terça-feira, 15 de maio de 2018

Acórdão da Relação de Évora de 10.05.2018

Processo n.º 625/12.1TBLLE-D.E1

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Sumário:

É extemporânea a dedução de embargos de terceiro depois de o bem ter sido adjudicado ao exequente.

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AAA veio, por apenso à acção executiva proposta por BBB, S.A., anteriormente denominada Banco 1, S.A., contra CCC, Lda. e DDD, deduzir, contra a exequente e EEE, agente de execução, os presentes embargos de terceiro, pedindo que seja ordenada a restituição provisória da posse da fracção autónoma designada pela letra “I”, condenando-se os embargados a respeitar o direito de retenção do embargante e, por isso, a absterem-se de executar a entrega da mesma fracção sem que o embargante seja previamente pago pelo seu crédito, pelo qual goza de direito de retenção.  

A embargada BBB, S.A. contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.

Em sede de audiência prévia, foi proferido saneador-sentença julgando os embargos improcedentes com fundamento na sua extemporaneidade e, ainda que esta última não ocorresse, na caducidade do direito de retenção em consequência da adjudicação do bem penhorado.

O embargante recorreu da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) A venda judicial não prejudica nem faz caducar o direito de retenção reconhecido sobre o bem objecto daquela venda;

B) O direito de retenção é oponível ao anterior proprietário e a todos quantos, independentemente da causa, lhe sucederem naquela titularidade;

C) Os embargos são o meio apto e adequado a reagir contra os factos que consubstanciem a iminente violação daquele direito de retenção;

D) Os embargos apresentados pelo apelante foram-no em tempo;

E) Os embargos deverão ser julgados procedentes.

F) Entende o apelante terem sido violadas as seguintes disposições legais: artigos 442º n.º 2, 754º, 755º n.º 1 al. f), 795º, 798º, 799º, nº 1 e 801º do Código Civil.

A recorrida BBB, S.A. ofereceu contra-alegações, com as seguintes conclusões:

1. O recorrente pugna pela revogação da sentença em crise que julgou improcedentes os embargos de terceiro;

2. O recorrente não se conforma com a decisão do tribunal a quo que afere a extemporaneidade dos embargos de terceiro bem como a conclusão de que o alegado direito de retenção caducou com a venda judicial da fracção;

3. Analisemos primeiramente a extemporaneidade dos embargos de terceiro;

4. O recorrente não impugna a decisão da matéria de facto provada;

5. O tribunal a quo conclui pela extemporaneidade dos embargos considerando essencialmente os factos constantes dos autos, concretamente:

- ponto 6 dos factos provados: “O senhor Agente de Execução nomeado nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE, no dia 19 de Dezembro de 2014 afixou na fracção autónoma designada pela letra “I” do prédio urbano sito em (…), Lote (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), o escrito denominado “Edital-Imóvel penhorado”;

- ponto 8 dos factos provados: “O Embargante AAA apresentou nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE, no dia 15 de Junho de 2015 um requerimento com a referencia CITIUS 19909270, onde refere que teve conhecimento da venda da fracção autónoma ao exequente e alega que é promitente comprador e possuidor da referida fracção autónoma e que já tinha dado conhecimento desses factos ao senhor Agente de Execução”;

- ponto 10 dos factos provados “O embargante AAA apresentou nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE, no dia 30 de Junho de 2015 um requerimento com a referência CITIUS 20048200 onde refere que a fracção autónoma designada pela letra “I” de que é promitente comprador e possuidor foi adjudicada ao exequente e que no dia 17 de Junho de 2015 o senhor Agente de Execução e os representantes do exequente se tinham dirigido à referida fracção autónoma fazendo-se acompanhar de uma empresa de arrombamentos e fechaduras, deixando na caixa do correio o aviso de que iriam proceder ao arrombamento no dia 01 de Julho;

- ponto 12 dos factos provados “No dia 01 de Julho de 2015 o senhor Agente de Execução nomeado nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE no dia 16 de Junho de 2015 deslocou-se à fracção autónoma designada pela letra “I” para proceder à entrega da mesma ao exequente mas não o fez porque no local estava a Ilustre Mandatária do embargante AAA que exibiu um contrato promessa de compra e venda”.

6. Considerando os elencados factos, concretamente:

- registo penhora em 25/10/2013;

- afixação do edital de penhora no imóvel em 19/12/2014;

- requerimento apresentado pelo recorrente nos autos de execução em 15/06/2015;

o tribunal a quo conclui que pelo menos desde 15/06/2016 que o recorrente teve conhecimento da penhora da fracção (e adjudicação ao recorrido);

7. Determina o artigo 344º, nº 2 do Código de Processo Civil “O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes aquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas”.

8. O recorrente deduz embargos em 17/02/2016;

9. Em 17/02/2016 já se encontravam esgotados os 30 dias desde que o recorrente teve conhecimento da penhora (que colide com o alegado direito de retenção);

10. Terá necessariamente de improceder a pretensão do recorrente de modo a que a contagem do prazo para deduzir embargos de terceiro o seja a partir da notificação do despacho que determinou a entrega do imóvel;

11. A decisão do tribunal a quo em julgar os embargos de terceiro extemporâneos é conforme o determinado no artigo 344º, nº 2 do Código de Processo Civil;

12. Analisemos a questão do recorrente quanto à existência do alegado direito de retenção sobre a fracção;

13. O tribunal a quo conclui pela caducidade do alegado direito de retenção com a venda judicial da fracção;

14. O entendimento do tribunal a quo é apoiado na letra da lei, concretamente o determinado no artigo 824º, nº 2, 1ª parte do Código Civil;

15. Todos os direitos reais de garantia, onde se integra o alegado direito de retenção do recorrente, caducam com a venda executiva do bem;

16. De acordo com a citada norma o bem (fracção autónoma sub judice) é vendido livre de quaisquer direitos de garantia, constituídos antes ou posteriormente à penhora, registados ou não, tendo ou não sido reclamados na execução os créditos que garante;

17. A fracção foi adjudicada ao recorrido em 12/05/2015 e o registo de propriedade efectuado em 18/05/2015;

18. O recorrente não detém pois qualquer direito de retenção sobre a fracção;

19. A decisão judicial em crise que considera caducado o alegado direito de retenção do recorrente sobre a fracção com a venda judicial deste está em consonância com o legalmente prescrito.

O recurso foi admitido.

Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o objecto deste e delimitam o âmbito da intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as questões a resolver são as seguintes:

- Tempestividade dos embargos;

- Efeitos da adjudicação da fracção sobre o direito de retenção.

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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, o qual faz fls. 15 a 18 destes autos, no essencial com o seguinte teor: “Contrato Promessa de Compra e Venda. Entre: Primeiro Outorgante, na qualidade de Promitente Vendedora: “CCC, Lda.” (…) neste acto representada pelo seu procurador com poderes para o acto Exmo Sr. Dr. FFF (…) de ora em diante designado por “PV”; E Segunda Outorgante, na qualidade de Promitente Compradora: AAA (…) adiante designado por “PC”; Considerando: 1. Que a “PV” é proprietária de uma fracção, sita no (…), n.º (…) (Lote …), r/c (…), correspondente à fracção “I”, freguesia de (…), concelho de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o artº nº (…), da mesma freguesia e inscrito sob a matriz urbana nº (…) 3. Que as negociações em curso com vista ao distrate da hipoteca que incide sobre o imóvel identificado no ponto 1, ainda não estão concluídas, a “PV” autoriza a entrega das chaves e ocupação da fracção a que corresponde o r/c Esquerdo pela “PC”. Tendo em vista os considerandos supra enumerados e essenciais para este contrato, é celebrado o presente Contrato Promessa de Compra e Venda. Cláusula Primeira. Pelo presente contrato a “PV” promete vender à “PC”, e esta promete comprar, livre de ónus ou encargos, a fracção autónoma destinada a habitação, correspondente ao r/c esquerdo, com parqueamento na cave designado pela letra “I”, conforme planta apresentada na primeira folha anexa. Cláusula Segunda. O preço global da prometida compra é de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros), que será pago nas seguintes condições: a) A título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 42.000,00€ (quarenta e dois mil euros) entregues nesta data, considerando-se como prestada a respectiva quitação pela “PV”, b) O remanescente do preço, isto é € 128.000,00 (cento e vinte e oito mil euros), será entregue no acto de assinatura da escritura pública. Cláusula Terceira. A escritura pública de compra e venda ocorrerá no prazo máximo de 60 (sessenta) dias após a assinatura do CPCV. A escritura será efectuada em Cartório Notarial, ou através do sistema Casa Pronta, em dia e hora a marcar pela “PC” que notificará o “PV” por carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias. Cláusula Quarta. O incumprimento do presente contrato-promessa, por parte do “PC” implicará para este a perda do sinal. O incumprimento do presente contrato-promessa por parte da “PV” terá como consequência a restituição do sinal em dobro e o reconhecimento do direito de retenção a favor do “PC” (…) Cláusula Sétima. Este contrato promessa, conjuntamente com os seus anexos, traduz e constitui o integral acordo celebrado entre as partes, só podendo ser modificado por documento escrito e assinado por ambos. Cláusula Oitava. Ambos os outorgantes declaram prescindir do reconhecimento notarial das suas assinaturas no presente contrato, para efeitos do disposto no número 3 do artigo 410º do Código Civil, renunciando em consequência, ao direito de invocar a nulidade do presente contrato. Cláusula Nona. Em caso de incumprimento do presente contrato por causa imputável ao “PV”, a “PC” poderá optar pela execução específica do contrato, nos termos do artº 830º do Código Civil e demais legislação aplicável (…) Cláusula Décima Primeira. Declaram as partes estarem de acordo com todas as cláusulas deste Contrato Promessa de Compra e Venda e terem conhecimento e darem a sua aquiescência expressa a todas as considerações que as antecedem, o qual é feito em duplicado e assinado por ambas as partes, em Lisboa, ficando um dos exemplares na posse de cada uma das partes. Feito em dois exemplares em 2 de Janeiro de 2012. Pela Promitente Vendedora (…) O Promitente Comprador (…)”;

2. AAA intentou contra CCC, Lda. acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, a qual corre termos sob o nº 974/14.4TBLLE em cuja petição inicial, além do mais, se pode ler: “O pedido. Neste termos, e nos demais de Direito que V. Exa doutamente suprirá requer seja julgada procedente, por provada, a presente acção e, em consequência seja: a) a R condenada a pagar-lhe a quantia global de € 94.000,00 correspondendo € 84.000,00 ao dobro do sinal prestado e € 10.000,00 ao valor das benfeitorias realizadas; b) a R condenada a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia de € 94.000,00 desde a citação e até efectivo e integral pagamento; e, ainda, c) reconhecido ao A. o direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pela letra I do prédio descrito sob o nº 7367 da freguesia de (…) até efectivo e integral pagamento pela R ou quem lhe possa vir a suceder das quantias em que venha a ser condenada…”;

3. Nos autos nº 974/14.4TBLLE foi proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora em 21 de Janeiro de 2016 douto acórdão, no qual, além do mais, se pode ler “Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente em função de que: - Condena-se a R a pagar ao A. , a título de dobro do sinal e por incumprimento definitivo do contrato promessa, a quantia de € 84.000,00, acrescida de juros a contar da citação e até integral pagamento; - reconhece-se ao A. o direito de retenção sobre o imóvel prometido vender e acima identificado. No mais mantém-se o decidido. Custas, por ambas as partes na proporção do vencido. Évora, 21 de Janeiro de 2016 (…) Paulo Amaral. (…) Rosa Barroso (…) Francisco Matos…”;

4. Em 01 de Março de 2012 a exequente, então com a denominação social Banco 1, S.A., intentou contra CCC, Lda. e DDD a execução de que estes embargos de terceiro constituem apenso, a qual corre termos sob o nº 625/12.1TBLLE;

5. Nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE foram penhoradas a fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R”, “S”, “T”, “U”, “V”, “X”, “Z” e “AA” do prédio urbano sito em (…), Lote (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), penhora registada pela Ap. (…) de (…);

6. O senhor Agente de Execução nomeado nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE, no dia 19 de Dezembro de 2014 afixou na fracção autónoma designada pela letra “I” do prédio urbano sito em (…), Lote (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), o escrito denominado “Edital- Imóvel penhorado”;

7. Nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE, no dia 12 de Maio de 2015, realizou a diligência de abertura de propostas em carta fechada, e relativamente à fracção autónoma designada pela letra “I” do prédio urbano sito em (…), Lote (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), foi apresentada uma proposta de aquisição por parte do exequente, então denominado Banco 1, S.A. no valor de 160.414,41 €, a qual foi aceite pelo Tribunal, adjudicando a dita fracção autónoma ao exequente;

8. O Embargante AAA apresentou nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE, no dia 15 de Junho de 2015 um requerimento com a referência CITIUS 19909270, no qual refere que teve conhecimento da venda da fracção autónoma ao exequente e alega que é promitente-comprador e possuidor da referida fracção autónoma e que já tinha dado conhecimento desses factos ao senhor Agente de Execução;

9. Na mesma data, o Embargante apresentou nos autos de execução os requerimentos com as referências CITIUS 19909376 e 19909436;

10. O Embargante AAA apresentou nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE, no dia 30 de Junho de 2015, um requerimento com a referência CITIUS 20048200 onde refere que a fracção autónoma designada pela letra “I” de que é promitente-comprador e possuidor foi adjudicada ao exequente e que no dia 17 de Junho de 2015 o senhor Agente de Execução e os representantes do exequente se tinham dirigido à referida fracção autónoma fazendo-se acompanhar de uma empresa de arrombamentos e fechaduras, deixando na caixa do correio o aviso de que iriam proceder ao arrobamento no dia 01 de Julho;

11. O senhor Agente de Execução nomeado nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE no dia 16 de Junho de 2015 deslocou-se à fracção autónoma designada pela letra “I” para proceder à entrega da mesma ao exequente, mas não o fez por não se encontrar ninguém presente, deixando aviso de que a entrega seria efectuada no dia 01 de Julho de 2015;

12. No dia 01 de Julho de 2015, o senhor Agente de Execução nomeado nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE no dia 16 de Junho de 2015 deslocou-se à fracção autónoma designada pela letra “I” para proceder à entrega da mesma ao exequente, mas não o fez porque no local estava a ilustre mandatária do Embargante AAA, que exibiu um contrato promessa de compra e venda;

13. Em 31 de Dezembro de 2015, o Tribunal proferiu despacho nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE determinando a notificando do ora Embargante AAA para que em 20 dias proceder à entrega da fracção autónoma livre de pessoas e bens, bem como das respetivas chaves, sob pena de ser autorizada a solicitação da força pública para investir o exequente na posse da referida fracção;

14. O Embargante AAA foi notificado do despacho referido em 13), na pessoa do seu ilustre mandatário em 03 de Fevereiro de 2016 e na sua própria pessoa em 23 de Fevereiro de 2016;

15. O senhor Agente de Execução emitiu o título de transmissão da fracção autónoma denominada pela letra “I” a favor do exequente, então denominado Banco 1, S.A., que registou a aquisição a seu favor na Conservatória do Registo Predial, pela Ap. (…) de (…);

16. Os presentes embargos de terceiro deram entrada em juízo em 17 de Fevereiro de 2016.

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O n.º 2 do artigo 344.º do CPC estabelece que o embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.

A fracção autónoma em questão nestes autos foi adjudicada à recorrida BBB, S.A. em 12.05.2015. Os presentes embargos de terceiro deram entrada em juízo em data posterior, mais precisamente em 17.02.2016. É, pois, manifesta a intempestividade da dedução dos embargos, face ao disposto naquela norma legal.

Por outro lado, a penhora sobre a fracção dos autos foi registada em 25.10.2013 e o recorrente tem conhecimento dela, pelo menos, desde 15.06.2015. É, assim, evidente que, na data da dedução dos embargos (17.02.2016), já tinha decorrido o prazo de 30 dias estabelecido pelo n.º 2 do artigo 344.º do CPC. Portanto, independentemente do impedimento legal à dedução dos embargos de terceiro decorrente da realização da adjudicação, sempre essa dedução teria sido extemporânea.  

Sendo os presentes embargos de terceiro manifestamente extemporâneos, nem sequer podiam ter passado da fase introdutória, antes devendo ter sido objecto de indeferimento liminar, nos termos do artigo 345.º do CPC. Não tendo tal indeferimento liminar ocorrido, nada impedia, porém, que a questão fosse conhecida na sentença, a qual não merece, pois, censura, antes devendo ser confirmada, improcedendo o recurso. Fica, assim, prejudicado o conhecimento da questão subsequente, acima enunciada, dos efeitos da adjudicação da fracção dos autos sobre o direito de retenção do recorrente.

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Decisão:

Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Notifique.

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Évora, 10 de Maio de 2018

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.ª adjunta

2.º adjunto


sexta-feira, 11 de maio de 2018

Acórdão da Relação de Évora de 26.04.2018

Processo n.º 2301/12.6TBABF-A.E1-A

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Sumário:

1 – Viola o princípio do esgotamento do poder jurisdicional, consagrado no n.º 1 do artigo 613.º do CPC, o despacho que, com fundamento em determinada interpretação do artigo 411.º do mesmo código, não admite a junção aos autos de documentos que, através de despacho anteriormente proferido, o tribunal ordenara que fossem juntos aos autos com fundamento em interpretação diversa do mesmo artigo 411.º.

2 – Tal alteração do sentido da decisão primeiramente proferida não é permitida pelo artigo 616.º do CPC, que prevê a reforma das decisões judiciais.

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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

AAA deduziu embargos de terceiro contra BBB, CCC, DDD e EEE.

A audiência final prolongou-se por três sessões.

Na sessão que teve lugar no dia 14.03.2016, após a prestação de declarações de parte pelo embargado CCC, foi proferido o seguinte despacho: O declarante apresentou cheques referentes ao contrato promessa alegadamente celebrado com o Sr. AAA. Entende o Tribunal que tais elementos são relevantes, pelo que determino a respectiva junção aos autos, passando a rubricar as cópias apresentadas.” Em seguida, de acordo com a acta, os advogados do embargante e do embargado BBB requereram “prazo de contraditório quanto à junção dos documentos”, na sequência do que o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho: “Considerando o contraditório requerido pelas partes, determino que estes documentos aguardem o termo do respectivo prazo, por linha aos autos de embargo de terceiro. (…)”.

O embargante e o embargado BBB exerceram o contraditório.

O embargado BBB concluiu nos seguintes termos: Face a tudo o exposto, e no exercício do contraditório que lhe compete face aos documentos juntos na Audiência de Discussão e Julgamento dos presentes Embargos, e no que aos mesmos refere, requer-se a V. Exa. Se digne

a) ordenar o desentranhamento das cópias de cheques bancários apresentadas na Audiência datada de 14.03.2016 por intempestivos; ou

b) considerar que os documentos juntos, embora válidos, não fazem prova dos factos que visam demonstrar, nomeadamente Ponto 2. dos Temas da Prova fixados em Despacho Saneador, pelo que deverão ser desconsiderados.

O embargante pronunciou-se, na parte respeitante ao objecto deste recurso, nos seguintes termos: Os cheques foram juntos por ordem de V. Ex.Cia e no uso dos poderes que são conferidos a V. Ex.Cia pelo artº 411 do CPC, pelo que carecem de boa fundamentação as considerações sobre a pretensa intempestividade da sua junção.”

Na sessão seguinte da audiência final, realizada no dia 26.04.2016, foi proferido o seguinte despacho:

“Foi concedido contraditório às partes no que respeita à junção dos documentos ocorrida na última sessão de julgamento a 14 de Março de 2016. Nesse âmbito veio o exequente alegar que tal junção não é possível neste momento processual, porquanto esses documentos foram apresentados pelo executado/embargado e que para fazê-lo tinha um momento próprio que era o prazo que dispunha para apresentação de contestação.

Acrescentou ainda a exequente/embargada impugnação do teor dos documentos.

Notificado o embargante, pugnou pela admissão da junção dos documentos e requereu que fossem tomadas diligências no sentido de obter cópias integrais dos documentos e por fim requereu a admissão do extracto bancário constante do requerimento data do dia 21 de Abril de 2016.

A junção dos documentos pelo tribunal ocorreu na sequência das declarações de parte prestadas pelo Sr. CCC, aqui embargado e ao abrigo do preceituado no art.º. 411 do C.P.C..

Neste aspecto a exequente diz que o Tribunal não pode proceder a esta diligência, porquanto a parte interessada nos autos deixou precludir um ónus processual de que dispunha, com o decurso do prazo para apresentação da devida procuração.

Determina o art.º. 6 sob égide do princípio da gestão processual, que cumpre ao Juiz determinar todas as diligências que se lhe afigurem necessárias ao normal prosseguimento da acção.

Para esse efeito, incumbe ao Juiz realizar ou ordenar, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é ilícito conhecer.

Trata-se de um dever imposto por lei, contudo tal dever não deve ter um âmbito que permita suprir o cumprimento de ónus processuais que vinculam as partes.

Embora o art.º. 411 configure uma norma habilitadora de tal junção, na verdade tal junção apenas é possível quanto a factos que estejam na disponibilidade do tribunal e não das partes.

Assim essa prorrogativa só deve ser exercida quando incumba ao Juiz o dever de impulsionar o suprimento de excepções processuais ou de adoptar diligências com vista ao prosseguimento dos autos.

A presente norma não visa suprir um ónus processual da inteira responsabilidade das partes e nem decorre desse normativo que o tribunal o possa suprir.

De facto, tal junção foi ordenada pelo tribunal na sequencia da apresentação pelo embargado sendo certo que o mesmo deixou transcorrer o prazo de que dispunha para fazê-lo e por conseguinte o Tribunal não pode determinar a válida junção dos mesmos, já que o facto a que se predispunha provar, compete unicamente às partes interessadas.

Com efeito, assiste razão à embargada/exequente no que se refere à possibilidade de junção dos documentos apresentados pelo embargado/executado e que por não se tratarem de factos que o Tribunal possa conhecer ex officio, não se pode manter a junção desses documentos.

No que se refere às diligências probatórias requeridas pelo embargante, o mesmo se dirá quanto à sua tempestividade, já que terá deixado a parte transcorrer o respectivo prazo para solicitar a sua realização e a junção não válida dos documentos que ora foram indeferidos não justifica a junção que se pretende com o requerimento de 21 de Abril de 2016.

Em face do exposto após contraditório das partes e reformando o despacho proferido na audiência de 14 de Março de 2016, não se admite a junção dos documentos aí determinada, devendo os mesmos serem devolvidos à respectiva parte, após o trânsito em julgado deste despacho;

E por intempestividade, indeferem-se as diligências requeridas pelo embargante AAA, assim como a junção do documento anexo ao requerimento de 21 de Abril de 2016, o qual deverá ser devolvido à respectiva parte, após trânsito em julgado do presente despacho.

Notifique.”

O embargante recorreu deste último despacho, formulando as seguintes conclusões:

1 – O Meritíssimo Senhor Juiz por seu despacho de 14/03 determinou oficiosamente a junção aos autos das fotocópias de quatro cheques que lhe foram exibidos pelo co-embargado CCC e no decurso da prestação das suas declarações de parte.

2 – Nesse despacho o Meritíssimo Senhor Juiz justificou o que ordenara porque “tais elementos são relevantes” e depois esclareceu que ordenara ao abrigo do artº 411º do CPC.

3 – Este despacho não admite contraditório sobre a admissibilidade, e apenas pode ser impugnado por via de recurso, o que, no caso concreto não ocorreu, pelo que o mesmo transitou em julgado.

4 – Por outro lado, com a prolação daquele despacho ficou esgotado o poder jurisdicional do Meritíssimo Senhor Juiz pelo que não lhe é lícito revogá-lo, sobretudo por via de invocada reforma do mesmo.

5 – No douto despacho ora recorrido o Meritíssimo Senhor Juiz aplica erradamente os nº 2 e 3 do artº 613 do CPC (segmento: reforma de despacho) e 616-1 e 2 do mesmo CPC, e também os artº 628º (transito em julgado) e 613º-1-3 (extinção do poder jurisdicional), ambos do CPC.

6 – Em conformidade com as conclusões supra, Vossas Excelências revogarão o douto despacho ora impugnado, ordenarão que os documentos continuem nos autos para efeitos probatórios bem como ordenarão que o Meritíssimo Senhor reaprecie os requerimentos do embargante / aqui recorrente que foram indeferidos na sequência do decidido e ora impugnado.

Não foram oferecidas contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Recebido o processo nesta Relação, foi proferido despacho mediante o qual se rectificou o regime de subida do recurso, sendo essa subida em separado e com efeito meramente devolutivo.

Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o objecto deste e delimitam o âmbito da intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, a única questão a resolver consiste em saber se é legalmente admissível, ao juiz, alterar, nos termos acima descritos, um despacho que proferiu anteriormente.

Como anteriormente referimos, na sessão da audiência final que teve lugar no dia 14.03.2016, após a prestação de declarações de parte pelo embargado CCC, foi proferido o seguinte despacho: O declarante apresentou cheques referentes ao contrato promessa alegadamente celebrado com o Sr. AAA. Entende o Tribunal que tais elementos são relevantes, pelo que determino a respectiva junção aos autos, passando a rubricar as cópias apresentadas.” A interpretação deste despacho não oferece qualquer dúvida. O tribunal recorrido não se limitou a suscitar, perante as partes, a questão da necessidade e oportunidade da junção dos documentos em causa aos autos, para que as mesmas se pronunciassem sobre se essa junção devia, ou não, ter lugar, deixando a decisão para momento posterior ao exercício do contraditório. Em vez disso, determinou, desde logo e sem contraditório, a junção dos mesmos documentos aos autos, por os considerar “relevantes”. Tanto assim foi, que os mesmos documentos foram, então, rubricados. A base legal dessa decisão foi o artigo 411.º do CPC[1], de acordo com o qual incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. O despacho em causa não o diz expressamente, mas o despacho recorrido esclarece que assim foi.

Na sequência da prolação desse despacho, o embargante e o embargado BBB exerceram o contraditório, o qual, uma vez que a junção dos documentos aos autos já fora decidida, tinha apenas por objecto o valor probatório dos mesmos documentos. Não obstante, o embargado BBB requereu, a título principal, que fosse determinado o desentranhamento dos documentos, com fundamento na intempestividade da sua apresentação. Em resposta, o embargante pronunciou-se no sentido da manutenção da junção já ordenada.

Na sessão seguinte da audiência final, foi proferido o despacho recorrido, em sentido diametralmente oposto ao de 14.03.2016. Sem pôr em causa que tinha anteriormente ordenado a junção dos documentos em questão ao abrigo do disposto no artigo 411.º, o tribunal recorrido considerou ter feito, então, uma errada interpretação deste artigo e, alterando essa interpretação, concluiu pela inadmissibilidade da referida junção. Nomeadamente, afirmou-se, no despacho recorrido, que “tal junção foi ordenada pelo tribunal na sequência da apresentação pelo embargado sendo certo que o mesmo deixou transcorrer o prazo de que dispunha para fazê-lo e por conseguinte o Tribunal não pode determinar a válida junção dos mesmos, já que o facto a que se predispunha provar, compete unicamente às partes interessadas” e que “não se pode manter a junção desses documentos”. Decidiu-se, por fim, que, “Em face do exposto após contraditório das partes e reformando o despacho proferido na audiência de 14 de Março de 2016, não se admite a junção dos documentos aí determinada, devendo os mesmos serem devolvidos à respectiva parte, após o trânsito em julgado deste despacho; E por intempestividade, indeferem-se as diligências requeridas pelo embargante AAA, assim como a junção do documento anexo ao requerimento de 21 de Abril de 2016, o qual deverá ser devolvido à respectiva parte, após trânsito em julgado do presente despacho.”

Será isto admissível?

O artigo 613.º estabelece que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (n.º 1), que é lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes (n.º 2) e que o disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, se aplica, com as necessárias adaptações, aos despachos (n.º 3). Com interesse para a situação em análise, resulta deste artigo que, uma vez proferido um despacho, o tribunal que o proferiu só poderá alterá-lo para rectificar erros materiais, suprir nulidades ou reformá-lo, nos termos dos artigos seguintes.

Como vimos, o tribunal recorrido qualificou a alteração, através do despacho recorrido, do que decidira na sessão da audiência final que teve lugar no dia 14.03.2016, como uma reforma da decisão. Porém, o artigo 616.º não dá cobertura legal à descrita actuação do tribunal recorrido.

Desde logo, nenhuma das partes requereu a reforma do despacho de 14.03.2016. Nomeadamente, não foi essa a posição assumida pelo embargado BBB quando exerceu o contraditório. Em parte alguma da peça processual mediante a qual este embargado se pronunciou sobre os documentos em causa é requerida a reforma daquele despacho nos termos do artigo 616.º. Ora, resulta deste artigo que, em qualquer das hipóteses nele previstas, a reforma só é admissível na sequência de requerimento das partes.

Por outro lado, a situação descrita (decidir que os documentos apresentados pelo embargado CCC não ficam nos autos depois de se ter ordenado a sua junção a estes últimos) não se enquadra, nem no n.º 1, nem no n.º 2 do artigo 616.º.

Não se enquadra no n.º 1 porque este apenas prevê a reforma quanto a custas e multa.

Não se enquadra no n.º 2 por duas razões. Por um lado, porque este exige que a decisão que se pretende alterar seja irrecorrível, o que não era o caso do despacho de 14.03.2016. Por outro lado, porque a situação que vimos analisando não se traduziu, nem num “manifesto lapso do juiz”, nem num erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, nem numa alteração imposta por documentos ou outro meio de prova plena constantes dos autos.

Do que, na realidade, se tratou foi de o tribunal recorrido ter feito interpretações diversas do artigo 616.º em dois momentos distintos, que o levaram a decidir, primeiro num sentido e, mais tarde, em sentido oposto. Ora, isto não constitui fundamento de reforma do despacho de 14.03.2016. Aliás, o despacho recorrido nem sequer precisa o seu enquadramento em alguma das normas constantes do artigo 616.º, limitando-se a qualificar a alteração da sua decisão anterior como “reforma”, sem mais.

Sendo assim, é forçoso concluir que o despacho recorrido violou o princípio do esgotamento do poder jurisdicional, consagrado no n.º 1 do artigo 613.º. O despacho proferido em 14.03.2016, bem ou mal (não nos compete dizê-lo, pois o presente recurso não o tem por objecto), ordenou a junção aos autos dos documentos apresentados pelo embargado CCC, pelo que, por força daquela norma, estava vedado, ao tribunal recorrido, voltar atrás e decidir precisamente o contrário.

O despacho recorrido deverá, pois, ser revogado, mantendo-se nos autos os documentos cuja junção foi ordenada no despacho proferido em 14.03.2016. Em face de tal revogação, o tribunal recorrido deverá reapreciar os requerimentos do recorrente que indeferiu na sequência de ter ordenado a devolução dos referidos documentos ao recorrente.

*

Decisão:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, revogando o despacho recorrido e determinando que o tribunal recorrido proceda em conformidade com o acima exposto.

Custas a cargo da parte com elas onerada a final.

Notifique.

*

Évora, 26.04.2018

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.º adjunto)



[1] Diploma ao qual pertencem todas as normas doravante referenciadas.


quinta-feira, 10 de maio de 2018

Decisão singular de 07.05.2018

 

Ampliação do pedido.

Articulado superveniente.

Apelação autónoma.

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AAA reclamou, nos termos do artigo 643.º do CPC, do despacho de rejeição do recurso, por si interposto, que tem por objecto despacho que admitiu a ampliação do pedido.

A fundamentação do despacho de rejeição do recurso é, sucintamente, a seguinte:

- O pedido foi ampliado em articulado denominado de superveniente;

- Porém, nesse articulado, não foram aduzidos novos factos constitutivos, modificativos ou extintivos, estando em causa apenas a ampliação do pedido;

- Consequentemente, não se está no quadro do disposto no artigo 588.º do CPC e não é admissível recurso autónomo nos termos do artigo 644.º, n.º 2, al. d), do mesmo código;

- Ao invés, a impugnação do despacho que admitiu a ampliação do pedido só é admissível a final.

A esta fundamentação, a reclamante contrapõe argumentação que assim se sintetiza:

- A ampliação do pedido foi requerida através de articulado superveniente;

- Nesse articulado superveniente, os autores expuseram os factos que, no seu entendimento, sustentam a ampliação do pedido;

- Daí que deva ser admitido recurso autónomo do despacho que admitiu a ampliação do pedido, nos termos do artigo 644.º, n.º 2, al. d), do CPC.

Apreciando.

O meio processual mediante o qual os autores requereram a ampliação do pedido constitui um verdadeiro articulado superveniente, no qual foram alegados factos novos que, no seu entendimento, fundamentam tal ampliação. Com efeito, pela primeira vez neste processo, os autores alegaram alguns dos factos que constituem pressuposto da usucapião, como a intenção de exercerem o direito real correspondente ao seu domínio de facto sobre o prédio dos autos e, pelo menos, parte do conteúdo do ponto 13 do articulado em questão. Consequentemente, do despacho que admitiu esse articulado cabe recurso de apelação autónomo, nos termos do artigo 644.º, n.º 2, al. d), do CPC. O mesmo é dizer que o recurso interposto pela reclamante devia ter sido admitido, procedendo a reclamação apresentada.

Decisão:

Julgo a reclamação procedente, admitindo o recurso de apelação interposto do despacho que deferiu a ampliação do pedido, recurso esse com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

Comunique este despacho ao tribunal recorrido.

Não são devidas custas.

*

07.05.2018

Vítor Sequinho dos Santos

 

Acórdão da Relação de Évora de 26.04.2018

Processo n.º 783/04.9TBBJA-B.E1

                                                           *

Sumário:

1 – É nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC, o despacho que, na sequência de um requerimento do exequente no sentido de ser reduzido o valor mínimo de um bem em venda por negociação particular, autoriza a adjudicação do mesmo bem ao exequente.

2 – Estamos perante uma decisão implícita quando a decisão expressa tenha como pressuposto a resolução, em determinado sentido, de uma questão que logicamente a anteceda, de forma a que possa concluir-se que a primeira, apesar de não ter sido mencionada, está subentendida na segunda; nessas condições, poderá formar-se o denominado caso julgado implícito.

3 – O exequente que pretenda que lhe sejam adjudicados bens penhorados para pagamento, total ou parcial, do seu crédito, deve indicar o preço que oferece, não podendo, em caso algum, a oferta ser inferior ao valor a que alude o n.º 2 do artigo 816.º.

*

Em acção executiva para pagamento de quantia certa movida por Banco 1, S.A. contra David e outros, a exequente requereu a adjudicação do bem imóvel então em venda através de propostas em carta fechada pelo valor de € 66.500.

Na diligência destinada à sua abertura, verificou-se a inexistência de propostas. Não foi, então, considerado o requerimento de adjudicação apresentado pelo exequente porque o valor por este proposto era inferior ao mínimo resultante dos artigos 799.º, n.º 3, e 816.º, n.º 2, do CPC. Na mesma diligência, o tribunal recorrido proferiu despacho ordenando a venda por negociação particular.

Posteriormente, a exequente requereu a redução do valor base da venda do imóvel para € 66.500. Para a hipótese de tal redução ser decidida, a exequente apresentou, desde logo, uma proposta de compra do imóvel pelo referido valor de € 66.500.

O executado David opôs-se à redução do valor base da venda do imóvel por negociação particular, invocando, em síntese, o seguinte:

- Com o indeferimento da anterior proposta de adjudicação, esgotou-se o poder jurisdicional do tribunal recorrido, não sendo, por isso, possível a prolação de nova decisão em sentido contrário;

- A redução do valor base da venda do imóvel nos termos pretendidos pela exequente carece de fundamento factual e é legalmente inadmissível;

- A insistência da exequente na adjudicação do imóvel pelo valor de € 66.500, inferior ao valor real, constitui um abuso do direito, enquadrável na obtenção de um efeito proibido pelos ditames da boa-fé.

O mesmo executado requereu, ainda, a notificação da exequente para, nos termos do artigo 810.º do CPC, se pronunciar sobre a proposta de acordo global por si formulada.

Em seguida, foi proferido despacho autorizando a adjudicação do imóvel à exequente “nos exactos termos requeridos”.

O executado David recorreu desse despacho, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) Em 21 de Junho de 2017, com a referência Citius 28894932, foi proferida a decisão de que se recorre que, na sua parte dispositiva, refere expressamente "Face ao disposto, autoriza-se a adjudicação do imóvel ao exequente nos exactos termos requeridos".

B) Sendo embora esta parte dispositiva a única relevante para apreciar da legalidade/ilegalidade da decisão, na parte da fundamentação que precede esta decisão afirma a decisão recorrida "A dinâmica processual assinalada em conjugação com a actual conjuntura de mercado, bem espelhada na total ausência de interessados na aquisição do bem justificam a adjudicação do imóvel à exequente pelo valor proposto."

C) Em 6 de Fevereiro de 2017, com a referência Citius 24813561, a exequente deu conhecimento de um "requerimento de adjudicação apresentado nos autos junto do Exmo. Agente de execução, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 799.º e ss do CPC". (doc. 1 extraído do Citius e peça destinada a instruir o presente recurso).

D) Nesse requerimento apresentado junto do Exmo. Agente de execução (com a referência Citius 24813273), a exequente requer a adjudicação do imóvel penhorado nos autos pelo montante de € 66.500 (sessenta e seis mil e quinhentos euros) - cont. do doc.1 extraído do Citius e peça destinada a instruir o presente recurso.

E) No auto de abertura de propostas em carta fechada (doc.2 extraído do Citius e peça destinada a instruir o presente recurso) realizada a 14 de Fevereiro de 2017, consignou o Exmo. Agente de Execução, no item "Propostas", "Sem Propostas. Existe pedido de adjudicação, não considerado por os valores não atingirem os mínimos."

E) A Meretíssima Juíza do tribunal a quo e perante a proposta de adjudicação da exequente determinou que o processo prosseguisse para venda por negociação particular, concordando com a decisão do Exmo. agente de execução que a proposta de adjudicação não poderia ser considerada por o respectivo valor não atingir o mínimo, pressupõe-se legalmente imposto.

G) Em 6 de Março de 2017 (15 dias depois do indeferimento da adjudicação requerida), por requerimento com a referência citius 25075088 (doc. 3 extraído do Citius e peça destinada a instruir o presente recurso), a exequente ora recorrida veio requerer a redução do valor base de venda para o valor de 66.500 euros (sessenta e seis mil e quinhentos euros) e a aquisição por si do referido imóvel.

H) Invocando, para tanto, argumentos vagos e genéricos, para além do mais falsos como, por exemplo, "a actual conjuntura económica menos favorável em que se encontra mergulhado o país, da qual resultou uma retracção do mercado imobiliário", quando é facto notório e noticiado que o mercado imobiliário está em grande expansão atravessando uma das melhores fases dos últimos anos.

I) Ou o facto de não terem sido apresentadas propostas de aquisição; mas sem que tenha sequer havido tempo para o encarregado da venda diligenciar no quadro da negociação por quaisquer propostas, sem que fosse junto qualquer estudo de mercado, avaliação, artigo de opinião que apontasse para um valor sequer semelhante ao que foi arbitrariamente indicado.

J) Tendo-se o executado oposto fundamentadamente a essa pretensão, invocando desde logo o esgotamento do poder jurisdicional em matéria de adjudicação, a falsidade, vacuidade e generalidade dos fundamentos invocados para a redução do preço e a sua consequente insubsistência e, finalmente, no que se pode considerar uma alegação de abuso de direito a falta de resposta da exequente a uma proposta de resolução extra judicial da dívida. (doc. 4 extraído do Citius e peça destinada a instruir o presente recurso).

K) Entre as duas decisões – indeferimento por o valor proposto não respeitar os limites mínimos e a de adjudicação de que se recorre e proferida em 21 de Junho de 2017 – mediaram 4 meses e não ocorreu nenhum facto processualmente relevante, como teria sido por exemplo uma informação do encarregado da venda a informar da impossibilidade ou insucesso da venda por negociação particular.

L) Assim, a decisão de que se recorre identificada em A) das presentes conclusões viola o disposto nos artigos 613.º, n.º 1, 620.º e 625.º, n.º 2 do CPC, por ser contrária a decisão idêntica de sentido oposto, viola ainda o disposto no artigo 799.º, n.º 3, do CPC.

M) Ou, subsidiariamente e por mera cautela de patrocínio, a entender-se que não foi violado o disposto no artigo 799.º, n.º 3, porque foi determinada uma redução do valor base, é nula, por falta de fundamentação, a decisão, já que nem sequer é indicado o novo valor base, desconhecendo-se por isso esse valor.

N) Finalmente, a decisão recorrida desconsiderou a alegação de abuso de direito e, por isso, violou o disposto no artigo 334.º, n.º 1, do C. Civil.

O) De acordo com o supra exposto, estamos perante dois despachos que decidem sobre a mesma questão processual em sentidos opostos, proferidos pelo mesmo tribunal com cerca de 4 meses de intervalo.

P) Sem que entre uma e outra decisão se tenha verificado qualquer alteração factual, informação relevante, em suma circunstância superveniente que legitimasse ou fundasse a alteração da decisão.

Q) Ora, determina o artigo 613.º, n.º 1, do CPC que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

R) E o n.º 3 esclarece que tal normativo se aplica, com as necessárias adaptações, aos despachos.

S) Ora, no caso concreto, o juiz do tribunal a quo havia já apreciado a questão processual relativa à possibilidade ou não de adjudicação do imóvel ao banco exequente pelo valor proposto de € 66.500 (sessenta e seis mil e quinhentos), tendo concluído pela impossibilidade dessa adjudicação por ela não respeitar o valor mínimo legalmente exigido.

T) Essa decisão, devidamente notificada a todas as partes, não foi alvo de qualquer recurso,

U) Ora, o tribunal a quo, no despacho recorrido, sem fixar novo valor base, decide exactamente o contrário, ou seja, determinar a adjudicação do imóvel ao exequente pelo exactamente mesmo valor que ele já havia proposto e tinha determinado a não adjudicação.

V) Ainda que logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção que errou, não pode emendar o suposto erro. Para ele, a decisão fica sendo intangível."[Cf. José Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil Anotado", vol. V, reimpressão, 1984, pág. 126.]

W) Termos em que e desde logo, deve a decisão do tribunal a quo ser declarada inexistente, por violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional.

X) Acresce que também prescreve o artigo 620.º, n.º 1, do CPC que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

Y) E o artigo 625.º, n.º 1, do CPC determina que, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, sendo que o seu n.º 2 clarifica ainda que é aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.

Z) Ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar (artigo 625.º, n.º 1, do CPC), critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do preceito).

AA) Ora, no caso concreto, as duas decisões pronunciam-se exactamente sobre a mesma questão – a possibilidade de adjudicação do imóvel penhorado ao banco exequente pelo valor de 66.500 euros por este proposto.

BB) Na primeira decisão, o tribunal a quo entendeu não ser de considerar essa proposta por não obedecer ao valor mínimo e determinou que o imóvel fosse vendido através de negociação particular;

CC) Na segunda decisão, decidiu adjudicar o imóvel ao exequente apesar de este não respeitar o valor mínimo.

DD) Claramente estamos perante decisões opostas e contraditórias proferidas sobre o mesmo objecto, ou a mesma questão processual.

EE) Perante esta situação, determina o artigo 625.º, n.º 2, do CPC que deve valer a que primeiro transitou em julgado.

FF) Pelo que deve a decisão recorrida ser anulada e declarar-se válida e em vigor a decisão que determinou a venda por negociação particular e não permitiu a adjudicação ao exequente pelo irrisório valor de 66.500 euros.

GG) Em nenhum momento ou segmento da decisão recorrida se decidiu alterar o valor base proposto para a venda, ou se atribuiu um valor diferente ao imóvel.

HH) Pelo que se deve concluir que o valor base para venda por negociação particular se manteve nos € 96.500 (noventa e seis mil e quinhentos) euros.

II) Assim, o valor pelo qual o imóvel foi adjudicado - € 66.500 (sessenta e seis mil e quinhentos euros) é inferior a 85% do valor mínimo que se encontra ainda fixado;

JJ) Pelo que a decisão recorrida, ao determinar a adjudicação por esse valor, violou as normas do artigo 799.º, n.º 3, e do artigo 816.º, n.º 2, do CPC, para o qual aquele remete, devendo ser revogada e substituída por outra que, não autorizando a adjudicação pelo valor proposto, faça seguir a venda por negociação particular.

KK) A decisão recorrida em momento algum indica:

c) Os elementos de prova em que se fundou para definir um preço base inferior ao que estava fixado;

d) O montante exacto do preço base ou mínimo.

LL) Ou seja, o despacho recorrido é nulo nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC porque não especificou o fundamento essencial de facto, qual seja o novo valor base que justifica o juízo de admissibilidade da proposta de adjudicação.

MM)       O artigo 810.º do Código Processo Civil permite hoje, no seio do próprio processo executivo, obter um acordo quanto a um plano de pagamentos que, nos termos da lei, pode consistir nomeadamente numa simples moratória, num perdão, total ou parcial, de créditos, na substituição, total ou parcial, de garantias ou na constituição de novas garantias, pelo que nesta sede o executado vem formalmente expor as diligências já por si efectuadas para a obtenção desse acordo e a sua última proposta formulada à exequente.

NN) Que transforma esta insistência na adjudicação de um imóvel por um valor substancialmente inferior ao seu valor real num acto processualmente incompreensível, reconduzido mesmo a um abuso de direito, enquadrável na obtenção de um efeito proibido pelos ditames da boa-fé.

OO) A dívida por pagar ao tempo do incumprimento era pouco superior a 60.000 euros.

PP) Num esforço de renegociação que vem desenvolvendo desde 2012, o executado e os co-executados já pagaram à exequente mais de 80.000 euros.

QQ) Em Dezembro de 2016 e porque isso correspondia a uma das exigências da exequente para renegociar a dívida, pagou mais de 13.000 euros às finanças e à segurança social, obtendo o levantamento de penhoras que impendiam sobre o imóvel e que agora permitiram o pedido da exequente de adjudicação livre de quaisquer ónus e encargos.

RR) Já em 2017 formulou uma nova proposta que consistia no pagamento de 110.000 euros (que corresponde no essencial ao pagamento do capital em dívida e juros desconsiderando a responsabilidade da exequente no prolongamento da situação e no consequente acréscimo de juros) num prazo razoável que estima ser de cerca de 15 dias (prazo que uma vez mais demonstra a sua inabalável vontade de pôr termo rápido a esta situação evitando o seu prolongamento e não de obter qualquer dilação) acrescido das custas do processo.

SS) Sendo que, até hoje, não obteve qualquer resposta ou sequer uma contraproposta.

TT) É, portanto, incompreensível que, dispondo a exequente de uma proposta de pagamento de 110.000 euros em 15 dias, perfazendo no total da execução entre entregas voluntárias, montantes penhorados no vencimento da fiadora e a proposta agora apresentada um montante superior a € 200.000 (duzentos mil euros) para uma dívida inicial de pouco mais de 60.000 euros, insista de forma extrema em garantir a propriedade para si de um imóvel pertença do executado e habitação da sua mãe por um valor muito inferior ao seu valor real;

UU) Parecendo e querendo objectivamente causar deliberadamente prejuízo ao executado; seja não respondendo às suas propostas e com isso agravando diariamente os juros devidos e portanto o montante total da dívida que podia há muito estar reestruturada e em cumprimento, seja pretendendo obter a propriedade de um bem por um valor inferior ao seu valor real que nem sequer permite a liquidação da dívida, sendo ademais um comportamento que não tem paralelo com qualquer outro caso dos muitos conhecidos pelo executado em que a exequente, perante propostas bem menos favoráveis do que a que foi apresentada pelo executado, tem aceite tais propostas, quer reestruturando as dívidas, quer aceitando dações em pagamento com perdão integral de juros.

VV) Donde, o pedido de adjudicação de um imóvel para habitação que tem um valor superior a 90.000 euros por pouco mais de 60.000 euros sem sequer responder a propostas negociais sérias do executado e sem esperar pelo resultado de uma venda por negociação particular (a repetição do pedido de adjudicação foi feito 15 dias depois da determinação da venda por negociação particular) configura um claro abuso na modalidade de venire contra factum proprium.

WW) Situação que se verifica in casu devendo considerar-se ilegítimo nos termos do artigo 334.º do Código Civil, determinando a impossibilidade de adjudicação pelo preço proposto.

Nestes termos e nos demais de direito que V.Exas como sempre doutamente suprirão, deve ser considerado procedente o presente recurso e, em consequência, deve revogar-se a decisão recorrida de 21 de Junho de 2017, com a referência Citius 28894932 por:

A) Com decisão anterior se ter esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à possibilidade de adjudicação do imóvel pelo valor proposto pelo exequente;

B) Existindo caso julgado formal de despacho anterior, dever ser aquele respeitado;

C) Violação do disposto no artigo 799.º, n.º 3, do CPC;

D) Subsidiariamente por nulidade;

E) Finalmente abuso de direito;

E determinando-se o prosseguimento da venda por negociação particular tal como oportuna e validamente determinado, assim se fazendo a costumada justiça.

A recorrida contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – Os presentes autos tiveram início por requerimento executivo apresentado a juízo no decurso do ano de 2004, ou seja, há cerca de treze anos, tendo sido penhorado o imóvel dado em garantia à Exequente, ora Recorrida, ou seja, a fracção autónoma designada pela letra "F" do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Beja com o n.º (…) e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…).

2 – Em 08/11/2011 foi decidido pelo senhor Agente de Execução que a fracção autónoma penhorada seria objecto de venda judicial mediante proposta em carta fechada, tendo sido fixado o valor base de € 113.000, ao qual correspondia o valor mínimo de € 79.100 (70% do valor base definido).

3 – Foram designadas como datas para a venda os dias 06/07/2015, 29/11/2016 e 14/02/2017, sendo que apenas nesta última data é que foi concretizada a venda, face às sucessivas tentativas dos executados de alcançarem acordos extrajudiciais com a exequente, ora recorrida, com vista a protelar no tempo a venda do mesmo.

4 – O valor mínimo de venda do imóvel penhorado nos presentes autos ascendia ao montante de € 96.050, correspondente a 85% do valor base fixado pelo senhor agente de execução no ano de 2011.

5 – Na data de venda designada – 14/02/2017 –, a exequente, ora recorrida, apresentou proposta de adjudicação do mencionado imóvel pelo montante de € 66.500 (sessenta e seis mil e quinhentos euros), valor ligeiramente superior a 85% do valor patrimonial do imóvel fixado no decurso do ano de 2015, conforme se constata da caderneta predial que ora se junta como Doc. n.º 1.

6 – A proposta apresentada teve como pressupostos o facto do valor mínimo fixado para a venda do imóvel ter ocorrido em 2011, sendo que a venda do mesmo se concretizou em Fevereiro de 2017, ou seja, decorridos cerca de seis anos, naturalmente que face à conjuntura do mercado e a desvalorização do mercado imobiliário, o valor mínimo de venda do imóvel penhorado há muito que se encontrava desfasado do tempo e da realidade.

7 – A venda do imóvel designada para o dia 14/02/2017 mostrou-se deserta atenta a inexistência de propostas de aquisição que cumprissem o valor mínimo fixado, não obstante a existência da proposta de adjudicação apresentada pela ora recorrida, pelo que foi ordenada a venda por negociação particular.

8 – Face ao lapso de tempo decorrido desde a fixação de valor de venda – 2011 – e a designação da venda do imóvel por negociação particular –  2017 – a exequente, ora recorrida, por requerimento apresentado a juízo em 06/03/2017, requereu a redução do valor mínimo de venda para o montante de € 66.500 e, consequentemente, a respectiva adjudicação do imóvel penhorado por aquele montante, valor este correspondente a um valor superior a 85% do actual valor patrimonial da fracção autónoma (€ 78.196,38), conforme se depreende da caderneta predial ora junta.

9 – O douto Tribunal a quo deferiu a pretensão da exequente, ora recorrida, ou seja, deferiu a redução do valor mínimo de venda e consequente adjudicação, à ora recorrida, pelo montante de € 66.500, tendo em consideração que (i) os presentes autos (iniciados em 2004) se encontram em fase de venda por negociação particular, (ii) a conjuntura do mercado imobiliário, (iii) a inexistência de qualquer outra proposta de aquisição da fracção autónoma penhorada e (iv) que o "processo ( ... ) não se pode eternizar pelo bloqueio do executado".

10 – O executado, ora recorrente, não se conformando com o mencionado despacho a quo proferido em 23106/2017, recorreu do mesmo invocando que este viola o disposto no n.º 1 do artigo 613.º, no n.º 1 do artigo 620.º, no n.º 3 do artigo 779.º e no n.º 1 do artigo 334.º, todos do C.P.C., improcedendo, contudo, in totum, a sua pretensão.

11 – Inexiste qualquer violação do disposto no n.º 1 dos artigos 613.º e 620.º do CPC, uma vez que não se mostra esgotado o poder jurisdicional nem tão pouco a existência de caso julgado formal, conforme pretende fazer crer o executado, ora recorrente, porquanto o douto despacho recorrido incidiu sobre requerimento distinto do apresentado pela recorrida em 06/02/2017 e numa fase processual daquela na qual já havia sido proferido despacho.

12 – Ou seja, o douto despacho recorrido incidiu sobre o requerimento de redução do valor mínimo de venda e consequente adjudicação apresentado a juízo em 06/03/2017 na fase de venda por negociação particular.

13 – O Recorrente pretende confundir o douto tribunal ao invocar que o poder jurisdicional já se mostrava esgotado e existia caso julgado formal quando, na realidade, o requerimento apresentado pela recorrida em 06/03/2017 – na fase de negociação particular – não havia sido objecto de qualquer decisão do Tribunal a quo.

14 – De igual forma, o douto despacho recorrido não se mostra ferido de qualquer nulidade prevista no n.º 3 do artigo 779.º do C.P.C.

15 – A venda de imóvel penhorado por negociação particular encontra-se prevista nos artigos 832.º e seguintes do C.P.C., sendo que as regras aplicáveis à venda por negociação particular são distintas das regras aplicáveis à venda mediante proposta em carta fechada, como sucede nos presentes autos.

16 – Se é certo que na venda mediante proposta em carta fechada é obrigatória a fixação de um valor mínimo de venda, também é certo que na venda por negociação particular tal imposição não existe.

17 – Na venda de imóvel penhorado por negociação particular deverá, naturalmente, ter-se em consideração um valor de venda do mesmo. No entanto e caso seja apresentada uma proposta por valor inferior, sempre a mesma poderá ser aceite por acordo das partes - o que não acontece nos presentes autos - ou por decisão do douto tribunal - conforme sucedeu nos presentes autos.

18 – Nesse sentido, veja-se o douto Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/04/2016, e o douto Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 20/0/2016.

19 – Face ao supra exposto, facilmente se afere não assistir qualquer razão ao recorrente, porquanto o douto despacho recorrido não tinha qualquer obrigatoriedade de alterar o valor base fixado em sede de venda por proposta em carta fechada.

20 – De igual modo, o douto despacho recorrido não se mostra ferido de qualquer nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C. porquanto fundamentou detalhadamente os motivos do deferimento de redução do valor de venda e consequente adjudicação do imóvel à recorrida, mais concretamente: (i) o facto dos presentes autos (iniciados em 2004) se encontrarem em fase de venda por negociação particular, (ii) a conjuntura do mercado imobiliário, (iii) a inexistência de qualquer outra proposta de aquisição da fracção autónoma penhorada e (iv) que o processo (...) não se pode eternizar pelo bloqueio do executado".

21 – O executado, ora recorrente, tem ainda a desfaçatez de vir alegar um hipotético abuso de direito da exequente, ora recorrente, nos termos do disposto no artigo 334.º do C.P.C., invocando que apresentou uma proposta de resolução extrajudicial à qual não obteve resposta da exequente, ora recorrida, pretendendo esta a aquisição de um imóvel por valor inferior ao valor de mercado do mesmo.

22 – O executado, ora recorrente, pretende, nada mais nada menos do que protelar no tempo o normal decorrer dos presentes autos, como tem feito sucessivamente sempre que é agendada data de venda do imóvel penhorado, bem sabendo que, pelo menos desde 2004, deixou de cumprir as obrigações emergentes do empréstimo hipotecário celebrado com a exequente, ora recorrida, ou seja, há mais de treze anos!

23 – O incumprimento das obrigações emergentes do contrato hipotecário celebrado com a exequente, ora recorrida, tem como manifesta consequência a venda do imóvel dado em garantia ao mesmo.

24 – O valor da adjudicação apresentado pela exequente, ora recorrida –  € 66.500 – é ligeiramente superior a 85% do valor patrimonial actual nos termos de avaliação efectuada há menos de seis anos, conforme estabelece a alínea a) do n.º 3 do artigo 812.º do C.P.C..

25 – Não obstante, tendo a proposta de adjudicação sido apresentada em sede de negociação particular, não existe qualquer obrigatoriedade de ser fixado um valor mínimo de venda, conforme supra exposto.

26 – Inexiste assim qualquer alegado abuso de direito da recorrida ao requerer a adjudicação do imóvel penhorado pelo montante de € 66.500.

27 – Motivo pelo qual, deverá ser considerado improcedente o presente recurso interposto pelo executado, ora recorrente, por falta de fundamento legal e, consequentemente, devendo manter-se o douto despacho recorrido.

Nestes termos, deve ser recusado provimento ao recurso apresentado pelo recorrente, mantendo-se o douto despacho do tribunal a quo, pois assim impõem o Direito e a Justiça!

O recurso foi admitido.

É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o objecto deste último e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do CPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

*

As questões a resolver são as seguintes:

1 – Nulidade do despacho recorrido;

2 – Violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional e do caso julgado formal;

3 – Admissibilidade da adjudicação pelo valor de € 66.500.

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1 – Nulidade do despacho recorrido:

O recorrente sustenta que o despacho recorrido padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, porquanto determinou uma redução do valor base da venda sem especificar para quanto, sendo certo que se trata de um elemento essencial da decisão uma vez que justificou o juízo de admissibilidade da proposta de adjudicação.

O referido artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC estabelece que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Resulta do artigo 613.º, n.º 3, do CPC que o regime das nulidades da sentença é aplicável aos despachos, com as necessárias adaptações.  

A nulidade em causa só se verifica “quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”[1]. Ora, o despacho recorrido encontra-se fundamentado, quer de facto, quer de direito. É certo que, como o recorrente salienta, não especificou um novo valor base para a venda por negociação particular. Contudo, não o fez porque, em função daquilo que foi decidido, a fixação de tal valor não tinha cabimento. Com efeito, foi decidido adjudicar o imóvel à recorrida pelo valor de € 66.500, desistindo-se, logicamente, da venda por negociação particular. Mais concretamente, entendeu-se que, por se ter frustrado a venda através de propostas em carta fechada e, em sede de venda por negociação particular, não ter aparecido qualquer interessado, fosse pelo valor fixado, fosse por um valor inferior, se justificava a adjudicação do imóvel à recorrente pelo referido valor de € 66.500. Esta decisão, que foi a efectivamente tomada pelo tribunal recorrido, encontra-se fundamentada. Logo, não se verifica a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.

A questão suscitada pelo recorrente conduz-nos, porém, a uma outra, ainda no campo das nulidades da decisão. O despacho recorrido padece de um vício de base, que é o de, em vez de tomar uma decisão sobre a requerida redução do valor base da venda do imóvel através de negociação particular, ter autorizado uma adjudicação que não foi requerida. Na realidade, aquilo que a recorrida requereu em 06.03.2017 não foi a adjudicação do imóvel, mas sim a redução do valor base da venda deste através de negociação particular, então já ordenada; e, para a hipótese de o tribunal recorrido decidir tal redução, apresentou uma “proposta em venda por negociação particular para aquisição do bem imóvel a vender à ordem dos presentes autos, pelo montante de € 66.500,00 (…)”. Daí, provavelmente, a convicção do recorrente de que a omissão, no despacho recorrido, de um novo valor base para a venda por negociação particular se traduzia na falta de um elemento essencial daquele despacho. Seria assim se o tribunal recorrido tivesse apreciado e decidido o que lhe foi requerido pela recorrida. Porém, o tribunal recorrido decidiu coisa diversa do que lhe foi requerido e, como acima referimos, em função dessa decisão, fê-lo de forma fundamentada. Sendo assim, o despacho recorrido padece das nulidades previstas, não na alínea b), mas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Ao decidir adjudicar o imóvel à recorrida na sequência de lhe ter sido requerida a redução do valor base para a venda por negociação particular, o tribunal recorrido, por um lado, deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia ter apreciado e, por outro, ultrapassou os limites dos seus poderes de cognição e decretou coisa diversa daquilo que lhe foi requerido.

O facto de a recorrida ter apresentado uma proposta de compra do imóvel para a eventualidade de o requerimento de redução do valor base ser deferido não invalida o que acabamos de afirmar. Tal proposta não constitui um requerimento de adjudicação, já que esta última tem um regime próprio, constante dos artigos 799.º a 802.º do CPC, que não se confunde com a apresentação de uma proposta em sede de venda por negociação particular. Mais, a recorrida dirigiu a proposta de compra do imóvel ao juiz, quando devia tê-lo feito ao encarregado da venda (artigo 833.º, n.º 1, do CPC), pelo que a mesma acaba por ser inócua, a menos que o tribunal recorrido passasse a actuar como intermediário entre a recorrida e o encarregado da venda, o que não faria sentido. Na sua parte útil, o requerimento apresentado pela recorrida em 06.03.2017 é, como se referiu, de redução do valor base da venda do imóvel através de negociação particular, tendo em vista facilitar a mesma venda, matéria essa da competência do juiz. Não estamos perante um requerimento de adjudicação do imóvel, repetimos.

Refira-se, por último, que o despacho recorrido é nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, também por não ter apreciado a questão do alegado abuso de direito por parte da recorrida. Tendo essa questão sido suscitada pelo recorrente ao pronunciar-se sobre o requerimento apresentado pela recorrida em 06.03.2017, não podia o tribunal recorrido deixar de se pronunciar sobre a mesma ao tomar uma decisão sobre o mesmo requerimento.

Conclui-se, assim, que o despacho recorrido é nulo nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC.

2 – Violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional e do caso julgado formal:

O recorrente sustenta que o despacho recorrido, ao autorizar uma adjudicação que fora anteriormente indeferida, violou o disposto no n.º 1 do artigo 613.º do CPC, de acordo com o qual (devidamente adaptado nos termos do n.º 3 do mesmo artigo), uma vez proferido um despacho, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria sobre a qual o mesmo recaiu. Nas suas alegações, a recorrida opõe, a este argumento, o de que não se mostra esgotado o poder jurisdicional, nem existe caso julgado formal, porquanto o despacho recorrido incidiu sobre requerimento distinto do de 06.02.2017 e numa fase processual diversa.

Os factos relevantes para a análise desta questão são os seguintes:

- Em 06.02.2017, a recorrida requereu ao agente de execução que, pelo valor de € 66.500, lhe fosse adjudicado o imóvel penhorado, então em venda através de propostas em carta fechada;

- Na diligência destinada à sua abertura, realizada em 14.02.2017, verificou-se a inexistência de propostas; o referido requerimento de adjudicação não foi, então, considerado porque o valor oferecido era inferior ao mínimo resultante dos artigos 799.º, n.º 3, e 816.º, n.º 2, do CPC;

- Na mesma diligência, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho (manuscrito em letra dificilmente legível, prática esta incompreensível tendo em conta as ferramentas informáticas actualmente ao dispor dos tribunais):

“Sem propostas.

Segue para negociação particular.

Nomeado encarregado da venda o A. E., salvo oposição.”

- Em 06.03.2017, a recorrida requereu a redução do valor base da venda do imóvel através de negociação particular e, para a hipótese de o tribunal recorrido decidir tal redução, apresentou uma proposta de aquisição pelo preço de € 66.500;

- Após o recorrente se ter pronunciado, foi proferido, em 21.06.2017, o despacho recorrido, autorizando a adjudicação do imóvel à recorrida pelo valor de € 66.500.

O despacho proferido em 14.02.2017 não menciona o requerimento de adjudicação de 06.02.2017. Este requerimento é mencionado no auto de abertura de propostas em carta fechada nos seguintes termos (e também em letra dificilmente legível): “Existe pedido de adjudicação, não considerado por os valores não atingirem o mínimo”.

Apesar de não se ter pronunciado expressamente sobre o requerimento de adjudicação, o despacho proferido em 14.02.2017, ao ordenar a venda por negociação particular, indeferiu-o implicitamente. Isto porque a decisão de proceder à venda por negociação particular teve como pressuposto a inexistência de propostas e o indeferimento do requerimento de adjudicação. Não tendo sido interposto recurso desse despacho, o mesmo transitou em julgado nesses termos, formando-se, assim, caso julgado formal implícito no que concerne ao indeferimento do referido requerimento de adjudicação. As figuras da decisão ou julgamento implícito e do caso julgado implícito são pacificamente aceites pela nossa jurisprudência, podendo citar-se, a propósito, os seguintes acórdãos: do Supremo Tribunal de Justiça de 03.04.1991 (proc. 080492; relator: RICARDO DA VELHA), 12.09.2007 (proc. 07S923; relator: SOUSA PEIXOTO) e 14.05.2014 (proc. 120/13.1TTGRD-A.C1S1; relator: MÁRIO BELO MORGADO); da Relação de Lisboa de 13.11.2014 (proc. 1152/11.0YXLSB.L1-6; relator: VÍTOR AMARAL); e da Relação de Coimbra de 12.01.2016 (proc. 37/09.4TBSRT-D.C2; relator: FALCÃO DE MAGALHÃES).

Com o indeferimento do requerimento de adjudicação de 06.02.2017, esgotou-se o poder jurisdicional do tribunal recorrido sobre essa matéria, nos termos do artigo 613.º do CPC. Não tendo sido interposto recurso do mesmo despacho, este último, como vimos acima, adquiriu força de caso julgado formal, nos termos do artigo 620.º, n.º 1, do CPC.

Em consequência do referido esgotamento do seu poder jurisdicional sobre a matéria em questão, estava vedado, ao tribunal recorrido, proferir nova decisão sobre a mesma. Sendo essa nova decisão proferida após o trânsito em julgado do despacho de 14.02.2017, ofenderia o caso julgado formal decorrente desse trânsito.

Não obstante o esgotamento do seu poder jurisdicional e o trânsito em julgado do seu despacho de 14.02.2017, o tribunal recorrido proferiu, em 21.06.2017, o despacho recorrido, em sentido diametralmente oposto ao anterior, pois autorizou uma adjudicação em termos em tudo idênticos àqueles que anteriormente tinha julgado inadmissíveis. Mais, o despacho recorrido é contraditório, não só com o anterior indeferimento implícito do requerimento de adjudicação, mas também com a decisão que expressamente consta do despacho de 14.02.2017, pois, sem sequer abrir a porta à venda por preço inferior ao anteriormente fixado como mínimo, através do deferimento daquilo que a recorrida efectivamente requereu, desistiu da venda por negociação particular e autorizou a adjudicação. Sendo assim, impõe-se a conclusão de que o despacho recorrido violou o princípio do esgotamento do poder jurisdicional consagrado no artigo 613.º do CPC e ofendeu o caso julgado formal decorrente do trânsito em julgado do seu despacho anterior, nos termos do artigo 620.º, n.º 1, do mesmo código.

Resta esclarecer que o argumento da recorrida segundo o qual não se encontrava esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido, nem existia caso julgado formal, porquanto o despacho recorrido incidiu sobre requerimento distinto do de 06.02.2017 e numa fase processual diversa, não faz sentido. A reiteração, pela parte, de uma pretensão já decidida através de despacho transitado em julgado não reabre a discussão nem permite a prolação de nova decisão sobre a mesma. É o que decorre dos citados artigos 613.º e 620.º, n.º 1, do CPC.

3 – Admissibilidade da adjudicação pelo valor de € 66.500:

Não obstante já resultar da exposição anterior que o despacho recorrido tem de ser revogado, não deixaremos de analisar, ainda que muito brevemente, a questão da admissibilidade da adjudicação do imóvel à recorrida pelo valor de € 66.500, suscitada pelo recorrente.

Decorre do artigo 799.º, n.º 3, do CPC, que o exequente que pretenda que lhe sejam adjudicados bens penhorados para pagamento, total ou parcial, do seu crédito, deve indicar o preço que oferece, não podendo, em caso algum, a oferta ser inferior ao valor a que alude o n.º 2 do artigo 816.º. Este último preceito estabelece, por seu turno, que o valor a anunciar para a venda é igual a 85% do valor base dos bens.

Resulta dos autos que o valor base do imóvel penhorado é de € 113.000, pelo que o valor a anunciar para a venda – e, logo, o valor mínimo da adjudicação – era de € 96.050, superior ao de € 66.500 oferecido pela recorrida. Consequentemente, também por esta razão, o despacho recorrido violou a lei ao adjudicar o imóvel penhorado à recorrida pelo valor de € 66.500.

Em conclusão:

Por padecer das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC e por violar o princípio do esgotamento do poder jurisdicional (artigo 613.º, n.º 1, do CPC), o caso julgado formal decorrente da prolação do despacho de 14.02.2017 (artigo 620.º, n.º 1, do CPC) e o disposto no artigo 799.º, n.º 3, do CPC, o despacho recorrido deverá ser revogado. Em sua substituição, deverá o tribunal recorrido proferir despacho sobre o requerimento de redução do valor base da venda, analisando todas as questões suscitadas, quer pelo recorrente, quer pela recorrida, após o que os autos deverão prosseguir com vista à venda do imóvel por negociação particular.

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Decisão:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, revogando o despacho recorrido e ordenando que o tribunal recorrido profira despacho sobre o requerimento de redução do valor base da venda, analisando todas as questões suscitadas, quer pelo recorrente, quer pela recorrida, após o que os autos deverão prosseguir com vista à venda do imóvel por negociação particular.

Custas pela recorrida.

Notifique.                                   

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Évora, 26 de Abril de 2018

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.ª adjunta

2.º adjunto



[1] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4.ª edição, p. 380.

Voto de vencido exarado em acórdão da Relação de Évora de 30.01.2025

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