Processo
n.º 783/04.9TBBJA-B.E1
*
Sumário:
1 – É nulo, nos termos do artigo 615.º,
n.º 1, alíneas d) e e), do CPC, o despacho que, na sequência de um requerimento
do exequente no sentido de ser reduzido o valor mínimo de um bem em venda por negociação
particular, autoriza a adjudicação do mesmo bem ao exequente.
2 – Estamos perante uma decisão
implícita quando a decisão expressa tenha como pressuposto a resolução, em
determinado sentido, de uma questão que logicamente a anteceda, de forma a que
possa concluir-se que a primeira, apesar de não ter sido mencionada, está
subentendida na segunda; nessas condições, poderá formar-se o denominado caso
julgado implícito.
3 – O exequente que pretenda que lhe
sejam adjudicados bens penhorados para pagamento, total ou parcial, do seu
crédito, deve indicar o preço que oferece, não podendo, em caso algum, a oferta
ser inferior ao valor a que alude o n.º 2 do artigo 816.º.
*
Em
acção executiva para pagamento de quantia certa movida por Banco 1, S.A. contra
David e outros, a exequente requereu a adjudicação do bem imóvel então em venda
através de propostas em carta fechada pelo valor de € 66.500.
Na
diligência destinada à sua abertura, verificou-se a inexistência de propostas.
Não foi, então, considerado o requerimento de adjudicação apresentado pelo
exequente porque o valor por este proposto era inferior ao mínimo resultante
dos artigos 799.º, n.º 3, e 816.º, n.º 2, do CPC. Na mesma diligência, o
tribunal recorrido proferiu despacho ordenando a venda por negociação
particular.
Posteriormente,
a exequente requereu a redução do valor base da venda do imóvel para € 66.500.
Para a hipótese de tal redução ser decidida, a exequente apresentou, desde
logo, uma proposta de compra do imóvel pelo referido valor de € 66.500.
O
executado David opôs-se à redução do valor base da venda do imóvel por
negociação particular, invocando, em síntese, o seguinte:
- Com
o indeferimento da anterior proposta de adjudicação, esgotou-se o poder
jurisdicional do tribunal recorrido, não sendo, por isso, possível a prolação
de nova decisão em sentido contrário;
- A
redução do valor base da venda do imóvel nos termos pretendidos pela exequente carece
de fundamento factual e é legalmente inadmissível;
- A
insistência da exequente na adjudicação do imóvel pelo valor de € 66.500,
inferior ao valor real, constitui um abuso do direito, enquadrável na obtenção
de um efeito proibido pelos ditames da boa-fé.
O
mesmo executado requereu, ainda, a notificação da exequente para, nos termos do
artigo 810.º do CPC, se pronunciar sobre a proposta de acordo global por si
formulada.
Em
seguida, foi proferido despacho autorizando a adjudicação do imóvel à exequente
“nos exactos termos requeridos”.
O
executado David recorreu desse despacho, tendo formulado as seguintes
conclusões:
A) Em
21 de Junho de 2017, com a referência Citius 28894932, foi proferida a decisão
de que se recorre que, na sua parte dispositiva, refere expressamente "Face ao disposto, autoriza-se a
adjudicação do imóvel ao exequente nos exactos termos requeridos".
B)
Sendo embora esta parte dispositiva a única relevante para apreciar da
legalidade/ilegalidade da decisão, na parte da fundamentação que precede esta
decisão afirma a decisão recorrida "A
dinâmica processual assinalada em conjugação com a actual conjuntura de
mercado, bem espelhada na total ausência de interessados na aquisição do bem
justificam a adjudicação do imóvel à exequente pelo valor proposto."
C) Em
6 de Fevereiro de 2017, com a referência Citius 24813561, a exequente deu
conhecimento de um "requerimento de
adjudicação apresentado nos autos junto do Exmo. Agente de execução, nos termos
e para os efeitos do disposto no artigo 799.º e ss do CPC". (doc. 1
extraído do Citius e peça destinada a instruir o presente recurso).
D)
Nesse requerimento apresentado junto do Exmo. Agente de execução (com a
referência Citius 24813273), a exequente requer a adjudicação do imóvel
penhorado nos autos pelo montante de € 66.500 (sessenta e seis mil e quinhentos
euros) - cont. do doc.1 extraído do Citius e peça destinada a instruir o
presente recurso.
E) No
auto de abertura de propostas em carta fechada (doc.2 extraído do Citius e peça
destinada a instruir o presente recurso) realizada a 14 de Fevereiro de 2017,
consignou o Exmo. Agente de Execução, no item "Propostas", "Sem
Propostas. Existe pedido de adjudicação, não considerado por os valores não
atingirem os mínimos."
E) A
Meretíssima Juíza do tribunal a quo e
perante a proposta de adjudicação da exequente determinou que o processo
prosseguisse para venda por negociação particular, concordando com a decisão do
Exmo. agente de execução que a proposta de adjudicação não poderia ser
considerada por o respectivo valor não atingir o mínimo, pressupõe-se
legalmente imposto.
G) Em 6
de Março de 2017 (15 dias depois do indeferimento da adjudicação requerida),
por requerimento com a referência citius 25075088 (doc. 3 extraído do Citius e
peça destinada a instruir o presente recurso), a exequente ora recorrida veio
requerer a redução do valor base de venda para o valor de 66.500 euros (sessenta
e seis mil e quinhentos euros) e a aquisição por si do referido imóvel.
H)
Invocando, para tanto, argumentos vagos e genéricos, para além do mais falsos
como, por exemplo, "a actual
conjuntura económica menos favorável em que se encontra mergulhado o país, da
qual resultou uma retracção do mercado imobiliário", quando é facto
notório e noticiado que o mercado imobiliário está em grande expansão
atravessando uma das melhores fases dos últimos anos.
I) Ou
o facto de não terem sido apresentadas propostas de aquisição; mas sem que
tenha sequer havido tempo para o encarregado da venda diligenciar no quadro da
negociação por quaisquer propostas, sem que fosse junto qualquer estudo de
mercado, avaliação, artigo de opinião que apontasse para um valor sequer
semelhante ao que foi arbitrariamente indicado.
J)
Tendo-se o executado oposto fundamentadamente a essa pretensão, invocando desde
logo o esgotamento do poder jurisdicional em matéria de adjudicação, a
falsidade, vacuidade e generalidade dos fundamentos invocados para a redução do
preço e a sua consequente insubsistência e, finalmente, no que se pode
considerar uma alegação de abuso de direito a falta de resposta da exequente a
uma proposta de resolução extra judicial da dívida. (doc. 4 extraído do Citius
e peça destinada a instruir o presente recurso).
K)
Entre as duas decisões – indeferimento por o valor proposto não respeitar os
limites mínimos e a de adjudicação de que se recorre e proferida em 21 de Junho
de 2017 – mediaram 4 meses e não ocorreu nenhum facto processualmente
relevante, como teria sido por exemplo uma informação do encarregado da venda a
informar da impossibilidade ou insucesso da venda por negociação particular.
L)
Assim, a decisão de que se recorre identificada em A) das presentes conclusões
viola o disposto nos artigos 613.º, n.º 1, 620.º e 625.º, n.º 2 do CPC, por ser
contrária a decisão idêntica de sentido oposto, viola ainda o disposto no artigo
799.º, n.º 3, do CPC.
M) Ou,
subsidiariamente e por mera cautela de patrocínio, a entender-se que não foi
violado o disposto no artigo 799.º, n.º 3, porque foi determinada uma redução
do valor base, é nula, por falta de fundamentação, a decisão, já que nem sequer
é indicado o novo valor base, desconhecendo-se por isso esse valor.
N)
Finalmente, a decisão recorrida desconsiderou a alegação de abuso de direito e,
por isso, violou o disposto no artigo 334.º, n.º 1, do C. Civil.
O) De
acordo com o supra exposto, estamos perante dois despachos que decidem sobre a
mesma questão processual em sentidos opostos, proferidos pelo mesmo tribunal
com cerca de 4 meses de intervalo.
P) Sem
que entre uma e outra decisão se tenha verificado qualquer alteração factual,
informação relevante, em suma circunstância superveniente que legitimasse ou
fundasse a alteração da decisão.
Q)
Ora, determina o artigo 613.º, n.º 1, do CPC que, proferida a sentença, fica
imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
R) E o
n.º 3 esclarece que tal normativo se aplica, com as necessárias adaptações, aos
despachos.
S)
Ora, no caso concreto, o juiz do tribunal a
quo havia já apreciado a questão processual relativa à possibilidade ou não
de adjudicação do imóvel ao banco exequente pelo valor proposto de € 66.500
(sessenta e seis mil e quinhentos), tendo concluído pela impossibilidade dessa
adjudicação por ela não respeitar o valor mínimo legalmente exigido.
T)
Essa decisão, devidamente notificada a todas as partes, não foi alvo de qualquer
recurso,
U)
Ora, o tribunal a quo, no despacho
recorrido, sem fixar novo valor base, decide exactamente o contrário, ou seja,
determinar a adjudicação do imóvel ao exequente pelo exactamente mesmo valor
que ele já havia proposto e tinha determinado a não adjudicação.
V)
Ainda que logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por
adquirir a convicção que errou, não pode emendar o suposto erro. Para ele, a
decisão fica sendo intangível."[Cf. José Alberto dos Reis, "Código de
Processo Civil Anotado", vol. V, reimpressão, 1984, pág. 126.]
W)
Termos em que e desde logo, deve a decisão do tribunal a quo ser declarada inexistente, por violação do princípio do
esgotamento do poder jurisdicional.
X)
Acresce que também prescreve o artigo 620.º, n.º 1, do CPC que as sentenças e
os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força
obrigatória dentro do processo.
Y) E o
artigo 625.º, n.º 1, do CPC determina que, havendo duas decisões contraditórias
sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar,
sendo que o seu n.º 2 clarifica ainda que é aplicável o mesmo princípio à
contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre
a mesma questão concreta da relação processual.
Z)
Ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da
anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha
transitado em primeiro lugar (artigo 625.º, n.º 1, do CPC), critério operativo
ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem
sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do preceito).
AA) Ora,
no caso concreto, as duas decisões pronunciam-se exactamente sobre a mesma
questão – a possibilidade de adjudicação do imóvel penhorado ao banco exequente
pelo valor de 66.500 euros por este proposto.
BB) Na
primeira decisão, o tribunal a quo
entendeu não ser de considerar essa proposta por não obedecer ao valor mínimo e
determinou que o imóvel fosse vendido através de negociação particular;
CC) Na
segunda decisão, decidiu adjudicar o imóvel ao exequente apesar de este não
respeitar o valor mínimo.
DD) Claramente
estamos perante decisões opostas e contraditórias proferidas sobre o mesmo
objecto, ou a mesma questão processual.
EE) Perante
esta situação, determina o artigo 625.º, n.º 2, do CPC que deve valer a que
primeiro transitou em julgado.
FF) Pelo
que deve a decisão recorrida ser anulada e declarar-se válida e em vigor a
decisão que determinou a venda por negociação particular e não permitiu a
adjudicação ao exequente pelo irrisório valor de 66.500 euros.
GG) Em
nenhum momento ou segmento da decisão recorrida se decidiu alterar o valor base
proposto para a venda, ou se atribuiu um valor diferente ao imóvel.
HH) Pelo
que se deve concluir que o valor base para venda por negociação particular se
manteve nos € 96.500 (noventa e seis mil e quinhentos) euros.
II)
Assim, o valor pelo qual o imóvel foi adjudicado - € 66.500 (sessenta e seis
mil e quinhentos euros) é inferior a 85% do valor mínimo que se encontra ainda
fixado;
JJ)
Pelo que a decisão recorrida, ao determinar a adjudicação por esse valor,
violou as normas do artigo 799.º, n.º 3, e do artigo 816.º, n.º 2, do CPC, para
o qual aquele remete, devendo ser revogada e substituída por outra que, não
autorizando a adjudicação pelo valor proposto, faça seguir a venda por
negociação particular.
KK) A
decisão recorrida em momento algum indica:
c) Os
elementos de prova em que se fundou para definir um preço base inferior ao que
estava fixado;
d) O
montante exacto do preço base ou mínimo.
LL) Ou
seja, o despacho recorrido é nulo nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do
CPC porque não especificou o fundamento essencial de facto, qual seja o novo
valor base que justifica o juízo de admissibilidade da proposta de adjudicação.
MM) O artigo 810.º do Código Processo Civil
permite hoje, no seio do próprio processo executivo, obter um acordo quanto a
um plano de pagamentos que, nos termos da lei, pode consistir nomeadamente numa
simples moratória, num perdão, total ou parcial, de créditos, na substituição,
total ou parcial, de garantias ou na constituição de novas garantias, pelo que
nesta sede o executado vem formalmente expor as diligências já por si
efectuadas para a obtenção desse acordo e a sua última proposta formulada à
exequente.
NN) Que
transforma esta insistência na adjudicação de um imóvel por um valor substancialmente
inferior ao seu valor real num acto processualmente incompreensível,
reconduzido mesmo a um abuso de direito, enquadrável na obtenção de um efeito
proibido pelos ditames da boa-fé.
OO) A
dívida por pagar ao tempo do incumprimento era pouco superior a 60.000 euros.
PP) Num
esforço de renegociação que vem desenvolvendo desde 2012, o executado e os co-executados
já pagaram à exequente mais de 80.000 euros.
QQ) Em
Dezembro de 2016 e porque isso correspondia a uma das exigências da exequente
para renegociar a dívida, pagou mais de 13.000 euros às finanças e à segurança
social, obtendo o levantamento de penhoras que impendiam sobre o imóvel e que
agora permitiram o pedido da exequente de adjudicação livre de quaisquer ónus e
encargos.
RR) Já
em 2017 formulou uma nova proposta que consistia no pagamento de 110.000 euros
(que corresponde no essencial ao pagamento do capital em dívida e juros
desconsiderando a responsabilidade da exequente no prolongamento da situação e
no consequente acréscimo de juros) num prazo razoável que estima ser de cerca
de 15 dias (prazo que uma vez mais demonstra a sua inabalável vontade de pôr
termo rápido a esta situação evitando o seu prolongamento e não de obter
qualquer dilação) acrescido das custas do processo.
SS) Sendo
que, até hoje, não obteve qualquer resposta ou sequer uma contraproposta.
TT) É,
portanto, incompreensível que, dispondo a exequente de uma proposta de pagamento
de 110.000 euros em 15 dias, perfazendo no total da execução entre entregas
voluntárias, montantes penhorados no vencimento da fiadora e a proposta agora
apresentada um montante superior a € 200.000 (duzentos mil euros) para uma
dívida inicial de pouco mais de 60.000 euros, insista de forma extrema em
garantir a propriedade para si de um imóvel pertença do executado e habitação
da sua mãe por um valor muito inferior ao seu valor real;
UU) Parecendo
e querendo objectivamente causar deliberadamente prejuízo ao executado; seja
não respondendo às suas propostas e com isso agravando diariamente os juros
devidos e portanto o montante total da dívida que podia há muito estar
reestruturada e em cumprimento, seja pretendendo obter a propriedade de um bem
por um valor inferior ao seu valor real que nem sequer permite a liquidação da
dívida, sendo ademais um comportamento que não tem paralelo com qualquer outro
caso dos muitos conhecidos pelo executado em que a exequente, perante propostas
bem menos favoráveis do que a que foi apresentada pelo executado, tem aceite
tais propostas, quer reestruturando as dívidas, quer aceitando dações em
pagamento com perdão integral de juros.
VV) Donde,
o pedido de adjudicação de um imóvel para habitação que tem um valor superior a
90.000 euros por pouco mais de 60.000 euros sem sequer responder a propostas
negociais sérias do executado e sem esperar pelo resultado de uma venda por
negociação particular (a repetição do pedido de adjudicação foi feito 15 dias
depois da determinação da venda por negociação particular) configura um claro
abuso na modalidade de venire contra
factum proprium.
WW) Situação que se verifica in casu devendo considerar-se ilegítimo nos
termos do artigo 334.º do Código Civil, determinando a impossibilidade de
adjudicação pelo preço proposto.
Nestes
termos e nos demais de direito que V.Exas como sempre doutamente suprirão, deve
ser considerado procedente o presente recurso e, em consequência, deve
revogar-se a decisão recorrida de 21 de Junho de 2017, com a referência Citius
28894932 por:
A) Com
decisão anterior se ter esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à
possibilidade de adjudicação do imóvel pelo valor proposto pelo exequente;
B)
Existindo caso julgado formal de despacho anterior, dever ser aquele
respeitado;
C)
Violação do disposto no artigo 799.º, n.º 3, do CPC;
D)
Subsidiariamente por nulidade;
E)
Finalmente abuso de direito;
E
determinando-se o prosseguimento da venda por negociação particular tal como
oportuna e validamente determinado, assim se fazendo a costumada justiça.
A
recorrida contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1 – Os
presentes autos tiveram início por requerimento executivo apresentado a juízo
no decurso do ano de 2004, ou seja, há cerca de treze anos, tendo sido
penhorado o imóvel dado em garantia à Exequente, ora Recorrida, ou seja, a
fracção autónoma designada pela letra "F" do prédio urbano descrito
na Conservatória do Registo Predial de Beja com o n.º (…) e inscrita na matriz
predial urbana sob o artigo (…).
2 – Em
08/11/2011 foi decidido pelo senhor Agente de Execução que a fracção autónoma
penhorada seria objecto de venda judicial mediante proposta em carta fechada,
tendo sido fixado o valor base de € 113.000, ao qual correspondia o valor
mínimo de € 79.100 (70% do valor base definido).
3 – Foram
designadas como datas para a venda os dias 06/07/2015, 29/11/2016 e 14/02/2017,
sendo que apenas nesta última data é que foi concretizada a venda, face às
sucessivas tentativas dos executados de alcançarem acordos extrajudiciais com a
exequente, ora recorrida, com vista a protelar no tempo a venda do mesmo.
4 – O
valor mínimo de venda do imóvel penhorado nos presentes autos ascendia ao
montante de € 96.050, correspondente a 85% do valor base fixado pelo senhor agente
de execução no ano de 2011.
5 – Na
data de venda designada – 14/02/2017 –, a exequente, ora recorrida, apresentou
proposta de adjudicação do mencionado imóvel pelo montante de € 66.500
(sessenta e seis mil e quinhentos euros), valor ligeiramente superior a 85% do
valor patrimonial do imóvel fixado no decurso do ano de 2015, conforme se
constata da caderneta predial que ora se junta como Doc. n.º 1.
6 – A
proposta apresentada teve como pressupostos o facto do valor mínimo fixado para
a venda do imóvel ter ocorrido em 2011, sendo que a venda do mesmo se
concretizou em Fevereiro de 2017, ou seja, decorridos cerca de seis anos,
naturalmente que face à conjuntura do mercado e a desvalorização do mercado
imobiliário, o valor mínimo de venda do imóvel penhorado há muito que se
encontrava desfasado do tempo e da realidade.
7 – A
venda do imóvel designada para o dia 14/02/2017 mostrou-se deserta atenta a
inexistência de propostas de aquisição que cumprissem o valor mínimo fixado,
não obstante a existência da proposta de adjudicação apresentada pela ora recorrida,
pelo que foi ordenada a venda por negociação particular.
8 – Face
ao lapso de tempo decorrido desde a fixação de valor de venda – 2011 – e a
designação da venda do imóvel por negociação particular – 2017 – a exequente, ora recorrida, por
requerimento apresentado a juízo em 06/03/2017, requereu a redução do valor
mínimo de venda para o montante de € 66.500 e, consequentemente, a respectiva
adjudicação do imóvel penhorado por aquele montante, valor este correspondente
a um valor superior a 85% do actual valor patrimonial da fracção autónoma (€
78.196,38), conforme se depreende da caderneta predial ora junta.
9 – O
douto Tribunal a quo deferiu a
pretensão da exequente, ora recorrida, ou seja, deferiu a redução do valor
mínimo de venda e consequente adjudicação, à ora recorrida, pelo montante de €
66.500, tendo em consideração que (i) os presentes autos (iniciados em 2004) se
encontram em fase de venda por negociação particular, (ii) a conjuntura do
mercado imobiliário, (iii) a inexistência de qualquer outra proposta de
aquisição da fracção autónoma penhorada e (iv) que o "processo ( ... ) não
se pode eternizar pelo bloqueio do executado".
10 – O
executado, ora recorrente, não se conformando com o mencionado despacho a quo proferido em 23106/2017, recorreu
do mesmo invocando que este viola o disposto no n.º 1 do artigo 613.º, no n.º 1
do artigo 620.º, no n.º 3 do artigo 779.º e no n.º 1 do artigo 334.º, todos do
C.P.C., improcedendo, contudo, in totum,
a sua pretensão.
11 – Inexiste
qualquer violação do disposto no n.º 1 dos artigos 613.º e 620.º do CPC, uma
vez que não se mostra esgotado o poder jurisdicional nem tão pouco a existência
de caso julgado formal, conforme pretende fazer crer o executado, ora recorrente,
porquanto o douto despacho recorrido incidiu sobre requerimento distinto do
apresentado pela recorrida em 06/02/2017 e numa fase processual daquela na qual
já havia sido proferido despacho.
12 – Ou
seja, o douto despacho recorrido incidiu sobre o requerimento de redução do
valor mínimo de venda e consequente adjudicação apresentado a juízo em 06/03/2017
na fase de venda por negociação particular.
13 – O
Recorrente pretende confundir o douto tribunal ao invocar que o poder
jurisdicional já se mostrava esgotado e existia caso julgado formal quando, na
realidade, o requerimento apresentado pela recorrida em 06/03/2017 – na fase de
negociação particular – não havia sido objecto de qualquer decisão do Tribunal a quo.
14 – De
igual forma, o douto despacho recorrido não se mostra ferido de qualquer
nulidade prevista no n.º 3 do artigo 779.º do C.P.C.
15 – A
venda de imóvel penhorado por negociação particular encontra-se prevista nos
artigos 832.º e seguintes do C.P.C., sendo que as regras aplicáveis à venda por
negociação particular são distintas das regras aplicáveis à venda mediante
proposta em carta fechada, como sucede nos presentes autos.
16 – Se
é certo que na venda mediante proposta em carta fechada é obrigatória a fixação
de um valor mínimo de venda, também é certo que na venda por negociação
particular tal imposição não existe.
17 – Na
venda de imóvel penhorado por negociação particular deverá, naturalmente,
ter-se em consideração um valor de venda do mesmo. No entanto e caso seja
apresentada uma proposta por valor inferior, sempre a mesma poderá ser aceite
por acordo das partes - o que não acontece nos presentes autos - ou por decisão
do douto tribunal - conforme sucedeu nos presentes autos.
18 – Nesse
sentido, veja-se o douto Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de
19/04/2016, e o douto Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 20/0/2016.
19 – Face
ao supra exposto, facilmente se afere não assistir qualquer razão ao recorrente,
porquanto o douto despacho recorrido não tinha qualquer obrigatoriedade de
alterar o valor base fixado em sede de venda por proposta em carta fechada.
20 – De
igual modo, o douto despacho recorrido não se mostra ferido de qualquer
nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C. porquanto
fundamentou detalhadamente os motivos do deferimento de redução do valor de
venda e consequente adjudicação do imóvel à recorrida, mais concretamente: (i)
o facto dos presentes autos (iniciados em 2004) se encontrarem em fase de venda
por negociação particular, (ii) a conjuntura do mercado imobiliário, (iii) a
inexistência de qualquer outra proposta de aquisição da fracção autónoma
penhorada e (iv) que o processo (...) não se pode eternizar pelo bloqueio do
executado".
21 – O
executado, ora recorrente, tem ainda a desfaçatez de vir alegar um hipotético
abuso de direito da exequente, ora recorrente, nos termos do disposto no artigo
334.º do C.P.C., invocando que apresentou uma proposta de resolução
extrajudicial à qual não obteve resposta da exequente, ora recorrida,
pretendendo esta a aquisição de um imóvel por valor inferior ao valor de
mercado do mesmo.
22 – O
executado, ora recorrente, pretende, nada mais nada menos do que protelar no
tempo o normal decorrer dos presentes autos, como tem feito sucessivamente
sempre que é agendada data de venda do imóvel penhorado, bem sabendo que, pelo
menos desde 2004, deixou de cumprir as obrigações emergentes do empréstimo
hipotecário celebrado com a exequente, ora recorrida, ou seja, há mais de treze
anos!
23 – O
incumprimento das obrigações emergentes do contrato hipotecário celebrado com a
exequente, ora recorrida, tem como manifesta consequência a venda do imóvel
dado em garantia ao mesmo.
24 – O
valor da adjudicação apresentado pela exequente, ora recorrida – € 66.500 – é ligeiramente superior a 85% do
valor patrimonial actual nos termos de avaliação efectuada há menos de seis
anos, conforme estabelece a alínea a) do n.º 3 do artigo 812.º do C.P.C..
25 – Não
obstante, tendo a proposta de adjudicação sido apresentada em sede de
negociação particular, não existe qualquer obrigatoriedade de ser fixado um
valor mínimo de venda, conforme supra exposto.
26 – Inexiste
assim qualquer alegado abuso de direito da recorrida ao requerer a adjudicação
do imóvel penhorado pelo montante de € 66.500.
27 – Motivo
pelo qual, deverá ser considerado improcedente o presente recurso interposto
pelo executado, ora recorrente, por falta de fundamento legal e,
consequentemente, devendo manter-se o douto despacho recorrido.
Nestes
termos, deve ser recusado provimento ao recurso apresentado pelo recorrente,
mantendo-se o douto despacho do tribunal a
quo, pois assim impõem o Direito e a Justiça!
O
recurso foi admitido.
É
entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se
define o objecto deste último e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal
de recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das
questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do CPC). Acresce que os recursos não visam criar
decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do
acto recorrido.
*
As
questões a resolver são as seguintes:
1 –
Nulidade do despacho recorrido;
2 –
Violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional e do caso julgado
formal;
3 – Admissibilidade
da adjudicação pelo valor de € 66.500.
*
1 – Nulidade do despacho recorrido:
O recorrente sustenta que o despacho
recorrido padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC,
porquanto determinou uma redução do valor base da venda sem especificar para
quanto, sendo certo que se trata de um elemento essencial da decisão uma vez
que justificou o juízo de admissibilidade da proposta de adjudicação.
O referido artigo 615.º, n.º 1, al. b),
do CPC estabelece que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos
de facto e de direito que justificam a decisão. Resulta do artigo 613.º, n.º 3,
do CPC que o regime das nulidades da sentença é aplicável aos despachos, com as
necessárias adaptações.
A nulidade em causa só se verifica “quando falte em absoluto a indicação dos
fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não
a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Ora, o despacho recorrido
encontra-se fundamentado, quer de facto, quer de direito. É certo que, como o
recorrente salienta, não especificou um novo valor base para a venda por
negociação particular. Contudo, não o fez porque, em função daquilo que foi
decidido, a fixação de tal valor não tinha cabimento. Com efeito, foi decidido adjudicar
o imóvel à recorrida pelo valor de € 66.500, desistindo-se, logicamente, da
venda por negociação particular. Mais concretamente, entendeu-se que, por se
ter frustrado a venda através de propostas em carta fechada e, em sede de venda
por negociação particular, não ter aparecido qualquer interessado, fosse pelo
valor fixado, fosse por um valor inferior, se justificava a adjudicação do
imóvel à recorrente pelo referido valor de € 66.500. Esta decisão, que foi a
efectivamente tomada pelo tribunal recorrido, encontra-se fundamentada. Logo,
não se verifica a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
A questão suscitada pelo recorrente
conduz-nos, porém, a uma outra, ainda no campo das nulidades da decisão. O
despacho recorrido padece de um vício de base, que é o de, em vez de tomar uma
decisão sobre a requerida redução do valor base da venda do imóvel através de
negociação particular, ter autorizado uma adjudicação que não foi requerida. Na
realidade, aquilo que a recorrida requereu em 06.03.2017 não foi a adjudicação
do imóvel, mas sim a redução do valor base da venda deste através de negociação
particular, então já ordenada; e, para a hipótese de o tribunal recorrido
decidir tal redução, apresentou uma “proposta
em venda por negociação particular para aquisição do bem imóvel a vender à
ordem dos presentes autos, pelo montante de € 66.500,00 (…)”. Daí, provavelmente,
a convicção do recorrente de que a omissão, no despacho recorrido, de um novo
valor base para a venda por negociação particular se traduzia na falta de um
elemento essencial daquele despacho. Seria assim se o tribunal recorrido
tivesse apreciado e decidido o que lhe foi requerido pela recorrida. Porém, o
tribunal recorrido decidiu coisa diversa do que lhe foi requerido e, como acima
referimos, em função dessa decisão, fê-lo de forma fundamentada. Sendo assim, o
despacho recorrido padece das nulidades previstas, não na alínea b), mas nas
alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Ao decidir adjudicar o imóvel
à recorrida na sequência de lhe ter sido requerida a redução do valor base para
a venda por negociação particular, o tribunal recorrido, por um lado, deixou de
se pronunciar sobre uma questão que devia ter apreciado e, por outro, ultrapassou
os limites dos seus poderes de cognição e decretou coisa diversa daquilo que
lhe foi requerido.
O facto de a recorrida ter apresentado
uma proposta de compra do imóvel para a eventualidade de o requerimento de
redução do valor base ser deferido não invalida o que acabamos de afirmar. Tal
proposta não constitui um requerimento de adjudicação, já que esta última tem
um regime próprio, constante dos artigos 799.º a 802.º do CPC, que não se
confunde com a apresentação de uma proposta em sede de venda por negociação
particular. Mais, a recorrida dirigiu a proposta de compra do imóvel ao juiz,
quando devia tê-lo feito ao encarregado da venda (artigo 833.º, n.º 1, do CPC),
pelo que a mesma acaba por ser inócua, a menos que o tribunal recorrido
passasse a actuar como intermediário entre a recorrida e o encarregado da
venda, o que não faria sentido. Na sua parte útil, o requerimento apresentado
pela recorrida em 06.03.2017 é, como se referiu, de redução do valor base da
venda do imóvel através de negociação particular, tendo em vista facilitar a
mesma venda, matéria essa da competência do juiz. Não estamos perante um
requerimento de adjudicação do imóvel, repetimos.
Refira-se, por último, que o despacho
recorrido é nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, também por
não ter apreciado a questão do alegado abuso de direito por parte da recorrida.
Tendo essa questão sido suscitada pelo recorrente ao pronunciar-se sobre o
requerimento apresentado pela recorrida em 06.03.2017, não podia o tribunal
recorrido deixar de se pronunciar sobre a mesma ao tomar uma decisão sobre o
mesmo requerimento.
Conclui-se, assim, que o despacho
recorrido é nulo nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC.
2 – Violação do princípio do esgotamento
do poder jurisdicional e do caso julgado formal:
O recorrente sustenta que o despacho
recorrido, ao autorizar uma adjudicação que fora anteriormente indeferida,
violou o disposto no n.º 1 do artigo 613.º do CPC, de acordo com o qual
(devidamente adaptado nos termos do n.º 3 do mesmo artigo), uma vez proferido
um despacho, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à
matéria sobre a qual o mesmo recaiu. Nas suas alegações, a recorrida opõe, a
este argumento, o de que não se mostra esgotado o poder jurisdicional, nem
existe caso julgado formal, porquanto o despacho recorrido incidiu sobre
requerimento distinto do de 06.02.2017 e numa fase processual diversa.
Os factos relevantes para a análise
desta questão são os seguintes:
- Em 06.02.2017, a recorrida requereu ao
agente de execução que, pelo valor de € 66.500, lhe fosse adjudicado o imóvel penhorado,
então em venda através de propostas em carta fechada;
- Na diligência destinada à sua
abertura, realizada em 14.02.2017, verificou-se a inexistência de propostas; o
referido requerimento de adjudicação não foi, então, considerado porque o valor
oferecido era inferior ao mínimo resultante dos artigos 799.º, n.º 3, e 816.º,
n.º 2, do CPC;
- Na mesma diligência, o tribunal
recorrido proferiu o seguinte despacho (manuscrito em letra dificilmente
legível, prática esta incompreensível tendo em conta as ferramentas
informáticas actualmente ao dispor dos tribunais):
“Sem
propostas.
Segue
para negociação particular.
Nomeado
encarregado da venda o A. E., salvo oposição.”
- Em 06.03.2017, a recorrida requereu a
redução do valor base da venda do imóvel através de negociação particular e,
para a hipótese de o tribunal recorrido decidir tal redução, apresentou uma
proposta de aquisição pelo preço de € 66.500;
- Após o recorrente se ter pronunciado,
foi proferido, em 21.06.2017, o despacho recorrido, autorizando a adjudicação
do imóvel à recorrida pelo valor de € 66.500.
O despacho proferido em 14.02.2017 não
menciona o requerimento de adjudicação de 06.02.2017. Este requerimento é
mencionado no auto de abertura de propostas em carta fechada nos seguintes
termos (e também em letra dificilmente legível): “Existe pedido de adjudicação, não considerado por os valores não
atingirem o mínimo”.
Apesar de não se ter pronunciado
expressamente sobre o requerimento de adjudicação, o despacho proferido em
14.02.2017, ao ordenar a venda por negociação particular, indeferiu-o
implicitamente. Isto porque a decisão de proceder à venda por negociação
particular teve como pressuposto a inexistência de propostas e o indeferimento
do requerimento de adjudicação. Não tendo sido interposto recurso desse
despacho, o mesmo transitou em julgado nesses termos, formando-se, assim, caso
julgado formal implícito no que concerne ao indeferimento do referido
requerimento de adjudicação. As figuras da decisão ou julgamento implícito e do
caso julgado implícito são pacificamente aceites pela nossa jurisprudência,
podendo citar-se, a propósito, os seguintes acórdãos: do Supremo Tribunal de
Justiça de 03.04.1991 (proc. 080492; relator: RICARDO DA VELHA), 12.09.2007
(proc. 07S923; relator: SOUSA PEIXOTO) e 14.05.2014 (proc. 120/13.1TTGRD-A.C1S1; relator: MÁRIO BELO MORGADO); da Relação de Lisboa de 13.11.2014
(proc. 1152/11.0YXLSB.L1-6; relator: VÍTOR AMARAL); e da Relação de Coimbra de
12.01.2016 (proc. 37/09.4TBSRT-D.C2; relator: FALCÃO DE MAGALHÃES).
Com o indeferimento do requerimento de
adjudicação de 06.02.2017, esgotou-se o poder jurisdicional do tribunal
recorrido sobre essa matéria, nos termos do artigo 613.º do CPC. Não tendo sido
interposto recurso do mesmo despacho, este último, como vimos acima, adquiriu
força de caso julgado formal, nos termos do artigo 620.º, n.º 1, do CPC.
Em consequência do referido esgotamento
do seu poder jurisdicional sobre a matéria em questão, estava vedado, ao
tribunal recorrido, proferir nova decisão sobre a mesma. Sendo essa nova
decisão proferida após o trânsito em julgado do despacho de 14.02.2017,
ofenderia o caso julgado formal decorrente desse trânsito.
Não obstante o esgotamento do seu poder
jurisdicional e o trânsito em julgado do seu despacho de 14.02.2017, o tribunal
recorrido proferiu, em 21.06.2017, o despacho recorrido, em sentido
diametralmente oposto ao anterior, pois autorizou uma adjudicação em termos em
tudo idênticos àqueles que anteriormente tinha julgado inadmissíveis. Mais, o
despacho recorrido é contraditório, não só com o anterior indeferimento
implícito do requerimento de adjudicação, mas também com a decisão que
expressamente consta do despacho de 14.02.2017, pois, sem sequer abrir a porta
à venda por preço inferior ao anteriormente fixado como mínimo, através do
deferimento daquilo que a recorrida efectivamente requereu, desistiu da venda
por negociação particular e autorizou a adjudicação. Sendo assim, impõe-se a
conclusão de que o despacho recorrido violou o princípio do esgotamento do poder
jurisdicional consagrado no artigo 613.º do CPC e ofendeu o caso julgado formal
decorrente do trânsito em julgado do seu despacho anterior, nos termos do
artigo 620.º, n.º 1, do mesmo código.
Resta esclarecer que o argumento da
recorrida segundo o qual não se encontrava esgotado o poder jurisdicional do
tribunal recorrido, nem existia caso julgado formal, porquanto o despacho
recorrido incidiu sobre requerimento distinto do de 06.02.2017 e numa fase
processual diversa, não faz sentido. A reiteração, pela parte, de uma pretensão
já decidida através de despacho transitado em julgado não reabre a discussão
nem permite a prolação de nova decisão sobre a mesma. É o que decorre dos
citados artigos 613.º e 620.º, n.º 1, do CPC.
3
– Admissibilidade da adjudicação pelo valor de € 66.500:
Não obstante já resultar da exposição
anterior que o despacho recorrido tem de ser revogado, não deixaremos de
analisar, ainda que muito brevemente, a questão da admissibilidade da
adjudicação do imóvel à recorrida pelo valor de € 66.500, suscitada pelo
recorrente.
Decorre do artigo 799.º, n.º 3, do CPC,
que o exequente que pretenda que lhe sejam adjudicados bens penhorados para
pagamento, total ou parcial, do seu crédito, deve indicar o preço que oferece,
não podendo, em caso algum, a oferta ser inferior ao valor a que alude o n.º 2
do artigo 816.º. Este último preceito estabelece, por seu turno, que o valor a
anunciar para a venda é igual a 85% do valor base dos bens.
Resulta dos autos que o valor base do
imóvel penhorado é de € 113.000, pelo que o valor a anunciar para a venda – e,
logo, o valor mínimo da adjudicação – era de € 96.050, superior ao de € 66.500
oferecido pela recorrida. Consequentemente, também por esta razão, o despacho
recorrido violou a lei ao adjudicar o imóvel penhorado à recorrida pelo valor
de € 66.500.
Em conclusão:
Por padecer das nulidades previstas no
artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC e por violar o princípio do
esgotamento do poder jurisdicional (artigo 613.º, n.º 1, do CPC), o caso
julgado formal decorrente da prolação do despacho de 14.02.2017 (artigo 620.º,
n.º 1, do CPC) e o disposto no artigo 799.º, n.º 3, do CPC, o despacho recorrido
deverá ser revogado. Em sua substituição, deverá o tribunal recorrido proferir
despacho sobre o requerimento de redução do valor base da venda, analisando
todas as questões suscitadas, quer pelo recorrente, quer pela recorrida, após o
que os autos deverão prosseguir com vista à venda do imóvel por negociação
particular.
*
Decisão:
Acordam os juízes do
Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, revogando o
despacho recorrido e ordenando
que o tribunal recorrido profira despacho sobre o requerimento de redução do
valor base da venda, analisando todas as questões suscitadas, quer pelo
recorrente, quer pela recorrida, após o que os autos deverão prosseguir com
vista à venda do imóvel por negociação particular.
Custas
pela recorrida.
Notifique.
*
Évora, 26 de Abril
de 2018
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
1.ª adjunta
2.º adjunto