sábado, 30 de novembro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 21.11.2024

Processo n.º 363/21.4T8SSB.E2

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Ampliação da matéria de facto.

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Autor/recorrente:

AAA.

Réus/recorridos:

BBB;

CCC (interveniente principal).

Pedidos:

Que seja decretado o despejo do réu BBB, condenando-se este a restituir imediatamente o locado ao autor, livre e desocupado de pessoas e bens;

Condenação do réu BBB no pagamento de uma indemnização pela mora na restituição do locado, no valor, vencido à data da propositura da acção, de € 2.500, acrescido dos demais valores vincendos e juros até integral pagamento.

Sentença recorrida:

Julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.

Conclusões do recurso:

1 – O recorrente suscita com o presente recurso: o erro de julgamento da decisão recorrida por violação do art. 1096.º, n.º 1 e art. 12.º, n.º 1, ambos do Código Civil, com as devidas consequências. A decisão recorrida chega à conclusão de que «Em face da factualidade dada por assente vemos que é ineficaz a notificação efetuada pelo autor ao réu, a 20.08.2020., por carta datada de 11.08.2020., que constituía na oposição do senhorio à renovação automática do contrato de arrendamento celebrado entre as Partes. Chegamos a esta conclusão porquanto por efeito do artigo 1.º, da lei n.º 13/18, de 12.02., o contrato de arrendamento renovou-se em 2019 não por dois anos, mas por três anos, ou seja, até 31.01.2022.»

2 – A referida Lei «13/18, de 12/02» entendemos ser referida na decisão recorrida apenas por lapso que deverá ser retificado para referir-se à Lei 13/19 de 12/02.

3 – A Lei 13/19, de 12/2, cfr. ao seu art. 16.º entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, a 13/2/2019.

4 – A 1/2/2019, o contrato de arrendamento em causa renovou-se em conformidade ao contrato e à lei então em vigor, por dois anos, cfr. a redação do artigo 1096.º, n.º 1, do Cód. Civil então vigente, redação da Lei 31/2012.

5 – A 1/2/2019 não estava sequer publicada a supra referida Lei 13/2019.

6 – Na falta de norma transitória que regule a aplicação no tempo da Lei n.º 13/2019, aos contratos em execução à data de 13 de fevereiro, somos remetidos ao disposto no artigo 12.º do Cód. Civil, cujo n.º 1 consagra o princípio geral da não retroatividade da lei, presumindo ressalvados os efeitos jurídicos já produzidos mesmo quando lhe seja atribuída eficácia retroativa.

7 – Acrescentando-se ainda o que resulta da primeira parte do n.º 2 do artigo 12.º do Cód. Civil que as leis ou normas que disponham sobre os requisitos de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos só se aplicam a factos novos.

8 – A renovação do contrato a 1/2/2019 era um facto já ocorrido à data de 13/2/2019 da entrada em vigor da Lei 13/2019.

9 – Ainda que cfr. a segunda parte do n.º 2 do art. 12.º do Cód. Civil que as leis ou normas que disponham sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, sem olhar aos factos que lhe deram origem, abrangem as próprias relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor, entenda-se como óbvio que as eventuais renovações do arrendamento em causa posteriores a 13/2/2019 estariam sujeitas à Lei 13/2019; à renovação em execução, não.

10 – A renovação do contrato de arrendamento a 1/2/2019 tem como termo final de dois anos, 31/1/2021.

11 – Pelo que a notificação enviada pelo senhorio, autor, aqui Recorrente, cfr. ao ponto 5 dos factos provados da decisão recorrida e ao art. 1097.º, n.º 1, al. b) do Cód. Civil é eficaz para a resolução do contrato de arrendamento e consequente entrega do mesmo no termo final da renovação a 31/1/2021.

12 – Constitui violação dos artigos 1096.º, n.º 1 na redação da Lei 31/2012 e 12.º, n.º 1, ambos do Código Civil, a decisão recorrida na parte em que fundamenta a improcedência do pedido do Autor com fundamento na aplicação da redação do mesmo artigo 1096.º, n.º 1 na redação da Lei 13/2019.

13 – Em consequência deve ser revista a decisão recorrida também nas custas.

14 – É aplicação da lei o decretar do despejo do Réu e da Interveniente Principal, bem como condenar os mesmos à indemnização a que se refere o art. 1045.º, n.º 2 do Código Civil, desde 31/1/2021 atualmente no valor de 20.000,00€ até à entrega do locado livre de pessoas e bens.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1. O autor é proprietário da fracção designada pela letra "A" do prédio urbano sito na Rua (…), lote (…), (…), freguesia de (…), Sesimbra, descrito na Conservatória de Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), inscrito na matricial urbana com o n.º (…), com licença de habitação n.º (…), de (…), da Câmara Municipal de Sesimbra.

2. Por contrato de 1 de Fevereiro de 2017, autor e réu celebraram o contrato de arrendamento.

3. Autor e réu estabeleceram que a retribuição a título de renda mensal estipulada no referido contrato era de € 6.000,00 anual, a pagar em duodécimos de € 500,00.

4. As partes mais estabeleceram que o prazo do contrato seria de dois anos com termo em 1/2/2019, renovável por sucessivos e iguais períodos, salvo denúncia por qualquer das partes.

5. A 20 de Agosto de 2020 o autor apresentou oposição à renovação automática do referido contrato visando a entrega do local arrendado a 31.01.2021, o que fez por carta datada de 11.08.2020.

6. A 30 de Setembro de 2020, o autor recebeu uma resposta à oposição à renovação do contrato de arrendamento do réu, subscrita pela advogada do réu, o qual se opôs à referida oposição automática do contrato de arrendamento em causa.

7. Até à presente data, o réu não entregou a fracção ao autor e recusa-se a fazê-lo.

8. CCC é igualmente arrendatária do imóvel identificado em 1.

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Coloca-se-nos uma questão logicamente anterior àquelas que o recorrente suscita: a da suficiência da matéria de facto julgada provada pelo tribunal a quo para a resolução de todas as questões em discussão neste processo.

O recorrente demandou apenas o recorrido BBB. Ao longo da petição inicial, referiu-se apenas a este, como se fosse o único arrendatário. Coerentemente, alegou ter-se oposto à renovação do contrato de arrendamento através de carta remetida apenas para o recorrido BBB.

Na contestação, o recorrido BBB alegou que também a recorrida CCC, sua mulher, outorgou no contrato de arrendamento, na qualidade de co-arrendatária, que o locado constitui a casa de morada da família e que, não obstante, o recorrente não notificou a recorrida CCC da sua oposição à renovação daquele contrato. Com fundamento nestes factos, o recorrido BBB concluiu que o contrato de arrendamento não cessou na data pretendida pelo recorrente, antes se tendo renovado em 01.02.2021, pelo que a acção terá de improceder.

Na réplica, o recorrente alegou ignorar se os recorridos são casados entre si. Para a hipótese de vir a provar-se a existência desse casamento, requereu a intervenção principal da recorrida CCC, como associada do recorrido BBB.

O recorrido BBB opôs-se à intervenção principal provocada da recorrida CCC. Justificou esta tomada de posição alegando que, não tendo a chamada sido notificada da oposição à renovação do contrato de arrendamento, «inexiste título subjacente à ora acção», pelo que não se justificava a sua intervenção.

O tribunal a quo indeferiu o requerimento de intervenção principal provocada da recorrida CCC, com fundamentação na linha da argumentação expendida pelo recorrido BBB. Resumidamente: não tendo o recorrente manifestado a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento perante a recorrida CCC, esta poderá, em qualquer hipótese, continuar a habitar o locado na qualidade de arrendatária; daí que a intervenção principal da recorrida CCC nada adiantasse; mesmo com essa intervenção, a decisão não produziria o seu efeito útil normal.

Na sequência de recurso interposto pelo ora recorrente, esta Relação admitiu a intervenção principal provocada da recorrida CCC e anulou o processado subsequente ao despacho recorrido, com base no entendimento de que tal admissão não pode ser condicionada por um pré-juízo sobre a viabilidade da acção relativamente à chamada; em vez disso, a acção destinada a fazer operar os efeitos da cessação do contrato de arrendamento deve, em qualquer hipótese, correr termos entre todos os contratantes.

Porém, dado o efeito meramente devolutivo do recurso, fora, entretanto, proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo o recorrido BBB dos pedidos, com fundamentação que assim se resume: 1) A oposição à renovação do contrato de arrendamento é ineficaz, porquanto, por efeito do artigo 1.º da Lei n.º 13/2019 (e não 13/2018, como o tribunal a quo erradamente refere), de 12.02, em 2019, aquele contrato renovou-se por três e não por dois anos; 2) A Lei n.º 75-A/2020, de 30.12, determinou a suspensão, até 30.06.2021, da produção de efeitos da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efectuadas pelo senhorio.

Por efeito da anulação do processado determinada por esta Relação, a sentença que acabamos de referir ficou sem efeito.

Realizou-se uma audiência prévia, na sequência da qual foi proferida a sentença recorrida. Nesta, o enunciado da matéria de facto julgada provada apresenta, em relação ao da sentença anteriormente proferida, uma única diferença: foi aditado o n.º 8, segundo o qual a recorrida CCC é co-arrendatária do imóvel. A fundamentação jurídica limita-se a reproduzir a da primeira.

Ou seja, o tribunal a quo decidiu a causa como se a recorrida CCC continuasse a não ser parte no processo. Apesar de a recorrida CCC ser, no plano substantivo, co-arrendatária, e, no plano processual, parte no processo, o tribunal a quo não cuidou, nem de apurar os factos alegados pelo recorrido BBB que relevam em virtude dessa dupla qualidade, nem de conhecer a questão, que precede logicamente as restantes em discussão, de saber se o recorrente também manifestou, perante aquela, a vontade de se opor à renovação do contrato, e, na hipótese negativa (alegada pelo recorrido BBB), se isso tem consequências, e quais, ao nível da procedência da acção.

É certo que a acção foi julgada improcedente com fundamento diverso da alegada falta de manifestação, pelo recorrente, perante a recorrida CCC, da vontade de se opor à renovação do contrato. Porém isso não torna inútil o conhecimento daquela questão, que pressupõe a inclusão, no enunciado da matéria de facto, dos factos alegados com relevância para tal conhecimento.

O tribunal de primeira instância deve ter em conta que, em caso de recurso da sentença, o tribunal ad quem necessita de um enunciado completo da matéria de facto relevante para o conhecimento, pela sua ordem lógica, de todas as questões que estejam em discussão. Não pode actuar como se fosse ele a primeira e última instância.

Portanto, a sentença recorrida encontra-se incompleta, quer na fundamentação de facto, quer na fundamentação de direito. Daí que, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, se imponha a sua anulação, para que o tribunal a quo proceda à ampliação da matéria de facto, conhecendo dos factos alegados nos artigos 4.º, 5.º e 7.º da contestação e, em sede de fundamentação de direito, se pronuncie sobre a questão suscitada nos artigos 1.º a 15.º do mesmo articulado, que precede logicamente as demais.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, anular a sentença recorrida e ordenar que o tribunal a quo elabore nova sentença, ampliando a matéria de facto e pronunciando-se sobre a questão suscitada nos artigos 1.º a 15.º da contestação, nos termos expostos.

Custas a cargo da parte vencida a final.

Notifique.

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Évora, 21.11.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.º adjunto)


Voto de vencido exarado em acórdão da Relação de Évora de 30.01.2025

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