Admissibilidade do recurso.
Valor da causa.
Valor da sucumbência.
Legitimidade para recorrer.
Efeito do recurso.
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O autor suscita a questão da admissibilidade do recurso interposto pelos réus.
Sustenta, em
síntese, o seguinte:
- No despacho saneador,
foi atribuído, à causa, o valor de € 16.700, tendo-se as partes conformado com tal
decisão;
- O valor de € 16.700 corresponde
ao da indemnização pedida pelo autor;
- Os réus foram absolvidos
da totalidade do pedido de condenação no pagamento da referida indemnização,
pelo que o valor da sua sucumbência é zero;
- Logo, os réus não
decaíram na acção;
- A sentença recorrida não
foi desfavorável aos réus em valor superior a metade da alçada do tribunal;
- Consequentemente, o
recurso interposto pelos réus não é admissível.
Esta
argumentação é manifestamente falaciosa. A mera ponderação do resultado a que
conduz impõe o seu afastamento. Segundo o autor, os réus, não obstante terem
sido condenados a restituírem-lhe a fracção reivindicada, não são parte
vencida. Isto é, obviamente, absurdo.
Note-se, em
primeiro lugar, que o autor não levou o seu raciocínio até ao fim. Se se concluísse
que os réus não decaíram na acção, a causa da inadmissibilidade do recurso por
eles interposto seria a sua ilegitimidade, nos termos do n.º 1 do artigo 631.º
do CPC, e não, meramente, o insuficiente valor da sua sucumbência, nos termos
do n.º 1 do artigo 629.º do CPC. Contudo, é evidente que, tendo sido condenados
a restituírem o imóvel ao autor, os réus são parte vencida, pelo que têm
legitimidade para a interposição do recurso. Tal como o autor teria, na
hipótese de os réus terem sido absolvidos do pedido de restituição do imóvel.
O que, na
realidade, ocorre nos presentes autos, é que o valor da causa foi mal fixado. Na
sequência da sua errada indicação pelo autor, com a qual os réus se
conformaram, o tribunal a quo fixou o
valor da causa em € 16.700, coincidente com o do pedido indemnizatório. O valor
da fracção reivindicada não foi tido em conta na fixação do valor da causa.
Foi, assim, violado o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, 297.º, n.º 2, 1.ª
parte, e 302.º, n.º 1, do CPC.
A decisão que
fixou o valor da causa transitou em julgado, pelo que é, neste momento,
inatacável. A circunstância de o valor da fracção reivindicada não ter sido
levada em conta na fixação do valor da causa não tem a absurda consequência que
o autor dela pretende retirar, mas sim a de, sendo embora certo que os réus ficaram
vencidos relativamente ao pedido de restituição da fracção, ser incerto o valor
da sua sucumbência.
Sendo assim, é
aplicável o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 629.º do CPC: atenta a
fundada dúvida sobre o valor da sucumbência dos réus, a decisão sobre a
admissibilidade do recurso por estes interposto deverá atender, exclusivamente,
ao valor da causa. Sendo este de € 16.700, superior à alçada do tribunal a quo, aquele recurso é admissível.
Ainda que
assim se não entendesse, o recurso sempre seria admissível ao abrigo do
disposto na al. a) do n.º 3 do artigo 629.º do CPC, pois, nesta acção,
aprecia-se a subsistência de um contrato de arrendamento não excluído por
aquela norma, invocado pelos réus com vista a obstar à procedência do pedido de
entrega da fracção.
Julgo, assim,
admissível o recurso interposto pelos réus.
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O autor
sustenta que, a ser admitido o recurso interposto pelos réus, deverá ser-lhe
atribuído efeito meramente devolutivo.
Sem razão. Tal
como o tribunal a quo decidiu, aquele
recurso tem efeito suspensivo, atento o disposto no artigo 647.º, n.º 3, al.
b), com referência ao artigo 629.º, n.º 3, al. a), ambos do CPC.
Mantenho,
pois, o efeito suspensivo ao recurso interposto pelos réus.
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Recebo o
recurso interposto pelo autor, com efeito meramente devolutivo.
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Inscreva-se em tabela,
para a sessão de 11.07.2024.
Aos vistos.
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19.06.2024
Vítor Sequinho dos
Santos