quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Acórdão da Relação de Évora de 23.11.2023

Processo n.º 20/18.9T8TMR.E1

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Sumário:

1 – A exigência de discriminação, na sentença, dos factos não provados, feita pelo n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, não é cumprida com a afirmação de que como tal se consideram “todos os demais alegados, que se dão por integralmente reproduzidos”.

2 – O legislador pretende que a sentença enumere a totalidade dos factos provados e não provados, de forma a evidenciar que o tribunal apreciou cada um dos factos alegados com relevância para a decisão da causa, como é seu dever, e a permitir uma perfeita apreensão, pelos destinatários da sentença, das razões da decisão, apreensão essa fundamental, nomeadamente, para um exercício esclarecido do direito ao recurso.

3 – Constituindo o thema decidendum a existência de um caminho em determinado local e a sua natureza, não poderá considerar-se como facto provado, ou não provado, que o caminho existente nesse local tem natureza pública.

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Acção popular civil.

Autores: ML e AM.

Interveniente: FA.

Réus: HF e outros.

Pedidos: A) Que a parte da rua com início no entroncamento com a Rua António Simões e fim a poente da propriedade dos autores, seja declarado público, com a denominação toponímica de Rua Joaquim Almeida, em (…), freguesia do (…) em (…); B) Que os réus sejam condenados a deixar livre e totalmente desimpedida de obstáculos ou bens a Rua Joaquim Almeida, permitindo a livre circulação de pessoas e bens, mormente o acesso ao prédio dos autores e dos restantes proprietários acima identificados.

Sentença: Julgou a acção procedente, declarando a natureza pública do caminho/estrada com início no entroncamento com a Rua António Simões e fim a poente da propriedade dos autores, com a denominação toponímica de Rua Joaquim Almeida, em (…), freguesia do (…), em (…), e condenando os réus a retirar o portão de ferro existente em toda a largura da Rua Joaquim Almeida e a deixar esta rua livre e totalmente desimpedida de obstáculos ou bens, permitindo a livre circulação de pessoas e bens, mormente o acesso ao prédio dos autores.

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A ré HF interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – O tribunal não deu cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 607.º do C.P.C., uma vez que não indicou quais os factos contantes que julga não provados.

2 – A sentença proferida sofre de vicio de nulidade porquanto, nos termos das alíneas d) e e) do nº1 do artº 625 do C.P.C., não se pronuncia sobre o teor dos documentos juntos quer pelos AA. quer pelo seu associado, quer pelos RR. (fotos) que identificam o verdadeiro local da rua Joaquim de Almeida, atentas as placas toponímias existentes e porque condena os RR. a retirar o portão de ferro que diz existir em toda a largura da Rua Joaquim Almeida, quando nem existe portão de fero, nem tal rua no local indicado.

3 – Atenta a prova documental junta aos autos, nomeadamente as plantas cadastrais do local, o Tribunal não podia dar como provado no facto 3, que o prédio dos AA. confronta a poente com a Rua Joaquim Almeida, uma vez que a poente situa-se o prédio rústico identificado sob o artº 320 – B e neste prédio não existe qualquer caminho que possa ser considerado de Rua Joaquim Almeida.

4 – O Tribunal relativamente aos factos 6 e 7, ao apoiar-se no documento 8 junto com a p.i., não podia dar como provado que o caminho situado a nascente correspondente à rua Joaquim Almeida, com a largura de 3,39m e que afunila para 2,92m no limite do prédio descrito na Conservatória sob o nº 1244, atenta a prova documental (fotos) referidas no ponto 2 desta conclusão.

5 – O Tribunal relativamente aos factos 8 e 9 não podia dar como provado o local de início da rua Joaquim Almeida, atenta a omissão que o doc. nº9 junto com a p.i. faz da real localização e traço desta rua, delimitado pelas placas toponímicas existentes.

6 – O Tribunal não podia dar como provado no facto 10 que o prédio propriedade do associado dos AA., confronta a poente com a estrada (rua Joaquim Almeida) situa-se sim a Rua António Simões, do próprio documento nº4, junto pelo associado dos AA. Com a p.i., e proveniente do Instituto Geográfico Português, e datado de 9/11/2010, indica apenas a existência de um caminho, porque aberto pela Ré e seu falecido marido antes da vigência do cadastro geométrico para o concelho de (…).

7 – Os factos dados por provados e constante dos nºs 11 e 12, nenhuma relação possuem com o objeto desta ação e com os intervenientes nestes autos, pelo que o Tribunal não podia tomar conhecimento de tais prédios.

8 – Também o Tribunal não podia dar como provado facto nº 13, com base no doc. 11 junto com a p.i., porquanto o caminho existente não termina no prédio 321, mas sim no nº 320 e sobre este não existe qualquer caminho, pelo que também o facto 14, não podia ser dado como provado, atenta toda a documentação (fotos e plantas cadastrais) que se encontra junta aos autos.

9 – Atendendo a que o doc. 9 junto pelos AA. com a p.i., não identifica, como já atrás se referiu, a rua Joaquim Almeida identificada nas fotos juntas pelas placas toponímicas, e atendendo a que o prédio dos AA. confronta a poente, exclusivamente com o prédio nº 320 , jamais o Tribunal podia dar como provada a ligação ao prédio dos AA. conforme consta do facto 15.

10 – Também não podia o Tribunal dar como provado que o caminho existente é uma via publica, porquanto, nenhuma prova existe nem alegado fora que quer a Junta de Freguesia, quer a Câmara Municipal, hajam praticado atos de limpeza e manutenção do caminho. O facto 16, refere apenas a expressão “terá sido ....”, ou seja, sem certezas e, o facto 17 “refere a expressão “será certamente pública...., mas sem identificação dos atos públicos que hajam sido praticados.

11 – Atento o depoimento prestada pelo testemunha IJ, ouvida na secção de julgamento de 15/6/20221 – gravação áudio 10:48:50, deveria ser considerado por provado que o caminho existente foi aberto pelo marido da Ré, há uns 40 anos para dar acesso aos terrenos deles e a um barracão que tinham feito antes da casa e por lá era a entrada – que no caminho há arvores grandes e atento o prestado pela testemunha MR (sessão de 15/6/2021 e gravação áudio 11:39:16, deveria também considerar por provada “que a HF e o falecido marido mandou abrir o caminho para o lado onde estavam a habitar e para o trator passar para zelar as terras e, “que o acesso para a casa da ML. Íamos pela rua que é agora chamada rua da Horta que agora está alcatroada”, “que foi por lá que passaram os materiais para a casa e foi por lá que fizeram o muro”.

12 – Atento o exposto e atenta a ausência de factos o Tribunal não podia dar como provado o facto 19 com o teor relatado.

13 – O tribunal com o facto provado nº 20 pronunciou-se sobre matéria não alegada, face à inexistência no local de qualquer portão de ferro.

14 – Atento os depoimentos prestados pela atrás referida testemunha MR e JL – sessão de 15/6/21 – gravação áudio 11:39:16, o tribunal não podia dar como provado que a Rua Joaquim Almeida é o único acesso para a propriedade dos AA. atenta a real localização desta rua.

15 – O Tribunal teria que dar como provado atenta a ausência de factos que revelassem a existência de atos de manutenção, melhoramento, e limpeza levados a cabo pela administração local ou pela junta de freguesia, jamais podia considerar o caminho em questão como rua publica e correspondente à rua Joaquim Almeida, e bem assim porque nenhum facto fora considerado por provado que indiciasse, que o caminho fosse utilizado livremente por todas as pessoas sem discriminação.

16 – Os pressupostos para que um caminho possa ser considerado como público, são o uso direto e imediato pelo público, desde tempos imemoráveis e a sua propriedade por parte da entidade de direito público com afetação à utilidade pública, que a sua utilização tenha por objeto a satisfação de interesses coletivos de certo grau e relevância, sendo tal fim distinto do exclusivamente pessoal.

17 – Deverá portanto o Tribunal revogar a sentença proferida, substituindo-a por outra que considere como localizada a rua Joaquim no local identificado pelas fotos juntas aos autos, atentas as placas toponímicas existentes e totalmente visíveis nas mesmas e não no caminho situada a nascente do prédio dos RR., ou seja, que tal caminho na realidade, e, passar de o Município de (…) no doc. nº 9 junto com a p.i. o haver indicado como sendo a rua Joaquim Almeida, não é rua pública, face ao não preenchimento dos pressupostos atrás referidos.

18 – Com a decisão proferida, o Tribunal violou o disposto no nº 4 do artº 607, 413º e artº 490 do C.P.C e os artºs 341º, 362º do C.C.

Todos os recorridos apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido.

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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. Os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio misto sito na Rua Joaquim Almeida, número 340, no lugar da (…), freguesia do (…), concelho de (…), composto de terreno de cultura arvense de sequeiro, figueiras e oliveiras, com a área de 3.320m2 e de uma casa, para habitação, com 72 m2 e logradouro de 168m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº 2529 da freguesia do (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1435° e na matriz predial rústica sob o artigo 321° da Secção B, ambos da freguesia de (…), - conforme certidão predial permanente com o código de acesso nº (…) e cadernetas prediais juntas como docs. 1 e 2 anexos.

2. A Autora mulher adquiriu o prédio através do processo de inventário, que correu termos por óbito de seus pais, (…), pendente na extinta 2ª Secção do 5° Juízo Cível do Tribunal de Lisboa sob o nº 5868/05.1TJLSB, - doc. 3 junto com a PI.

3. O prédio dos Autores confronta de norte com (…), de sul com (…), de nascente com (…) e de poente com a Rua Joaquim Almeida, (…), (…) e (…).

4. Os RR. são proprietários do prédio misto, com a área total de 4.920 m2, composto de casa de habitação de rés-do-chão, com a área de 86 m2, logradouro de 34 m2 e ainda terra de cultura arvense, oliveiras, citrinos e macieiras com a área de 4.800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº 160 da freguesia de Beco e inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 433°, 434°, 435°, todos da Secção B, bem como na matriz predial urbana sob o artigo 1832°, todos da freguesia de (…), - conforme certidão predial permanente com o código de acesso nº (…) e docs. 4, 5, 6 e 7 junto com a PI.

5. A entrada para o prédio dos RR. faz-se pelo número 1178 da Rua António Simões, na (…), freguesia do (…) que é a morada fiscal da ora 2ª Ré.

6. De acordo com as plantas juntas ao processo de obras nº 01/2013/72, arquivado na Câmara Municipal de (…), (doc. 8 junto com a PI), a 1ª Ré, indica que o prédio confronta a nascente com caminho.

7. De acordo com aquela planta anexa, é ali declarado que os limites foram indicados pelo proprietário e que a Rua Joaquim Almeida tem a largura de 3,39 metros, afunilando para 2,92 metros no limite do prédio descrito na Conservatória sob o nº 1244.

8. A Rua Joaquim Almeida tem início no entroncamento com a Rua António Simões, - doc. 9 junto com a PI.

9. Na entrada da Rua Joaquim Almeida, do lado esquerdo localiza-se o prédio dos RR. e do lado direito o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº 1244° da freguesia do (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 444 da Secção B e na matriz predial urbana sob o artigo 1648°, ambos da freguesia do (…), - doc. 10 junto com a PI - conforme print retirado do sítio da internet, www.google.pt.

10. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº 1244° confronta de norte com (…), de sul com estrada (Rua António Simões), de nascente com (…) e de poente com estrada (Rua Joaquim Almeida) e (…) - certidão predial com o código de acesso nº (…).

11. Confronta de poente com a Rua Joaquim Almeida o prédio rústico sito em Carraminheira, descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº 2112° da freguesia do Beco e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 352° da Secção B da freguesia do (…), - certidão predial com o código de acesso nº (…).

12. E o prédio rústico sito em (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº 1447° da freguesia do (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 351° da Secção B da freguesia do (…) confronta de poente com estrada - certidão predial com o código de acesso nº (…).

13. A Rua Joaquim Almeida termina a poente do prédio dos Autores, sito na Rua Joaquim Almeida, nº 340, (…), - conforme doc. 11 junto com a PI.

14. Os prédios descritos na Conservatória sob os nºs 1244, 2112, 1447 e ainda a propriedade dos Autores, são servidos pela Rua Joaquim Almeida.

15. A estrada que liga a Rua António Simões, na (…), ao prédio dos Autores é uma via pública, com a denominação de Rua Joaquim Almeida (documento nº 9 junto com a PI).

16. Em 25 de agosto de 2011, através de ofício, MC, que assina pelo Presidente da Junta de Freguesia do (…), informa a Autora que a estrada em questão já existe desde pelo menos e de acordo com populares, desde 1960, e que a estrada, ou seja, a Rua Joaquim Almeida, terá sido intervencionada, para limpeza e manutenção, pela Junta de Freguesia, por volta de 1990, - doc. nº 12.

17. Através do ofício 3088/2012 de 23/06/2012, o Presidente da Junta de Freguesia do (…) confirma à Câmara Municipal de (…) que a via identificada na planta e fotografias "será certamente pública de acordo com informação recolhida junto à população", - doc. nº 13 junto com a PI.

18.Em data que não consegue precisar, mas que seguramente em meados de 2009, os RR. colocaram um portão de ferro em toda a largura da Rua Joaquim Almeida, ou seja, entre os muros da sua propriedade e do prédio descrito sob o nº 1244°, - conforme doc. 14 junto com a PI.

19. Até àquela atuação dos RR., não apenas os Autores, como os proprietários identificados nos artigos 11º e 12º desta petição inicial, tinham acesso à sua casa através da Rua Joaquim Almeida - conforme doc. 15 junto com a PI.

20. A colocação do portão de ferro pelos RR., em toda a largura da Rua Joaquim Almeida impossibilita, desde então, a passagem de pessoas e de qualquer viatura.

21. Para além de impedir a passagem, impossibilitou os Serviços da Câmara Municipal de (…) de construir o ramal de abastecimento de água para a casa dos Autores - doc. nº 16.

22. A Rua Joaquim Almeida é o único acesso para a propriedade dos Autores.

23. O comportamento dos RR foi levado ao conhecimento nas sessões da Assembleia Municipal de (…) de 24 de setembro de 2010 (doc. nº 17 anexo -fls. 2 e seguintes), de 22 de fevereiro de 2013 (doe. 18 junto com a PI - fls. 2 e seguintes), de 24 de abril de 2015 (doe. 19 - fls. 10 e seguintes), de 25 de setembro de 2015 (doe. 20 - fls. 5 e seguintes) e ainda à de 4 de dezembro de 2015 (doc. 21 - fls. 5 e seguintes).

24. Não obstante, aquela entidade nada fez em defesa dos bens do domínio público e da livre circulação de pessoas e bens.

A sentença recorrida julgou não provados os demais factos alegados.

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A recorrente suscita a questão da falta de cumprimento, pelo tribunal a quo, do disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas doravante referenciadas), na medida em que a sentença recorrida não menciona os factos julgados não provados.

Na sentença recorrida, consignou-se o seguinte:

“Factos não provados:

Todos os demais alegados que se dão por integralmente reproduzidos.”

A exigência de discriminação dos factos não provados, feita pelo n.º 4 do artigo 607.º, não se cumpre através desta remissão genérica para os articulados. Se fosse esse o sentido da referida exigência legal, a mesma seria inútil. Em vez disso, o legislador pretende que a sentença enumere a totalidade dos factos provados e não provados, de forma a evidenciar que o tribunal apreciou cada um dos factos alegados com relevância para a decisão da causa, como é seu dever, e a permitir uma perfeita apreensão, pelos destinatários da sentença, das razões da decisão, apreensão essa fundamental, nomeadamente, para um exercício esclarecido do direito ao recurso.

Sendo assim, a recorrente tem razão. A sentença recorrida não discriminou os factos julgados não provados e, com isso, violou o disposto no n.º 4 do artigo 607.º.

Todavia, o problema é mais amplo. A decisão sobre a matéria de facto é obscura, eventualmente contraditória, e insuficiente. A sua fundamentação também se encontra incompleta. Passamos a fundamentar cada uma destas afirmações.

No n.º 8 da matéria de facto provada, consignou-se que a Rua Joaquim Almeida tem início no entroncamento com a Rua António Simões. Suscita-se a dúvida sobre qual seja o entroncamento que se tem em vista.

É consensual que a Rua Joaquim Almeida forma um entroncamento com a Rua António Simões, situando-se um dos seus extremos no lado direito de quem nesta circule no sentido sudoeste-nordeste (cfr. o fotomapa constante do documento junto com a petição inicial sob o n.º 9). Já a questão de saber se a Rua Joaquim Almeida forma um segundo entroncamento com a Rua António Simões, junto ao prédio da recorrente, encontra-se no epicentro do litígio que opõe as partes deste processo. Na versão dos recorridos ML e AM, um dos extremos da Rua Joaquim Almeida situa-se junto ao seu prédio, do lado poente, o que, logicamente, determina a existência de um cruzamento entre essa rua e a Rua António Simões junto ao prédio da recorrente. Na versão da recorrente, a Rua Joaquim Almeida começa e acaba na Rua António Simões, assim formando, com esta, dois entroncamentos sucessivos.

Daí que o n.º 8 da matéria de facto provada seja dúbio: a que entroncamento se refere? Ao primeiro, que comprovadamente surge do lado direito de quem circule pela Rua António Simões no sentido sudoeste-nordeste? Ou àquele que, algumas dezenas de metros adiante, junto ao prédio da recorrente, alegadamente surge, também do lado direito, a quem circule na Rua António Simões no sentido poente-nascente, após descrever uma curva à direita? Nesta segunda hipótese, a qualificação do ponto onde a Rua Joaquim Almeida intercepta a Rua António Simões como um entroncamento e não como um cruzamento seria contraditória com os n.ºs 3, 10, 11, 13, 14, 18, 19, 20 e 22 da matéria de facto provada, dos quais resulta que o tribunal a quo ficou convencido de que a Rua Joaquim Almeida cruza a Rua António Simões e se prolonga até ao prédio dos recorridos ML e AM.

Impõe-se, assim, esclarecer qual é o exacto local a que o n.º 8 da matéria de facto provada se refere, reformulando-se a matéria de facto provada tendo em atenção as questões que acabámos de referir.

Também o n.º 9 da matéria de facto provada suscita dúvidas quando refere que, na entrada da Rua Joaquim Almeida, do lado esquerdo, se localiza o prédio da recorrente e, do lado direito, o outro prédio aí identificado.

Esses dois prédios não se localizam na entrada da Rua Joaquim Almeida, seja na versão da recorrente, seja na versão dos recorridos. Na versão da recorrente, esses prédios não se situam na Rua Joaquim Almeida, pura e simplesmente. Na versão dos recorridos ML e AM, os mesmos prédios situam-se na Rua Joaquim Almeida, mas não junto a qualquer das entradas desta. Decorre da descrição do local feita na petição inicial que uma das entradas da Rua Joaquim Almeida dá origem ao primeiro dos entroncamentos acima referidos, ou seja, ao único entroncamento que eles consideram existir, e a outra entrada situa-se junto ao prédio dos recorridos ML e AM. Quando muito, a aceitar-se a versão dos recorridos, os dois prédios referidos no n.º 9 situam-se à entrada do trecho da Rua Joaquim Almeida que fica do lado esquerdo da Rua António Simões, tendo como referência o sentido poente-nascente. É isto que resulta dos artigos 8.º, 29.º, 34.º e 35.º da petição inicial, onde aquele trecho é referido como “parte da Rua Joaquim Almeida”, rua esta que, logicamente, começa no lado oposto da Rua António Simões. Note-se, a propósito, que, no artigo 8.º da petição inicial, certamente por lapso, os recorridos ML e AM qualificam, contraditoriamente com a descrição resultante da globalidade daquele articulado, o local onde a Rua Joaquim Almeida intercepta a Rua António Simões junto à casa da recorrente como um entroncamento. Contudo, no artigo 29.º, já alegam que esse local constitui um cruzamento, em consonância com a versão factual que sustentam.

É, pois, necessário esclarecer também esta matéria, reformulando o n.º 9 da matéria de facto provada de forma a esclarecer as dúvidas expostas.

O tribunal a quo não se pronunciou, como devia, sobre inúmeros factos alegados pelas partes que têm interesse para a decisão da causa, julgando-os provados ou não provados. Temos em vista os factos alegados nos artigos 30.º a 35.º, 44.º e 45.º da petição inicial e nos artigos 7.º a 12.º, 18.º a 20.º, 22.º, 24.º, 25.º, 36.º, 38.º, 39.º e 41.º da contestação.

Ao pronunciar-se sobre todos esses factos, máxime sobre aquele que consta do artigo 35.º da petição inicial, o tribunal a quo deverá reformular o n.º 15 da matéria de facto provada, segundo o qual a estrada que liga a Rua António Simões ao prédio dos recorridos ML e AM é uma via pública, com a denominação de Rua Joaquim Almeida. Não porque consideremos, em geral, inadmissível a utilização de expressões conclusivas no enunciado da matéria de facto, mas porque a existência da referida rua e a sua natureza pública constituem precisamente o thema decidendum. Qualificar o caminho em questão como público equivale a antecipar, no elenco dos factos provados, uma conclusão a que o tribunal só poderá chegar no final da sentença, após a ponderação da globalidade da matéria de facto provada e a sua apreciação à luz do Direito aplicável.

Finalmente, o tribunal a quo não fundamentou a sua convicção relativamente aos factos que considerou – sem os enunciar nos termos impostos pelo n.º 4 do artigo 607.º, como vimos – não provados. Deverá, agora, fundamentar a sua convicção relativamente, quer aos factos provados, quer aos factos não provados.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, anular a sentença recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.

Na sequência da descida dos autos, deverá o tribunal a quo, através da Senhora Juíza que proferiu a sentença recorrida, proferir nova sentença em que:

- Amplie a matéria de facto, pronunciando-se, julgando-os provados ou não provados, sobre os factos alegados nos artigos 30.º a 35.º, 44.º e 45.º da petição inicial e nos artigos 7.º a 12.º, 18.º a 20.º, 22.º, 24.º, 25.º, 36.º, 38.º, 39.º e 41.º da contestação;

- Reformule os n.ºs 8, 9 e 15 da matéria de facto julgada provada nos termos expostos na fundamentação deste acórdão;

- Fundamente a sua convicção sobre os factos que julgar provados e não provados, analisando criticamente a prova.

Custas a cargo dos recorridos.

Notifique.

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Évora, 23.11.2023

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.ª adjunta 

 

Despacho de 19.06.2024

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