Sociedade 2, S.A. a indemnizar a recorrente do dano decorrente da privação do uso do terreno correspondente aos lotes 19 e 20, em montante a liquidar em execução de sentença, é parca e, aparentemente, contraditória. Reconhece-se que a recorrente alega que a recorrida Sociedade 2, S.A. vem ocupando abusivamente o terreno correspondente àqueles dois lotes e que essa ocupação lhe vem causando prejuízos, pois priva-a da possibilidade de dar qualquer outro uso a esse terreno, explorando-o ou alienando-o. Não obstante, conclui-se que a recorrente, embora «tendo alegado a existência de prejuízos no passado, não os elencou, pelo que, por inadmissível o pedido genérico», foi a recorrida Sociedade 2, S.A. absolvida da instância nessa parte, nos termos do artigo 556.º do CPC, a contrario sensu.

O tribunal a quo parece confundir a alegação dos factos que constituem o dano invocado pela recorrente com a quantificação da indemnização que esta pretende.

A recorrente alegou os factos que constituem o dano por si invocado. São eles a ocupação do terreno em disputa por parte da recorrida Sociedade 2, S.A. e a consequente privação da possibilidade de a recorrente o usar ela própria, explorando-o ou alienando-o, tanto mais que esta é uma sociedade comercial que tem por objecto o estudo, projecto, desenvolvimento, execução e comercialização de empreendimentos imobiliários, aquisição para revenda e administração de imóveis. Atente-se nos artigos 1.º, 20.º a 23.º, 31.º, 33.º, 39.º, 45.º a 48.º, 50.º, 51.º e 53.º da petição inicial.

É certo que a jurisprudência diverge acerca dos pressupostos da ressarcibilidade do dano em causa. Esquematicamente, são três as teses em confronto:

1.ª – A ressarcibilidade do dano da privação do uso depende da alegação e prova da frustração de um concreto propósito do proprietário de utilizar a coisa, directamente ou cedendo o seu gozo mediante um contrato já projectado nos seus elementos essenciais;

2.ª – O dano da privação do uso constitui um dano autónomo, não dependendo o seu ressarcimento da alegação e prova do propósito referido em 1; basta, para tanto, que o proprietário se veja privado do gozo da coisa em consequência de acto ilícito e culposo de terceiro;

3.ª – O dano da privação do uso depende da alegação e prova de um genérico propósito de utilizar a coisa, directamente ou mediante a cedência onerosa do seu gozo a terceiro; a prova desse propósito pode decorrer «de presunções naturais ou judiciais a retirar pelas instâncias da factualidade envolvente»[1].

Apenas à luz da 1.ª tese, mais exigente mas minoritária, poderia considerar-se que a alegação, pela recorrente, dos factos constitutivos do dano cujo ressarcimento pretende, se encontra incompleta, por não se especificar um concreto propósito de utilização ou de alienação que se tenha frustrado em consequência da ocupação do terreno pela recorrida Sociedade 2, S.A.. Todavia, o tribunal a quo não explicita se se baseou nesta tese para decidir como decidiu, como, na hipótese afirmativa, se impunha, atento o disposto no artigo 154.º do CPC, que exige uma fundamentação digna desse nome, ou seja, que permita, a quem leia a decisão, ficar a conhecer as razões que levaram o tribunal a decidir como decidiu.

Independentemente da questão da falta de fundamentação, também não podia o tribunal a quo, em face da apontada divergência jurisprudencial, proferir uma decisão de absolvição da instância quanto ao pedido de indemnização logo no despacho saneador com base numa das várias teses em confronto, para mais sendo minoritária, antes se impondo deixar o processo seguir para a fase de julgamento também nessa parte.

Finalmente, ainda que fosse aquele o seu entendimento e que se considerasse admissível «arrumar» esta questão logo no despacho saneador, estava vedado, ao tribunal a quo, absolver a recorrida Sociedade 2, S.A. da instância nesta parte sem, previamente, em cumprimento do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, 278.º, n.º 2 e 590, n.º 2, al. a), do CPC, a convidar a completar a sua alegação.

Diremos, ainda, que a 1.ª tese é de afastar, por não proporcionar uma justa composição dos interesses em jogo, nomeadamente porque coloca, a cargo do lesado, uma verdadeira probatio diabolica. Com efeito, carece de justificação razoável que, a pretexto da existência de situações, seguramente excepcionais, em que o proprietário não pretende utilizar nem rentabilizar a coisa durante o período em que se verifica a ocupação ilícita por terceiro, se exija, em todos os casos, que o proprietário prove a existência de um concreto propósito de utilização ou rentabilização da coisa, deixando, assim, inúmeras situações lesivas destituídas de tutela por efeito de um standard de prova demasiadamente exigente.

Sendo assim, das duas, uma: se o tribunal a quo se tiver baseado na 1.ª tese, errou logo aí; se se tiver baseado na 2.ª ou na 3.ª teses, avaliou mal a alegação do dano feita pela recorrente, que é suficiente à luz de qualquer dessas teses. Em qualquer caso, fundamentou a decisão de forma extremamente deficiente, não podia ter decidido como decidiu logo no despacho saneador e, ainda que pudesse fazê-lo, teria de, previamente, proferir despacho de aperfeiçoamento.

Portanto, se o fundamento da decisão foi a falta de alegação dos factos que constituem o dano invocado pela recorrente, o tribunal a quo errou pelas razões acabadas de referir.

Se o fundamento da decisão foi a falta de quantificação da indemnização que a recorrente pretende, o tribunal a quo errou ao ignorar o disposto no artigo 556.º, n.º 1, al. b), 2.ª parte, do CPC, nos termos do qual é permitido formular pedidos genéricos quando o lesado pretenda usar da faculdade conferida pelo artigo 569.º do CC. Esta norma estabelece, na parte que nos interessa, que quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos. Foi precisamente isto que a recorrente fez: alegou os factos que constituem o dano que pretende ver ressarcido e, em vez de quantificar, desde logo, esse dano, pediu a condenação da recorrida Sociedade 2, S.A. a pagar-lhe uma indemnização a liquidar em execução de sentença.

Concluindo, o pedido que vimos analisando é admissível, pelo que o despacho saneador deverá ser revogado nesta parte.

2

O recorrente ataca a decisão de admitir o pedido reconvencional subsidiário de aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre a totalidade do campo de golfe, incluindo o buraco n.º 6 com a sua actual configuração, por parte da recorrida Sociedade 2, S.A., com três fundamentos:

1.º – Falta de especificação da alínea do n.º 2 do artigo 266.º do CPC ao abrigo da qual tal pedido é admitido, o que determina que o despacho recorrido padeça da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do mesmo código;

2.º – Violação do n.º 1 do 554.º do CPC, porquanto o pedido reconvencional principal foi julgado inadmissível;

3.º – Violação da al. d) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, porquanto o pedido reconvencional em questão visa a produção de um efeito jurídico diverso daquele que a recorrente se propõe obter.

Analisemo-los.

2.1. É verdade que o despacho recorrido não especifica a alínea do n.º 2 do artigo 266.º do CPC ao abrigo da qual admite o pedido reconvencional subsidiário de aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre a totalidade do campo de golfe, incluindo o buraco n.º 6 com a sua actual configuração, por parte da recorrida Sociedade 2, S.A..  Todavia, daí não decorre a nulidade arguida pela recorrente.

Na parte que nos interessa, a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC prevê a falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão. Especificar os fundamentos de direito de uma decisão constitui uma realidade mais ampla que indicar as normas legais concretamente aplicadas. Fundamentos de direito é sinónimo de razões de direito, de argumentos jurídicos. Fundamentar juridicamente uma decisão é desenvolver uma argumentação jurídica conducente a determinada conclusão. É, por exemplo, aquilo que estamos a fazer neste momento. Ora, não é por deixar de se indicar a(s) norma(s) jurídica(s) concretamente aplicadas que uma argumentação jurídica deixa de o ser. Ainda que menos completa, menos sólida, menos sustentada, continua a ser uma argumentação jurídica. Daí que, em tal hipótese, não seja lícito concluir que a decisão não se encontra juridicamente fundamentada e, por essa razão, padeça da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

É certo que o n.º 3 do artigo 607.º do CPC impõe, ao juiz, que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes. Todavia, pelas razões acima apontadas, a falta de indicação, por si só, não determina a nulidade da decisão judicial. Tratar-se-á de uma decisão menos bem fundamentada, mas não nula.

Em certas circunstâncias, a falta de indicação da(s) norma(s) jurídica(s) concretamente aplicada(s) tem, mesmo, um relevo diminuto ou nulo para a compreensão da decisão. Quando uma questão de direito tenha sido debatida e a decisão sobre ela proferida não extravase do quadro jurídico em que o debate ocorreu, a omissão da indicação daquela(s) norma(s) pode não afectar, de todo, a compreensibilidade da fundamentação. É o que acontece relativamente à decisão da questão que agora analisamos.

A recorrente suscitou a questão da admissibilidade do pedido reconvencional subsidiário de aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre a totalidade do campo de golfe, incluindo o buraco n.º 6 com a sua actual configuração, por parte da recorrida Sociedade 2, S.A., na réplica. Neste articulado, a recorrente pugnou pela não admissão deste pedido, nos seguintes termos:

«12. Com efeito, trazendo novamente à colação os casos de admissibilidade da formulação de reconvenção previstos no n.º 2 do artigo 266.º do CPC, apenas poderia integrar-se o respetivo pedido no âmbito da respetiva alínea d) – “(…) o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.”.

13. Recordando os termos da propositura da presente ação judicial, o que se verifica é que a autora pretende, grosso modo, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os prédios urbanos denominados “Lote 19” e “Lote 20”, melhor identificados na petição inicial, bem como a condenação da ré no reconhecimento do direito de propriedade da autora e na abstenção de qualquer ato que prejudique e/ ou viole os direitos de propriedade e a posse da autora sobre os referidos prédios, e a consequente condenação da ré na imediata desocupação e restituição dos prédios, livres e devolutos de pessoas e bens.

14. Ora, na reconvenção, a ré não vem requerer o reconhecimento de um alegado direito de propriedade, adquirido por suposta - embora inexistente - usucapião, sobre os referidos prédios.

15. O que a ré-reconvinte vem peticionar ao tribunal é coisa diferente – a ré vem invocar a “aquisição do direito de propriedade por usucapião sobre a totalidade do campo de golfe incluindo o buraco nº 6 com a sua atual configuração” (“sic”);

16. E subsidiariamente, vem requerer que seja “reconhecida como proprietária da totalidade do campo de golfe, incluindo a totalidade do seu buraco nº 6, tendo adquirido esse direito originariamente em relação ao buraco nº 6, na parte coincidente com os lotes 19 e 20 do loteamento por usucapião” (“sic”).

17. Notoriamente, é diferente peticionar o reconhecimento do direito de propriedade (e demais pedidos da autora) sobre os prédios urbanos correspondentes aos referidos lotes n.ºs 19 e 20 conforme identificados na petição inicial, juridicamente identificados e identificáveis, com a configuração, área e finalidades a que se destinam

18. e peticionar o reconhecimento do alegado direito de propriedade sobre “a totalidade do campo de golfe”, que é um prédio urbano distinto, “incluindo o buraco nº 6”.

19. Não só porque se trata, como descrito e melhor se evidenciará, de realidades juridicamente distintas e autónomas, mas também porque a menção ao referido “buraco n.º 6” parte de uma alegação exclusiva da ré-reconvinte quanto a uma alegada sobreposição de tal buraco à área dos prédios da autora, alegação que não se encontra fundamentada, demonstrada ou comprovada, que não se verifica, e que, por conseguinte a autora não aceita.»

(…)

21. Em conformidade, é imperativo concluir que, pelo modo como está configurado, o referido pedido reconvencional relativo à aquisição por usucapião é totalmente inadmissível por não se enquadrar em qualquer das possibilidades previstas no artigo 266.º, n.º 2, do CPC, em concreto, não se podendo considerar ser o efeito pretendido pela ré-reconvinte o mesmo que é visado pela autora.»

 Ao que a recorrida Sociedade 2, S.A. respondeu nos seguintes termos:

«VI. Quanto à inadmissibilidade do pedido de aquisição por usucapião:

30.º

Relativamente ao enquadramento legal para a admissibilidade do pedido, torna-se evidente o seu enquadramento na alínea d) do n.º 2 do artigo 266º do CPC.

31.º

Alega a A. que os lotes e o campo de golfe são realidades jurídicas distintas, mas seguramente não pode deixar de reconhecer que se trata da mesma realidade fáctica material (sob pena do presente processo não ter sentido útil).

32.º

Ora o direito de propriedade exerce-se sobre uma coisa, in casu, sobre uma parcela do território, seja ela qualificada como lote ou campo de golfe, do que tratamos é de um perímetro de território com uma localização exata e uma área concreta coincidentes.

33.º

Portanto, o efeito jurídico pretendido é exatamente o mesmo, ou seja, o reconhecimento do direito de propriedade sobre uma parcela concreta de território, por força do exercício de posse pública e pacífica sobre ela exercida e correspondente ao animus próprio do proprietário.

34.º

Obviamente que para a R. tal área é o “buraco n.º 6” do campo de golfe, a A. (que não pode ignorar que o é, porque também foi proprietária do campo com esse buraco nesse sítio) pretende que são os lotes 19 e 20, mas do que cuidamos é de obter o reconhecimento do direito de propriedade sobre essa parcela do território, em última instância seja ela juridicamente qualificada como o for, logo um efeito jurídico em tudo semelhante sobre a mesma realidade.

35.º

Sendo que, como é evidente, uma realidade não pode existir sem a outra, porque um campo de golfe não pode existir enquanto tal, sem, pelo menos 9 buracos e, porque existindo o campo de golfe tal como é, os lotes para edificação não podem ter existência fática simultânea, a R. e a A. pugnam pelo mesmo efeito sobre a mesma coisa física, logo a situação é enquadrável nos fins da lei processual, que só pode ser o de apresentar a mesma ação para clarificar a situação da propriedade daquela parcela de território e não ignorar que existe um problema quanto a essa propriedade.

36.º

Note-se que a R. pede o reconhecimento do direito de propriedade sobre aquela parcela do território, independentemente da sua classificação jurídica, porque o fim e destinação que lhe deu, não viola qualquer lei (porque nada impede na lei que um lote destinado a edificação possa ser relvado e usado para fim que nem exige licenciamento autónomo, conforme reconhecido pelo próprio município e resulta de documento ora junto pela A.) e porque prova que a sua posse sobre o bem cumpre os requisitos da constituição do direito invocado como direito originário, razão pela qual, o Tribunal não deverá deixar de conhecer tal pedido e a A. não pode ser absolvida da instância quanto a este pedido reconvencional.»

Tendo o tribunal a quo decidido nos seguintes termos:

«A ré formulou um segundo pedido, o de ter adquirido o campo de golf, incluindo o buraco n.º 6 e de assim ter agido, como respetiva proprietária.

A autora defendeu a inadmissibilidade do pedido por não ter sido pedido o reconhecimento de direito sobre os lotes n.º 19 e 20 (fórmula usada pela autora), mas o campo de golf que corresponde a prédio distinto.

Tal como o pedido, também a reconvenção é apreciada em função da alegação daquele que a formula. Considerando que a ré/reconvinte alegou a sobreposição de tal buraco à área dos prédios da autora, é de admitir este pedido reconvencional, o que decido.»

Atenta esta sequência, alguém poderá ficar com dúvidas de que estava em discussão a admissibilidade do pedido reconvencional em causa ao abrigo do disposto na al. d) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC e de que o tribunal a quo aplicou esta norma legal? Supomos que não. A recorrente não ficou, seguramente, dado ter, em momento ulterior das suas alegações, desenvolvido a argumentação que analisaremos em 2.3..

2.2. A recorrente sustenta que, tendo o pedido reconvencional principal sido julgado inadmissível, o mesmo devia ter acontecido ao pedido reconvencional subsidiário, por força do disposto no n.º 1 do artigo 554.º do CPC. Argumenta nos seguintes termos:

«(…) à luz do disposto no artigo 554.º, n.º 1 do CPC, tal pedido apenas poderia ser tomado em consideração, ou seja, admitido para ulterior conhecimento, no caso de não proceder o pedido reconvencional principal.

Sucede que o pedido reconvencional principal não foi julgado procedente nem improcedente; não foi proferida uma decisão de mérito sobre o mesmo – pois o Tribunal a quo decidiu não o admitir, não chegando a ser apreciado.

Logo, falha o pressuposto processual de admissibilidade do pedido reconvencional subsidiário, pois o Tribunal recorrido não apreciou o pedido principal, nem decidiu o mérito do mesmo, ou seja, não decidiu que o mesmo não procedia; logo, não podia admitir, nem, logicamente, vir a conhecer, o pedido reconvencional subsidiário, condicional à não procedência do pedido principal.»

Nada disto faz sentido.

O n.º 1 do artigo 554.º do CPC estabelece que «Podem formular-se pedidos subsidiários. Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.»

Para definir pedido subsidiário, esta norma reporta-se ao momento do julgamento dos pedidos e não, como a recorrente supõe, ao da sua admissão. Daí falar-se em «ser tomado em consideração» (não em «ser admitido») e em «não procedência». Só no caso de o pedido anterior (que pode ser o pedido principal ou outro pedido subsidiário) não proceder, o pedido subsidiário será apreciado e julgado, o que, logicamente, pressupõe a sua admissão em momento processual anterior. Se o pedido reconvencional subsidiário apenas pudesse ser «admitido para ulterior conhecimento, no caso de não proceder o pedido reconvencional principal», só poderia sê-lo após a prolação da sentença, pois, até lá, nada se decidiu sobre a procedência ou improcedência do pedido reconvencional principal. O absurdo desta consequência evidencia o erro em que assenta a tese da recorrente.

Por outro lado, ao contrário do que a recorrente sugere, «não proceder» não é, para este efeito, sinónimo de «improceder». Não procede, quer o pedido que não chega a ser apreciado, quer o pedido que é apreciado e julgado improcedente. Mas só este último improcede. Ou seja, «não proceder» é um conceito mais amplo que o de «improceder».

O pedido reconvencional principal não foi admitido, pelo que, não só não procedeu, como é certo que, ao menos nesta acção, nunca virá a proceder. Consequentemente, ainda que fosse possível abstrair do desfasamento cronológico acima referido, nunca a não admissão do pedido reconvencional principal, que torna certa a impossibilidade de procedência nesta acção, poderia obstar à admissibilidade do pedido reconvencional subsidiário.

2.3. A recorrente sustenta que o pedido reconvencional subsidiário de aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre a totalidade do campo de golfe, incluindo o buraco n.º 6 com a sua actual configuração, por parte da recorrida Sociedade 2, S.A., não é enquadrável na previsão da al. d) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, porquanto visa a produção de um efeito jurídico diverso daquele que ela própria se propõe obter. A sua argumentação é, resumidamente, a seguinte:

- A recorrente reivindica dois prédios urbanos, denominados «lote 19» e «lote 20»;

- O pedido reconvencional subsidiário visa o reconhecimento da aquisição, por usucapião, do direito de propriedade, não sobre os referidos prédios urbanos, mas sim sobre a totalidade do campo de golfe, incluindo o buraco n.º 6 com a sua actual configuração, por parte da recorrida Sociedade 2, S.A.;

- Daí que o efeito jurídico pretendido pela recorrida Sociedade 2, S.A. através da dedução do pedido reconvencional subsidiário não seja o mesmo que a recorrente se propõe obter;

- Uma vez que peticionar o reconhecimento do direito de propriedade sobre os prédios urbanos correspondentes aos lotes n.ºs 19 e 20 é diferente de peticionar o reconhecimento do direito de propriedade sobre a totalidade do campo de golfe, que corresponde a um prédio urbano distinto;

- Trata-se de realidades juridicamente distintas e autónomas, e a menção ao «buraco n.º 6» parte de uma alegação exclusiva da recorrida quanto a uma alegada sobreposição de tal buraco à área dos prédios da recorrente, alegação que não se encontra fundamentada, demonstrada ou comprovada, que não se verifica e não se aceita;

- A fundamentação do despacho recorrido é incorrecta, pois o autor é livre de definir e alegar as suas causas de pedir e o seu pedido, mas o réu não goza de idêntica liberdade em sede de pedido reconvencional, pois decorre do n.º 2 do artigo 266.º do CPC que a admissibilidade do pedido reconvencional é excepcional e apenas admitida nos casos aí expressa e taxativamente consignados;

- Para poder deduzir pedido reconvencional ao abrigo do disposto na al. d) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, a recorrida Sociedade 2, S.A. teria de o dirigir aos prédios tal como a recorrente os identificou.

Esta argumentação não procede.

O terreno em disputa é o mesmo. A recorrente sustenta que esse terreno corresponde a dois prédios urbanos, denominados «lote 19» e «lote 20». A recorrida Sociedade 2, S.A. sustenta que o mesmo terreno é parte do campo de golfe de que se diz proprietária. Daí que seja fora de dúvida que o efeito que a recorrente e a recorrida Sociedade 2, S.A. pretendem é exactamente o mesmo: serem declaradas proprietárias do terreno em causa; a recorrente pretende que o terreno lhe seja entregue e a recorrida Sociedade 2, S.A. pretende que o terreno seja mantido em seu poder.

Não faria sentido a recorrida Sociedade 2, S.A. reportar o pedido reconvencional subsidiário aos lotes 19 e 20, pois ela nega a sua existência. Esta recorrida identifica o terreno em conformidade com a tese que defende no processo, à semelhança da recorrente. Se a recorrida Sociedade 2, S.A. caísse no erro de denominar o terreno como «lote 19» e «lote 20», como a recorrente pretende, abriria, inclusivamente, a porta a que alguém viesse sustentar que ela confessara a existência dos lotes. A lógica da posição assumida pela recorrida Sociedade 2, S.A. pressupõe, precisamente, a negação da existência dos lotes e a identificação do terreno em disputa como parte do campo de golfe de que é proprietária.

Ao criticar o despacho recorrido com o argumento de que «o autor é livre de definir e alegar as suas causas de pedir e o seu pedido, mas o réu não goza de idêntica liberdade em sede de pedido reconvencional, pois decorre do n.º 2 do artigo 266.º do CPC que a admissibilidade do pedido reconvencional é excepcional e apenas admitida nos casos aí expressa e taxativamente consignados», a recorrente, tal como fez para sustentar a tese que refutámos em 2.2, confunde realidades distintas. É verdade que o n.º 2 do artigo 266.º do CPC exige a verificação de um factor de conexão entre a acção e a reconvenção. Porém, isso não prejudica que, como o tribunal a quo acertadamente observou, a reconvenção, à semelhança da acção, seja «apreciada em função da alegação daquele que a formula».

Nem poderia ser de outra forma. Nomeadamente, seria absurdo exigir que o réu, como condição da admissibilidade do pedido reconvencional à luz do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, demonstrasse a sua procedência. Não obstante, parece ser isso que a recorrente pretende quando afirma que «(…) a menção ao buraco n.º 6 parte de uma alegação exclusiva da recorrida quanto a uma alegada sobreposição de tal buraco à área dos prédios da recorrente, alegação que não se encontra fundamentada, demonstrada ou comprovada, que não se verifica e não se aceita» (conclusão TT).

2.4. Concluindo, nada obsta à admissibilidade do pedido reconvencional subsidiário de aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre a totalidade do campo de golfe, incluindo o buraco n.º 6 com a sua actual configuração, por parte da recorrida Sociedade 2, S.A., pelo que, nesta parte, o despacho recorrido deverá ser confirmado.

*

Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso parcialmente procedente, nos seguintes termos:

a) Revoga-se o despacho recorrido na parte em que absolveu a recorrida Sociedade 2, S.A. da instância relativamente ao pedido de condenação desta a pagar, à recorrente, «uma indemnização correspondente ao benefício por ela obtido no período em que ocupou os prédios sem qualquer título e até à entrega efectiva dos mesmos, bem como por todos os danos e prejuízos que a autora está a sofrer pela privação do uso, em montante a liquidar em execução de sentença»;

b) Admite-se o pedido referido em a);

c) Confirma-se o despacho recorrido na parte em que admitiu o pedido reconvencional subsidiário de aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre a totalidade do campo de golfe, incluindo o buraco n.º 6 com a sua actual configuração, por parte da recorrida Sociedade 2, S.A..

Custas a cargo da recorrente e das recorridas, na proporção do seu decaimento, que se fixa em 50% para a primeira e 50% para as segundas.

Notifique.

*

Évora, 12.09.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunto)

(2.ª adjunta)


[1] Acórdão do STJ de 26.05.2009 (Moreira Alves).


Voto de vencido exarado em acórdão da Relação de Évora de 30.01.2025

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