Processo n.º 557/21.2T8ABF.E1
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Sumário:
1 – O autor amplia o pedido
primitivo quando, sem o retirar, pede mais, seja aumentando-o, seja cumulando
um novo pedido. O autor altera o pedido quando substitui o pedido primitivo por
um pedido diverso.
2 – Se, na petição inicial, o
autor, intitulando-se beneficiário de um contrato de seguro de vida, pedir a
condenação do réu a pagar-lhe o capital seguro, e, em articulado posterior,
reconhecendo que aquele beneficiário é um terceiro, passar a pedir a condenação
do réu e desse terceiro a pagarem-lhe as quantias que por si pagas a este
último em cumprimento de um contrato de mútuo, estamos perante uma alteração do
pedido.
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Autora/recorrente:
AAA.
Intervenientes principais,
como associadas da autora:
BBB;
CCC.
Ré/recorrida:
Companhia de Seguros DDD.
Pedido inicial:
Reconhecimento, como válido, do contrato
de seguro de vida e apólice GRA0000295, subscrito por EEE; garantir e proceder
ao pagamento integral do capital seguro à autora na qualidade de beneficiária
do seguro, no valor de € 25.301,15; juros à taxa legal, desde a citação até
integral pagamento.
Pedido subsequente:
Condenação da ré e do Banco FFF, cuja
intervenção principal a autora e as intervenientes requereram, a pagarem-lhes
todas as quantias que elas alegadamente pagaram ao segundo, em cumprimento de
um contrato de mútuo, desde 03.11.2019, data da morte do marido da recorrente.
Saneador-sentença recorrido:
Indeferiu a ampliação/alteração do
pedido requerida pela autora e pelos intervenientes principais;
Declarou prejudicada a apreciação do
incidente de intervenção principal provocada do Banco FFF;
Julgou a acção improcedente.
Síntese das conclusões do
recurso:
1 – A ampliação/alteração do pedido é
legalmente admissível, não constituindo um novo pedido, mas sim uma
consequência evidente do pedido primitivo, constante da petição inicial.
2 – A questão fulcral é a de saber se a
recorrente tinha a obrigação de continuar a pagar as mensalidades do contrato
de crédito pessoal celebrado pelo seu falecido marido. Questão esta que merece
resposta negativa.
3 – No âmbito do contrato de crédito
celebrado entre o falecido EEE e o Banco FFF e do contrato de seguro celebrado
entre o mesmo EEE e a Companhia de Seguros DDD, em caso de morte, o
beneficiário principal seria o Banco FFF, facto que a recorrente desconhecia.
4 – Por isso, a recorrente, não sendo a
beneficiária principal e directa do seguro de vida, não tem a obrigação de
efectuar os pagamentos mensais relativos ao crédito assumido.
5 – Não obstante, à cautela e como
pessoa de boa fé, a recorrente tem liquidado as prestações mensais desde
03.11.2019.
6 – O Banco FFF tem recebido tais
pagamentos, sem invocar o seu direito de crédito contra a recorrida.
7 – Daí que o pedido de
ampliação/alteração do pedido faça todo o sentido, ainda que sem a concordância
da recorrida.
8 – Daí, igualmente, que seja
perfeitamente plausível o pedido de intervenção principal provocada do Banco
FFF.
9 – Foi em sede de contestação que a
recorrida invocou que o beneficiário do contrato de seguro era o Banco FFF, o
que foi aceite pela recorrente. Consequentemente, encontram-se preenchidos os
requisitos constantes do n.º 1 do artigo 265.º do CPC, segundo o qual, na falta
de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de
confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, devendo a alteração ou ampliação
ser feita no prazo de dez dias a contar da aceitação.
10 – Estando provado que o valor do
capital seguro era igual ao do crédito concedido, mais não restava, ao tribunal
a quo, senão condenar «a eventual ré, cuja intervenção se requereu
no cumprimento da sua obrigação contratual», o que não fez.
11 – Caso o pedido houvesse tido
provimento, deveriam a recorrida e o Banco FFF ser obrigados a restituir, à
recorrente, as quantias correspondentes à totalidade dos montantes que desta
recebeu para amortização do mútuo.
12 – Assim, o pedido de
ampliação/alteração e a intervenção provocada do Banco FFF deveria ter
procedido, mesmo sem o acordo da recorrida, uma vez que todos os requisitos
legalmente exigidos estão preenchidos, nos termos do n.º 1 do artigo 265.º do
CPC.
13 – Pelo que deverá a sentença
proferida pelo tribunal a quo ser
substituída por outra, que dê provimento ao pedido de ampliação/alteração e
admita a intervenção provocada do Banco FFF, ordenando o prosseguimento da
acção.
Questões a decidir:
Admissibilidade da ampliação/alteração
do pedido;
Admissibilidade da intervenção principal
provocada do Banco FFF.
Além daqueles que
anteriormente referimos, são relevantes para a decisão do recurso os seguintes
factos:
1 – Na petição inicial, a recorrente
alegou ser ela a beneficiária do contrato de seguro de vida celebrado pelo seu
falecido marido e, em conformidade, formulou o pedido de condenação da
recorrida a pagar-lhe o valor correspondente ao capital seguro.
2 – Na contestação, a recorrida
contrapôs que o beneficiário do contrato de seguro é o Banco FFF, pelo que não
tem o dever de pagar o valor correspondente ao capital seguro à recorrente.
3 – Na audiência prévia, a recorrente e
as intervenientes principais foram notificadas para se pronunciarem sobre a
questão referida em 2.
4 – Nessa sequência, a recorrente e as
intervenientes principais disseram, em síntese, o seguinte:
- Ainda que seja ele o beneficiário do
seguro de vida, o Banco FFF deveria tê-lo accionado após a morte do marido da
recorrente;
- Porém, o Banco FFF não o fez, tendo a
recorrente e as intervenientes principais continuado a pagar as prestações
relativas ao mútuo;
- A recorrente e as intervenientes
principais têm interesse em demandar a recorrida e o Banco FFF, o que assegura
a sua legitimidade processual activa;
- Por isso, requerem a intervenção principal
provocada do Banco FFF para, juntamente com a recorrida, «accionarem o seguro de vida nos termos subscritos e constantes no
contrato com vista a obter o pagamento da quantia objecto da garantia que o
seguro de vida do mutuário/segurado»;
- Atenta a natureza da relação jurídica,
a intervenção do Banco FFF é necessária para que a decisão produza o seu efeito
útil normal;
- Tendo a recorrente e as intervenientes
principais vindo a pagar as prestações relativas ao mútuo desde a data da morte
do marido da primeira e não sendo elas as beneficiárias do seguro de vida,
estão a pagar um crédito que não é da sua responsabilidade;
- Consequentemente, a recorrente e as
intervenientes principais têm o direito a serem compensadas pelos valores que
indevidamente pagaram desde aquela data;
- A recorrente e as intervenientes
principais vão-se sub-rogando no direito do Banco FFF sobre a recorrida ao
pagamento do capital seguro, pelo que podem pedir a condenação da segunda a
restituir-lhes os valores pagos ao primeiro;
- Estamos perante uma
situação de enriquecimento sem causa;
- Nos termos do n.º 2
do artigo 265.º do CPC, o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e
pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, se a
ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo;
- Termos em que a
recorrida e o Banco FFF devem ser condenados a pagar, à recorrente e às
intervenientes, todas as quantias por elas pagas, em cumprimento do contrato de
mútuo, desde 03.11.2019, acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4%, até
integral pagamento.
5 – A recorrida opôs-se
à «ampliação» do pedido.
6 – Em seguida, o
tribunal a quo proferiu o saneador-sentença recorrido, não
admitindo a «ampliação/alteração» do
pedido e declarando prejudicada a apreciação do incidente de intervenção
principal provocada do Banco FFF, com fundamentação cuja parte mais relevante
se transcreve:
«Ora,
no caso em apreço, as autoras alegam factos novos para fundamentar esse novo
pedido, sendo certo que tais factos não resultam de confissão feita pela ré nem
são supervenientes à entrada da ação em juízo.
Efetivamente,
tais factos, pese embora tenham a sua génese na relação contratual alegada na
petição inicial, não constituem qualquer desenvolvimento da causa de pedir, mas
sim uma situação que já existia, concorrente com a alegada na petição inicial,
constituindo uma nova causa de pedir que fundamenta um novo pedido contra um
novo – eventual – réu, contra o qual se deduz um incidente de intervenção
principal provocada – isto é, requer ainda uma alteração subjetiva da instância
para proceder, sendo certo que tal alteração apenas é necessária caso tenha
acolhimento a pretendida ampliação do pedido.
Desta
forma, não estão verificados os requisitos para se proceder à
ampliação/alteração (na verdade, não resultou totalmente claro do articulado
apresentado se se pretendia uma ampliação ou uma alteração/substituição do
pedido) do pedido nestes autos.»
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Nas suas alegações, a recorrente
suscita uma questão substantiva e uma questão processual. A questão substantiva
consiste em saber quais são os direitos por si adquiridos em consequência de, segundo
alega, ter vindo a pagar as prestações estipuladas no contrato de mútuo após a
morte do seu marido. A questão processual prende-se com a admissibilidade do
pedido por si (em conjunto com as intervenientes principais) formulado na
sequência da notificação que lhes foi feita na audiência prévia. A recorrente
parece pretender justificar a admissibilidade processual deste pedido através
da demonstração da existência do direito que, no plano substantivo, invoca.
Ora, tal confusão entre os
planos processual e substantivo tem de ser evitada. A análise da questão
processual da admissibilidade do pedido formulado após a audiência prévia tem
de ser feita com abstracção da razão que a recorrente possa ter no plano
substantivo. Ainda que a tenha, a sua actuação processual tem de se subordinar
à lei processual, concretamente aos artigos 260.º, 264.º e 265.º do CPC (diploma
ao qual pertencem as normas doravante referenciadas sem menção da sua origem).
Neste processo, tendo por
referência o pedido formulado na petição inicial, interessa, antes de mais,
apurar se o pedido formulado no articulado apresentado após a audiência prévia é
admissível. A eventual análise do fundamento substantivo da pretensão da
recorrente e das intervenientes principais apenas poderá ter lugar uma vez
resolvida, em sentido afirmativo, aquela questão processual.
Concentremo-nos, então, na
análise da questão processual.
Na petição inicial, a
recorrente formulou o pedido de condenação da recorrida a pagar-lhe o capital
seguro. O «pedido» de reconhecimento
da validade do contrato de seguro constitui um mero pressuposto da procedência
da verdadeira pretensão da recorrente, que é a referida condenação.
No articulado que apresentaram
após a audiência prévia, a recorrente e as intervenientes principais formularam
o pedido de condenação da recorrida e do Banco FFF, cuja intervenção principal
requereram, a pagarem-lhes todas as quantias que elas alegadamente pagaram ao
segundo, em cumprimento do contrato de mútuo, desde 03.11.2019, data da morte
do marido da recorrente. A recorrente sustenta que se trata de «uma consequência evidente do pedido
primitivo» e não de um novo pedido.
A recorrente não tem razão.
Tenhamos como referência o
disposto no artigo 264.º, que distingue a alteração do pedido da sua mera
ampliação. O autor amplia o pedido primitivo quando, sem o retirar, pede mais,
seja aumentando-o, seja cumulando um novo pedido. O autor altera o pedido
quando substitui o pedido primitivo por um pedido diverso. É neste sentido que
os termos «alteração» e «ampliação» do pedido são utilizados no
CPC.
Aquilo que a recorrente
pretende não é uma mera ampliação do pedido primitivo, mas sim a substituição
deste por um pedido diverso. A recorrente deixou de pedir a condenação da
recorrida a pagar-lhe o capital seguro. Em vez disso, passou a pedir a
condenação da recorrida, em conjunto com o chamado Banco FFF, a pagar-lhe todas
as quantias que ela e as intervenientes principais alegadamente pagaram ao
segundo, em cumprimento do contrato de mútuo, desde 03.11.2019. Estamos perante
uma evidente alteração do pedido. O que, por si só, afasta a aplicabilidade do
disposto na segunda parte do n.º 2 do artigo 265.º, como a recorrente pretende.
Ainda que qualificássemos,
erradamente, a alteração do pedido levada a cabo pela recorrente como uma mera
ampliação, constituiria um novo erro entender que, como esta pretende, o novo
pedido constituísse «uma consequência
evidente do pedido primitivo».
Neste ponto, socorremo-nos
da lição de JOSÉ ALBERTO DOS REIS: um pedido constitui desenvolvimento ou
consequência do pedido primitivo, para o efeito previsto no n.º 2 do artigo
265.º, quando a ampliação esteja virtualmente contida no pedido inicial. «Exemplo característico: pediu-se, em acção
de reinvindicação, a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação,
pedindo-se também a entrega dos rendimentos produzidos pelo prédio durante a
ocupação ilegal. Outro exemplo: pediu-se a restituição da posse de um prédio;
pode depois, em ampliação, pedir-se a indemnização das perdas e danos causados
pelo esbulho. Num e noutro caso a ampliação é uma consequência do pedido
primitivo. Em vez de ser uma consequência, pode ser um desenvolvimento.
Pediu-se o pagamento de uma dívida; pode depois alegar-se que a dívida vencia
juros e pedir-se o pagamento destes.»[1]
De forma alguma pode
considerar-se que o pedido de condenação da recorrida e do chamado Banco FFF na
restituição das quantias a este último alegadamente pagas em cumprimento do
contrato de mútuo, desde a data da morte do marido da recorrente, esteja
virtualmente contido no pedido de condenação da recorrida no pagamento do
capital seguro. Trata-se de pedidos diversos, fundados em causas de pedir
também diversas.
Concluindo, estamos perante
uma alteração do pedido e não uma mera ampliação deste. Ainda que de uma
ampliação se tratasse, não seria admissível ao abrigo da segunda parte do n.º 2
do artigo 265.º.
A aplicabilidade do artigo
264.º está liminarmente afastada, dada a ausência de acordo das partes.
O n.º 1 do artigo 265.º,
invocado pela recorrente, diz respeito à alteração e à ampliação da causa de
pedir, pelo que não releva para a questão da admissibilidade da alteração do
pedido. Independentemente disso, não aproveitaria à recorrente, porquanto a
recorrida não efectuou a confissão que aquela invoca.
Vejamos.
Na parte que nos interessa, o n.º 1 do artigo
265.º estabelece que, na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada
ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor.
A recorrente sustenta que esta permissão legal
de alteração ou ampliação da causa de pedir é aplicável ao caso dos autos.
Argumenta que «foi a ré quem trouxe à
colação que a beneficiária do seguro de vida era a entidade bancária Banco
FFF (…), facto invocado em sede de contestação, por isso, sempre se dirá
que os requisitos constantes do n.º 1 do art. 265.º do CPC, a causa de pedir
pode ser alterada ou ampliada na sequência de uma confissão feita pelo réu e
aceita pelo autor, encontram-se preenchidos.»
Esta argumentação não faz sentido. Desde logo,
a recorrente demonstra desconhecimento do que seja a confissão de factos, a que
o n.º 1 do artigo 265.º se refere.
O artigo 352.º do CC define a confissão como o
reconhecimento, que a parte faz, da realidade de um facto que lhe é
desfavorável e favorece a parte contrária.
Na petição inicial, a recorrente alegou ser ela
a beneficiária do seguro de vida, pedindo, em conformidade com tal alegação, a
condenação da recorrida a pagar-lhe o capital seguro. Na contestação, a
recorrida impugnou tal alegação, contrapondo que o beneficiário do seguro de
vida é o Banco FFF. É, pois, evidente que a recorrida não
confessou um facto que lhe seja desfavorável e favoreça a recorrente. Ao
contrário, impugnou um facto alegado pela recorrente, alegando um facto com ele
incompatível.
Concluindo, não é admissível
a alteração do pedido efectuada pela recorrente, subsistindo, consequentemente,
o pedido primitivo. Em consequência, tal como o tribunal a quo decidiu, nem a ponderação da admissibilidade da intervenção
principal do Banco FFF tem cabimento, pois pressupõe a admissibilidade da
alteração do pedido, nem, em face da subsistência do pedido primitivo, a acção
poderá proceder.
Deverá, pois, o recurso ser
julgado improcedente, confirmando-se o saneador-sentença recorrido.
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Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto,
julgar o recurso improcedente, confirmando-se o saneador-sentença recorrido.
Custas a cargo da
recorrente.
Notifique.
*
Évora, 05.12.2024
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
(1.ª adjunta)
(2.º adjunto)
[1] Comentário ao Código de Processo Civil,
vol. 3.º, páginas 93 a 95.